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A Queda da Bastilha e a nova ordem audiovisual

Se é verdade que "o poder se toma nas telas", como se gosta de dizer no meio cinematográfico, chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor. Nunca antes na história deste planeta houve ambiente tão favorável a isso. A nova ordem audiovisual vem em ondas, avassaladoramente, e já pode ser vista da praia. Chega carregada pelos ventos da popularização das câmeras de vídeo [embutidas nas máquinas fotográficas ou nos celulares], sem dúvida. Mas também pela multiplicação de janelas de exibição [do YouTube a soluções brasileiras como o Videolog], pelo alastramento de festivais dedicados a novatos [Favela é Isso Aí, de Beagá; Ver e Fazer Filmes, de Cataguases; FestFavela, do Rio] e a proliferação de ferramentas de edição simples e gratuitas e de cursos online. No conjunto da obra, trata-se de um movimento histórico, sim.

Que se reflete na abertura progressiva de espaços em canais tradicionalmente engessados, como a televisão. E vai levar, queira-se ou não, a uma Tomada da Bastilha audiovisual: uma derrubada de muros que abre à sociedade uma oportunidade concreta de que ela ocupe espaços e se sinta parte de um patrimônio que é seu: a televisão. Dois novos movimentos [complementares] ajudam a ilustrar isso. De um lado, a cineasta Laís Bodanzky e seu marido, o roteirista Luís Bolognesi, abrem nova frente na educação audiovisual com o início das operações do Tela Brasil, uma plataforma de oficinas à distância que disseca a engrenagem da realização de um filme. Laís e Luís pavimentam este caminho há 12 anos, desde os idos de Cine Mambembe, uma experiência de exibição de curtas-metragens em praça pública. O que começou com uma Saveiro e um projetor 16mm tornou-se, hoje, uma sala de cinema itinerante com 225 cadeiras, ar-condicionado, sistema de som surround e projetor 35mm, em cinemascope – em moldes parecidos com o padrão Universo Produções, na Mostra de Tiradentes.

A diferença entre o início do projeto e o seu upgrade em 2004 foi tanta que optou-se pela mudança de nome. É quando nasce o Cine Tela Brasil. Um e outro guardam uma característica comum: a realização de curtas-metragens a partir de oficinas produzidas com as comunidades dos locais de exibição. Que agora ganham este braço virtual, capaz de guiar neófitos pelos caminhos da produção, do roteiro, da fotografia, da direção, da trilha sonora e da montagem. São cursos de iniciação, evidentemente. Para curiosos em geral – e gente que gosta de aprender fazendo em particular. A diferença é de escala e geografia: é pra quem quiser e onde estiver, via www.telabr.com.br. A formação de jovens realizadores nas periferias e grotões do Brasil é um trabalho exercitado há duas décadas pela produtora Zita Carvalhosa e sua Kinoforum, de São Paulo. É ela uma das figuras-chave na segunda ação importante que nos bate à porta – a partir de hoje [www.teladigital.org.br].

Trata-se do festival Tela Digital, idéia gestada pelo intrépido cineasta baiano José Araripe Jr. e operacionalizada pela Kinoforum, sob demanda da TV Brasil. A palavra de ordem do festival é "desentube-se". Um convite explícito para que o realizador não-profissional corra o risco de ver seu vídeo na televisão, e não apenas na Internet. É um movimento semelhante ao que alimenta o canal FizTV, da editora Abril. Com uma diferença fundamental: agora na TV aberta, com exibição remunerada e R$ 60 mil em prêmios. A operação encabeçada pela Kinoforum une duas experiências bem-sucedidas no circuito formal: o Festival Internacional de Curtas de São Paulo e o Festival do Minuto. É deste segundo a tecnologia usada para a postagem de vídeos, que permitirá o recebimento e o julgamento online de todo processo.

A TV Brasil acenou para este caminho em dois momentos ao longo de 2008, com um sistema pioneiro de upload de vídeos no seu hotsite durante o Carnaval, reproduzido mais tarde nos festejos de São João. Os mais interessantes foram parar na televisão. É um movimento sem volta, este. Que deixa um recado claríssimo: ou a televisão se abre para a sociedade e estabelece uma nova dinâmica com ela, ou a sociedade vai migrar de vez [como já vem fazendo] para a internet. Não é apenas uma estratégia de sobrevivência, mas de renovação. E é de se festejar a infinitude de possibilidades que se abre a partir disso, de uma arejada nas idéias emboloradas da televisão que se faz hoje mundo afora.

Televisão: Lobo-mau x Pollyana, na nova ordem digital

Jornais e sites especializados deram considerável destaque nos últimos dias a uma declaração de executivo da Rede Globo que lamenta a mudança de comportamento do mercado de comunicação com a disseminação da internet e da telefonia celular.

A afirmação foi feita durante participação na quinta edição do Fórum Internacional de TV Digital, no Rio. E diz respeito aos desafios [E AO IMPACTO] da nova ordem digital no meio televisivo. Com direito, inclusive, a um “nós éramos felizes e não sabíamos”.

Não se pode dizer que a declaração seja surpreendente [ou sequer novidadeira], afinal. A TV comercial aberta sempre se esquivou da idéia de adotar a multiprogramação – a possibilidade de ampliar o número de canais [quem sabe o de vozes e interesses] à disposição do brasileiro. Foi esta a queda de braço essencial que moveu os lobbies em favor da adoção do padrão japonês no país.

Em nome da “qualidade' da alta definição [que, por favor, ninguém seria capaz de dizer que não interessa] restringiu-se enormemente a idéia da multiplicação de canais – e, portanto, da suposta entrada de novos agentes no mercado de televisão aberta.

O maior dos truques neste sentido foi manter a mesma fatia do espectro [o “tubo” por onde trafegam os sinais] nas mãos de cada concessionário – ou seja, de cada grupo empresarial que recebe do Governo Federal o direito de explorar [EM TESE…] por determinado período, prorrogável ou não, o serviço de TV aberta.

A discussão, abafada ao máximo na época, contrapunha duas idéias. Uma defendia que o “dono” da outorga poderia fazer o que quisesse [como se vê, se quisesse…] com o espaço que sobra quando o sinal analógico [que ocupa todo o espectro,] é compactado digitalmente.

Na contraface, o argumento [encabeçado pelos movimentos em defesa da democratização das comunicações] era de que a outorga oferecia o direito de operar UM canal [ou seja, uma programação] e não de se usar o “tubo” inteiro. Não é preciso dizer quem levou a queda de braço…

A justificativa do diretor de engenharia da Globo, Fernando Bittencourt, no Fórum de TV Digital, é de que a ampliação do número de canais é inviável, do ponto de vista dos negócios.

E ele se respalda numa lógica simples: se o bolo publicitário [ou a “pizza”, como prefere] não vai crescer, não há o que justifique criar novos canais – o que demarca com clareza o posicionamento de que um patrimônio da sociedade como é a televisão existe apenas para servir a interesses empresarias, e não aos da população.

Não deixa de ser curioso constatar que a fala vem de uma empresa que mantém número razoável de [BONS!] canais na TV paga [com conteúdos de maior “interesse público”, na média, mas de acesso restrito]. O que permitiria supor que o investimento para a migração seria mínimo [OU NÃO?].

Outro trecho emblemático da fala de Bittencourt [fundamentado em números do mercado norte-americano…] se refere ao fato de que a TV não estaria perdendo audiência para as novas vias informativas e de entretenimento, mas diluindo-a entre outros meios, sem impactar o mercado de mídia. [Pollyana talvez fosse mais incisiva neste encontro com Lobo-mau no escuro da floresta digital…]

Em meio a todas as pressões da convergência de mídias e de discussões regulatórias [reverberadas pelo Congresso Nacional via PL-29, o projeto de lei que redefine papéis e espaços no cenário da TV paga e muda o jogo de forças com a produção independente e as empresas de telecomunicações], supor que as coisas têm chance de seguir como são parece semear girassóis em nuvens.

Chama atenção, também, o perfil dos profissionais destacados pelas emissoras para falar de TV digital em eventos sobre o tema. Assim como a Globo, Record e SBT foram representados na discussão por executivos de tecnologia – a Band, por seu vice-presidente.

Enquanto a TV digital continuar sendo tratada como mais um brinquedinho de engenheiros ou a nova lufada de impulsão das velas do mercado de eletroeletrônicos [sem encarar a fundo a inevitável reviravolta no modelo de negócios ou a nova lógica de empacotamento do conteúdo desta nova mídia – bidirecional, que faz do telespectador um ser ativo e participativo], a discussão continuará fora do foco que importa, em dissonância com os interesses [e necessidades] da sociedade.

É hora de fazer deste traste chamado televisor um porta-vasos, se muito. Mas se a mentalidade analógica não for aposentada junto, nada além vai florescer.

* Israel do Vale é diretor de programação e produção da Rede Minas.

iTunes.Br, Orkut 2.0, iPhone 3G e TV a carvão

Quase oito meses depois de ser lançada [simbolicamente], a TV digital ainda não decolou no Brasil. E não são poucos os motivos desta travação. O primeiro é justamente o fato de que o lançamento foi, sobretudo, simbólico – embora governo nenhum vá admitir esse tipo de coisa.

Política pública é um exercício de estímulos. Há os estímulos financeiros [fundados em linhas de crédito, benefícios tributários, potenciais de venda], os tecnológicos [com argumentos como pioneirismo e demarcação de territórios no mercado] e os psicológicos [que, aqui, vão da importância de viver "momentos históricos" ao falso status de se ter um brinquedinho novo antes dos demais].

Governar, já se disse, é mediar interesses. E qualquer governo usa de balões de ensaio para forçar determinadas coisas a avançarem dentro de seus planos, com certa margem de negociação praqui e pracolá.

Algumas das variáveis que mais desequilibraram a implantação da TV digital no Brasil derivam disso. A definição do padrão tecnológico que seria adotado no país gerou uma longa queda de braço e acabou pendendo para os interesses de quem manda no mercado.

Me refiro, claro, às TVs comerciais – cuja teia se sustenta também sobre outra [VERGONHOSA] distorção, a do número expressivo de políticos que detêm outorgas e atuam como afiliadas das grandes redes, sobretudo nas capitais.

Mas ok, é possível considerar como algo natural que o empresário defenda certo modelo de negócio construído e sustentado por ele ao longo de décadas. E não haveria nada de errado nisso, não fosse este um negócio bastante peculiar, pelo caráter público que traz em si.

O mais divertido no xadrez deste momento é ver como os interesses se movem. A televisão no Brasil se estabeleceu sob forte sustentação política. Foi este, sem dúvida, seu maior capital ao longo de décadas. Mas se há uma coisa capaz de influenciar a política é o dinheiro.

Vem daí a instabilidade trazida pelas crescentes investidas das teles sobre este mercado -ou, para ser mais claro, de um negócio dez vezes maior que o da TV [em números, não em força de expressão], que pode engoli-la como a um comprimido que se bebe sem água. O desfecho é previsível. E toda resistência que se tenha será, se muito, uma forma de negociar melhor.

Agora: sobreviver é uma coisa; negar a força da história, outra. A TV digital é fruto da convergência de mídias. Uma tendência intergaláctica, inevitável. E se os executivos de televisão continuarem atuando apenas em favor da preservação do modelo de negócio, eles e as empresas que dirigem serão atropelados sem dó nem piedade, como foram os da indústria fonográfica. Questão de tempo, apenas. De pouco tempo.

A resistência das emissoras em implantar recursos de interatividade na TV digital é quase uma piada. [Pior que TV a carvão, só mentalidade a carvão…] Mas há uma boa desculpa: a do impasse na negociação de royalties para o lançamento do Ginga – plataforma que oferecerá interatividade plena, determinante para romper com a lógica linear e passiva de ser ver televisão.

Os entraves para que a TV digital deslanche passam por aí. Mas têm origens múltiplas. E, vê-se, envolvem necessariamente a tecnologia. A escolha do padrão tecnológico arrastou-se tanto que não houve tempo de a indústria se preparar para atender o mercado – embora nada no mundo forçasse o 2 de dezembro passado como data-limite para a migração.

De outro lado, a ganância típica de certo empresariado [BRASILEIRO?] renova o viço. A chegada ao mercado do primeiro set-top-box a preços decentes [R$ 199,00, na versão mais básica] mostra que havia sim margem para redução. O que pode, quem sabe, ajudar a baixar os preços dos televisores digitais, que continuam proibitivos.

Mas há outros dilemas a enfrentar. Até hoje nenhum estudo veio à luz com um mapa claro e confiável sobre onde [em BH, RJ e SP] é possível sintonizar o sinal digital – e, viremexe, há queixas de consumidores posicionados nas chamadas "zonas de sombra", onde ele não chega. As reclamações sobre mau-funcionamento do conversor também se avolumam – a ponto de multiplicar comunidades no Orkut dedicadas ao assunto.

Neste cenário, tudo indica que a TV digital vá entrar na vida do brasileiro, de fato, é via celular. E o Natal pode dar impulso a isso. A estimativa é de que até o final do ano estejam em operação 800 mil celulares habilitados a receber sinal de televisão digital. Se a tendência se confirmar, haverá muito mais gente vendo TV digital na rua que em casa.

E a questão que se impõe aí é: de que maneira as emissoras de TV estão se preparando para isso?

* Israel do Vale é diretor de programação e produção da Rede Minas.

Conteúdo manteúdo e a cara[puça] de pau da TV paga

A TV por assinatura expande seus tentáculos a olhos vistos pelo Brasil. Os dados mais recentes, divulgados esta semana, apontam para um aumento de 13% no número de usuários entre 2006 e 2007. Com isso, já são 5,3 milhões de domicílios com acesso aos canais pagos.

O levantamento foi feito pela ABTA, associação que reúne 95% das empresas de TV por assinatura, em conjunto com o SETA, o sindicato do setor. O pano de fundo deste crescimento é o mesmo que tirou o segmento da estagnação nos últimos anos: a oferta de pacotes de TV + telefone fixo + Internet banda larga.

Os dados mostram isso com clareza. O número de assinantes do kit que inclui Internet rápida já soma um terço do total de clientes – ou, em graúdos, 1,8 milhão de seres humanos. Um crescimento de nada menos que 47% em relação ao ano anterior.

É de se festejar, sem dúvida. Mas deveria servir também como alerta para os movimentos contraditórios vividos neste momento pelo setor, mote de um projeto de lei no Congresso que, dentre outras coisas, propõe uma política de cotas para assegurar a presença do conteúdo audiovisual brasileiro nos canais.

O simples confronto dos novos números talvez ajude a dar lastro à idéia de que isso pode ser benéfico para todos. Se o total de assinantes cresceu 13% e a quantidade de pessoas que incorporaram Internet 47%, alguma coisa isso revela – noves fora o evidente sucesso da adoção do triple play, como são chamados os pacotes de serviços conjugados.

Seria plausível pensar, por exemplo, que o que mais move as pessoas para a TV paga não são necessariamente os conteúdos oferecidos por ela, mas a oportunidade de fugir deles… Noutras palavras: a TV por assinatura pode estar sendo crescentemente tratada como "brinde" na compra de serviços de Internet rápida.

O primeiro motivador para a assinatura dos serviços conjugados oferecidos via TV paga é, evidentemente, o bolso. Mas o segundo talvez seja o conteúdo. As informações disponibilizadas pela pesquisa não entram neste mérito.

A queda de braço entre TVs por assinatura e produtores audiovisuais brasileiros começou em dezembro passado e foi renovada este mês, com uma campanha [veiculada nos canais pagos, interessados diretos no assunto…] que acusa o projeto do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) de ferir a liberdade de escolha do assinante.

O tiro pode ter saído pela culatra. Na última quarta-feira, 36 entidades da área audiovisual lançaram- se no contra-ataque no Congresso Nacional, com um manifesto em defesa das cotas [cuja íntegra eu penduro no meu blog: futurodamusica. zip.net].

O texto não apenas questiona o conceito de liberdade utilizado pela campanha [incompatível, como sugere, com as práticas do setor], mas cutuca com força a ferida aberta pelo exílio do conteúdo nacional da TV por assinatura.

O argumento fundamental tem lastro em números contundentes recém-divulgados pela Ancine, a agência reguladora do setor audiovisual. Parece assustador [em qualquer país do mundo] constatar que de 3.264 filmes exibidos [no quarto trimestre de 2006, pelos dez principais canais pagos] somente 17 eram brasileiros. Leia-se 0,5%…

O grande mérito do levantamento da Ancine é traduzir em números o que o controle remoto denuncia há muito tempo: o Brasil foi exilado da TV paga. Procure o país que você vive fora dos canais de esportes, notícias ou dos que só são oferecidos porque a lei obriga [caso dos legislativos, universitários comunitários e educativos – que, descaradamente, não merecem o mesmo cuidado técnico na transmissão].

Se o filme nacional está fora da TV por assinatura, o que dizer das demais manifestações artísticas? Onde está a música? E as artes cênicas ou visuais? Cadê a dança? E a cultura popular? [Bem, é fato que também na TV aberta, para além do circuito de emissoras públicas, cultura só é assunto quando está a reboque das celebridades…]

Há, na NET, apenas três ou quatro louváveis exceções: Multishow [o canal mais contemporâneo e antenado da TV brasileira, na minha modesta opinião], GNT [de foco no universo feminino], Futura [que tem a TV pública no DNA" e Canal Brasil "o gueto do cinema nacional]. Na TVA dois novos canais produzidos pelo Grupo Abril oxigenam a programação: FizTV [de conteúdos colaborativos] e Ideal [de perfil jovem, voltado ao mercado de trabalho].

É pouco. E se isso não for suficiente para merecer atenção do Legislativo e do Executivo [e portanto, ser tratado como política pública] , o que será? Defender conteúdo nacional não é negar o que vem de fora [que sim, todo mundo quer também], mas afirmar o direito de nos conhecermos melhor.

Política de cotas é sempre um assunto espinhoso. Porque cria obrigatoriedades em vez de estimular um processo contínuo de conquistas, a médio e longo prazo. Mas é um mal necessário. Que precisa ser usado [com rigor] sempre que alguma distorção ameaça se perpetuar. E é o caso.

Não seria demais, aliás, ampliar a briga para a retomada do projeto de regionalização da programação, um imperativo constitucional que os lobbies e interesses econômicos das grandes redes comerciais de televisão nunca permitiram que saísse do papel.

Ou será que ninguém teria interesse em saber o que se passa neste país para além do eixo RJ-SP?

* Israel do Vale é diretor de programação e produção da Rede Minas