Prejuízo à vista na troca das metas de universalização das teles fixas

A advogada e coordenadora do Pro Teste, Flávia Lefevre, integrante do Conselho Consultivo (CC) da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), denunciou um fato da mais alta gravidade. A versão de um documento oficial enviado para a análise do CC não confere com o original. Entre uma e outra, algo desapareceu.

Segundo a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), em seu artigo 35, cabe ao CC opinar sobre as políticas de telecomunicações antes que a Anatel as envie para o Ministério das Comunicações (MiniCom). Ocorre que o CC opinou sobre um documento e a Anatel enviou outro, em flagrante desrespeito à lei. E não se trata de qualquer documento, mas do Aditivo ao Contrato de Concessão do Serviço de Telefônico Fixo Comutado (STFC – o telefone fixo comum), que motivou o Decreto Presidencial 6424, de 7 de abril de 2008.

Nos contratos de concessão, assinados em 2005, as teles ficavam obrigadas a instalar Postos de Serviço Telefônico (PSTs) em cada cidade brasileira. Através do Aditivo, governo e teles concordaram em trocar a obrigação dos PSTs pela obrigação de garantir um ponto de presença (backhaul) da internet banda larga em cada município brasileiro. A partir deste backhaul é possível contruir a rede local, que percorra toda a cidade.

Em artigo anterior [ver aqui], expliquei porque achava esse um acordo com obrigações tímidas para as teles. De um lado, a capacidade que as empresas serão obrigadas a disponibilizar para essa banda larga é muito pequena e onde não houver interesse econômico provavelmente a operadora não investirá para aumentar a capacidade do backhaul. De outro lado, não há regras que obriguem a tele a compartilhar esse backhaul com os provedores locais, permitindo que as operadoras promovam um verdadeiro monopólio da banda larga.

Em audiência pública da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados [ver aqui], apontei o absurdo da consulta pública sobre esta troca dos PSTs pelo backhaul, que durou apenas sete dias úteis. A alegação da Anatel de que a pressa era motivada pela obrigação legal de fazer tudo em 2007 se mostrou falsa, já que o Decreto Presidencial só foi assinado em abril deste ano.

Mas, a denúncia de Lefevre é ainda mais grave. Não apenas porque demonstra que a direção da Anatel sonegou informações ao seu Conselho Consultivo e desrespeitou a LGT, mas porque essa mudança pode representar um grave prejuízo ao patrimônio público.

Trocar STFC por SCM – ou maças por laranjas

Embora todos reconheçam que é muito melhor para o país que seus municípios tenham acesso à Internet banda larga do que postos telefônicos, o Aditivo não deixa de ser estranho. O governo usou o contrato de concessão de telefonia fixa (STFC), prestado em regime público, para impor regras às autorizações para prover acesso à Internet (SCM), prestadas em regime privado. Ou seja, o Decreto Presidencial trocou laranjas por maçãs.

Reversibilidade

E aqui começa todo o problema apresentado pela advogada Flávia Lefevre. Os serviços prestados em regime público tem seus bens garantidos pelo direito de reversibilidade. Ao final do contrato de concessão, se este não for renovado, e para garantir que este serviço será mantido, os equipamentos usados para prestar o serviço são revertidos para a União.

Como o Aditivo enfiou, no meio da concessão de telefonia fixa (prestado em regime público), uma obrigação de outro serviço, prestado em regime privado, é claro que este último não está coberto pela garantia da reversibilidade.

O fato de que o backhaul não faz parte da infra-estrutura da telefonia fixa, e portanto não seria naturalmente reversível à União, é explicado por um documento da Abusar (Associação Brasileira dos Usuários de Acesso Rápido) publicado pelo Observatório do Direito à Comunicação [ver aqui].

Para piorar, como o backhaul agora está incluído no contrato de concessão da telefonia fixa, as operadoras poderão incluir seus custos nos cálculos de reajuste das tarifas de telefonia. O que significa que todos os usuários do telefone fixo (inclusive aqueles que não poderão pagar pelo acesso à Internet em banda larga) terminarão arcando com os custos do backhaul.

Mas, como não faz parte do STFC, era necessário, então, deixar claro que o backhaul poderia ser revertido à União ao final dos contratos de concessão. Essa garantia aparecia na versão do Aditivo enviada ao Conselho Consultivo da Anatel. E desapareceu da versão final, sem que ninguém tenha sido avisado.

Desde que a denúncia de Lefevre ganhou as páginas da imprensa especializada, representantes do MiniCom, da Anatel e até das operadoras de telecomunicações têm se dedicado a deixar claro que, ao contrário do afirma a advogada do Instituto Pro Teste e a Abusar, o backhaul seria sim parte da infra-estrutura da telefonia fixa. Mas, até agora não apresentaram nenhum parecer técnico ou jurídico que comprove essa afirmação.

Com essa insegurança jurídica, corre-se o risco de, ao final desta concessão, no ano de 2025, caso se resolva não renovar as concessões, as teles serão obrigadas a reverter para a União apenas o “velho” telefone fixo (em vias de extinção) e ficarão com os equipamentos que garantem o acesso à Internet em banda larga. E isso depois de terem financiado seu funcionamento através das contas de todos os usuários da telefonia fixa.

Mas, até agora o que ninguém consegue explicar é porque a reversibilidade desapareceu da versão final do Aditivo. Se o governo tem tanta certeza dessa reversibilidade, o que custava citá-la? A quem interessou esse desaparecimento?


* Para saber mais:
'O direito ao serviço essencial – A Pro Teste e o STFC'

 

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