iTunes.Br, Orkut 2.0, iPhone 3G e TV a carvão

Quase oito meses depois de ser lançada [simbolicamente], a TV digital ainda não decolou no Brasil. E não são poucos os motivos desta travação. O primeiro é justamente o fato de que o lançamento foi, sobretudo, simbólico – embora governo nenhum vá admitir esse tipo de coisa.

Política pública é um exercício de estímulos. Há os estímulos financeiros [fundados em linhas de crédito, benefícios tributários, potenciais de venda], os tecnológicos [com argumentos como pioneirismo e demarcação de territórios no mercado] e os psicológicos [que, aqui, vão da importância de viver "momentos históricos" ao falso status de se ter um brinquedinho novo antes dos demais].

Governar, já se disse, é mediar interesses. E qualquer governo usa de balões de ensaio para forçar determinadas coisas a avançarem dentro de seus planos, com certa margem de negociação praqui e pracolá.

Algumas das variáveis que mais desequilibraram a implantação da TV digital no Brasil derivam disso. A definição do padrão tecnológico que seria adotado no país gerou uma longa queda de braço e acabou pendendo para os interesses de quem manda no mercado.

Me refiro, claro, às TVs comerciais – cuja teia se sustenta também sobre outra [VERGONHOSA] distorção, a do número expressivo de políticos que detêm outorgas e atuam como afiliadas das grandes redes, sobretudo nas capitais.

Mas ok, é possível considerar como algo natural que o empresário defenda certo modelo de negócio construído e sustentado por ele ao longo de décadas. E não haveria nada de errado nisso, não fosse este um negócio bastante peculiar, pelo caráter público que traz em si.

O mais divertido no xadrez deste momento é ver como os interesses se movem. A televisão no Brasil se estabeleceu sob forte sustentação política. Foi este, sem dúvida, seu maior capital ao longo de décadas. Mas se há uma coisa capaz de influenciar a política é o dinheiro.

Vem daí a instabilidade trazida pelas crescentes investidas das teles sobre este mercado -ou, para ser mais claro, de um negócio dez vezes maior que o da TV [em números, não em força de expressão], que pode engoli-la como a um comprimido que se bebe sem água. O desfecho é previsível. E toda resistência que se tenha será, se muito, uma forma de negociar melhor.

Agora: sobreviver é uma coisa; negar a força da história, outra. A TV digital é fruto da convergência de mídias. Uma tendência intergaláctica, inevitável. E se os executivos de televisão continuarem atuando apenas em favor da preservação do modelo de negócio, eles e as empresas que dirigem serão atropelados sem dó nem piedade, como foram os da indústria fonográfica. Questão de tempo, apenas. De pouco tempo.

A resistência das emissoras em implantar recursos de interatividade na TV digital é quase uma piada. [Pior que TV a carvão, só mentalidade a carvão…] Mas há uma boa desculpa: a do impasse na negociação de royalties para o lançamento do Ginga – plataforma que oferecerá interatividade plena, determinante para romper com a lógica linear e passiva de ser ver televisão.

Os entraves para que a TV digital deslanche passam por aí. Mas têm origens múltiplas. E, vê-se, envolvem necessariamente a tecnologia. A escolha do padrão tecnológico arrastou-se tanto que não houve tempo de a indústria se preparar para atender o mercado – embora nada no mundo forçasse o 2 de dezembro passado como data-limite para a migração.

De outro lado, a ganância típica de certo empresariado [BRASILEIRO?] renova o viço. A chegada ao mercado do primeiro set-top-box a preços decentes [R$ 199,00, na versão mais básica] mostra que havia sim margem para redução. O que pode, quem sabe, ajudar a baixar os preços dos televisores digitais, que continuam proibitivos.

Mas há outros dilemas a enfrentar. Até hoje nenhum estudo veio à luz com um mapa claro e confiável sobre onde [em BH, RJ e SP] é possível sintonizar o sinal digital – e, viremexe, há queixas de consumidores posicionados nas chamadas "zonas de sombra", onde ele não chega. As reclamações sobre mau-funcionamento do conversor também se avolumam – a ponto de multiplicar comunidades no Orkut dedicadas ao assunto.

Neste cenário, tudo indica que a TV digital vá entrar na vida do brasileiro, de fato, é via celular. E o Natal pode dar impulso a isso. A estimativa é de que até o final do ano estejam em operação 800 mil celulares habilitados a receber sinal de televisão digital. Se a tendência se confirmar, haverá muito mais gente vendo TV digital na rua que em casa.

E a questão que se impõe aí é: de que maneira as emissoras de TV estão se preparando para isso?

* Israel do Vale é diretor de programação e produção da Rede Minas.

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