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TV paga, o debate rastaquera

Em pleno carnaval um arranca-rabo sobre o "esterco cultural" produzido pela TV paga americana mobilizou os foliões da política & vizinhanças.

Tudo começou com o comentário do assessor internacional do presidente Lula, o professor Marco Aurélio Garcia, noticiado pelo Globo (ver abaixo), sobre a qualidade e teor da programação da TV paga americana, e terminou numa cruzada da Folha de S.Paulo em defesa da "produção independente". Se o debate fosse travado numa mesa de botequim, regado a cerveja, seria mais profundo, veraz e produtivo. Em letra de forma virou samba do crioulo doido.

As opiniões de Garcia foram pinçadas de suas intervenções num debate sobre a política de relações internacionais do PT realizado em Brasília, no sábado (6/2), às vésperas do congresso nacional do partido, ao qual também compareceram o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário de Assuntos Estratégicos, e o sociólogo Emir Sader. Mas o jornalismo da Era Kindle dispensa este tipo de referência: alguém disse que Garcia falou, tá falado – sapecam-se aspas e estamos conversados.

Os comunicadores do PT ou palacianos também não se deram ao trabalho de registrar no site do partido ou do governo o que foi efetivamente dito pelo assessor presidencial e assim evitar distorções. A turma do aparelho também merece uma folga.

Neste vácuo, já na edição de terça-feira (16/2, pág. A-6) da Folha entra em operação a infernal máquina da repercussão: uma repórter perguntou à ministra Dilma Rousseff se concordava com a opinião do professor Garcia segundo a qual existe hoje "um retraimento do pensamento crítico" com um avanço da "subintelectualidade de direita". Dilma concordou, óbvio. Paulo Francis aplaudiria de pé.

Esporte saudável

Na quinta-feira (18/2), a mesma Folha resolve esquentar o debate em duas páginas da "Ilustrada" (ver "Que esterco é esse?"). De repente, amplia-se a crítica de Garcia e o que ele disse a respeito da TV paga americana, num passe de mágica, passa a valer para toda a TV paga, inclusive a européia e a brasileira.

O professor exagerou, foi simplista e sabe disso: o jornalismo da Fox é nauseante, o da CNN é infantil, algumas séries são realmente estúpidas, mas outras são críticas e hilariantes. A programação dos canais de filmes em muitos casos equivale a de um cineclube. Os canais de documentários são de excelente nível, deveriam ser mostrados em nossas escolas. A baixaria televisiva americana está na TV aberta, sobretudo nos filmes. O assessor presidencial não poderia referir-se a eles porque também são exibidos em redes amigas como a Record, a Bandeirantes e o SBT.

Debater a mídia é um esporte salutar, próprio das sociedades desenvolvidas. Indispensável praticá-lo com fair-play e seriedade.

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Marco Aurélio Garcia ataca programação de TV a cabo
Bernardo Mello Franco # reproduzido do Globo Online, 9/2/2010

Escalado para coordenar o programa de governo da ministra Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à presidência, o professor Marco Aurélio Garcia anda preocupado com a influência da TV a cabo sobre os corações e mentes dos brasileiros. No sábado [6/2], o assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos internacionais discursou sobre o tema em debate na sede nacional do PT. Em meio a discussões sobre política externa, ele surpreendeu com um libelo contra o que chamou de "hegemonia cultural dos Estados Unidos".

Marco Aurélio comparou a influência da indústria de entretenimento ao poderio bélico da 4ª Frota, a divisão da Marinha americana que atua no Atlântico Sul.

– Hoje em dia, quase tão importante quanto a 4ª Frota são os canais de televisão a cabo que nós recebemos aqui. Eles realizam, de forma indolor, um processo de dominação muito eficiente. Despejam toda essa quantidade de esterco cultural – esbravejou.

Em tom de alerta, o assessor de Lula disse que a esquerda precisa reagir à difusão de valores capitalistas:

– Estamos vivendo um momento grave do ponto de vista de uma cultura de esquerda. A crise dos valores do chamado socialismo real e a emergência desse lixo cultural nos últimos anos nos deixaram numa situação grave.

O petista também reclamou de um suposto marasmo intelectual no Brasil, comparando os dias atuais a momentos de efervescência cultural das décadas de 1930 e 1950:

– Hoje vivemos uma transformação do ponto de vista econômico-social muito mais importante do que no passado. No entanto, temos um deserto de ideias, um deserto de produção cultural. Isso é um problema no qual temos que pensar.

O coordenador da campanha de Dilma disse que o Brasil foi programado para ser um país pequeno e defendeu o fortalecimento das estatais no governo Lula. Ao condenar o avanço da direita na Europa, fez uma recomendação à plateia:

– Nunca subestimem a estupidez humana. Quem subestimou a estupidez humana se deu mal na História.

Lei de Direito Autoral e educação: debate urgente

[Título original: A importância da Reforma da Lei de Direito Autoral para a educação brasileira]

A Reforma na lei de Direito Autoral é de fundamental importância para educação brasileira. Ela coloca desafios objetivos não apenas para professores e estudantes, mas para toda a classe trabalhadora, tendo em vista o papel que cumpre o acesso à educação para o desenvolvimento, notadamente no que se refere à redução das desigualdades sociais.

A atual lei de direitos autorais não consegue aplicabilidade prática: ela deveria cumprir o papel facilitar o acesso ao conhecimento por parte da população de forma equilibrada aos interesses e estímulos dos autores na produção cultural e científica, mas, dado o peso absolutamente dominante dos intermediários, dos grandes selos de música e das grandes editoras acadêmicas (que, por motivos óbvios, buscam manter o controle sobre à produção cultural), a sociedade é criminalizada enquanto a indústria faz papel de vítima.

O direito ao acesso à informação está direta e explicitamente vinculado à educação. A Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB) estabelece como princípios “a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”, bem como “o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas”.

Há um desconhecimento no meio acadêmico em torno da pressão exercida pelas editoras para impedir que estudantes façam cópias de partes de livros, além dos entraves colocados pelas disputas e interesses do mercado editorial, do qual o livro didático é um dos carros-chefes: como aponta Pablo Ortellado na publicação “Os direitos autorais e a educação“ a comercialização de livros didáticos é responsável por cerca de 60% do mercado editorial brasileiro, sendo que as quatro maiores empresas concentram 70% do mercado. Eles respondem por 37% dos títulos, 61% dos exemplares e 42% do faturamento de todo mercado. Metade desse setor é destinada a compras governamentais por meio de diversos programas, mas, sobretudo, do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Há ainda a influência de diretrizes do Banco Mundial, que “privilegia programas de livros didáticos para conceder empréstimos aos países da América Latina”.

Apesar do fato da legislação autoral e os critérios de comercialização de livros (inclusive os didáticos) restringirem o exercício desses direitos, o debate em torno destas questões tem sido tratado de forma apática pelos seus maiores interessados: estudantes, professores, movimento estudantil, sindicatos e instituições de ensino (independente se públicas ou privadas). O seu envolvimento e participação neste debate poderia determinar importantes conseqüências para a futuro da educação brasileira.

Direitos autorais e educação

A ampliação desse debate está diretamente vinculada ao desenvolvimento acelerado das tecnologias de informação, em grande medida, relacionadas à informática e ao desenvolvimento de equipamentos de reprodução de som e imagem, ao surgimento de novas mídias e à mobilização pelo reconhecimento dos direitos de grupos historicamente excluídos do acesso à informação (a exemplo dos portadores de necessidades especiais).

Na “grande mídia” (quando o assunto é tratado), sua abordagem limita-se à restrição do acesso ao conteúdo de livros, cujo foco é o ensino superior – sobretudo no que se refere à proibição da reprodução de conteúdos fracionados das obras. A Lei 9.610/98 é invocada continuamente para justificar a legitimidade das ações de repressão à circulação livre de obras, literárias ou audiovisuais, como instrumento de defesa das empresas, consideradas autores. No entanto, ela é pouco observada nos aspectos que garantem os interesses dos usuários. A despeito da miopia desta perspectiva, considerações importantes devem ser feitas:

(1) A primeira é que, embora o termo seja “direito autoral”, em grande medida, o que se tem preservado é o direito ao lucro das editoras. Os/as autores/as pouca ou nenhuma autonomia têm para decidir sobre o produto (a mercadoria) realizado por meio de seu trabalho. Sua arte, criatividade e retorno no mercado torna-se algo alienado por empreitada. O direito autoral tem servido aos “detentores” de direito autoral. Daí o movimento contemporâneo de produções independentes que utilizam as novas potencialidades das tecnologias da informação para fugir, substituir ou suprimir intermediários na cadeia produtiva cultural.

(2) O segundo aspecto é o argumento de que a livre reprodução reduziria as vendas o que, consequentemente, desestimularia a produção. Ao contrário, têm se evidenciado empiricamente que o livre acesso às obras não apenas estimula sua compra, como permite ampliar a circulação dos textos, inclusive em âmbito internacional. Para além de uma perspectiva que não consegue vislumbrar um palmo à frente da “propriedade” e da “forma mercadoria” – deveríamos enfatizar o valor incomensurável do livre acesso ao conhecimento para o desenvolvimento humano-civilizatório.

(3) Há ainda uma necessária reflexão a ser feita sobre a comercialização de produtos elaborados a partir de conteúdos financiados com recursos públicos. Sobre o tema, o GPOPAI/USP (Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação divulgou um estudo que aponta as contradições que sustentam o mercado de livros técnicos e científicos. São obras produzidas a partir de pesquisas financiadas por agências estatais de fomento e que estão impedidas de circular livremente. Não raro, é possível encontrar pessoas que, mesmo tendo recebido bolsas de auxílio ao longo de anos para produzir a pesquisa, não permitem a circulação de suas teses ou dissertações porque pretendem “publicá-las”, ou seja, entregar o conteúdo elaborado com financiamento público para exploração privada. Cabe ressaltar que, nesses casos, inclusive, o/a autor/a já recebeu pelo trabalho ao longo do processo.

Os passos e descompassos da reforma

O MinC promoveu diversos seminários que constituíram o Fórum Nacional de Direito Autoral, os quais, em tese, deveriam ser um espaço de interlocução com diferentes atores da sociedade interessados na reforma. Apesar de suas limitações, eles permitiram conhecer os diversos pontos de vista envolvidos e estão integralmente disponibilizados no site do MinC: http://blogs.cultura.gov.br/direitoautoral/.

Após esta fase de consulta pública, foi produzida uma proposta inicial, cujas linhas gerais foram apresentadas pelo MinC em reuniões setoriais, envolvendo grupos da sociedade civil. Apesar do relativo atraso (tendo em vista que o cronograma original tinha como meta apresentar a proposta no início de 2009), a lei finalmente foi enviada para a Casa Civil que, antes de publicar o texto para consulta pública deverá fazer novas consultas com os  Ministérios (embora o texto já tenha sido discutido e aprovado no âmbito do GIPI – Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual).

Um esboço da proposta pode ser visto no documento que o ministério produziu chamado “Diagnostico das discussoes do Fórum Nacional de Direito Autoral e subsidios para o debate“. Há também um resumo da proposta em inglês (Copyright Law Reform in Brazil: Anteprojeto or Anti-project?) feita por Ralf Volker Grassmuck (Gpopai) para o IP-Watch:.

A perspectiva é que a consulta pública tenha início por volta do dia 15 de março.

Avanços, limites e obstáculos da reforma para a educação brasileira

Independente se no âmbito da educação pública ou privada, a Reforma da lei de Direito Autoral poderá colocar importantes conseqüências para o seu futuro. No esboço apresentado pelo MinC é sugerido que seja permitido “o uso de obras protegidas, sem necessidade de autorização dos titulares e remuneração por parte de quem as utiliza em alguns casos”. Destacamos os seguintes trechos:

* “cópia privada, ou seja, a reprodução, por qualquer meio ou processo, de qualquer obra legitimamente adquirida, desde que feita em um só exemplar e pelo próprio copista, para seu uso privado e não comercial; e a reprodução, por qualquer meio ou processo, de qualquer obra legitimamente adquirida, desde que a mesma se destine a se tornar perceptível a partir de equipamento, programa de computador ou suporte distintos daqueles para os quais a obra foi originalmente destinada, quando da sua aquisição pelo copista, e seja para seu uso privado e não comercial e na medida justificada para o fim a se atingir, ou seja, para fins de portabilidade ou interoperabilidade”

* “a reprodução, sem finalidade comercial, de obra literária, fonograma ou obra audiovisual, cuja última publicação não conste mais em catálogo do responsável por sua exploração econômica, bem como não tenha uma publicação mais recente disponível e, tampouco, não exista estoque disponível da obra ou fonograma para venda”

Em tese, a aprovação destas propostas permitiriam cópias privadas integrais das obras. A formulação de que a cópia teria de ser feita pelo próprio copista, sem finalidade de lucro, entretanto, dá margem a diversas ambigüidades: o copista poderia solicitar cópia à terceiros?

Em outros trechos encontramos as seguintes propostas:

– a reprodução necessária à conservação, preservação e arquivamento de qualquer obra, sem finalidade comercial, desde que realizada por bibliotecas, arquivos, museus, cinematecas e demais instituições museológicas, na medida justificada para atender aos seus fins

– a comunicação e a colocação à disposição do público de obras intelectuais protegidas que integrem as coleções ou acervos de bibliotecas, arquivos, museus, centros de documentação, cinematecas e demais instituições museológicas, para fins de pesquisa, investigação ou estudo, por qualquer meio ou processo, no interior de suas instalações ou por meio de suas redes fechadas de informática

Poderiam as instituições de ensino (públicas ou privadas), a partir da aquisição de um único exemplar para o seu acervo, digitalizar conteúdos e disponibilizá-los em seus servidores para livre acesso de seus usuários?

Mais que isso: foi criado um capítulo exclusivo sobre reprografia, que estabelece uma espécie de gravame para fotocópias: “sugerimos a inserção de dispositivos referentes aos direitos reprográficos e a obrigatoriedade de licenciamento para a reprodução, total ou parcial, de obras literárias por meio de fotocopiadora ou processos assemelhados por estabelecimentos comerciais, com a exigência do pagamento de uma retribuição aos autores das obras reproduzidas. Além de possibilitar uma verdadeira gestão coletiva de direitos reprográficos em benefício dos autores, espera-se finalmente solucionar o conflito entre os titulares das obras literárias e os docentes e discentes das instituições de ensino”

Em síntese, isto significa que, de cada cópia que se tire, será arrecadado um valor para ser repassado para os titulares do direito autoral (não necessariamente os autores), penalizando o uso das fotocópias, meio adotado amplamente nas universidades brasileiras. Esse sistema não é compulsório, de forma que editoras ou associação de editoras poderão simplesmente não ingressar no sistema.

Outra questão (indireta) está ligada ao período de proteção das obras, pois temos uma das leis de direitos autorais mais restritivas e conservadoras do mundo: embora a Convenção de Berna e o acordo TRIPS nos obriguem a proteger as obras por 50 anos após a morte do autor (o que já é um absurdo), a proposta manterá o prazo de proteção por inexplicáveis 70 anos, reduzindo o espectro do domínio público em 20 anos. São 20 anos de produção cultural e científica que, injustificadamente, permanecerá como monopólio de editoras e gravadoras!

Por onde começar?

– Assine a lista do Gpopai: http://lists.gpopai.org/listinfo.cgi/sociedade-civil-gpopai.org

– Há um grupo criado para discutir a reforma no site da Cultura Digital do MinC: http://culturadigital.br/groups/reforma-da-lei-de-direito-autoral

– A Carta São Paulo que pede algumas reformas no sentido de ampliar o acesso ao conhecimento ainda pode ser assinada por quem apóia a proposta: http://stoa.usp.br/acesso

– Está disponibilizado no site do Gpopai todo o debate parlamentar que levou à lei atual de DA de 1998. Vale a pena estudar para conhecer as forças atuaram no Congresso naquela ocasião: http://www.gpopai.usp.br/wiki/index.php/DebateDireitoAutoral1998

– A Consumers International faz um levantamento atual das legislações de Direito Autoral, no que elas prevêem de acesso ao conhecimento. É um recurso interessante para pensarmos tudo o que poderia estar na nossa lei. Além disso, o ranking mostra o atraso que é a lei brasileira no quesito acesso ao conhecimento. No ano passado, entre 16 países, o Brasil ficou em 13o lugar! http://a2knetwork.org/watchlist-activity

É preciso que a sociedade brasileira se posicione, pois será fortemente afetada por estas medidas!

* Arakin Monteiro é doutorando em ciências, integrante do GPOPAI/USP e especialista em economia política da internet.

Banda larga popular: a montanha pariu um rato

Quando o governador de São Paulo, José Serra assinou, em outubro de 2009, o decreto que isenta de ICMS o serviço de banda larga popular, com preço máximo de R$ 29,80 ao mês e velocidade de acesso de 200 kbps a 1Mbps, ele disse que o programa deveria beneficiar de imediato cerca de 2,5 milhões de domicílios. Hoje, depois de duas operadoras – a Net e a Telefônica — já terem aderido ao programa, a expectativa do mercado é de que, até o final de 2010, na melhor das hipóteses, ele terá atendido a 200 mil domicílios. O que não chega a 10% do potencial de mercado para um produto desse tipo.

Qual é o motivo do fraco desempenho de um programa de apelo popular e que oferece um serviço que hoje é o “objeto de desejo” de toda família que tem um computador em casa? De acordo com dados da PNAD, do IBGE, existem 690 mil domicílios no estado de São Paulo que têm computador mas não têm acesso à internet e outros 1,752 milhão que usam a internet por linha discada.

Embora as questões sejam complexas, pois envolvem temas de ordem jurídica e regulatória, não é difícil entender o que está acontecendo. A banda larga é um serviço prestado em regime privado, portanto a operadora não está obrigada a fazer uma oferta isonômica para toda a população. Nem tem obrigação de oferecê-lo se não tiver condições técnicas para atender a solicitação de um cliente. Só que o governo do Estado de São Paulo, ao isentar o serviço, nas condições definidas pelo decreto, entendeu que a oferta da operadora tem que atender a todos, assinantes e não assinantes. Isso acabou praticamente eliminando a possibilidade de se usar a rede telefônica, porque a Telefônica avalia que terá prejuízo se ofertar a banda larga a R$ 29,80 para quem ainda não tenha o par de cobre instalado em sua casa, ou seja, para quem não é assinante de seu serviço de telefonia fixa.

Portanto, o banda larga popular de São Paulo é oferecido, desde dezembro, pela rede de cabo da Net (ela não divulga sua cobertura). A partir de 24 de fevereiro, a Telefônica também vai oferecer o serviço, mas apenas pela rede de cabo da TVA (Ajato), que cobre 400 mil domicílios da capital, e pela rede WiMesh, também de capilaridade limitada à Grande São Paulo, pelo menos por hora. A limitação da rede leva a Telefônica a prever que não atenderá mais de 100 mil acessos em 2010 (60 mil pela rede do Ajato e o restante via WiMesh). A Net, que ao lançar o serviço anunciou que esperava conquistar metade dos assinantes de acesso discado à internet, não fala em números. Diz que está investindo para levar o serviço à classe C, que é um enorme desafio, mas não revela nem quanto vai investir na expansão da rede especificamente para a classe C.

Desoneração não basta

O caso da banda larga popular de São Paulo está demonstrando que a simples desoneração tributária – a redução da carga tributária é uma das principais bandeiras das operadoras – não é suficiente para resolver o problema do preço elevado dos serviços. Técnicos do governo observam que se a desoneração vier acompanhada de muitas exigências, o objetivo da massificação do serviço não vai ser alcançado.

São Paulo não é caso isolado. Nos demais Estados que isentaram de ICMS a banda larga, com aprovação de um programa popular, o serviço também não está sendo oferecido pelas concessionárias. A Oi não aderiu ao banda larga popular do Pará e do Distrito Federal. Diz que ainda está desenvolvendo o produto, mas o temor que tem é o mesmo enfrentado pela Telefônica: a exigência na oferta da banda larga sobre par de cobre tanto para assinantes quanto para não assinantes, pelo mesmo preço. “Não é possível oferecer banda larga por ADSL por R$ 29,80, com modem e custo de instalação incluído, se já não existir um par de cobre instalado na casa do cliente”, resume fonte da Telefônica. “Não temos um produto em escala industrial para atender a esse público”, explica.

O mesmo problema deverá se repetir dentro do Plano Nacional de Banda Larga se o serviço continuar a ser prestado em regime privado mas com exigências de serviço público, pelo menos quando a operadora é uma concessionária que tem a rede de par de cobre, a mais capilarizada. Sem falar nas celulares, é claro, que não aderiram ao programa em São Paulo em função do custo do modem, que não conseguiram equacionar.

A proibição de oferta casada de serviços, não só exigência do Procon de São Paulo mas da própria Anatel, só se coloca para as concessionárias de telefonia fixa, que não conseguem oferecer a banda larga popular sem o serviço telefônico. Têm oferta de banda larga sem serviço de assinatura, mas há um preço muito superior. Em São Paulo, por exemplo, o preço de lista desse serviço da Telefônica é de R$ 85,00. Tanto que tem menos de 100 mil assinantes. A Net também oferece só a banda larga, para quem não quer o Net Fone (serviço de voz) ou o pacote de vídeo. Mas a maioria da demanda é por serviço casado.

Com o lançamento de serviço da banda larga popular pela Telefônica, o governo do Estado de São Paulo tem a oportunidade de voltar a examinar a questão, ou seja, se vai reduzir o programa ao tamanho das redes de cabo e sem-fio ou se vai massificá-lo. Se quer um programa de elite ou um programa de massa. Se mantiver a primeiro opção, certamente a montanha terá parido um rato.

Telefônica em contradição

[Título original: Telefônica: em contradição ataca a neutralidade de rede e promove a Campus Party]

A poucos dias tivemos acesso a seguinte notícia pela lista do CGiBr: “Telefônica abre fogo contra buscadores ” .

A matéria mostra a atitude da Telefônica que além de ser um ataque gigantesco a liberdade da Internet, demonstra claramente a contradição1 da Empresa  ao defender a responsabilidade social no Campus Party pelo “compartilhamento de conhecimentos e troca experiências”, e por outro lado conforme o noticiado, querer rever a neutralidade da rede, elemento fundamental na garantia da liberdade na internet. Sem a prática da neutralidade teremos grandes limitações em divulgar e trocar informações livremente. “A neutralidade da rede significa que todas as informações que trafegam na rede devem ser tratadas da mesma forma, navegando a mesma velocidade.” Wikipedia (AQUI).

Seguindo adiante esse projeto da Telefônica, a internet não será mais como conhecemos até hoje. Com o fim da neutralidade da rede, será possível as operadoras discriminarem o livre tráfego de conteúdos de blogs e redes sociais, o trafego e acesso aos blogs com conteúdos livres poderão ficar com velocidades menores que os sites com conteúdos comerciais que estejam pagando a empresa por esse serviço. Diante disso, no Brasil, por exemplo todas as ações da culturadigital.br e dos pontos de cultura poderão ser prejudicadas caso a neutralidade chegue ao fim, afinal se esses não quiserem pagar taxas excedentes, poderão não ter serviço veloz de acesso e entrega de conteúdos, o que poderá levar o usuário(a) da internet a pagar pelo menos duas vezes o serviço, uma vez para ter acesso a rede, outra para distribuir e receber determinado conteúdo. E tudo isso sob gestão de empresas privadas contraditórias como a Telefônica.

A Telefônica há 3 anos produz a CAMPUS PARTY no Brasil, evento que defende a liberdade da Rede, melhora a imagem da empresa e amplia seus negócios na América Latina. Frente essa notícia é preciso que os(as) entusiastas da CParty fiquem atentos à verdadeira face da empresa, que com um estratégia profundamente monopolista passa por aumentar seu tamanho com a compra de outras empresas do setor como a GVT: (AQUI) e promover mudanças na internet que venham a lhe convir economicamente. Vale ainda lembrar que o IDEC e o CGiBr testaram os serviços de internet banda larga da Telefônica recentemente, o resultou é a pior opção de serviços na área: (AQUI).

Boa conexão e respeito ao usuário é só durante o Campus Party.

Frente essa realidade e outras tantas que atingem o setor, como a necessária ampliação de cobertura da Banda Larga no país, o Governo Federal entrou recentemente em cena para garantir o Plano Nacional de Banda Larga e Inclusão Digital no Brasil, ao contrário do Governo anterior que entregou todo o sistema de telecomunicações ao setor privado, o novo plano nacional de banda larga pretende investir na infra-estrutura de telecomunicações de forma pública, o que se tornado realidade poderá em certa medida coibir iniciativas que lesam a liberdade e o bolso do usuário. É preciso igualmente que o governo federal do presidente Lula, compreenda que essa atitude recente da Telefônica é mais uma demonstração que o mercado não vai oferecer internet de qualidade e amplamente acessível. Se depender do mercado, a internet será inacessível a cada dia, e a idéia de banda larga como um direito básico cairá nos cofres dos monopólios empresariais.  É verdade que infra-estrutura pública no Brasil não resolve o problema como um todo, já que dependemos de 2 backbones privados internacionais, mas certamente diminuiria muito nossas dependências em território nacional.

* Everton Rodrigues, 33 anos, educador popular, produtor cultural, técnico e consultor em tecnologias livres. Faz parte do Projeto Software Livre Brasil, do movimento de economia solidária e Música Para Baixar – MPB.

Sugestões de leituras:

* O fim da neutralidade da rede
* Tudo ligado: controle, cultura e neutralidade da rede.
* Internet e sua normatividade no contexto da cultura hacker

NOTA
1 Na verdade não existe contradição, no capitalismo a unidade básica prossegue sendo a empresa privada, que realiza-se no mercado através da concorrência, sendo assim tudo que provir diminuição de custo ou aumento dos lucros é rapidamente inserido ao plano de negócios.

A tríade regulatória do acesso à informação

O acesso à informação é uma premissa básica para a realização da cidadania, um direito fundamental de qualquer pessoa. A realização plena da cidadania passa necessariamente pela efetivação desse direito. Os direitos do consumidor, para que se concretizem como uma esfera do exercício da cidadania, que são, dependem, portanto, do respeito a esse direito fundamental à informação.

No cenário atual, o acesso à informação, à cultura e ao conhecimento encontra-se em um estágio peculiar. Muitas possibilidades se abrem e a convergência das várias tecnologias e serviços facilita o uso integrado de ferramentas para o acesso aos produtos, obras e bens das mais variadas maneiras. A interatividade surge como fenômeno importante para o protagonismo do consumidor e, consequentemente, para um novo papel que lhe pode ser atribuído, indo da passividade para uma posição ativa de produtor e criador.

A internet reproduz e amplia os recursos do chamado ambiente real e dá mostras de seu efetivo potencial de democratização: cria uma ambiência em que as trocas de obras, produtos, mercadorias, informações se dão de forma muito mais ágil, dinâmica e direta. Muitas vezes, sem a necessidade de intermediários. As relações de consumo são catalisadas e o acesso aos bens de todo gênero fica enormemente facilitado.

Nesse contexto, de um lado estão os direitos e as demandas do consumidor-cidadão. De outro, as leis que regulam a utilização, a circulação e o compartilhamento das obras educacionais e culturais, ampliando ou restringindo o espectro de acesso a elas.

Diretamente relacionados a essa situação, três processos ganham importância central no atual momento político. A reforma da lei de direitos autorais (Lei 9.610/98 – LDA) e a construção do marco civil da internet são dois deles. Ambos prestes a serem colocados em consulta pública pelo Ministério da Cultura e pelo Ministério da Justiça, respectivamente. O terceiro, tão importante quanto, diz respeito à universalização da banda larga, como serviço essencial que deve ser prestado em regime público.

A regulação dos direitos autorais atinge direta e indiretamente as relações de consumo, o exercício da cidadania e o direito à educação. A LDA tem se mostrado insuficiente e inadequada para dar conta das novas demandas emergentes com a era tecnológica. Isso fica evidente quando se analisam alguns pontos essenciais da referida lei. Por exemplo, o seu descompasso com os novos usos de obras permitidos pelas novas tecnologias; a proibição do uso de obras protegidas para fins educacionais e científicos; e a proteção inadequada dos autores na sua relação com os intermediários culturais.

Assim, a LDA, como vige, mostra-se faticamente restritiva, inflexível e pouco voltada para o interesse público. A sua reforma, portanto, torna-se um imperativo para o efetivo acesso aos bens e para a utilização adequada dos mesmos.

Intrinsecamente ligado a isso está o marco civil da internet: a regulação jurídica de como se dará o uso do ambiente virtual no Brasil e de todas as relações que ali se estabelecem, inclusive as de consumo. São as garantias básicas de como serão utilizados os dados e informações dos usuários pelas empresas provedoras e pelo governo. Deverá trazer normas de preservação do sigilo e da privacidade dos usuários e de responsabilização dos provedores. O marco poderá ser considerado, nas palavras de Ronaldo Lemos, o "Código de Defesa da internet brasileira".

Por fim, outro processo em discussão é o da universalização da banda larga. Ele fecha o que pode ser entendido como a tríade regulatória brasileira do acesso à informação na era digital. O serviço de banda larga é essencial para o acesso à internet e para os diferentes aspectos da vida cultural, social e econômica. Uma ferramenta cotidiana para diversos trabalhos e funções, do lazer à educação. Contudo, a utilização da banda larga no Brasil está restrita às regiões e classes mais ricas. Pesquisa do Comitê Gestor da Internet (CGI) aponta que apenas 1% das famílias com renda de até R$ 415,00 têm acesso à banda larga, enquanto famílias que possuem renda dez vezes superior apresentam índice de 81% de acesso ao serviço.

A banda larga, hoje prestada em regime privado, deveria ser tratada pelo governo como serviço essencial. É fundamental a todos os brasileiros e, como tal, merece uma política pública à altura, que dê conta de democratizá-la. Espera-se que o Plano Nacional de Banda Larga, em discussão, represente um novo paradigma e contemple essa necessidade.

O Idec defende o direito à informação e atua para que esses processos se concretizem. Para que a reforma da LDA traga o efetivo equilíbrio entre a proteção dos direitos autorais e o interesse público. Para que o marco civil da internet seja eficaz na proteção dos usuários e consumidores. E para que a banda larga seja, de fato, um serviço essencial, um instrumento capaz de concretizar os direitos fundamentais ao conhecimento, à cultura e à educação.

* Guilherme Varella e Estela Guerrini são Advogados do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).