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Telecomunicações: universalização segue distante, limitando o exercício de direitos

Texto: Helena Martins*

Em 2018, o Brasil registrou a passagem dos 20 anos da privatização do setor de telecomunicações. O aniversário foi marcado pelo aprofundamento do viés privatista que orientou a abertura do setor à concorrência em 1998. Embora cada vez mais importante por suportar serviços considerados essenciais, como a conexão à Internet, as telecomunicações brasileiras ainda não incorporaram a perspectiva da universalização. Sem isso, brasileiros e brasileiras dependem da própria sorte para acessá-las.

Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao longo de todo o ano de 2018, o setor empresarial deu continuidade à pressão pela aprovação do Projeto de Lei da Câmara (PLC) n° 79/2016. A proposta legislativa propõe alterações drásticas na Lei Geral das Telecomunicações (LGT), que organiza o setor desde 1997. O PLC foi o grande destaque do rol das violações do direito à comunicação nas telecomunicações em 2017. Conforme abordado em nosso relatório daquele ano, o projeto propõe a adaptação da modalidade de outorga de serviços de telefonia fixa de concessão para autorização, acabando, na prática, com o único serviço prestado em regime público no setor, e ainda entrega de um patrimônio avaliado em mais de R$ 100 bilhões, os bens reversíveis, para as empresas.

Considerando as necessidades de conexão dos brasileiros, é evidente que, ainda que o serviço telefônico não seja mais considerado essencial, é por meio dessa infraestrutura que boa parte da população se conecta à Internet. Cerca de 15% das conexões de domicílios utilizam ADSL, ou seja, os cabos de cobre da telefonia fixa. Assim, é importante ter um olhar atento para a importância desta infraestrutura que, inclusive, pode ser atualizada e alcançar novos patamares de velocidade.

Explica Marina Pita, conselheira do Intervozes e representante dos usuários no Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de Telecomunicações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

No entanto, o setor empresarial segue pressionando pelo fim da concessão do serviço de telefonia fixa e um modelo que seja altamente lucrativo a eles, ainda que não assegure o acesso à conexão.

Ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab participou da abertura do Painel Telebrasil 2018. Créditos: Wilson Dias/Agência Brasil
Ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab participou da abertura do Painel Telebrasil 2018. Créditos: Wilson Dias/Agência Brasil

No documento final do Painel Telebrasil 2018, evento que reúne as empresas do setor, a primeira medida apontada como urgente para ampliar o potencial e garantir a conexão à Internet, maior cobertura de celular e Internet móvel e fixa, uso intensivo da chamada Internet das Coisas e implantação de serviços de Cidades Inteligentes foi exatamente a aprovação imediata do PLC 79/16. A atualização legal e regulatória, segundo o texto, liberaria ainda mais investimentos para viabilizar isso. Nesse sentido, requerimentos com pedidos de urgência foram feitos para que o projeto fosse votado pelo plenário do Senado, onde está parado desde 2017, após mobilização da sociedade civil e decisão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de que ele deveria voltar a ser debatido.

Apesar desses interesses e das promessas do governo Temer, nada mudou. Com o fim da legislatura, o PLC 79 voltou para a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática do Senado (CCTCI), onde será relatado pela senadora Daniella Ribeiro (PP/PB). Há pelo menos 16 emendas sugeridas do final do ano passado que devem ser averiguadas pela Casa. Para a sociedade civil, o retorno dessa discussão é preocupante. “A gente acredita que o PLC 79 aponta, a grosso modo, para a privatização da privatização”, critica Marcos Urupá, integrante da coordenação do Intervozes.

“A proposta do PLC 79 e sua retomada agora apontam para o contrário das necessidades da sociedade, que tem o direito de ter acesso à Internet. Acreditamos que uma proposta ideal seria um debate amplo sobre a Lei Geral de Telecomunicações, observando a realidade da expansão do serviço de oferta de banda larga, o que pode trazer rentabilidade às empresas e casar com a consideração sobre o interesse público na oferta desse serviço, que cada vez mais é essencial”, pondera.

Urupá destaca ainda que o projeto poderá viabilizar a entrega de um patrimônio de R$ 100 bilhões para as operadoras de telecomunicações. Para ele,

Se trata de uma entrega sem clareza das contrapartidas e, o que é pior, sem uma clareza do que é efetivamente esse patrimônio, pois há contradições em torno da lista dos bens reversíveis. Por isso, o PLC é danoso para a União, para a sociedade, rentável apenas para o setor de telecomunicações.

Para Pita, além do fato de o valor dos bens reversíveis estar sendo “extremamente desvalorizado”, não há parâmetros transparentes para a análise do saldo da troca da concessão para a autorização, o que faz com que a sociedade civil organizada seja contra a proposta de mudança da LGT. É fundamental ter em conta que além de o saldo poder ser usado pelas empresas para investimentos em suas redes privadas, não há critérios suficientes para assegurar que esses recursos serão investidos onde a população brasileira precisa, nas áreas em que a conexão fixa não existe ou é cara. Não há também perspectiva clara de redução da concentração na oferta de banda larga, o que torna o serviço tão caro para boa parte da população.

Para piorar, ainda que a discussão e a deliberação públicas sobre esses temas não tenham sido finalizadas, o governo Michel Temer adotou medidas que ampliaram o caráter comercial e não a perspectiva dos direitos no setor das telecomunicações. Em dezembro, no apagar das luzes de seu governo, Temer editou dois decretos direcionando políticas para a área.

O primeiro, Decreto 9.612/2018, dispõe sobre as políticas de telecomunicações. Ele decreto veio substituir uma série de decretos editados desde 2003 que trataram do reposicionamento das políticas de telecomunicações, de modo a colocar no foco da atuação do poder público a necessidade de implantação de infraestrutura para atender a crescente demanda por redes que dêem suporte para os serviços de acesso a Internet. O decreto anterior, 4.733/2003, definiu novas orientações para as políticas de telecomunicações já no contexto da reforma do Estado e privatizações ocorridas em julho de 1998 e previu expressamente o caráter universal do acesso à rede mundial de computadores, em consonância com o que determina a Constituição Federal.

Entretanto, os decretos editados posteriormente ignoraram este direito. É o caso, inclusive, do Decreto 7.175/2010 – que instituiu o Plano Nacional de Banda Larga –, que excluiu a previsão do caráter universal dos serviços de telecomunicações, passando a falar em massificação, cujas consequências jurídicas têm diferenças significativas, na medida em que retira do Estado a obrigação de se comprometer com a garantia de acesso.

O mesmo ocorre com o Decreto 9.612, que apesar de ter introduzido aspectos importantes, continua a não dar efetividade ao caráter universal dos serviços de telecomunicações e acesso a Internet, como expressamente previsto no Marco Civil da Internet.

Entre os aspectos relevantes do atual decreto está a previsão de que a Telebrás atue como indutora da implementação das políticas de telecomunicações, estando estabelecida inclusive a atribuição de prestar serviços de acesso a Internet diretamente ao consumidor nas localidades onde não existam oferta adequada. Igualmente relevante é a previsão de que as redes implantadas com base nas políticas estabelecidas pelo novo decreto devem estar sujeitas a obrigação de compartilhamento desde o início de sua operação, reservando-se parte de sua capacidade com o cumprimento dos objetivos das políticas públicas.

Outra mudança efetivada em 2018 se deu por meio do Decreto 9.619/2018, também apresentado nos últimos meses de mandato de Michel Temer. O texto aprovou o novo Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado Prestado no Regime Público. Ocorre, como alerta a advogada Flávia Lefèvre, integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil e do Intervozes, que ele “deixou de fora mais de R$ 3,7 bilhões a favor das concessões decorrentes do saldo da troca de metas dos Postos de Serviço de Telecomunicações (PSTs) para o backhaul, infraestrutura de rede de suporte do STFC para conexão em banda larga, que interliga as redes de acesso ao backbone da operadora”. Desde a edição do Decreto 6.424/2008, a meta de instalação dos PSTs deixou de existir, colocando em seu lugar a ampliação da infraestrutura de banda larga. O atual estimula novamente a conexão 4G, precária em relação à qualidade da Internet.

Queda nos acessos contraria crescente importância dos serviços

Sem políticas públicas para que seja garantida a universalização dos serviços, o que temos visto é a ampliação da dificuldade da população, que enfrenta um contexto de crise financeira no país, exercer o seu direito à comunicação. Dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), da PNAD e TIC Domicílios consolidados pela consultoria Teleco apontam que havia, apenas, 31,2 milhões de assinantes de banda larga no Brasil em janeiro de 2019. Em 12 meses, entre setembro de 2018 e agosto de 2018, foram adicionados apenas 2,49 milhões de contratos desse serviço em todo o território nacional. Pouco para a importância que a Internet tem adquirido no cotidiano como instrumento necessário, inclusive, para o acesso a políticas públicas.

A quantidade de acessos com velocidade acima de 34 Mb/s quase dobrou no ano passado, tornando-se a segunda categoria mais popular, assim como o número de clientes usando Internet via fibra óptica. Já a faixa de 2 Mb/s a 12 Mb/s ainda segue concentrando a maioria dos clientes. Isso significa que poucas pessoas estão tendo a oportunidade de usufruir de uma conexão rápida, ao passo que a maior parte da população depende de acessos móveis, uma situação que amplia a desigualdade digital em nosso país.

A dificuldade está associada aos preços cobrados, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2017, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), realizada por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). Lançada em julho do ano passado, a pesquisa mostrou que o preço da conexão permanece como principal motivo mencionado para a ausência de Internet nos domicílios. Ao todo, 27% dos entrevistados afirmam que o serviço é caro.

O mesmo é diagnosticado na pesquisa do Intervozes intitulada Marco Civil da Internet – Violações ao direito de acesso universal previsto na lei, lançada em fevereiro de 2018, que mostra, ainda, que a própria Anatel tem dificuldades para obter dados sobre preços ofertados concretamente à população em diferentes municípios e aponta como um dos problemas a carga tributária que incide sobre o setor.

Evidenciando como a violação do direito à comunicação acompanha outras problemáticas, a pesquisa do CGI.br mostra ainda que as desigualdades por classe socioeconômica e por áreas urbanas e rurais demarcam diferenças em relação ao acesso à Internet. A rede mundial de computadores está presente em 30% dos domicílios de classe D/E (proporção que era de 23% em 2016) e 34% das residências da área rural (em 2016, era 26%). Já nas classes A e B, as proporções atingem 99% e 93%, respectivamente. Os dados mostram, portanto, que o acesso aumentou, mas que ainda está longe de ser comparado ao que é vivenciado por pessoas mais ricas e moradoras dos centros urbanos. Além disso, 19% dos domicílios conectados não possuem computador, o que representa 13,4 milhões de residências. Essa proporção era de apenas 4% em 2014, o que mostra também que o acesso está se dando de forma precária, sobretudo por meio dos dispositivos móveis.

Horta em pequena propriedade rural em Avaré (SP). Créditos: José Reynaldo da Fonseca/ Wikimedia Commons
Horta em pequena propriedade rural em Avaré (SP). Créditos: José Reynaldo da Fonseca/ Wikimedia Commons

Essa situação decorre também da baixa concorrência no setor. Praticamente quatro operadoras controlam 73% das conexões. A líder, o Grupo Claro, detém 9,4 milhões delas (30% do total). Em segundo lugar está a Vivo, com 7,6 milhões de assinantes (24%). Enquanto isso, a Oi vem a seguir com 6 milhões (ou 19%). De acordo com a Anatel, somente a Claro/NET conseguiu adicionar clientes ao longo do ano, tendo registrado um crescimento de 5% de sua base de assinantes. Enquanto isso, a Vivo ficou estável e a Oi sofreu queda de 5% no número de contratos ativos.

Se a Internet cresceu pouco, o acesso à telefonia caiu. No caso da fixa, o país registrou, ao todo, a existência de 37,5 milhões de linhas em dezembro de 2018, segundo a Anatel, cerca de 2 milhões a menos que no mesmo mês de 2017, o que representa uma variação negativa de 5,23%. Os estados com taxas que ultrapassam a faixa de 40% dos domicílios com telefone fixo estão concentrados nas regiões Sudeste e Centro Oeste. Nas regiões Norte e Nordeste, os percentuais variam entre 10% e 30%, à exceção, sendo o que registra maior presença, entre estes, o estado do Acre, com 32,3%.

Mesmo a telefonia móvel, que fechou dezembro de 2018 com 229 milhões de linhas, sofreu queda no comparativo com 2017, ano que terminou com 236 milhões, uma variação negativa de 3,08%. As regiões Norte e Centro-Oeste são as com menor taxa de acesso, totalizando 16 milhões e 18,8 milhões, respectivamente. Do total das linhas, 56,5% são pré-pagas, ao passo que 43,5%, pós-pagas. Em relação às tecnologias que viabilizam conexão por meio do celular, a mais comum já é a 4G, representando 56,6% do total. A 3G atinge 23,9%. Já a 2G, 10,8%.

A queda nos acessos é ainda mais expressiva na TV paga, que no Brasil é considerada um serviço de telecomunicações. As operadoras perderam no ano passado 549 mil assinantes. Com isso, o serviço fechou 2018 com 17,5 milhões de contratos ativos, segundo a Anatel. É o quarto ano seguido com registro de queda. A situação começou a ser verificada em 2014. Após registro de expansão entre 2011 e 2013, quando o crescimento da TV por assinatura e da banda larga aconteciam de forma quase paralela, a crise econômica levou ao cancelamento de contratos.

A esse fator somou-se outro nos últimos anos: a popularização de serviços de vídeo sob demanda, como o Netflix, com tarifas bem mais baixas que as cobradas pelas empresas de TV paga. Em fevereiro de 2019, a empresa Amdocs divulgou estudo em que aponta que os serviços de vídeo que funcionam por meio da Internet estão presentes em 39% dos lares, ao passo que a TV paga, em 26%. Eles já são a principal forma de assistir TV em 8% das casas. No país, detalha o estudo, três novos contratos do serviço foram adicionados para cada casa que abriu mão da TV por assinatura no ano de 2017. Essa mudança expressa uma tendência mundial e que tende a ainda se aprofundar no Brasil. Na Austrália, por exemplo, 17% dos lares já privilegiam essa modalidade de acessar conteúdos, percentual que chega a 16% no México e 13% nos Estados Unidos. Mas para acessá-los com qualidade, faz-se necessária uma boa conexão à Internet.

Bem comum ou mercadoria?

O cenário das telecomunicações no Brasil mostra que há uma enorme desigualdade na participação da sociedade no setor e que ainda estamos longe de garantir que o acesso à Internet seja tratado como um serviço essencial no Brasil, embora esse conceito conste no Marco Civil da Internet desde 2014.

A ausência de uma postura efetiva de defesa da universalização das telecomunicações e do acesso à Internet acaba afetando outras políticas públicas, como alertam organizações da sociedade civil, entre elas a ONG Internet Sem Fronteiras (ISF). Diretora da organização no Brasil, Florence Poznanski cita o exemplo da construção do cabo ELLAlink, feito para conectar América Latina e Europa. Florence explica que o projeto surgiu sem fins lucrativos, a partir de aliança entre a brasileira Rede Nacional de Pesquisa (RNP), a rede universitária europeia GEANT e a sul-americana RedCLARA.

Além de uma oportunidade para fortalecer a inclusão digital do continente e reduzir os custos de acesso, o cabo traz um modelo de governança inovador que abre uma grande esperança para o reconhecimento da Internet como um bem comum da humanidade, dedicando uma parte de sua banda larga para a comunicação de organizações não-comerciais. “Isso nos interessou, porque era possível pensar em um acesso à Internet sem fins lucrativos, mas sob a ótica do bem comum”, inclusive com uma proposta inicial de gestão compartilhada, que significaria uma mudança no modo de governança dos cabos submarinos que até então foram utilizados quase exclusivamente para fins comerciais, detalha. Ademais, a criação de uma rota alternativa para o tráfego mundial teria importância geopolítica, pois ele é atualmente controlado, em mais de 99%, por multinacionais norte-americanas.

No entanto, esse potencial foi condicionado por escolhas que transcendem a tecnologia. “A existência de um cabo – no caso do ELLAlink –, que vai chegar em Fortaleza e em São Paulo, não necessariamente se traduz diretamente em mais acesso, porque na verdade isso significa conectar essa quantidade de banda larga em um lugar, mas que pode ser usada em data centers em São Paulo, por exemplo, que vão contribuir para conectar ainda mais setores que já estão conectados. Caso tenha uma política realmente de universalização, através de pontos de trafego etc., poderia servir a outros lugares para o país, barateando o acesso à rede”, opina Florence.

Inicialmente, a Telebras seria parte dos investidores do que veio a se converter na empresa ELLAlink, mas no segundo semestre de 2018 ela deixou de ser membro do consórcio alegando restrições orçamentárias e renegociou as condições da parceria. Agora, ficou garantido apenas a contratação da capacidade do cabo, frustrando as expectativas de quem defendia que ele poderia fomentar outros modelos de gestão da rede e reiterando que “não é o próprio cabo que resolve em si o problema, mas a maneira como ele é inserido na política”, conforme resume a diretora da ISF.

Como em todo o campo da comunicação, nas telecomunicações é preciso que haja postura ativa de agentes do poder público para que o desenvolvimento tecnológico seja transformado em vivência para o conjunto da sociedade. A Lei Geral de Telecomunicações prevê que a oferta dos serviços será garantida basicamente por meio de três modalidades: estímulo à competição, regulação e subvenção econômica. Vinte anos depois de aprovada a LGT, parece nítido que o país ainda está longe de utilizar de maneira eficaz esses mecanismos e caminhar para o tratamento da comunicação como direito e não mercadoria.

* Jornalista, doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante da Coordenação do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

O fracasso do Programa Nacional de Banda Larga

Por Marina Cardoso*

Foi-se o final de ano, o novo-velho governo tomou posse, nomeou ministros e mostrou a que veio. Pois bem. Agora, nesse começo de janeiro, antes de seguirmos em frente, é recomendável parar um minuto para refletir sobre os resultados do Programa Nacional de Banda larga (PNBL), instituído em 2010 pelo Decreto 7.175, cujas metas deveriam ter sido alcançadas até o findado 2014. Para isso, contamos com a ajuda do relatório de avaliação do PNBL feito pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal. O estudo foi concluído em dezembro e – esperamos que por conta do período de publicação – ganhou pouco espaço na mídia. É, no entanto, bastante elucidativo sobre o retumbante fracasso do Plano. Vale lê-lo atentamente.

Para começar: a meta de domicílios conectados estabelecida para 2014 está muito longe da alcançada. A expectativa era fechar o ano passado com 35 milhões de domicílios com acesso à internet fixa. Porém, em agosto, os acessos à banda larga fixa chegavam a apenas 23,5 milhões de locais, segundo dados do próprio Ministério das Comunicações (Minicom), incluindo aí instalações em estabelecimentos comerciais. Ou seja, há um abismo de mais de 10 milhões de acessos entre a realidade e a meta prevista.

A Consultoria Legislativa (Conleg) do Senado calculou que exista no Brasil um hiato digital em aproximadamente 38,4 milhões de famílias, uma cifra que corresponde a mais de dois terços do total da população. Um dado vergonhoso, especialmente quando se tem em conta que o Brasil é a sétima maior economia do mundo, de acordo com o Banco Mundial.

O pacote de banda larga popular, criado por meio da assinatura de termos de compromisso entre as operadoras e o Minicom, também apresenta resultados pífios. Os últimos dados disponíveis apontam para 2,6 milhões de assinaturas, menos de 1% do total de acessos à internet fixa, sendo metade delas concentrada no estado de São Paulo. É bom lembrar aqui que os dados da banda larga popular do PNBL divulgados pelo Minicom são imprecisos quanto a sua data de coleta (e não mudam há algum tempo), e não incluem informações por região, ou dados de desconexão. Ou seja, também faltam informação e transparência para um melhor balanço da política.

O governo poderia se gabar de poucos aspectos do PNBL, entre eles a cobertura da oferta do plano popular, que, segundo juram as concessionárias, alcançou 4.912 cidades. O difícil é o cidadão conseguir contratar o tal pacote que estaria disponível em quase todos os municípios do País. Diversas reportagens denunciam que empresas escondem tal oferta em suas páginas da internet e que há dificuldade de contratação do plano por meio dos serviços de atendimento telefônico das operadoras – isso sem falar do total desconhecimento da população sobre a existência do plano popular.

O ministério e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) fazem vistas grossas. Assim, as operadoras dizem que oferecem o serviço popular, o governo finge que acredita e o nível de conexão no país segue crítico. Pesquisa realizada pelo DataSenado, entre 29 de outubro e 12 de novembro de 2014, mostrou que dois terços dos entrevistados NUNCA havia ouvido falar do PNBL.

Falando de alguma coisa boa, o PNBL teve um importante mérito: o de reativar a Telebras. Infelizmente, porém, a meta traçada era a de disponibilização da Rede Nacional de Internet, gerenciada pela Telebras, em 4.278 municípios até 2015. Só que até agora a estatal amarga míseros 612 municípios conectados, sendo apenas 360 por oferta direta.

De acordo com o relatório do Senado, “a principal razão para o desempenho abaixo do previsto pode ser imputada ao investimento insuficiente nos projetos executados pela Telebras”. O Plano Plurianual de 2012 a 2015 prevê investimentos da ordem de 2,9 bilhões de reais para o PNBL no período de 2012 a 2013. Já as leis orçamentárias anuais nos mesmos anos garantiu apenas 314,7 milhões de reais para o investimento. Com o contingenciamento de recursos, o valor se reduzia ainda mais, para 267,9 milhões de reais. Por fim, a execução orçamentária, de fato, foi de 214,1 milhões de reais, ou seja, 7,4% do previsto no PPA.

Diante de tantos fracassos, há que se perguntar o que aconteceu. Uma possível explicação está no próprio Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital (CGPID), órgão composto por representante de nove ministérios, de duas secretarias e do Gabinete Pessoal do Presidente da República. Compete ao CGPID a gestão e o acompanhamento do PNBL no âmbito do Poder Executivo, cabendo-lhe fixar as ações, metas e prioridades do programa, acompanhar e avaliar suas ações de implementação e publicar anualmente relatório de acompanhamento, demonstrando os resultados obtidos. Acontece que o CGPID não se reúne desde 2010 – ano de criação do PNBL! Não houve, portanto, até agora, relatório algum de acompanhamento do plano.

Uma coisa é certa: não podemos fechar os olhos para o papel central que a internet ocupa hoje na sociedade. Por ela passam, cada vez mais, as relações econômicas, políticas e sociais. No entanto, na prática, apesar do Marco Civil dizer o contrário, o acesso à internet ainda não é considerado um serviço essencial em nosso País. Ao manter dois terços das famílias naquilo que a Consultoria do Senado classificou de hiato digital, optamos, como sociedade, a aprofundar as desigualdades contra as quais viemos lutando bravamente. Estamos enxugando gelo.

Por isso, a sociedade civil, organizada em torno da campanha Banda Larga É Direito Seu, apresentou ao Executivo e à Anatel uma proposta de política pública para garantir a universalização do acesso à internet no Brasil. Seu eixo central é a mudança do regime de operação de rede e de prestação do serviço de acesso à internet no atacado do chamado regime privado para o público. O relatório do Senado endossa essa proposta: “recomenda-se a prestação do serviço de acesso à internet em regime público, a fim de promover a sua universalização”.

Neste início de 2015, a campanha Banda Larga É Um Direito Seu, da qual o Intervozes é membro, inicia a tentativa de abertura de diálogo com o novo governo e demais atores envolvidos, para caminharmos com um plano que seja efetivo. Porque não estamos apenas apontando o dedo. Estamos dispostos a construir os caminhos. Durante a campanha eleitoral, a presidenta Dilma Rousseff se comprometeu a universalizar o acesso à internet no Brasil até o final desta gestão. Esperamos que o fracasso do PNBL sirva, ao menos, para se construir um plano de universalização da banda larga de forma democrática, ouvindo não apenas as empresas, mas a maior interessada: a sociedade.

* Marina Cardoso é jornalista e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Prefeituras e ONGs poderão oferecer internet diretamente para a população

 A Agência Nacional  de Telecomunicações (Anatel) aprovou no dia 6 de junho (quinta) o novo regulamento do Serviço Limitado Privado (SLP), permitindo que prefeituras, entidades da administração pública direta ou indireta e organizações sem fins lucrativos possam oferecer internet diretamente à população local. O governo federal justifica a medida como forma de simplificar a prestação de serviços de banda larga por esses órgãos.

Em 2007, a Anatel já havia manifestado o entendimento de que prefeituras municipais poderiam oferecer serviços de telecomunicações de forma gratuita, mediante autorização da agência. De acordo com a gerente de projeto da Secretaria de Telecomunicações, Diana Tomimura, “quando uma prefeitura decidia prestar serviços de acesso à internet à sua população, ela contratava uma empresa autorizada a prestar o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). Com a alteração do regulamento, a prefeitura poderá, se preferir, prestar o serviço de forma direta, utilizando o SLP”.

A regulamentação aprovada cria uma exceção nas regras do SLP. O serviço tem caráter restrito e é utilizado por radiotáxis e sistemas de comunicação de grandes empresas, como Petrobras ou Vale. A interconexão dessas pequenas redes com outras estava proibida até então. Para ser possível a oferta de acesso à internet, o regulamento destaca a possibilidade de prestação do SLP por meio de interligação de redes “em caráter de acesso de usuário”.

Segundo Marcello Miranda, do Instituto Telecom, as novas regras não garantem a gratuidade do serviço oferecido pelas prefeituras que havia sido definida na norma anterior. “A prefeitura pode prestar, mas nada se diz sobre a possibilidade da cobrança por parte dela”. Além disso, o pesquisador critica que “a Anatel está fazendo política pública quando quem deveria fazê-la era o Ministério das Comunicações”.

A preocupação expressa por Miranda em relação à proposta de “universalização” por meio do mercado ganha mais fôlego quando confrontada com os interesses dos pequenos investidores. “No nosso entendimento, toda lan house deveria poder ser um provedor de acesso residencial sem necessariamente ter que ter call center 0800 24h, ou pagar 8 mil de licença, pois, às vezes, 8 mil é tudo que o cara gastou para montar uma pequena lan”, defende Mário Brandão, da Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital (Abcid).

Brandão critica o privilégio dos grandes investidores  garantido pela política que tem sido aplicada no setor até hoje. Segundo ele, o sistema de habilitação e concessão de licenças para provedores de acesso a internet sempre foi “draconiano”. “Quem tinha muita grana conseguia licença para prover internet e quem não tinha se virava na ilegalidade ou não se virava”, afirma.

Pelas novas regras, para explorar o SLP, com a finalidade de oferecer internet à população, as prefeituras e instituições sem fins lucrativos dependem de prévia autorização da Anatel e do pagamento da licença no valor de R$ 400.

Regulamento do PGMU atende reivindicação das teles

Foi publicado nesta quinta-feira, 25, o regulamento do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) III, instituído pelo Decreto 7.512 de 30 de junho de 2011. O documento detalha as regras para o cumprimento das metas do PGMU III, que trouxe novas obrigações às concessionárias relativas ao Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC).

O regulamento traz metas de instalação de Terminais de Uso Público (TUPs) e obrigas as concessionárias a disponibilizarem um sistema de acompanhamento e gestão da planta de TUPs, que poderá ser acessado por servidores da Anatel através da Internet. As empresas têm três meses para implantarem o sisitema.

O PGMU III trouxe também metas de atendimento telefônico e de banda larga às áreas rurais. Nesse caso, as concessionárias poderão usar a rede que será implantada pelas vencedoras do edital de licitação da faixa de 450 MHz. O regulamento estabelece que as concessionárias têm até 90 dias para iniciar a oferta após o início da cobertura da rede de 450 MHz.

O texto traz ainda metas para o backhaul. Nas cidades com até 20 mil habitantes, as concessionárias devem disponibilizar capacidade mínima de 8 Mbps, número que sobre para 16 Mbps nas cidades com até 40 mil habitantes; 32 Mbps nas cidades com até 60 mil habitantes; e 64 Mbps em municípios com mais de 60 mil habitantes. A Anatel teve o cuidado de deixar claro que o backhaul deve ser qualificado como bem reversível.

Campanha

Durante a audiência pública realizada em março para discutir o texto, o SindiTelebrasil queixou-se principalmente de dois pontos. Primeiro, que a Anatel estaria reduzindo de seis para três meses a periodicidade de envio do planejamento das localidades que passarão a ser atendidas. De acordo com o PGMU III, as localidades com mais de 300 habitantes devem ser atendidas com acesso individual e aquelas com mais de 100 habitantes devem dispor de pelo menos um TUP. Segundo o sindicato, a variação populacional é pequena e, por isso, seria desnecessário reduzir a periodicidade do envio do planejamento de atendimento. O segundo ponto foi a contratação de uma pesquisa de recall da campanha de divulgação das metas, que, entre outras obrigações, poderia deixar a campanha duas vezes e meia mais cara. Esses dois pontos não constam do texto final.

Estudo: só 20% dos lares nas regiões N e NE acessam internet

Após analisar os dados do estudo TIC Domicílios, divulgado nesta quinta-feira pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Alexandre Barbosa, gerente do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic), classificou o Brasil em dois "países" diferentes. "Um país é o Sul-Sudeste-Centro-Oeste, e o outro é o Norte-Nordeste. No primeiro, a proporção de domicílios com acesso à internet é entre 40% e 50%. No segundo, ela gira em torno de 20%", afirmou ele. "É uma disparidade muito grande."

A pesquisa fez um levantamento em 25 mil domicílios para mensurar a presença do computador e da internet nos lares brasileiros, e constatou uma grande diferença no acesso à tecnologia. O Centro-Oeste, ressalvou o coordenador de pesquisas do Cetic, Juliano Cappi, também poderia ser dividido em dois. "Existe Brasília, com um padrão muito bom, e todo o resto, que se aproxima das regiões Norte e Nordeste", disse ele.

Além do fator regional, o estudo apontou grandes diferenças de acordo com a renda e com o grau de urbanização. Nas classes A e B, por exemplo, o acesso à internet é feito por 96% e 76% dos domicílios, respectivamente. Essas duas faixas, no entanto, representam apenas cerca de um quarto da população. Todo o resto dos brasileiros ainda tem um precário contato com a rede: 35% da classe C e apenas 5% das classes DE.

Uma das consequências da pesquisa foi evidenciar a importância das lanhouses para a inclusão digital. Apesar de esses estabelecimentos terem perdido importância relativa no acesso à internet no País como um todo, eles ainda têm papel importante nas regiões Norte e Nordeste, nas áreas rurais e nas faixas de renda mais baixas.

Na classe A, o acesso à rede é praticamente todo feito a partir de casa (98%), enquanto as lanhouses possuem apenas uma importância residual (8%). Porém, para as faixas de renda menores, os centros de acesso pagos têm grande relevância: nas classes DE, 60% dos pesquisados acessam a rede em lanhouses, enquanto apenas 21% o fazem em seus lares. "As lanhouses continuam sendo importantes para a inclusão digital", analisou Barbosa.

Áreas rurais
A internet nas áreas rurais começou a ser mensurada pelo CGI em 2008. De lá para cá, foi possível notar um certo aumento, mas muito menor do que nas áreas urbanas. Enquanto nestas últimas o acesso à internet cresceu de 20% em 2008 para 43% no ano passado, a penetração da rede no meio rural foi de 4% em 2008 para 10% em 2011. "Temos que planejar ações voltadas para a área rural, porque se nada for feito a desigualdade tende a aumentar", alertou Barbosa.

Quando se leva em consideração toda a população com mais de 10 anos, a diferença se evidencia. Nas áreas urbanas, 50% das pessoas acessaram a internet nos últimos três meses; nas rurais, o índice cai para 18%. "Temos toda essa população que está alijada do acesso à internet. Isso é um alerta para que tenhamos um crescimento mais qualitativo", afirmou Cappi.

Segundo os pesquisadores, os dados levantados pelo estudo servirão para orientar políticas públicas de inclusão digital. "O uso da internet no Brasil está crescendo, isso é fato. No entanto as desigualdades não estão se alterando" analisou Cappi. "Se os nossos planejamentos não começarem a combatê-las, vamos alcançar 50% dos domicílios com internet e travar. O governo precisa buscar soluções para minimizar essa diferença", disse ele, no que lhe fez coro o secretário-executivo do CGI, Hartmut Glaser. "A internet não deve ser um privilégio para alguns, deve ser um bem a que todos têm acesso. Esperamos que com esses dados e políticas públicas não haja mais tanta diferenças entre o nível de acesso", afirmou.