"No dia em que a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) me felicitar, aí sim me preocuparei. Se os cachorros ladram, é sinal de que estamos avançando. Se a SIP questiona, critica, quer dizer que (…) está sendo inaugurada a verdadeira liberdade de expressão", disse neste fim de semana o presidente do Equador, Rafael Correa.
O Equador — ao lado de Argentina e Venezuela — está no “centro das preocupações” da SIP, que realizou recentemente sua 68ª Assembleia Geral, em São Paulo. Segundo a resolução da entidade, nesses países os presidentes "encabeçam uma ofensiva para silenciar os meios independentes".
Uma reportagem veiculada no programa semanal de prestação de contas de Correa mostrou outra versão para os casos citados no encontro e apontou inconsistências. O documento menciona, por exemplo, a morte de três jornalistas no país este ano, mas admite que apenas uma pode estar relacionada à profissão. Segundo a reportagem, o informe falha ainda ao não explicar que o caso não tem ligação com o governo.
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A SIP disse que uma das violações mais graves à liberdade de expressão no Equador foi uma ação judicial contra quatro observadores da investigação sobre contratos ilegais firmados entre o irmão do presidente, Fabrício Correa, e o governo. Eles foram processados por falso testemunho ao concluírem que o presidente sabia dos negócios do irmão. A Presidência reiterou que os observadores “fizeram um relatório baseado em falsidades”.
Para a deputada Maria Augusta Calle, do mesmo partido do presidente, o motivo do embate entre governo e meios privados reside em uma concepção diferente de comunicação social. "O problema fundamental para a SIP não é a liberdade de expressão. O problema é que o governo equatoriano e as leis equatorianas consideram a comunicação um serviço público e que os meios têm que trabalhar em função dos direitos da maioria e não de uns poucos", afirmou a Opera Mundi.
Maria Augusta sustenta ainda que o informe cita ameaças a jornalistas de meios privados, mas omite a ofensiva contra meios públicos e estatais, que segundo a parlamentar, também enfrentam processos e são muitas vezes impedidos de participar de entrevistas coletivas organizadas pelos opositores do governo.
Quanto às ações na Justiça que o governo move contra jornalistas e meios privados, Maria Augusta avaliou que é necessário entender que, no Equador, é proibido atentar contra a dignidade e a honra. "Qualquer pessoa pode expressar o que queira, mas tem que expressar com respeito", lembrou.
Liberdade de expressão
O informe da SIP sobre o Equador afirma que no país "não existe plena liberdade de expressão e de informação" e que "todos os poderes do Estado estão tomando decisões que a deterioram."
O professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Andina Simon Bolívar, Hernan Reyes, classificou como enganoso o ponto de partida do documento. "A pergunta é: "existe plena liberdade de expressão — e eu destaco a palavra plena –, em algum país dos que formam ou dos que são avaliados pela SIP? Existe nos Estados Unidos plena liberdade de expressão? No Chile?", questionou. "Nesses países o que poderia eventualmente existir são sistemas de menor regulação da imprensa privada e do funcionamento do mercado para o livre fluxo de informação. Nada mais."
O professor acredita a plena liberdade de expressão e informação é um horizonte que se busca. “Depois de analisar uma série de fatores, é possível determinar, na forma de uma escala, quanta liberdade de expressão, de informação, de opinião ou de imprensa existe em cada país. Esse é um exame que a SIP não faz e creio que a maior parte do informe, no caso do Equador, está baseada em suposições, em uma série de mitos”, salientou a Opera Mundi.
Regulação da mídia
Para Reyes, o verdadeiro motivo do protesto dos meios privados não é a liberdade de expressão, mas o fato de que o governo equatoriano limitou o alcance da propriedade midiática. Correa aprovou leis que impedem os bancos de terem empresas de comunicação e proíbem que os donos dos meios de comunicação tenham negócios em outras áreas.
Além disso, foram criados meios públicos, que reduzem a penetração dos veículos privados. "Isso é o miolo do assunto. Parece que a reação tão visceral, crescente e permanente por parte desses meios privados, em conjunto com os políticos de oposição, é porque os bolsos estão sendo afetados", defendeu.
Outro aspecto da reação da SIP, para o professor, é que a credibilidade dos meios vem sendo afetada pelo confronto com o governo. Em redes nacionais obrigatórias e no programa semanal de televisão, o presidente contesta as reportagens negativas veiculadas na imprensa.
Nesse ponto Reyes faz críticas ao governo, que construiu um "aparato enorme de vigilância e monitoramento. Por um lado “é útil porque revela uma quantidade de falhas e distorções que cometem os meios de comunicação”, mas por outro "é indevidamente centralizado num aparato estatal”. Para o professor, os cidadãos deveriam ser convidados a participar de observatórios de imprensa.
Reyes também discordou do “tom de virulência verbal” de Correa contra determinados meios privados e jornalistas. “Parecem excessivos certos gestos, como o de rasgar publicamente um jornal numa transmissão de prestação de contas aos sábados”, disse.
O professor observou ainda que apesar de certos avanços, como páginas de órgãos públicos na internet, ainda “há muito descumprimento por parte de autoridades não só desse governo, de todos os governos anteriores, do (direito ao) acesso que tem todo cidadão à informação."
Recentemente o presidente decidiu que vai responder apenas aos pedidos de informação de parlamentares que forem enviados por meio do presidente da Assembleia Nacional. A medida é considerada pela SIP como mais uma restrição.
Fernando Checa, diretor do Centro Internacional de Estudos Superiores para a América Latina (Ciespal) afirmou que a lei de acesso à informação pública não é cumprida cabalmente nas instituições do Estado. "Mas isso acontece em todas as partes do mundo", contemporizou. Para Checa, não se trata de uma evidência de que a liberdade de expressão está ameaçada no Equador, como faz parecer o informe.
O diretor do Ciespal também considera um erro a proibição do presidente de que ministros deem entrevistas a canais privados considerados "mercantilistas" por Correa. “Mas isso ameaça a liberdade de expressão? Não, porque esses funcionários estão dando declarações a outros meios. Por outro lado, os meios privados que reclamam disso são plurais? Não, porque há restrições também, não há pluralidade de vozes. Eles não gostam que o presidente proíba os funcionários do Estado falar, mas não que hajam listas negras nas redações, que certas pessoas sejam vetadas.”
Para o diretor do Ciespal, o informe esconde alguns atores que ameaçam a liberdade de expressão: “diretores, donos de meios de comunicação e anunciantes, que pressionam, limitam, fazem censura e promovem a autocensura.”
Não há elementos para afirmar que a liberdade de expressão está se deteriorando, defendeu Checa a Opera Mundi. "No Equador todo mundo pode dizer qualquer coisa. É uma questão de ver a imprensa privada, por exemplo. Há duríssimas críticas, às vezes, inclusive grosseiras não só contra o presidente, mas contra os funcionários do Estado e parlamentares, com absoluta liberdade.”
E conclui: “Sou contra a penalização da opinião. A liberdade de expressão é um direito universal e não só de jornalistas e meios. Mas também é uma obrigação. A obrigação de assumir esse direito com responsabilidade."