Conteúdo manteúdo e a cara[puça] de pau da TV paga

A TV por assinatura expande seus tentáculos a olhos vistos pelo Brasil. Os dados mais recentes, divulgados esta semana, apontam para um aumento de 13% no número de usuários entre 2006 e 2007. Com isso, já são 5,3 milhões de domicílios com acesso aos canais pagos.

O levantamento foi feito pela ABTA, associação que reúne 95% das empresas de TV por assinatura, em conjunto com o SETA, o sindicato do setor. O pano de fundo deste crescimento é o mesmo que tirou o segmento da estagnação nos últimos anos: a oferta de pacotes de TV + telefone fixo + Internet banda larga.

Os dados mostram isso com clareza. O número de assinantes do kit que inclui Internet rápida já soma um terço do total de clientes – ou, em graúdos, 1,8 milhão de seres humanos. Um crescimento de nada menos que 47% em relação ao ano anterior.

É de se festejar, sem dúvida. Mas deveria servir também como alerta para os movimentos contraditórios vividos neste momento pelo setor, mote de um projeto de lei no Congresso que, dentre outras coisas, propõe uma política de cotas para assegurar a presença do conteúdo audiovisual brasileiro nos canais.

O simples confronto dos novos números talvez ajude a dar lastro à idéia de que isso pode ser benéfico para todos. Se o total de assinantes cresceu 13% e a quantidade de pessoas que incorporaram Internet 47%, alguma coisa isso revela – noves fora o evidente sucesso da adoção do triple play, como são chamados os pacotes de serviços conjugados.

Seria plausível pensar, por exemplo, que o que mais move as pessoas para a TV paga não são necessariamente os conteúdos oferecidos por ela, mas a oportunidade de fugir deles… Noutras palavras: a TV por assinatura pode estar sendo crescentemente tratada como "brinde" na compra de serviços de Internet rápida.

O primeiro motivador para a assinatura dos serviços conjugados oferecidos via TV paga é, evidentemente, o bolso. Mas o segundo talvez seja o conteúdo. As informações disponibilizadas pela pesquisa não entram neste mérito.

A queda de braço entre TVs por assinatura e produtores audiovisuais brasileiros começou em dezembro passado e foi renovada este mês, com uma campanha [veiculada nos canais pagos, interessados diretos no assunto…] que acusa o projeto do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) de ferir a liberdade de escolha do assinante.

O tiro pode ter saído pela culatra. Na última quarta-feira, 36 entidades da área audiovisual lançaram- se no contra-ataque no Congresso Nacional, com um manifesto em defesa das cotas [cuja íntegra eu penduro no meu blog: futurodamusica. zip.net].

O texto não apenas questiona o conceito de liberdade utilizado pela campanha [incompatível, como sugere, com as práticas do setor], mas cutuca com força a ferida aberta pelo exílio do conteúdo nacional da TV por assinatura.

O argumento fundamental tem lastro em números contundentes recém-divulgados pela Ancine, a agência reguladora do setor audiovisual. Parece assustador [em qualquer país do mundo] constatar que de 3.264 filmes exibidos [no quarto trimestre de 2006, pelos dez principais canais pagos] somente 17 eram brasileiros. Leia-se 0,5%…

O grande mérito do levantamento da Ancine é traduzir em números o que o controle remoto denuncia há muito tempo: o Brasil foi exilado da TV paga. Procure o país que você vive fora dos canais de esportes, notícias ou dos que só são oferecidos porque a lei obriga [caso dos legislativos, universitários comunitários e educativos – que, descaradamente, não merecem o mesmo cuidado técnico na transmissão].

Se o filme nacional está fora da TV por assinatura, o que dizer das demais manifestações artísticas? Onde está a música? E as artes cênicas ou visuais? Cadê a dança? E a cultura popular? [Bem, é fato que também na TV aberta, para além do circuito de emissoras públicas, cultura só é assunto quando está a reboque das celebridades…]

Há, na NET, apenas três ou quatro louváveis exceções: Multishow [o canal mais contemporâneo e antenado da TV brasileira, na minha modesta opinião], GNT [de foco no universo feminino], Futura [que tem a TV pública no DNA" e Canal Brasil "o gueto do cinema nacional]. Na TVA dois novos canais produzidos pelo Grupo Abril oxigenam a programação: FizTV [de conteúdos colaborativos] e Ideal [de perfil jovem, voltado ao mercado de trabalho].

É pouco. E se isso não for suficiente para merecer atenção do Legislativo e do Executivo [e portanto, ser tratado como política pública] , o que será? Defender conteúdo nacional não é negar o que vem de fora [que sim, todo mundo quer também], mas afirmar o direito de nos conhecermos melhor.

Política de cotas é sempre um assunto espinhoso. Porque cria obrigatoriedades em vez de estimular um processo contínuo de conquistas, a médio e longo prazo. Mas é um mal necessário. Que precisa ser usado [com rigor] sempre que alguma distorção ameaça se perpetuar. E é o caso.

Não seria demais, aliás, ampliar a briga para a retomada do projeto de regionalização da programação, um imperativo constitucional que os lobbies e interesses econômicos das grandes redes comerciais de televisão nunca permitiram que saísse do papel.

Ou será que ninguém teria interesse em saber o que se passa neste país para além do eixo RJ-SP?

* Israel do Vale é diretor de programação e produção da Rede Minas

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