Audiência discute Canal da Cidadania no Rio de Janeiro

O movimento que luta pela democratização da comunicação no Rio de Janeiro e o poder público  local, estadual e federal se reuniram na última terça-feira (29) para discutir o Canal da Cidadania. A audiência foi promovida pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, presidida pelo vereador Reimont Otoni (PT), que tem apoiado a sociedade civil em seu interesse de ver  a veiculação de programação comunitária na TV aberta.

Entidades da sociedade civil destacaram a importância do diálogo no funcionamento do Canal da Cidadania. O representante da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Daniel Mazola, defendeu a ideia de que se “precisa fazer do canal um fórum de defesa dos cidadãos do Rio de Janeiro”. Cláudia Abreu, coordenadora da Frente Ampla pela Liberdade de Expressão (Fale-Rio), afirmou ser importante que “não seja um canal de mão única”, defendendo a exploração da interatividade permitida pela tecnologia nos usos do canal. Lembrou ainda do papel fundamental do Conselho de Comunicação local para o funcionamento do Canal da Cidadania, que precisa ainda ter seu formato discutido.

A prefeitura compareceu representada pela Secretaria de Cultura e pela Riofilme, embora já houvesse respondido a um requerimento do vereador Reimont afirmando que a empresa pública Multirio seria a responsável pelo processo. A empresa não esteve presente e enviou um ofício justificando se desculpando pela ausência.

O representante da Secretaria da Cultura, Rômulo Sales, disse esperar “que o Canal da Cidadania possa contemplar a diversidade da cidade”, destacando o esforço da prefeitura de “discutir território” e a dinâmica das diversas regiões da capital fluminense.  Afirmou também ter a  “preocupação de que o canal não seja um canal de informes ” do poder público.

O gerente de investimento, Rodrigo Guimarães, da Riofilme  lembrou que há previsão de que 10%  do Fundo Setorial do Audiovisual deve ser destinado a canais comunitários, universitários e independentes. A aplicação desse dinheiro deve ser organizada pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) e o especialista afirmou esperar que “a criação desse canal acelere o processo” de sua utilização.

A delegada regional do Ministério das Comunicações, Ednéia Pereira, explicou que o governo federal abandou a proposta de se ter um operador nacional do Canal da Cidadania, que garantiria a infra-estrutura, e que esta responsabilidade foi repassada para os poderes locais. Segundo ela, o projeto técnico só é demandado na segunda fase do processo, após a homologação da documentação de outorga enviada ao Minicom.  A justificativa para isto seria a necessidade da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) dar parecer sobre a viabilizadade técnica do canal.

Para a delegada do Minicom, “ainda não temos o espaço no espectro radioelétrico para que funcione um Canal da Cidadania em todos os municípios brasileiros”. Apesar disso, como vem sendo publicado na imprensa especializada, o ministério está decidido a diminuir a faixa de espectro reservada à televisão aberta e licitando parte dela (os chamados 700 MHz) para empresas de telefonia explorarem comercialmente internet em banda larga móvel.

Ampliando o sistema público

O Canal da Cidadania consiste em uma transmissão em sinal aberto de 4 faixas de programação simultâneas, dividida entre poder público municipal, estadual e duas emissoras de TV comunitárias.

Regulamentação das rádios comunitárias será tema de grupo de trabalho

Um grupo de trabalho formado por parlamentares, entidades de rádios comunitárias e Ministério das Comunicações deverá discutir uma proposta de regulamentação da legislação das rádios comunitárias.

A decisão foi tirada de audiência pública pedida pela deputada Luiza Erundina, do PSB de São Paulo, relatora de proposta (PDC 782/12, do deputado Arnaldo Faria de Sá, do PTB de São Paulo) que revoga portaria do ministério que estaria causando dificuldades de funcionamento para as emissoras comunitárias.

Os representantes das rádios acusam o ministério de criar entraves às comunitárias ao mesmo tempo em que beneficia as rádios comerciais.

O coordenador-executivo da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária, José Sóter, acusou o Ministério das Comunicações de aumentar a cada dia as exigências para a concessão de autorização de funcionamento para as rádios comunitárias.

As outras entidades foram ainda mais radicais e pediram um novo marco legal para o setor, que revogue a lei em vigor (Lei 9516/98), de 15 anos atrás.

A representante da Associação Mundial de Rádios Comunitárias, Taís Ladeira, afirmou que as 4.500 comunitárias têm o que falar e devem ser respeitadas pelas autoridades, o que não estaria acontecendo nos últimos 10 anos.

"Falta vontade política de tratar a sociedade brasileira não empresarial com o respeito que ela merece e não com criminalização e não com exclusão e não com perseguição. É ponto pacífico a necessidade de nós não sermos tratados como pequenas, poucas e pobres. É preciso ter uma democracia plena também na comunicação."

O representante do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias, Jerry de Oliveira, afirmou que o governo privilegia as rádios comerciais e sequer dialoga com as comunitárias. Ele acusa o ministério de querer acabar com as rádios por meio de restrições a sua sobrevivência econômica, política e burocrática.

"O campo de concentração da radiodifusão comunitária chama-se não direito à proteção, canal único, não ao apoio cultural, a restrição à publicidade e propaganda, Portaria 1/2011, Decreto 2.615, Lei 9.612. Esse é o processo de extermínio decretado pelo estado brasileiro para a radiodifusão comunitária."

O representante do Ministério das Comunicações, Octávio Pieranti, afirmou que as portarias e decretos apenas regulamentam a lei. Ele afirmou que todo o esforço do ministério tem sido no sentido de acelerar a concessão de outorgas e facilitar o processo burocrático para torná-lo mais rápido. Pieranti opinou que a simples revogação da regulamentação da lei poderá prejudicar justamente aqueles que pretende beneficiar.

"Mudanças estruturais na radiodifusão comunitária no País dependem de alteração na lei de radiodifusão comunitária. Me parece que, sem nenhuma norma, não há outorga de radiodifusão comunitária. Ou seja, todos os processos em curso no Ministério das Comunicações, me parece, teriam de ser arquivados."

A deputada Luiza Erundina afirmou que é justamente esse o seu temor. Ela explicou que teme que a simples revogação crie um impasse legal sem solução. Por isso, defendeu que o grupo de trabalho elabore propostas de regulamentação do setor a partir das propostas já existentes elaboradas pelas diversas entidades e pelo próprio ministério.

A Ley de Medios é constitucional

Após décadas de lutas e quatro anos de batalhas judiciais, hoje, a Suprema Corte da Argentina colocou um ponto final na disputa que adiava a aplicação integral da chamada Ley de Medios, ao declarar constitucionais quatro artigos da lei – 41, 45, 48 e 161 – que vinham sendo questionados pelo setor empresarial.

Ao contrário do que pleiteava, sobretudo, o Grupo Clarín, um dos maiores da América Latina na área das comunicações, a Justiça argentina considerou que o direito à liberdade de expressão não é afetado pela Ley de Medios e que o regime de licenças estabelecido pela norma não coloca em risco a sustentabilidade econômica do grupo. A decisão era o passo que faltava para que a lei pudesse contribuir, efetivamente, com a democratização dos meios de comunicação da Argentina. Na prática, a democracia venceu as corporações.

O artigo 161 consiste em um dos principais instrumentos no combate ao monopólio, pois estabelece que cada grupo deve ter até 24 licenças de TV à cabo e 10 licenças de serviços abertos (TV aberta, rádios AM e FM). Diz ainda que, caso os titulares das licenças de serviços não atendam à lei no prazo estabelecido, elas podem ser transferidas. Significa, portanto, que as empresas deverão devolver o excesso de concessões que possuem, uma adequação que deverá ser feita, de acordo com a resolução aprovada hoje, no prazo de um ano.

A Ley de Medios já promove medidas importantes. Por meio da legislação, foi possível instalar 152 rádios em escolas de primeiro e segundo graus, 45 TVs e 53 rádios FM universitárias, além de criar o primeiro canal na TV aberta e de 33 canais de rádio vinculados aos povos originários. Agora, as mudanças poderão ser mais profundas, estruturais. O Clarín, tomado como exemplo pela dimensão que possui, não poderá mais ter a posse de jornais, revistas e editora; emissoras de rádio; televisão aberta (o Canal 13, vinculado ao grupo, disputa a liderança do mercado com Telefe, este ligado à Telefónica) e de televisão por assinatura, serviço que abrange mais de 70% dos lares daquele país.

A decisão firmada hoje é o reconhecimento de reivindicações históricas dos movimentos sociais da Argentina. Vale ressaltar que a proposta foi produzida a partir de diálogos com regramentos internacionais sobre direito à comunicação, fixados pelas Organizações das Nações Unidas, pela Organização Internacional do Trabalho e por leis antimonopólicas existentes em diversos países. Mas mais que isso: ela é fruto de ampla mobilização popular, que teve como marco a fundação, em 2004, da Coalición por uma Radiodifusión Democrática, fórum que reuniu centenas de personalidades e organizações políticas, dentre as quais centrais sindicais, universidades, sindicatos e movimentos sociais.

O caminho para esta conquista foi longo. Ainda em 2004, a Coalición apresentou 21 propostas para democratizar a radiodifusão no país. A escolha do número ‘vinte e um’ não foi por acaso: era o mesmo número de anos passados desde o fim da Ditadura Militar, regime que havia sancionado a Lei 22.285, que até 2009, organizou o sistema de comunicação no país. Dentre os pontos da proposta popular, estava a concepção norteadora da comunicação como um direito humano: “Toda persona tiene derecho a investigar, buscar, recibir y difundir informaciones, opiniones e ideas, sin censura previa, a través de la radio y la televisión, en el marco del respecto al Estado de derecho democrático y los derechos humanos.” (COALICIÓN…, 21 Puntos Básicos por el derecho a la Comunicación, 2004).

Essa não foi a única inovação. De forma corajosa, os movimentos inscreveram na norma a divisão, de forma equânime, do espectro eletromagnético entre três prestadores – público, comercial e de gestão privada sem fins de lucro – deixando, portanto, resguardados 33% do espaço para entidades sem fins de lucro. Há, ainda, reservas para o Estado nacional; entes da federação; poder municipal; canais universitários, etc. No fundo, está a concepção da comunicação não como um negócio, mas como um serviço que deve ser voltado ao interesse público.

A partir de hoje, o continente latinoamericano passa a discutir comunicação a partir de outro patamar. Não mais tendo como referência apenas a concentração e o controle dos meios por parte das elites políticas locais. Trata-se de uma ruptura histórica que pode abrir caminhos para que o direito à comunicação sejam exercidos, na prática, por um número muito maior de sujeitos, em comparação com o que hoje vemos. Ao ser considerada constitucional, a Ley de Medios passa a ser, mais que nunca, uma referência normativa para a democratização das comunicações e para a garantia da liberdade de expressão em todo o mundo.

* Helena Martins é jornalista, mestra em Comunicação Social pela UFC e integrante do Conselho Diretor do Intervozes

Congresso discute no Paraná direito autoral e interesse público

Redação – Sec. Executiva VII Codaip

Nos dias 11 e 12 de novembro do corrente ano, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná – UFPR, o Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial – GEDAI realizará o VII Congresso de Direito de Autor e Interesse Público, que neste ano tem como temática central Direito Autoral em Reforma: novos instrumentos de desenvolvimento e inclusão social.

O Congresso de Direito de Autor e Interesse Público tem como finalidade principal propiciar o debate entre os diversos setores da academia, profissional e artístico na seara dos Direitos Autorais e Culturais sobre a necessidade da reforma da lei autoral dentro do contexto cultural e tecnológico da sociedade brasileira.

O VII Congresso de Direito de Autor e Interesse Público tem o apoio do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR, do Ministério da Cultura, através da Diretoria dos Direitos Intelectuais – DDI e da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior – CAPES.

Para maiores informações, programação completa, basta acessar o site:  http://www.direitoautoral.ufsc.br

A infância roubada na publicidade da Couro Fino

A garota-propaganda tem as unhas pintadas de vermelho, sombra nos olhos, rímel, batom e blush. Ela leva as próprias roupas para o ensaio fotográfico, mas o produtor sugere que ela fique só de calcinha. Ficaria mais condizente com a mensagem da campanha publicitária. O cenário está preparado. Ela finge se maquiar em frente ao espelho, coloca colares e pulseiras de pérola. Ela manda beijo, faz movimento com o corpo para os cabelos voarem e faz pose sensual em cima de salto alto. Se o caso já não fosse conhecido, dificilmente se pensaria que a descrição é de uma menina de apenas três anos. As peças publicitárias que compõem a campanha da marca cearense de sapatos Couro Fino foram lançadas nas redes sociais este mês em referência ao Dia das Crianças. O conteúdo incomodou logo de cara, o que motivou centenas de críticas, feitas também pelos próprios consumidores da marca, além de 70 notificações em apenas dois dias no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, o CONAR. Segundo nota de esclarecimento da Couro Fino, a reação foi provocada por "interpretação equivocada da arte veiculada".

Erro de interpretação em grande quantidade representa, no mínimo, uma falha dos códigos utilizados. Levando em conta o uso de uma criança para comunicar algo que não diz respeito ao universo infantil, interpretando uma mulher adulta e na qual o alvo do consumo são as próprias adultas, a agência publicitária Salto Alto pecou frente aos princípios estabelecidos pelo CONAR e às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Segundo artigo 37 do Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária, "crianças e adolescentes não deverão figurar como modelos em anúncio de serviço incompatível com sua condição". Já o ECA deixa claro em seus artigos 17 e 18 o respeito à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

O maior problema em questão é a naturalização do tipo de conteúdo e o entendimento ingênuo e preocupante de que uma brincadeira de criança (brincar de ser gente grande), como declarou a marca, não justificaria esse olhar negativo às peças. A própria mãe da menina, que chegou a dizer que a repercussão foi uma grande "tempestade em copo d'água", se preocupou só agora com a imagem da filha, que "não merecia passar por isso".

O problema não é a brincadeira, mas o estímulo a um comportamento que suspende desde cedo o interesse da criança em ser apenas criança. Ações do gênero não podem mais ser somente interpretadas como brincadeira, porque ultrapassam esse limite. Falam de um comportamento que extrapola a fantasia e que interfere diretamente na formação de nossas crianças. Cada vez mais cedo e com mais frequência, meninos e meninas revelam um processo acelerado do que ficou chamado de adultização. Quando os pequenos passam a se preocupar mais com a aparência do que com as brincadeiras, o universo infantil já não tem mais espaço. E uma infância mal vivida desencadeia uma série de problemas quando essa criança, enfim, se torna uma pessoa adulta.

Não há dúvidas de que a mídia é um dos grandes responsáveis por esse fenômeno, ao comunicar, o tempo todo, valores, comportamentos e necessidades que, se impactam os adultos, atingem com muito mais facilidade as crianças, em processo de formação de identidade e de compreensão dos códigos sociais. Basta uma breve análise do conteúdo midiático que chega às nossas casas e é consequentemente consumido pelo segmento infanto-juvenil para identificar uma série de estímulos que tem grande chance de interferir negativamente no comportamento de crianças e adolescentes: apelo erótico, imposição de padrões de beleza que não condizem com nossa pluralidade estética, estímulo ao consumismo, ridicularização dos que são tidos como diferentes dos padrões pré-estabelecidos, violência, intolerância, preconceitos de todos os tipos.

Tanto do ponto de vista individual, no que se refere à exposição indevida da criança pela mídia e a violação de seu direito, quanto do ponto de vista da imagem de crianças e adolescentes em nossa sociedade – muitas vezes representadas de forma apelativa e estigmatizante pelos meios de comunicação de massa -, o caso da campanha da Couro Fino é emblemático. E nos aponta a necessidade de ampliação de mecanismos de fiscalização e controle social das produções midiáticas, incluindo aí as campanhas publicitárias.

Assim como os meios precisam ser regulados sobre a qualidade do serviço que prestam, a publicidade necessita de regras claras de produção e veiculação. Debates sobre a publicidade infantil se arrastam hoje no campo jurídico e legislativo, ao mesmo tempo em que a autorregulamentação, de forma isolada, já se mostrou insuficiente para garantir a proteção dos consumidores e cidadãos. Daí a importância do monitoramento permanente da sociedade civil.

A propaganda da Couro Fino não foi a primeira, nem será a última a violar direitos fundamentais. Mas o impacto negativo na campanha da marca cearense, por meio das críticas que circularam nas redes sociais e das denúncias junto ao CONAR, deixa claro que a população está atenta, se posicionando e cobrando, exigindo uma comunicação – seja no noticiário da manhã ou na campanha publicitária -, que esteja comprometida com o interesse público e a efetivação de uma sociedade verdadeiramente democrática.

* Natasha Cruz e Raquel Dantas são jornalistas e integrantes do Intervozes no Ceará.