Comunicação pública em greve nacional

Por Lucas Krauss*

A criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) respondeu demanda reivindicada e conquistada pela sociedade brasileira, notadamente dos movimentos que lutam pela democratização da comunicação no país. A alta concentração de meios privados e a obrigatoriedade constitucional de existir complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal já justificam a existência de emissoras públicas que não privilegiem o lucro.

A comunicação pública tem, potencialmente, independência editorial para veicular o que for de interesse publico. Ou alguém acha que o Jornal Nacional, da Rede Globo, vai produzir uma reportagem investigativa sobre a Ambev, a principal anunciante dos jogos de futebol da emissora? Nesse contexto, hoje, apenas as emissoras públicas poderiam fazer isso, sobretudo aquelas vinculadas à EBC, principal figura da comunicação pública no país.

No entanto, a direção atual da empresa barra avanços mais significativos com relação às autonomias financeira e política frente ao governo federal, à sua (não) distribuição geográfica e, principalmente, ao não valorizar os seus trabalhadores. Enquanto aspectos de estrutura são minimamente contemplados – como a instalação de modernos microfones para as rádios ou a construção de estúdios novos –, os trabalhadores continuam sofrendo com baixíssimo salário, não pagamento de horas extras, acúmulo e desvio de funções, além da mais recente ilegalidade: a retirada de direitos já conquistados em acordos coletivos anteriores.

Por esses e outros motivos, os trabalhadores da EBC entraram em greve na última quinta-feira (07/11), desde as 16hs, com adesão raríssimas vezes verificada em redações jornalísticas do país. Segundo balanços realizados nesta sexta-feira pelos trabalhadores, aproximadamente 800 estão parados, de um total de 2 mil funcionários. Contabilizando aqueles que têm funções comissionadas, estão de férias, atestados médicos, licenças-maternidade e paternidade, são chefes ou coordenadores, o percentual de adesão aumenta significativamente.

E por que a adesão é tão maciça e já conta com o apoio de diversas entidades da sociedade civil, de parlamentares como o deputado Chico Alencar (PSOL) e o senador Eduardo Suplicy (PT) e do rapper Gog, que visitou, hoje, o piquete dos trabalhadores? Claramente, devido à postura intransigente da atual direção, que não só não respondeu às reivindicações, como propôs a retirada da convenção trabalhista de importantes direitos conquistados anteriormente, como o percentual mínimo de chefias concursadas, a correção de casos de acúmulo e desvio de função e a organização de políticas de formação interna.

Em relação à questão salarial, há dois níveis básicos de salários na EBC: R$ 1.917 para técnicos e R$ 3.208 para os que têm ensino superior. A proposta inicial dos trabalhadores para o acordo coletivo deste ano era de reposição da inflação mais ganho real linear de R$ 400. Mas qual não foi a surpresa dos trabalhadores ao receberam a contra-oferta da direção: 0,5% de aumento real neste ano e mais 0,5% de aumento real em 2014. Esse valor representa risíveis R$ 16 de aumento real por mês! Em clara tentativa de ludibriar os funcionários, a direção também ofertou o que os trabalhadores já intitularam de “vale-peru”, um vale-alimentação extra apenas para dezembro, além do vale-cultura, no valor de R$ 40. Mesmo assim, como forma de manter a negociação, os trabalhadores apresentaram uma contra-proposta de incorporação dessas “benesses” aos salários, assim como 1% de aumento real, totalizando um aumento linear de R$ 290.

A direção da empresa alega impossibilidade de pagar esse singelo valor devido ao total de recursos repassados pelo Ministério do Planejamento (leia-se governo federal, Presidência da República). Como se não bastasse, ameaça entrar na Justiça e, o pior, emite notas ameaçadoras diárias, com inúmeras inverdades, a todos os trabalhadores e trabalhadoras. Tal postura teve continuidade mesmo após a deflagração da greve, a paralisação de diversos serviços e uma vergonhosa exibição do principal telejornal da empresa – o Repórter Brasil – repleto de erros técnicos, matérias antigas e músicas excessivas para tapar o buraco da programação. O mesmo se verificou no programa de rádio “Voz do Brasil” e na TV NBR (prestações de serviço feitas sob contrato com o governo federal).

Diante disso, os trabalhadores decidiram, em assembleia realizada nesta sexta-feira (08/11), manter a greve nacional. Com a não produção de notícias factuais da TV Brasil, da Agência Brasil, das oito emissoras de rádio, além das contratadas TV NBr e “Voz do Brasil”, espera-se que a direção da EBC proponha um debate sério com os trabalhadores e de fato os valorize.

E, mais que isso. Espera-se que a sociedade e o governo federal valorizem a produção de uma comunicação pública de qualidade, pois é disso que se trata essa mobilização nacional: antes de tudo, esta é uma luta pela defesa do sistema público de comunicação do país.

* Lucas Krauss é membro do coletivo Intervozes e jornalista na EBC.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Entidades mapeiam “amigos” do Marco Civil

Mais uma vez, pode ir à votação esta semana, na Câmara dos Deputados, o projeto do Marco Civil da Internet. Entidades da sociedade civil se mobilizam para mapear os “amigos da democracia” e os “amigos das corporações”, mas há avaliações diferentes por parte dos envolvidos sobre se a votação aconteceria mesmo nestas terça e quarta (12 e 13/11) ou se seria adiada novamente, para o dia 19. A proposta encontra-se parada na Câmara devido às articulações que as empresas de telecomunicação conseguiram estabelecer junto a parlamentares, comandados pelo líder do PMDB, Eduardo Cunha (PMDB/RJ). Embora tramite em regime de urgência, a pressão das teles fez com que a decisão tenha sido adiada por mais uma semana, trancando a pauta da Casa até o momento.

A redação final apresentada pelo relator, Alessandro Molon (PT/RJ), sofreu grande resistência das teles nos últimos dias. Embora o setor tenha se revelado isolado no debate, sendo abandonado por radiodifusores, por exemplo, conseguiu, ainda assim, mobilizar uma bancada com bastante peso político dentro do Congresso.

Enquanto a votação segue adiada, entidades defensoras do direito à comunicação e da liberdade de expressão se mobilizam para fazer frente ao interesse das teles de suprimir o princípio da neutralidade de rede do projeto do Marco Civil da internet. Esta semana foi lançada uma campanha que mapeia os parlamentares , separando os “amigos do Marco Civil” dos “inimigos da internet”,  possibilitando que a sociedade se informe sobre o posicionamento de seus representantes no Congresso e faça as devidas cobranças.

Flávia Lefèvre, advogada da Proteste, associação de defesa de consumidores, considera que a maioria dos parlamentares são “pró-neutralidade” e que “o fato de um político ser influente não significa que o que ele pensa será imposto aos demais”. Ela destaca a importância de se alimentar esse sentimento a favor da neutralidade de rede existente no interior de vários partidos, inclusive do próprio PMDB. Isto ficou evidente na fala do deputado João Arruda (PMDB/PR) durante a reunião da Comissão Geral, realizada na última quarta feira (6/11), na qual o parlamentar afirmou que "a internet que queremos não é um produto de mercado. É uma ferramenta importante para o desenvolvimento do país".

Pedro Ekman, um dos coordenadores do Intervozes, coletivo que que tem participado das mobilizações em prol do Marco Civil, alerta para o fato de que “Eduardo Cunha ameaça apresentar um outro texto estruturado em função das prioridades das teles, ignorando toda a participação popular que produziu o texto relatado por Molon”. A fala de Ekman durante a reunião da Comissão Geral acabou por tirar Eduardo Cunha do sério, fazendo com que ele ameaçasse até mesmo processar o coletivo Intervozes. Sem medo, o ativista reafirma o que disse: “o voto vai ser aberto e vamos cobrar nas ruas e nas urnas os deputados que votarem contra o projeto da sociedade para a internet”.
 
Além da campanha, nesta terça (12/11) acontecerá um twitaço em defesa do Marco Civil, às 15h, assim como uma coletiva de imprensa, às 17h30, convocada pela Comissão de Cultura da Câmara, com  deputados que defendem o projeto. A atividade pode ser acompanhada por meio do site: http://edemocracia.camara.gov.br/web/eventosinterativos/bate-papo/-/bate-papo/sala/20203

A última versão do relatório
O texto final do projeto de Marco Civil da internet apresentado pelo relator Alessandro Molon não agradou as teles, mas contemplou o debate que vem sendo realizado abertamente pela sociedade civil nos últimos anos. O principal ponto de divergência para as empresas de telecomunicação tem sido a incompatibilidade entre o princípio da neutralidade de rede e os lucros advindos do interesse de se impor “pedágios” na forma como o serviço de internet funciona hoje no país.

Neste aspecto, o relatório apresentado no último dia 5/11 não trouxe modificações significativas – e foi isso o que desagradou as operadoras de telecom. O artigo 9o do texto prevê que não pode haver prioridade, degradação ou bloqueio do tráfego de dados e, para as exceções, determina que parâmetros importantes devem ser observados, como a oferta de serviços em condições não discriminatórias.

Já em relação aos direitos autorais, um ponto importante foi alterado na nova versão, permitindo que o Marco Civil não funcione como um instrumento de censura. O texto determina que sites que publicam conteúdos de terceiros não serão responsabilizados por esses materiais, somente se desobedecerem uma ordem judicial determinando a retirada do conteúdo em questão. No texto anterior, havia uma exceção a esta regra geral para conteúdos que violassem os direitos autorais. Na prática, essa exceção permitiria à indústria do direito autoral impor aos provedores de conteúdo a retirada de materiais por meios extrajudiciais, com sérios riscos para o exercício da liberdade de expressão na rede. Na última versão do texto, a exceção é mantida, mas uma nova redação reafirma o direito constitucional à liberdade de expressão e remete a definição de como a questão deve ser tratada na internet para uma lei específica – no caso, a Reforma da Lei de Direitos Autorais. Esta nova redação atendeu ao pleito da sociedade civil e pacificou de alguma forma a disputa entre usuários e radiodifusores que produzem conteúdo pra internet.

Sobre a privacidade, foi reafirmada a necessidade de consentimento livre, expresso e informado do usuário para o fornecimento de seus dados a terceiros e o dever de exclusão definitiva dos dados pessoais fornecidos à aplicação de Internet, se assim requerido pelo internauta. O texto também ampliou os mecanismos de proteção da privacidade do cidadão. Entre as novidades, a nova redação defende a inviolabilidade e o sigilo de comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial; e anula as cláusulas que violem o direito à privacidade e não ofereçam ao contratante a adoção do foro brasileiro para a solução de controvérsia de serviços prestados no Brasil.

Para o armazenamento de dados de brasileiros no país, abdicou-se da obrigação, mas se conferiu à Presidência da República o poder de requisitar tais informações, de acordo com o porte do provedor que os armazena.

Funcionários da EBC entram em greve

Os trabalhadores da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) entraram em greve nesta quinta-feira (7/11), conforme decisão tirada em assembleia no dia 5. Os grevistas acusam a empresa e o governo de não atender satisfatoriamente às reivindicações e retirar direitos garantidos em acordos anteriores.

A insatisfação dos funcionários da empresa é evidente e o governo tem sido duro na negociação, limitando o aumento salarial real a 0,25% e se negando a conceder pontos importantes do acordo coletivo. A assembleia que deflagrou a greve reuniu em Brasília, Rio de Janeiro, São Luís e São Paulo quase 700, dos mais de 2 mil trabalhadores da EBC.

A proposta da empresa, se aprovada, faz com que os funcionários não só deixem de ganhar, mas percam algumas conquistas, como a correção de casos de acúmulo e desvio de funções, assim como a avaliação da chefia pelos empregados.

O tom da greve extrapola, porém, a pauta trabalhista e aborda a própria concepção de comunicação pública como fica evidente nas falas dos empregados. Os grevistas programaram atividades nas diversas praças, como os debates “O papel da EBC na vanguarda da comunicação pública” (RJ), “A empresa pelos trabalhadores” e “Greve também comunica” (DF), realizados na quinta-feira.

No debate realizado no Rio de Janeiro, por exemplo, criticou-se a postura da EBC em relação ao mercado. “A gente é moldado para agir como mídia corporativa”, afirmou a funcionária Isabela Vieira. De acordo com o que foi exposto, os presentes na discussão entendem que a EBC tem se referenciado nas empresas comerciais, quando deveria criar linguagem e procedimentos próprios da comunicação pública.

Segundo a presidente do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, Paula Máiran, essa greve tem surpreendido pela força que tem demonstrado e por se ver que “os trabalhadores estão movidos por algo além das questões salariais e das condições de trabalho: pelo sentimento de cumprir a missão de se fazer uma mídia pública”.

A EBC é responsável pela TV Brasil, TV Brasil Internacional, Agência Brasil, Portal EBC, Radioagência Nacional, além de oito emissoras de rádio, como as Rádios Nacional do Rio de Janeiro e de Brasília e as Rádios MEC AM e FM. Opera também serviços como o canal de televisão NBr e o programa de rádio “Voz do Brasil”.