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Corte pode comprometer atuação da Telebras no PNBL

O orçamento de 2012 encaminhado ao Congresso Nacional contraria a promessa da presidente Dilma Rousseff, que disse ao ministro Paulo Bernardo que pretendia destinar à Telebras R$ 1 bilhão ao ano, nos próximos quatro anos. E é um golpe no Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), em relação à oferta de infraestrutura de rede no atacado para aumentar a competição na ponta, com participação dos pequenos provedores.

Os R$ 1 bilhão imaginados foram reduzidos a R$ 353,3 milhões, distribuídos entre três projetos estratégicos: cabos submarinos, satélite geoestacionário e infraestrutura de banda larga (redes ópticas e acesso de rádio). O mais atingido pelo drástico corte de 65% foi justamente o PNBL. A justificativa técnica é que os cabos submarinos e o satélite precisam de garantia de recursos para serem iniciados, enquanto a infraestrutura de banda larga pode ser desenvolvida à medida em que os recursos contingenciados vão sendo liberados.

O certo é que a Telebras volta ao mesmo drama de quando o sistema de telecomunicações era estatal: contingenciamento e limite de investimentos. Os prejuízos ao desenvolvimento do setor certamente não têm, nem de longe, o impacto do passado, tendo em vista a importância e o peso dos investimentos privados no PNBL. Calcula-se que 30% a 40% dos investimentos programados pelas operadoras para este ano – ao redor de R$ 18 bilhões – serão aplicados em banda larga. E o mesmo ritmo deverá se manter nos próximos anos. As concessionárias locais têm compromisso de ofertar a banda larga de 1 Mbps a R$ 35 (com impostos) a todas as sedes de municípios, até 2014. E as celulares, não vinculadas a concessionárias locais, casos da TIM e da Claro, também aderiram ao plano.

O corte no orçamento da Telebras não prejudica o atendimento massivo à população na oferta da banda larga popular. Mas atrasa um elemento muito importante – a regulação do mercado no atacado –, que influi na redução dos preços dos links e na configuração do modelo do setor de telecomunicações. Esse modelo, apesar da intensa competição na telefonia móvel – e, em parte, na banda larga móvel –, é monopolista na telefonia fixa, na maioria dos municípios brasileiros, que são cidades pequenas e de baixa atratividade econômica ao investimento de novas operadoras.

Esse é exatamente o nicho de mercado onde os pequenos provedores podem fazer diferença, criando a competição que não existe na banda larga fixa e estimulando a melhoria da qualidade do serviço, com velocidades superiores, a preços mais acessíveis. Mas, para isso, precisam comprar links a preços que viabilizem seu negócio – e é aí que entra a Telebras.

Para a infraestrutura necessária ao PNBL – conectar todas as cidades com mais de 100 mil habitantes, na primeira fase, e com mais de 50 mil habitantes, na segunda –, a Telebras precisaria investir, de acordo com seu plano quadrienal (20112-2015), R$ 1,7 bilhão ao ano. Parte importante dos recursos viria do Orçamento da União, parte das empresas elétricas donas das fibras do backbone óptico (que, portanto, deverão vir a ser sócias do empreendimento), e parte viria da própria empresa, com a venda da capacidade de rede.

Bom projeto

O corte no orçamento, que pode atrasar o papel da Telebras no PNBL e na sua principal função, de regular o mercado de telecomunicações no atacado, remete a outro debate. A inviabilidade, por falta de recursos da União e não apenas de vontade política, de querer transformar a Telebras em operadora de última milha para oferecer banda larga de qualidade e a preços baixos, num contraponto aos serviços das operadoras privadas.

O governo federal acertou ao atribuir à Telebras, na sua reativação, o papel de se transformar em infraestrutura estratégica do país, com poder de regular o mercado de atacado, mas não de competir com as operadoras privadas na prestação do serviço ao usuário final. O papel estratégico da Telebras ficou mais claro na aprovação de seu plano quadrienal de investimentos, que envolve a construção de dois cabos submarinos internacionais – com participação da iniciativa privada – e do satélite geoestacionário (agora para atender prioritariamente a Amazônia, além das comunicações militares), um projeto que começou ainda no segundo governo FHC e até hoje literalmente não saiu do papel.

É pena que um projeto tão relevante já comece com limitações orçamentárias que podem comprometer o seu futuro. A expectativa é de que a Presidência da República entenda que não se constrói um plano de banda larga, como infraestrutura essencial para o desenvolvimento econômico do país e para a inclusão dos cidadãos brasileiros, apenas costurando ofertas populares com operadoras privadas. É preciso mais: garantia de aumento contínuo das velocidades oferecidas, o que demanda regulação do mercado, política diferenciada de conteúdos e serviços de governo e política de fomento à inovação. A Telebras é um ativo essencial para chegar a esses objetivos.

* Lia Ribeiro Dias é jornalista e diretora editorial da Momento Editorial.

Anatel em xeque pelas licenças de TVA

Depois de uma omissão de mais de cinco anos, a agência resolve renovar as outorgas de 25 licenças do desconhecido Serviço Especial de TV por Assinatura, justamente quando o tema está em discussão no Legislativo. E, mais uma vez, vai conceder a licença sem decidir quanto vai cobrar pela nobre frequência de UHF.  As 25 licenças de um quase desconhecido Serviço Especial de TV por Assinatura (TVA) voltaram a expor o dúbio papel da Anatel frente a essas outorgas. Neste caso, o comportamento da agência – em todas as gestões, desde a sua criação – foi a de se render à pressão dos detentores das licenças (grupos políticos locais, como Sarney, Magalhães, entre outros, e grandes grupos de mídia, como Globo, Abril, RBS), embora na lista disponível, os nomes fantasias dessas empresas sejam outros. E mais uma vez, a agência repete este ritual.

Há duas semanas, sem mais nem menos, o conselho diretor da Anatel decide aprovar um ato para a renovação destas licenças. A decisão foi de tão afogadilho, que, passados mais de 15 dias, o documento não havia se tornado público porque ainda estava sendo discutido nas esferas técnicas da agência.

Essa “pressa”, depois de uma omissão de mais de quatro anos, foi motivada pelo fato de o relator do PL 29 na comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, (PMDB/RJ), ter cassado essas outorgas em seu relatório final. A pressão foi toda para a agência reguladora, que não aguentou o rojão.

 O deputado Paulo Lustosa (PMDB/CE), que manteve essas licenças no substitutivo aprovado na comissão de Ciência e Tecnologia, argumentou que o PL29, para ser fruto do maior consenso possível, não poderia simplesmente eliminar estas outorgas. Já para Cunha, essas licenças simplesmente não têm qualquer razão de continuar a existir. Mesmo com a renovação dessas licenças pela agência, o deputado não parece disposto a mudar o seu voto, iniciativa que não pode ser feita mais por meio de emenda parlamentar.

Para aprovar a renovação das outorgas, a decisão da Anatel será calcada em argumentos tão confusos quanto a própria regulamentação do serviço. Isso porque, para justificar a renovação, será usado o decreto que regulamentou o serviço de radiodifusão, como se essas emissoras fossem de TV abertas. Por este decreto, as concessões de TV são “prorrogáveis” a cada 15 anos.  

Mas o Ministério das Comunicações e própria Anatel já chegaram à conclusão de que esse é um serviço de telecomunicações, e, por isso, está subordinado lei geral de telecomunicações. Ora, se fosse um serviço de TV aberta, muitos dos licenciados estariam ferindo abertamente legislação de radiodifusão, que proíbe que uma mesma emissora tenha mais de uma licença de TV na mesma cidade. Então, são licenças de telecomunicações. Ou seja, é um serviço que se transforma conforme os argumentos para justifica-lo.

As TVAs são empresas de telecom, mas transmitem sinais de radiodifusão. Elas começaram erradas desde o início. O serviço foi criado em 1988, no então governo Sarney para transmitir sinais codificados de TV, numa espécie de TV paga de um só canal. Em 89 e 90, as outorgas foram distribuídas, sem licitação. Começaram as pressões para que os sinais fossem liberado sem codificação.

Após a criação da Anatel, em 2004, a agência resolvou perguntar ao Minicom  se aquele bicho era radiodifusão (na esfera do governo) ou telecom, na sua esfera. Passados alguns anos, concluiu-se que era telecom. E mesmo a poderosa agência não sucumbiu à pressão, permitindo a ampliação dos sinais abertos de TV, que começaram com 25% e foram ampliados para 45% do dia na gestão Guerreiro, e passou incólume na gestão Pedro Jaime Ziller até os dias atuais.

Bom, mas o serviço é também de TV paga. Alguém conhece algum assinante dessas operadoras? Mas se não cliente, e não tem programação de qualidade, porque se briga tanto para a perpetuação dessas outorgas?

Ora, a mina de ouro está no fato de que essas 25 licenças estão localizadas em uma das mais cobiçadas faixas de frequência do planeta: a banda de UHF (que abrange as faixa de menor potência, que vai de 450 MHz a 700 MHz). Por essas bandas, os norte-americanos pagaram bilhões de dólares, e os europeus se batem para acelerar a transição da TV analógica para a digital. Tudo porque o consumo de dados pela telefonia celular tem crescimento exponencial.

Um dos argumentos da Anatel para autorizar a renovação dessas licenças é que, pela regra vigente, ela teria que ter se manifestado até três meses depois de expirado o primeiro prazo de concessão, o que não o fez. Na verdade, a agência se omite sobre este assunto há quase cinco anos. Assim, por omissão, teve que referendar agora essas licenças.

Novo regulamento

Esta será a segunda vez que a Anatel vai conceder licença de serviço que ocupa um bem tão escasso e valioso, sem dizer quanto terá que ser pago pela banda disponível. A primeira foi do MMDS, na qual a maioria das primeiras 15 licenças acabou pagando o preço mínimo, porque eram deficitárias.

Talvez o único consolo para essa situação é que pelo parece que, agora, a Anatel resolveu que vai criar um regulamento para este serviço. Vamos aguardar quanto tempo a mais?

Como televisão virou telefone no Brasil

[Título original: No país da jabuticaba, ou como televisão virou telefone no Brasil]

Mesmo correndo o risco de parecer pernóstico, inicio este texto citando no inglês original um recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne as mais desenvolvidas economias capitalistas: “Legal definitions of broadcasting differ across the OECD but more in terms of nuance than in the broad coverage of the definitions of radio and television programmes which can be received by the general public either directly (terrestrial transmission) or through cable or satellite platforms. Differences arise in definitions in the treatment of programmes distributed over the internet and vídeo-on-demand” (OCDE, Communications Outlook 2009, disponível em http://www.oecd.org ).

Os leitores deste Tele.Síntese são fluentes em inglês. Leram e entenderam. Está dito aí que, nos países capitalistas centrais, programas de rádio e televisão são definidos como radiodifusão (“broadcasting”), independentemente das plataformas de transmissão – terrestre, cabo ou satélite. No entanto, nos casos de vídeo sob demanda (VsD) e internet, podem existir, nesses países, diferenças na definição: alguns os tratam também como radiodifusão, outros não.

O Brasil não é um país membro da OCDE. Talvez por isso, aqui, televisão, a cabo ou a satélite, passou a ser tratada como telecomunicações…

Vejamos as definições usadas em alguns países selecionados.

Alemanha – “Radiodifusão é definida na Seção 2 (1) do Acordo Interestadual de Radiodifusão como provisão e transmissão para o público geral, de qualquer tipo de apresentação de palavras, sons, imagens, usando oscilações eletromagnéticas sem linhas conectadas (“junction lines”) ou através ou por meio de algum condutor. A plataforma de transmissão é irrelevante. A definição inclui apresentações transmitidas em forma codificada ou que sejam recebidas por pagamento especial. A definição não inclui telemeios (“telemedia”), regulada separadamente pela Lei de Telemeios (federal) e no capítulo VI do Acordo Interestadual”.

“Telemeios são considerados um outro serviço de informação e comunicação, similar à radiodifusão e telecomunicações”.

Portanto, internet, na Alemanha, é um serviço a parte, prestado sem necessidade de licenciamento prévio, embora o rádio e a televisão, se transmitidos via internet, devam obedecer às regras do Acordo Interestadual (a Alemanha é uma república federativa) e aos princípios constitucionais. Já o VsD é regulado conforme o seu conteúdo e relevância social, embora devendo vir a se adaptar às normas da Comunidade Européia que propõem não mais defini-lo como radiodifusão.

Austrália – “a Seção 6 (1) da Lei de Serviços de Radiodifusão de 1992 (Broadcasting Services Act 1992) define ‘serviço de radiodifusão’ (“broadcasting service”) como serviço que entrega programas de televisão ou programas de rádio para pessoas que tenham equipamento apropriado à recepção desses serviços, se essa entrega faz uso de espectro de radiofreqüência, cabo, fibra ótica, satélite ou qualquer outro meio ou combinação desses meios”.

Esta definição, diz o documento da OCDE, não inclui serviços de teletexto, programas ponto-a-ponto adquiridos sob demanda e outros serviços que possam ser excluídos por decisão do Ministério. Dada a definição geral, a Austrália reconhece sete categorias de serviços de radiodifusão, entre elas a “comunitária” (não-comercial), a “nacional” (estatal-governamental), a “comercial aberta” (ou “free-to-air” – FTA) e a “paga por assinatura” (“pay TV”). Na regulamentação australiana, serviços de áudio e vídeo transmitidos sobre a internet não são considerados radiodifusão, mas podem sofrer restrições por razões éticas, morais, legais etc. Vídeo sob demanda também não é regulado como radiodifusão.

Canadá
– “A definição do termo radiodifusão se aplica a todas as plataformas, conforme definido na Lei de Radiodifusão. Diz o texto [legal]: ‘radiodifusão significa qualquer transmissão de programas, esteja ou não encriptada, por ondas de rádio ou outros meios de telecomunicações, para recepção por parte do público, através de aparelhos de recepção de radiodifusão (“broadcasting receiving apparatus”), mas não inclui nenhuma transmissão de programas feitos apenas para exibição (“perfomance”) ou apresentação em espaço públicos”.

Serviços sobre a internet estão em geral excluídos, mas, no momento, há um debate público e parlamentar a respeito. VsD fornecidos pela internet também estão excluídos da definição.

Coréia – “Radiodifusão se refere ao planejamento, programação, produção e transmissão de programas de radiodifusão para o público (incluindo receptores com contratos individuais; “viewers”) através de sistemas (“facilities”) de telecomunicações”.

A partir desse conceito guarda-chuva, os coreanos distinguem as modalidades de “televisão”, “radio”, “dados”, “móvel multimeios” e “internet multimeios”, todas caracterizadas como “radiodifusão de programas” mas diferenciadas conforme as características do sistema receptor (sons e imagens para a TV, mobilidade no celular etc.). Assim, a IPTV será entendida como um “serviço de convergência radiodifusão-telecomunicações” (“broadcasting-telecommunications convergence service”) fornecido sobre uma rede de banda larga. No geral, um serviço multimeios em banda larga requer licença para operar, mas, obtida a licença, cada tipo de negócio, inclusive VsD requer apenas notificação, à autoridade, do operador autorizado.

Espanha – “Pela Lei de Telecomunicações, serviços de radiodifusão são serviços de telecomunicações pelos quais a comunicação é transmitida numa única direção para inúmeros pontos [de recepção] simultaneamente. O serviço será prestado sob concessão do Estado (“administrative concession”) se for prestado em regime de administração indireta.”

Em termos estritamente técnicos, é a melhor definição: radiodifusão, com efeito, é um tipo unidirecional de telecomunicações. Neste sentido, pela lei espanhola, a televisão é um serviço de radiodifusão, seja transmitida pelo ar, pelo cabo ou satélite, seja livre ou codificada, que “em nenhum caso pode ser prestado como serviço de valor adicionado”. Esta definição inclui VsD e IPTV, ambos submetidos às mesmas regras legais, inclusive regimes de outorga, vigentes para o restante da radiodifusão. Por outro lado, somente a televisão terrestre é considerada um serviço público. As TVs a cabo ou satélite são definidas como serviços autorizados para livre competição.  

Estados Unidos
– “Conforme a Lei de Comunicação de 1934, a palavra radiodifusão (‘broadcasting’) significa a disseminação de comunicações por rádio destinadas a ser recebidas pelo público, diretamente ou por meio de estações retransmissoras (‘relay stations’)”.

O relatório não traz muitos detalhes sobre a regulamentação estadunidense. Acrescento meus próprios comentários. Os EUA são sabidamente pouco intervencionistas. Os agentes econômicos e sociais são livres até o limite da liberdade de outrem, ou até afetarem sensibilidades éticas, morais etc., problemas estes todos resolvidos principalmente na Justiça. A entidade reguladora procura intervir o mínimo possível, não tendo nunca havido, da parte da FCC maior interesse em regulamentar conteúdo. Assim, as novas tecnologias, inclusive TV paga e internet podem se desenvolver ao sabor da iniciativa de investidores ou, no máximo, limitadas por ações jurídicas ou políticas de natureza civil. A FCC, ela mesma, faz apenas um grande esforço para estimular e garantir a máxima competição entre os, e dentro dos novos meios de comunicação, sobretudo a internet. Sem surpresa, há uma legislação específica para vídeo sob demanda.

França – “Serviços audiovisuais incluem os serviços de comunicação audiovisual conforme definidos no Artigo 2 da Lei 86-1067 de 30 de setembro de 1986), assim como os serviços adaptados (“services making audiovisual”), [isto é] obras cinematográficas ou de áudio disponíveis para o público, independentemente dos meios técnicos usados. Serviços de comunicação audiovisuais são todas as comunicações destinadas ao público de serviços de rádio ou TV, independentemente dos meios técnicos usados, bem como todas as comunicações eletrônicas de serviços diferentes daqueles de rádio ou televisão. Nesta definição não está incluída a comunicação em linha, definida no artigo 1 da Lei 2004-575 de 21 de junho de 2004, lei esta que trata da economia digital”.

Em um caso, a internet é regulada como radiodifusão: IPTV. É que são considerados serviços de televisão “qualquer comunicação para o público por meios eletrônicos destinada a ser recebida simultaneamente pelo público ou categoria de público, cujos principais programas sejam organizados (“is composed of”) numa ordem continuada de emissões contendo imagens e sons”. Por esta definição, o VsD está excluído e, de fato, desde que o serviço não necessite de freqüências assignadas pelo órgão regulador, pode ser prestado livremente. Mas esta é um não-regra que pode mudar, devido a novas normas da Comunidade Européia.

Itália – “Programas de televisão são definidos como conteúdos audiovisuais organizados por um editor (“content provider”), direcionados para o público em geral e difundidos por qualquer meio técnico. [Programas] por assinatura ou encriptados são também incluídos nessa definição”.

Serviços audiovisuais fornecidos via internet ainda não estão incluídos nessa definição, mas suas atividades têm sido monitoradas pela entidade reguladora e associações de consumidores, diz o relatório. Também os serviços sob demanda não são tratados pela legislação atual.

Japão – “Radiodifusão significa transmissão de comunicação via rádio destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral (Lei da Radiodifusão, artº 2)”.

“Radiodifusão por cabo é definida como transmissão de telecomunicações por cabo destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral (Lei da Radiodifusão por Cabo, artº 2)”.

“Serviços de radiodifusão e de telecomunicações significam transmissão de telecomunicações destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral, em todo ou em parte transmitida por serviços de telecomunicações fornecidos por entidade (“by a person”) que opera um negócio de telecomunicações (Lei Tratando de Radiodifusão sobre Serviços de Telecomunicações, artº 2)”.

 “Serviços por assinatura ou encriptados são incluídos em ‘radiodifusão” ou “radiodifusão via cabo’ ou ‘radiodifusão via serviços de telecomunicações’ ”.

O Japão é um raro caso de país central que dispõe de muitas leis diferentes para diferentes casos, embora, pelo que se pode depreender do texto do relatório da OCDE, essas leis identificam os diferentes negócios de radiodifusão, não propriamente as suas distintas plataformas tecnológicas.

Portugal – “Radiodifusão radiofônica (“radio broadcasting”) é a transmissão unilateral de comunicações de som, usando ondas radioelétricas ou qualquer outro método apropriado, destinada ao público em geral”. Esta definição exclui as transmissões por internet. “Radiodifusão televisiva é a transmissão não codificada ou codificada de imagens em movimento, com ou sem som, através de redes eletrônicas de comunicação, visando a recepção simultânea pelo público em geral”. Desta definição estão excluídos, entre outros casos muito particulares, os serviços operados “sob demanda individual”.

A lei portuguesa subordina a definição de radiodifusão televisiva à de “atividade televisiva”, consistindo esta na “organização, ou seleção e agregação, ou serviços de programação de televisão, visando a transmissão para, e recepção pelo público em geral”. A palavra “radiodifusão” inclui também os serviços por “assinatura” ou “encriptados” (“the term ‘broadcasting’ includes ‘subscription’ and ‘encrypted’ services”). Atualmente, os portugueses estão discutindo as implicações de sua legislação na internet, e devem introduzir mudanças a respeito. Por outro lado, já que os meios técnicos são neutros ou indiferentes, VsD é tratado nos mesmos termos gerais em que é tratado o conjunto da radiodifusão.

Concluindo – Este resumo feito acima nos remete para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, onde se levantou a questão da inconstitucionalidade do Substitutivo Bittar-Lustosa ao PL-29 porque o projeto estaria tratando em termos mais próprios à radiodifusão, conforme esta é abordada na nossa Constituição, um “serviço de telecomunicações”, ainda por cima em “regime privado”. O argumento não deixa de ter lá sua razão, embora a emenda que tenta solucionar o problema, simplesmente eliminando-o, seja pior do que o soneto.
 
No Brasil, TV por assinatura começou a ser tratada como telecomunicações, na Lei do Cabo de 1995. Estávamos no governo Fernando Henrique, para o qual esta seria uma lei sob medida para introduzir uma cunha no então monopólio da Telebrás, além de atender aos interesses das redes abertas de televisão, preocupadas com a crescente penetração dos canais a cabo no seu até então exclusivo território do audiovisual televisivo. Em troca de algumas bijuterias, a ABERT conseguiu apoio do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) para poder passar uma lei que simplesmente não aborda aquilo que é mais importante em qualquer serviço de televisão, seja livre ou seja pago, seja aberto ou seja codificado: o conteúdo. Foi para corrigir isso (e também o “erro” óbvio de ignorar a TV por assinatura via satélite ou no celular) que os deputados Jorge Bittar e Paulo Lustosa assumiram a corajosa postura de elaborar substitutivos aos PLs originais, neles incluindo a regulamentação da crucial questão da programação e, assim, aproximando a futura lei, no máximo possível, dos ditames constitucionais. Não ocorreu porém à cabeça de ninguém aproveitar a oportunidade para corrigir aquele erro nada ingênuo oriundo da Lei do Cabo. Tudo se passou como se definir TV por assinatura à semelhança de um serviço de telecomunicações, fosse tão natural quanto o Pão de Açúcar.

O debate da PL-29 irá agora para o Senado. Será uma excelente oportunidade para corrigir esse grave defeito. “Radiodifusão de sons e de sons e imagens” tanto pode ser feita pelo ar, quanto pelo cabo, satélite, até pelo celular, tanto pode ser aberta e livre, quanto codificada e paga. Logo, conforme sustentado por muitas das teses aprovadas na Iª Confecom, inclusive com importantes contribuições da Telebrasil e da Abra, não importa a plataforma, a TV por assinatura deverá vir a ser submetida aos capítulos 220 a 223 da Constituição brasileira. O Brasil não pode querer ser um raro país, talvez único, onde televisão por assinatura seja definida como… telefone. Embora, bem saibamos, o Brasil também é o país exclusivo da jabuticaba.

* Marcos Dantas é professor de Sistemas de Comunicação e Novas Tecnologias na Escola de Comunicação da UFRJ. É autor de A lógica do capital-informação (Ed. Contraponto, 2002).

 

Banda larga popular: a montanha pariu um rato

Quando o governador de São Paulo, José Serra assinou, em outubro de 2009, o decreto que isenta de ICMS o serviço de banda larga popular, com preço máximo de R$ 29,80 ao mês e velocidade de acesso de 200 kbps a 1Mbps, ele disse que o programa deveria beneficiar de imediato cerca de 2,5 milhões de domicílios. Hoje, depois de duas operadoras – a Net e a Telefônica — já terem aderido ao programa, a expectativa do mercado é de que, até o final de 2010, na melhor das hipóteses, ele terá atendido a 200 mil domicílios. O que não chega a 10% do potencial de mercado para um produto desse tipo.

Qual é o motivo do fraco desempenho de um programa de apelo popular e que oferece um serviço que hoje é o “objeto de desejo” de toda família que tem um computador em casa? De acordo com dados da PNAD, do IBGE, existem 690 mil domicílios no estado de São Paulo que têm computador mas não têm acesso à internet e outros 1,752 milhão que usam a internet por linha discada.

Embora as questões sejam complexas, pois envolvem temas de ordem jurídica e regulatória, não é difícil entender o que está acontecendo. A banda larga é um serviço prestado em regime privado, portanto a operadora não está obrigada a fazer uma oferta isonômica para toda a população. Nem tem obrigação de oferecê-lo se não tiver condições técnicas para atender a solicitação de um cliente. Só que o governo do Estado de São Paulo, ao isentar o serviço, nas condições definidas pelo decreto, entendeu que a oferta da operadora tem que atender a todos, assinantes e não assinantes. Isso acabou praticamente eliminando a possibilidade de se usar a rede telefônica, porque a Telefônica avalia que terá prejuízo se ofertar a banda larga a R$ 29,80 para quem ainda não tenha o par de cobre instalado em sua casa, ou seja, para quem não é assinante de seu serviço de telefonia fixa.

Portanto, o banda larga popular de São Paulo é oferecido, desde dezembro, pela rede de cabo da Net (ela não divulga sua cobertura). A partir de 24 de fevereiro, a Telefônica também vai oferecer o serviço, mas apenas pela rede de cabo da TVA (Ajato), que cobre 400 mil domicílios da capital, e pela rede WiMesh, também de capilaridade limitada à Grande São Paulo, pelo menos por hora. A limitação da rede leva a Telefônica a prever que não atenderá mais de 100 mil acessos em 2010 (60 mil pela rede do Ajato e o restante via WiMesh). A Net, que ao lançar o serviço anunciou que esperava conquistar metade dos assinantes de acesso discado à internet, não fala em números. Diz que está investindo para levar o serviço à classe C, que é um enorme desafio, mas não revela nem quanto vai investir na expansão da rede especificamente para a classe C.

Desoneração não basta

O caso da banda larga popular de São Paulo está demonstrando que a simples desoneração tributária – a redução da carga tributária é uma das principais bandeiras das operadoras – não é suficiente para resolver o problema do preço elevado dos serviços. Técnicos do governo observam que se a desoneração vier acompanhada de muitas exigências, o objetivo da massificação do serviço não vai ser alcançado.

São Paulo não é caso isolado. Nos demais Estados que isentaram de ICMS a banda larga, com aprovação de um programa popular, o serviço também não está sendo oferecido pelas concessionárias. A Oi não aderiu ao banda larga popular do Pará e do Distrito Federal. Diz que ainda está desenvolvendo o produto, mas o temor que tem é o mesmo enfrentado pela Telefônica: a exigência na oferta da banda larga sobre par de cobre tanto para assinantes quanto para não assinantes, pelo mesmo preço. “Não é possível oferecer banda larga por ADSL por R$ 29,80, com modem e custo de instalação incluído, se já não existir um par de cobre instalado na casa do cliente”, resume fonte da Telefônica. “Não temos um produto em escala industrial para atender a esse público”, explica.

O mesmo problema deverá se repetir dentro do Plano Nacional de Banda Larga se o serviço continuar a ser prestado em regime privado mas com exigências de serviço público, pelo menos quando a operadora é uma concessionária que tem a rede de par de cobre, a mais capilarizada. Sem falar nas celulares, é claro, que não aderiram ao programa em São Paulo em função do custo do modem, que não conseguiram equacionar.

A proibição de oferta casada de serviços, não só exigência do Procon de São Paulo mas da própria Anatel, só se coloca para as concessionárias de telefonia fixa, que não conseguem oferecer a banda larga popular sem o serviço telefônico. Têm oferta de banda larga sem serviço de assinatura, mas há um preço muito superior. Em São Paulo, por exemplo, o preço de lista desse serviço da Telefônica é de R$ 85,00. Tanto que tem menos de 100 mil assinantes. A Net também oferece só a banda larga, para quem não quer o Net Fone (serviço de voz) ou o pacote de vídeo. Mas a maioria da demanda é por serviço casado.

Com o lançamento de serviço da banda larga popular pela Telefônica, o governo do Estado de São Paulo tem a oportunidade de voltar a examinar a questão, ou seja, se vai reduzir o programa ao tamanho das redes de cabo e sem-fio ou se vai massificá-lo. Se quer um programa de elite ou um programa de massa. Se mantiver a primeiro opção, certamente a montanha terá parido um rato.

PL-29: risco de desfiguração

No dia 17 de dezembro, o deputado Jorge Bittar (PT-RJ) entregou à presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados o seu substitutivo ao Projeto de Lei 29/2007, que unifica os serviços de TV por assinatura, permite a entrada das empresas de telecomunicações nesse mercado e estabelece mecanismos de proteção ao conteúdo nacional. Não se trata de um documento oficial, já que o projeto de lei ainda tramita na Comissão de Defesa do Consumidor e as articulações para que fosse remetido diretamente para votação em plenário não prosperaram por falta de apoio do PMDB.

Com o relatório, Bittar – ele não volta à Câmara em 2009 pois assume, em 1º de janeiro, a Secretaria de Habitação do Estado do Rio de Janeiro – quis não só registrar o trabalho de um ano e nove meses e o consenso construído em torno de temas polêmicos como a defesa do conteúdo nacional, mas deixar os fundamentos para que o trabalho seja levado em frente, já que depois de tramitar pela CDC o projeto volta à Comissão de C&T. Mas muitos apostam que todo o capítulo relativo ao estímulo à produção nacional, com uma cota geral de 3,30 horas diárias, metade das quais produzidas por produtor independente, além de outras cotas secundárias, tende a ser bombardeada sem a presença de seu autor.

Contra as cotas estão as empresas de TV por assinatura e os produtores estrangeiros, por razões óbvias. As empresas não querem obrigações a cumprir e os produtores querem hegemonia de mercado. Contra as cotas sempre se manifestou a Globo, que tem o monopólio da programação nacional por meio da Globosat e não quer dividir com os produtores independentes um naco de seu mercado. Embora tenha firmado um acordo com o relator em outubro, os executivos da Globo não se empenharam para que o projeto de lei fosse remetido ao plenário. Aliás, Henrique Alves, líder do PMDB, que não endossou a medida, é um tradicional aliado das Organizações Roberto Marinho, já que sua família tem uma retransmissora no Rio Grande do Norte. Assim, contra as cotas estão todos os parlamentares que mantêm relações com a Globo. As empresas de telecomunicações aceitaram as medidas de proteção ao conteúdo nacional, mas no fundo preferem que as cotas, por serem polêmicas, sejam deixadas de lado.

O estado de ânimo entre parte dos parlamentares poder ser medido pelas declarações do relator do PL-29 na CDC, deputado Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB). Ele já disse que se voltar à CDC na próxima legislatura e se mantiver relator, vai eliminar as cotas.

Isso significa que só uma articulação da sociedade civil e dos produtores independentes garantirá pressão para que a Comissão de C&T, que terá que designar novo relator, não recue frente ao longo e exaustivo trabalho do deputado Jorge Bittar, que aproveita um momento de transição tecnológica para introduzir na legislação novos conceitos de estímulo à indústria de produção audiovisual brasileira e democratização dos canais de distribuição de conteúdo. As condições para a aprovação do projeto não são as mais favoráveis, mas já foram mais adversas.

O risco é que o PL-29 caia no limbo, o que será uma perda importante para a cultura nacional. Até porque se a Anatel liberar novos licenças de TV a cabo, todas as concessionárias de telefonia fixa controladas por capital nacional (Oi, Brasil Telecom, CTBC e Sercomtel) vão poder adquirí-las mesmo em sua área de concessão. “Como não se trata de bem escasso, o novo planejamento deve prever um número maior ou mesmo ilimitado de licenças. E a Lei do Cabo permite à concessionária comprar licença em sua área de concessão desde que haja manifesto desinteresse por parte de outros agentes”, observa um executivo. Assim, se a Anatel realmente apresentar logo seu novo planejamento e lançar as novas licenças, o interesse das empresas de telecom no PL-29 diminuirá sobremaneira. Por que, à exceção da Telefônica, que terá que se associar minoritariamente a empresa de capital nacional, todas as demais concessionárias poderão compra licença de TV a cabo.