Arquivo da tag: Direito à Comunicação

Parceria entre Repórteres Sem Fronteiras e Intervozes conduzirá pesquisa sobre concentração de propriedade na mídia

Media Ownership Monitor (MOM) mapeia os maiores grupos controladores das empresas de comunicação, seus interesses econômicos cruzados e o uso das verbas públicas no setor

Transparência da mídia é um pré-requisito essencial para o pluralismo, a diversidade de opiniões e o fortalecimento da democracia. Com essas premissas, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) lançou em 2015 o Media Ownership Monitor (MOM) – ou Monitor de Propriedade de Mídia (http://www.mom-rsf.org). O Brasil será o 11° país a receber esse projeto internacional, que tem como objetivo responder a perguntas que ajudam a ampliar a transparência no setor: quem é o dono da rádio, da TV ou do jornal que você acompanha? Quais os interesses econômicos do grupo? Quais são as regras às quais as empresas de mídia estão submetidas no país? Há leis que impeçam a concentração de mercado ou estimulem a diversidade? Há uma política de Estado para o uso das verbas publicitárias públicas? Ou elas podem ser usadas apenas de acordo com os interesses políticos do governo da vez?

O lançamento do MOM Brasil acontecerá no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na capital paulista, o evento ocorre no dia 29 de junho, terça feira, a partir das 9h, no mezanino do Sindicato dos Engenheiros, localizado na Rua Genebra, 25, bairro Bela Vista. No dia 4 de julho, a partir das 19h, é a vez do projeto ser lançado no Rio de Janeiro, na Casa Pública, localizada na Rua Dona Mariana, 81, Botafogo. Participam dos lançamentos Olaf Steenfadt (coordenador do MOM no RSF), André Pasti (integrante do Intervozes e coordenador da pesquisa no Brasil), Suzy dos Santos (UFRJ/PEIC), além de jornalistas, representantes de empresas de radiodifusão, estudantes e pesquisadores/as.

O MOM traz uma metodologia de coleta e análise dos dados desenvolvida com indicadores pré-determinados, construídos com base no EU-funded Media Pluralism Monitor, do Instituto Universitário Europeu de Florença, bem como no trabalho Indicadores de Desenvolvimento da Mídia, produzido pela UNESCO, e no estudo do Conselho Europeu sobre metodologias de medição da concentração dos meios de comunicação, dentre outros. A iniciativa foi proposta e lançada pela seção alemã da organização internacional de direitos humanos Repórteres sem Fronteiras (RSF) e é financiada pelo Ministério Federal de Desenvolvimento Econômico e Cooperação (BMZ) da Alemanha. Em cada país, a RSF coopera com uma organização parceira local para facilitar uma adaptação e a implementação completa da pesquisa.

Liberdade de imprensa em risco

Na Colômbia, o Monitor de Propriedade de Mídia revelou um alto grau de concentração da mídia, demonstrando que dois terços do foco do total de leitores da imprensa escrita nacional era direcionado a apenas quatro jornais: Q’hubo, ADN, El Tiempo e Al DIA. Além disso, as duas maiores estações de televisão do país compartilham mais de dois terços do mercado de TV entre si e abocanham cerca de 78% da receita total de publicidade televisiva. O que favorece conflitos de interesse e autocensura entre os jornalistas. Estes, por sinal, são hostilizados e alvo de ameaças e ataques por parte de criminosos e paramilitares, mas também por políticos e autoridades de segurança.

Em fevereiro de 2014, uma estação de televisão revelou que o governo colombiano teria interceptado pelo menos 2.600 e-mails entre jornalistas estrangeiros e as duas pessoas responsáveis pelas negociações de paz em curso com porta-vozes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Foram afetados, além dos meios de comunicação colombianos, as agências internacionais de notícias AP, AFP, DPA, EFE e Reuters, ainda que a Constituição colombiana garanta a proteção e a confidencialidade das fontes dos jornalistas.

Concentração da Mídia

No Peru, o MOM revelou não só um alto grau de concentração da propriedade da mídia, mas também uma falta de regulamentação governamental que confirma a posição de destaque do grupo El Comercio.

A concentração da propriedade e da receita no setor de mídia é tão alta que representa uma ameaça à liberdade de imprensa. Os números de circulação de mídia impressa e do alcance da mídia digital no país são extremamente concentrado.

Embora no Peru não exista nenhum controle político direto sobre a mídia o vácuo regulatório representa uma ameaça para o pluralismo dos meios.

O grupo El Comercio, por exemplo, concentra algo em torno de 80% da circulação total de jornal, na mídia on-line a estimativa é de 65 % e totaliza cerca 57% da renda total dos nove grupos de mídia mais importantes.

Dos dez grupos de mídia estudados, seis estão nas mãos de famílias. Apesar do grupo El Comercio ser uma exceção sua atividade estende-se a setores econômicos diversos como a indústrias, a educação, setor imobiliário, lojas de impressão e de entretenimento que se estem ao Peru e na Bolívia, Chile e Colômbia.

Meios de comunicação como instrumentos de poder

Na Ucrânia o estudo concluiu que mídia de massa é especialmente comprometida com os interesses pessoais de seus proprietários e servir como seus meios de poder político e econômico. Além disso, os meios de comunicação no país sofrem de corrupção e falta de transparência sobre a sua propriedade.

A principal razão é a falta de uma regulação eficaz dos oligopólios de mídia. A propriedade das grandes empresas de mídia são obscurecidas através de paraísos fiscais, que os proprietários usam para contornar as exigências legais existentes.

A influência política sobre os meios de comunicação é extremamente forte na Ucrânia. Dez das doze empresas mais importantes têm ligações diretas ou indiretas com políticos.

Outro exemplo é a Mongólia onde não há garantias legais para impedir o controle político da propriedade dos meios. Consequentemente, os laços políticos no mercado de mídia mongol são visíveis em 29 dos 39 meios estudados. Apenas um dos dez canais de televisão na Mongólia coloca  trás transparência sobre sua propriedade.

Na Turquia a maioria dos proprietários de mídia são dependentes de contratos públicos e, consequentemente,  são relutantes em criticar o governo. Assim, sete dos dez maiores proprietários têm relações políticas com o partido no poder.

Os resultados do MOM no país fornecem evidência de uma fraqueza do mercado de mídia, que favorecem uma influência política excessiva. Isso deixa a distribuição dos orçamentos de publicidade públicos numa relação promíscua entre comunicação e poder político.

Falta de Transparência

Nas empresas registradas nas Filipinas deve-se divulgar a sua estrutura de propriedade, mas muitas empresas escondem seus beneficiários econômicos reais usando estruturas de propriedade multicamadas. Estas estruturas complexas são legais e podem ser teoricamente acessadas, mas apenas com uma enorme quantidade de pesquisa.

Os motivos para a criação de tais estruturas corporativas e sua mudança frequente são duvidosos. Uma possível explicação é o desejo de esconder proprietários estrangeiros. No país não há proteção legal contra a concentração da propriedade de mídia.

Cinco famílias que aparecem na lista da Forbes entre as 50 pessoas mais ricas nas Filipinas são oriundas da indústria de mídia, sendo que quatro deles ficaram ricos principalmente pelo setor de mídia.

Brasil entra no Mapa

O mapeamento criará um banco de dados atualizado continuamente, com as 40 maiores empresas de comunicação do país, seus controladores e as regras às quais estão submetidas. Pelo tamanho territorial, o Brasil merecerá um levantamento, inédito para o projeto, sobre a mídia regional. O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social estará à frente do MOM Brasil.

A pesquisa será realizada nos próximos meses e a divulgação dos resultados acontecerá em outubro. Como a metodologia é universal, os dados brasileiros poderão ser comparados com os de outros países e também da região.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Justiça Federal suspende concessão de rádio dos parlamentares Jader e Elcione Barbalho

Com a decisão, o TRF da 1ª Região fez valer a norma constitucional, que veda que políticos no exercício de mandato sejam proprietários de concessões. Uma vitória histórica da luta pelo controle social da mídia e contra o monopólio dos meios de comunicação.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília, suspendeu a concessão da Rádio Clube do Pará (PRC5), de propriedade do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) e de sua ex-esposa, a deputada federal Elcione Barbalho (PMDB-PA).

Desde a sexta-feira, dia 9 de junho, a Rádio Clube do Pará está fora do ar, por determinação do TRF1, em caráter de antecipação de tutela. Em caso de descumprimento, será imposta multa pecuniária de R$ 50 mil por dia. A rádio deve ficar fora do ar durante o trâmite do processo movido pelo Ministério Público Federal (MPF) no Pará, que contesta as concessões de rádio e televisão de posse de políticos detentores de mandato eleitoral, pois estas são vedadas pela Constituição brasileira.

No caso de mantida a liminar e acatadas as razões de mérito, as consequências podem resultar inclusive na perda dos mandatos do senador e da deputada federal, donos da emissora.

A liminar foi concedida em razão do Agravo de Instrumento nº 0012093-34.2017.4.01.0000/PA (processo original nº 0027003-40.2016.4.01.3900), interposto contra decisão proferida pela 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Pará em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a União Federal, a Rádio Clube do Pará PRC-5 Ltda., Elcione Therezinha Zahluth Barbalho e Jader Fontenelle Barbalho.

A decisão de suspender a Rádio Clube foi proferida pelo desembargador federal Souza Prudente no dia 31 de maio, acatando, portanto, recurso do MPF que buscou reformar a decisão de 1ª instância da Justiça Federal em Belém, tomada em 2016. A decisão impede a emissora de fazer transmissões.

O senador alegou em sua defesa no processo que seu nome não constava mais no quadro de acionistas da rádio, mas, para o TRF1, a manutenção de outros membros da família no controle societário indica possível manobra para ocultar a identidade dos reais controladores. No lugar do senador figura o nome de uma sobrinha, Giovana Centeno Barbalho.

O MPF ajuizou cinco ações judiciais para cancelar as concessões de radiodifusão que têm como sócios detentores de mandatos eleitorais no Pará e no Amapá. Para a instituição, os deputados federais Elcione Barbalho e Cabuçu Borges (PMDB/AP) e o senador Jader Barbalho violam a legislação ao figurarem no quadro societário das rádios e de uma emissora de televisão.

“O fato de ocupante de cargo eletivo ser sócio de pessoa jurídica que explora radiodifusão constitui afronta à Constituição Federal”, diz o MPF no processo judicial, movido em Belém pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão.

Foram pedidos pelo Ministério Público Federal na ação o cancelamento das concessões de radiodifusão ligadas aos políticos, a condenação da União para que faça nova licitação para tais concessões e a proibição de que eles recebam qualquer outorga futura para exploração dos serviços de radiodifusão.

Além da Rádio Clube do Pará, as outras quatro emissoras de rádio que podem ter a concessão cancelada são a Beija-Flor Radiodifusão, o Sistema Clube do Pará de Comunicação, a Carajás FM e a Belém Radiodifusão, mais a Rede Brasil Amazônia de Televisão. Com exceção da Beija-Flor Radiodifusão, do deputado Cabuçu Borges, as demais emissoras pertencem a Elcione Barbalho e a Jader Barbalho, todas operando no território paraense. Já a rádio de Cabuçu Borges transmite na região sudeste do estado.

O que diz a Constituição

A posse de veículos de radiodifusão por políticos é um fenômeno presente em diversos países em desenvolvimento e identificado no Brasil pela expressão “coronelismo midiático”. Em junho de 2016, a ONG Repórteres Sem Fronteiras destacou Aécio como “coronel” da mídia em um relatório que critica a “parede invisível formada por dinheiro e conflitos de interesse” que afeta a liberdade de informação.

A investigação sobre a propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos foi iniciada pelo MPF em São Paulo, a partir de um levantamento feito em todo o país das concessões de radiodifusão que tinham políticos como sócios. A partir disso, várias ações foram iniciadas em vários estados.

Já existem decisões judiciais em tribunais superiores retirando as concessões das mãos de parlamentares, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal – que também já se manifestou contrário ao controle de políticos sobre veículos de comunicação.

Segundo o artigo 54, inciso I, a, da Constituição Federal, deputados e senadores não podem celebrar ou manter contratos com concessionárias de serviço público, o que inclui as emissoras de rádio e TV.

Já o inciso II, a, do mesmo artigo, veda aos parlamentares serem proprietários, controladores ou diretores de empresas que recebam da União benefícios previstos em lei. Tal regra também impede a participação de congressistas em prestadoras de radiodifusão, visto que tais concessionárias possuem isenção fiscal concedida pela legislação.

A situação revela ainda um claro conflito de interesses, uma vez que cabe ao Congresso Nacional apreciar os atos de concessão e renovação das licenças de emissoras de rádio e TV, além da responsabilidade de fiscalizar o serviço. Dessa forma, há histórico de parlamentares que inclusive já participaram de votações no Congresso aprovando outorgas e renovações de suas próprias empresas.

Assim, segundo o Ministério Público Federal, o cancelamento das concessões citadas visa evitar o tráfico de influência por meio das emissoras e proteger os meios de comunicação da ingerência do poder político.

AGU tenta barrar vitórias judiciais

A Advocacia-Geral da União (AGU) requereu em outubro de 2016 ao ministro Gilmar Mendes, do STF, “medida cautelar incidental” com o objetivo de suspender o andamento de todos os processos e decisões judiciais que tenham relação com a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão mantidas por empresas de parlamentares. A medida pretende conter uma série de vitórias que as entidades do campo da democratização da comunicação estão obtendo nos estados, como, por exemplo, a decisão  por meio de liminar que determinou a interrupção das transmissões da Rádio Metropolitana Santista Ltda (1.240 MHz), de propriedade de Antônio Carlos Bulhões (PRB-SP), em agosto passado.

Em resposta à ação da AGU, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor de duas ações no Supremo Tribunal Federal que tratam deste tema, em conjunto com representantes do Intervozes e da Artigo 19, organizações que solicitaram participar das ações como amicus curiae, entregaram ao ministro Gilmar Mendes, relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 246 e 379, uma petição solicitando que ele, antes de analisar o pedido da AGU, conceda as medidas liminares solicitadas em ambas as ADPFs.

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas no fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República e aguardam pela apresentação de voto de Gilmar Mendes.

Coronéis da Mídia

O projeto “Excelências”, vinculado ao Transparência Brasil, aponta que, na atual legislatura na Câmara dos Deputados (2015-2019), 43 deputados são concessionários de serviços de rádio ou TV, o que representa 8,4% do total dos membros da Casa. Proporcionalmente, o Senado Federal é ainda mais marcado por este fenômeno, já que 19 senadores são concessionários – o que representa 23,5% dos membros da Casa. Entre estes senadores, além de Jader Barbalho, figuram nomes como Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Agripino Maia* (DEM-RN), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Acir Gurcacz (PDT-RO) e Roberto Coelho Rocha (PSDB-MA).

Os números apresentados pelo projeto “Excelências” revelam que, para além da vinculação juridicamente registrada de políticos com os serviços de radiodifusão, existe ainda casos em que os parlamentares mantêm influência sobre as empresas a partir de “laranjas” ou de parentes que ocupam posições no quadro societário dos veículos de comunicação.

O fato de concessões públicas estarem no poder de políticos resulta em falta de isonomia, em desrespeito ao pluralismo e em uma grave ameaça ao interesse público, pois o sistema brasileiro de regulação da radiodifusão não prevê a existência de um agente independente para deliberar sobre a distribuição do espectro eletromagnético. Deste modo, tal deliberação é realizada por um procedimento licitatório no qual os parlamentares do Congresso Nacional ocupam um papel central, analisando as outorgas realizadas pelo Poder Executivo. Assim, os parlamentares que mantém concessões de rádio e TV são responsáveis por apreciar os atos de outorga e renovação de suas próprias concessões e permissões de radiodifusão.

*Para livrarem-se de possível perda da concessão de radiodifusão, o senador Agripino Maia e seu filho, o deputado Felipe Maia, venderam a participação no Sistema Tropical de Comunicação. Porém, a concessão continua nas mãos de familiares, assim como ocorreu entre a família Barbalho.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações do Ministério Público Federal no Pará

Avança na Câmara projeto que proíbe franquia na banda larga fixa

Comissão de Defesa do Consumidor é favorável ao texto, mas usuários devem permanecer alertas, pois pressão das operadoras pode terminar em “acordão”.

Por Marina Pita*

A Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados aprovou nesta semana o parecer do deputado Rodrigo Martins (PSB-PI) favorável ao PL 7182/2017, que proíbe a franquia de dados na internet fixa.

A aprovação é considerada uma vitória de todos os usuários e usuárias de internet que, ao longo do último ano, se mobilizaram contra mais este ataque das operadoras de telecomunicações ao acesso pleno à rede. A polêmica já dura mais de um ano.

O Brasil atravessava a crise política do processo de impeachment de Dilma Rousseff quando, no início de 2016, as grandes prestadoras de serviço de conexão à internet deram início a um movimento para limitar o volume de dados na banda larga fixa, já adotado na telefonia móvel.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o já novo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, sob o comando de Gilberto Kassab, ensaiaram uma defesa da proposta, mas foram pressionados e a Agência, em abril de 2016, proibiu temporariamente a franquia na rede fixa.

Revoltados com a medida, usuários de internet de todo o país conseguiram frear o processo. Entre maio e junho de 2016, enquete realizada pelo DataSenado resultou em 99% de um total de 608.470 internautas consultados contrários à limitação. “Façam todo o tipo de baixaria, mas não toquem na minha conexão fixa”, era o tom de memes e demais conteúdos que circularam na web contra a iniciativa das teles.

Assim, em raro momento, o Legislativo ouviu a maior parte da sociedade brasileira, que entende que a franquia vai de encontro às necessidades de desenvolvimento social e econômico e ao próprio exercício da liberdade de expressão da população. Em março passado, o Senado aprovou o projeto que agora tramita na Câmara.

Mas a novela, infelizmente, não acabou. A estratégia das operadoras, interessadas apenas no lucro, mostra-se viva. Um grupo de deputados, atendendo à pressão das empresas, ainda pode impedir que o projeto de lei seja aprovado na Casa. Propõem um “acordo” para reduzir o “dano” das teles.

Em entrevista ao site especializado Teletime, o deputado Celso Russomano (PRB-SP) afirmou que o projeto “engessa o setor de telecomunicações”. Para ele, os planos de franquia de internet podem existir se as empresas de telecomunicações oferecerem um serviço de qualidade. Sim, em um mundo ideal e inexistente, as operadoras ofereceriam o serviço a preços módicos e todos os brasileiros teriam acesso à web em seus domicílios. Não é o que acontece. Cerca de metade da população brasileira segue sem acesso domiciliar à rede.

Russomano, conhecido por defender os direitos dos consumidores, agora está propondo que usuários que supostamente consomem grande volume de dados (os chamados heavy users, no jargão técnico), como jogadores online, tenham que contratar planos com franquia limitada.

Vale ressaltar que, até o momento, não há qualquer relatório que comprove, com evidências, o argumento das operadoras de que uma internet vendida apenas por velocidade estaria sobrecarregando a infraestrutura existente. Em audiência pública realizada no último dia 23 de maio, os representantes das teles adoraram a possibilidade de negociar em torno da proposta de limitar os heavy users.

Será preciso então retomar a mobilização se não quisermos que mais esse ataque à internet livre se consolide.

Por que a franquia de dados não faz sentido, especialmente na internet fixa?

Impedir que a franquia de dados seja estabelecida na banda larga fixa é fundamental para a garantia de direitos.

Conforme lembrou o autor do projeto de lei que proíbe a prática, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), em sua justificativa ao texto, diversos aspectos do exercício da cidadania dependem hoje da internet, como ensino à distância, declaração do imposto de renda e pagamento de obrigações tributárias.

Assim, não é razoável limitar o tráfego de dados na rede. Tal prática, inclusive, prejudicaria a parcela mais pobre da população, que muitas vezes se conecta em redes wi-fi abertas em espaços públicos ou privados – prática que certamente acabaria se vingasse a limitação de dados nas conexões fixas. Quem compartilharia sua rede se isso resultasse num pagamento maior às operadoras?

Na já citada audiência pública do dia 23, a associação de consumidores Proteste afirmou que limitar a franquia de dados na banda larga fixa é ilegal, pois a conexão à internet é considerada um serviço essencial pelo Marco Civil da Internet. Desta forma, cortar a internet por um motivo que não seja a inadimplência é algo que viola a legislação.

Na avaliação da associação, a permissão para que prestadoras imponham a franquia na banda larga fixa significaria, ainda, dar carta branca para que as teles reduzam os investimentos em rede, especialmente em redes modernas, como a de fibra óptica. Ou seja: seria dar um passo na direção contrária às necessidades do Brasil.

Vale lembrar que o modelo de franquia na banda larga – universalmente adotado na oferta de conexão móvel – tem gerado um volume gigantesco de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor.

Os usuários não conseguem controlar o uso de dados e, invariavelmente, são lesados por cobranças pouco claras. Tampouco as prestadoras de serviços de conexão móvel têm conseguido responder às necessidades dos consumidores fortalecendo formas de controle e acompanhamento de seu pacote de dados contratado.

A própria Anatel está investigando as operadoras brasileiras e seus parceiros por abusos na cobrança de serviços de valor agregado, que são aqueles que consomem os dados. A medida responde ao número de reclamações na agência, nos Procons e no Judiciário feitas por consumidores que dizem ser cobrados por serviços nunca contratados.

As investigações, que começaram no ano passado, apontam para diferentes práticas abusivas, como desrespeito à necessidade de confirmar duas vezes a contratação de serviço, falha nas informações básicas prestadas ao usuário e descumprimento do código de defesa do consumidor.

Por último, a ideia de que quem consome mais dados deve pagar mais por ele não tem qualquer embasamento material. Os dados, diferentemente da energia elétrica, não são finitos, não têm custo de criação para as operadoras. O que as operadoras querem é conseguir cobrar mais de quem já assina um serviço de conexão à internet em vez de expandir o acesso à rede no Brasil.

A solução é democratizar, não limitar

Enquanto as empresas dizem que precisam cobrar mais pelo acesso à internet para cobrir os custos de manutenção e ampliação da rede, nós dizemos que é preciso aumentar o número de usuários e discutir seriamente um modelo de universalização do acesso adequado para a população. Deveríamos, por exemplo, avançar na prestação do serviço de conexão à Internet em regime público, com garantia de modicidade tarifária e possibilidade de uso dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para a ampliação das redes.

Também o Estado deve agir para garantir infraestrutura em localidades de baixo retorno financeiro e oferecer a rede à iniciativa privada, principalmente pequenos provedores de conexão, conforme propõe a Campanha Banda Larga É Direito Seu.

Por último, mas de forma alguma menos importante, projetos para melhorar a infraestrutura de telecomunicações como um todo, reduzindo os custos e garantindo a qualidade do acesso, como os desenvolvidos pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Nic.br) – como a disseminação de pontos de troca de tráfego e a criação de redes de entrega de conteúdo em todo o Brasil – são respostas democráticas às necessidades reais de redes mais eficientes.

Impedir a franquia de dados na internet fixa, com a aprovação do PL não garantirá tudo isso. Mas é um primeiro e fundamental passo para barrar os impulsos de quem acha que o acesso pleno às redes deve ser algo exclusivo de quem pode pagar por isso. O texto aprovado esta semana vai agora para as comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) e Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Depois, passa ainda pelo plenário da Câmara, antes de ir para sanção da Presidência da República.

*Marina Pita é jornalista e integra o Conselho Diretor do Intervozes.

3ENDC se constitui em espaço para reorganização do campo da comunicação

Encontro encerrou com apresentação da Carta de Brasília que reafirma o princípio da liberdade de expressão e imprensa e o direito à comunicação como fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade democrática

O 3º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (3ENDC) se encerrou neste domingo, dia 28, cumprindo com seu objetivo central de se constituir em espaço de reorganização dos movimentos e entidades que militam pela democratização da comunicação no país. Organizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) no Campus Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília (UnB), na capital federal, o encontro teve início na sexta-feira, 26, com o Ato Público em Defesa da Liberdade de Expressão e da Democracia, sendo finalizado no domingo com a conferência Meios de comunicação, regulação e democracia. Logo após, ocorreu a 20ª Plenária Nacional do FNDC, quando foi aprovada a Carta de Brasília.

A conferência de encerramento reuniu as jornalistas Aleida Calleja, coordenadora do Observatório Latino-americano de Regulação, Meios e Convergência (Observacom), do México; Cynthia Ottaviano, professora com atuação na defesa do público no âmbito da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, da Argentina; Renata Mielli, coordenadora-geral do FNDC e secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; além de César Bolaño, pesquisador do campo da Economia Política e professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Cynthia Ottaviano iniciou sua fala comparando a semelhança das atuais conjunturas enfrentadas por Brasil e Argentina, caracterizadas pela repressão a paus e gás lacrimogêneo dos protestos populares, pela invasão de escolas e universidades pela polícia e pela pressão imposta a instituições para que divulguem listas de seus colaboradores envolvidos em atos contra as medidas excludentes impostas por seus respectivos governos centrais. Também enfatizou que a comunicação é e será pública, ainda que sua gestão seja privada ou estatal. Ela ressaltou que, contrariamente aos discursos veiculados pela mídia nos dois países, a conspiração contra a democracia não vem de quem luta pela democratização dos meios de comunicação, e sim das próprias empresas privadas de comunicação. “O foco não é a disputa entre regulação e não regulação, porque regulação sempre houve. O que temos que debater é quem regula o agente regulador”, destaca ela, lembrando que uma regulação frouxa favorece os interesses privados, e não os públicos.

Durante sua apresentação, Cynthia mostrou algumas pesquisas de monitoramento de notícias divulgadas pelos meios de comunicação, entre as quais se destacam aquelas de viés policialesco, de narração de crimes contra o patrimônio em detrimento dos crimes contra a vida, e entre as quais há poucas denúncias de excessos por parte dos aparatos policiais. Mostrou ainda pesquisas feitas junto ao público argentino, sobre o que as pessoas querem ver e ouvir na mídia. “As empresas de comunicação sempre repetem que divulgam o que o público quer saber. Mas pesquisas mostram exatamente o contrário: as pessoas quere,m saber mais sobre conteúdos que não recebem destaque na mídia, como informações sobre educação e ciências”. Por fim, ela lembrou o caso do canal argentino de televisão C5N, que utilizou equivocadamente imagens de jovens com armas publicadas no Facebook, que faziam parte de um projeto de produção de um curta-metragem, acusando-os de participarem de uma quadrilha que havia assassinado um policial durante um roubo de carro. Apesar dos apelos dos familiares dos jovens, o canal de televisão só se retratou após o caso ser levado à Justiça.

Resgate da utopia

O professor César Bolaño, de forma bem-humorada, citou uma “certa inveja” que os brasileiros nutrem em relação a alguns aspectos do espírito argentino, até porque o Brasil vive “um processo muito mais dramático” do que aquele de seu país vizinho. Ele respalda sua análise em aspectos como o da presença de opositores do governo de direita de Macri em programas em geral de televisão, entre eles sindicalistas e militantes que tinham acesso aos programas de televisão. “No Brasil, as emissoras de televisão têm seus jornalistas que fazem suas avaliações, julgam e dão seus veredictos. No Brasil, 40 milhões de pessoas participaram os protestos na maior greve geral de sua história, e nenhuma central sindical, por mais moderada que fosse, teve acesso aos programas de TV”.

Neste sentido, Bolaño destaca que os movimentos sociais precisam retomar a luta contra a censura, e demonstrar “a brutal censura imposta neste país pelos próprios meios de comunicação”. Ele reforçou a condição da comunicação de ser apenas meio, já que o fundamental são as estruturas econômicas. Além disso, nossas análises costumam avaliar apenas as comunicações de massa, não indo além em direção a outras formas de comunicação. “temos que ir além da forma mercadoria”, friz ele, citando a comunicação direta e a solidariedade como pistas de alternativas a estas ações de massa. “A comunicação é basicamente organização. A sociedade vai mudar, independente do que a gente faça. Outra mediação é possível. Nem tudo o que é bom se resume ao acesso à tecnologia ou aos bens de consumo. É preciso resgatar a utopia”, sugere ele.

Convergência tecnológica

Já Aleida Calleja pondera que a concentração dos meios de comunicação é uma séria ameaça à democracia. “A apropriação privada da esfera pública não repercute apenas em um poder econômico, mas também político. E o poder destas empresas é tanto que passa por cima dos poderes públicos. Basta dizer que a empresa [transnacional de capital mexicano] Televisa tem até bancada de parlamentares no Legislativo mexicano”, pondera ela, observando que os direitos à informação e à comunicação são direitos-chave, pois abrem as portas para o acesso a outros direitos.

Aleida ressalta que o discurso privado é de que, quanto menos houver interferência do estado, mais se assegura a liberdade de expressão. “Não há melhor lei que a que não existe”, dizem os empresários. “Mas não há direito humano absoluto. A liberdade de expressão também tem seus limites”, enfatiza a jornalista. Para ilustrar, ela lembra que um único conglomerado empresarial domina 80% do mercado de jornais no Peru; que um duopólio divide a propriedade sobre a comunicação no Chile e que apenas uma pessoa possui mais de 200 concessões de TV em toda a América Latina, se utilizando de vários laranjas para isso. “Mas a concentração de hoje sobre a propriedade dos meios de comunicação [no sistemas analógico] é diminuta quando se compara com a concentração em meio digital, relacionada com a convergência tecnológica”, frisa.

É preciso lutar

Por fim, Renata Mielli buscou consolidar sua fala a partir da complementação de seus antecessores na mesa da conferência de encerramento. Inicialmente, lembrou que os governos Lula e Dilma se pautaram por selar acordos com o oligopólio privado de comunicação. “Pode ser importante avar espaços na mídia hegemônica, mas é ainda mais importante construir a mídia alternativa. Portanto, ao mesmo tempo em que devemos combater o oligopólio da mídia, por um lado, devemos também fortalecer a mídia alternativa, de outro”, sintetiza a coordenadora-geral do FNDC.

Nesta linha, Renata enumera as muitas lutas a serem implementadas pelas entidades e movimentos que militam pela democratização e o direito à comunicação: regulação dos serviços sob demanda; defesa da comunicação pública e da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC); avançar na Lei do Direito de Resposta, aprovada recentemente no Congresso Nacional; debater as verbas publicitárias destinadas à grande mídia, que acaba revertando na inviabilização da mobilização dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros/as; anistia aos radiodifusores privados que não realizaram as respectivas renovações em tempo hábil [concessões estas que deveriam ter sido devolvidas ao estado, para a abertura de novas licitações]; concessões de rádio e TV dadas a empresas que possuem dívidas trabalhistas, e que por isso também deveriam ter sido devolvidas ao estado para novas licitações; inadequações entre o local da concessão dada e o local de operação da emissora, entre outras. “A concessão de rádio e TV integra um processo de licitação. Não se pode fazer lucro vendendo algo que não te pertence. Isso ocorre à revelia da lei”, aponta Renata. “Por tudo isso, a nossa geração está chamada a lutar”, conclui ela.

Carta de Brasília denuncia violações à liberdade de expressão

Ainda na tarde do dia 28 foi realizada a 20ª Plenária Nacional do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) que aprovou a Carta de Brasília. O documento homologa o posicionamento da entidade contra os ataques sistemáticos à liberdade de expressão e de organização no país e em favor das lutas populares contra as reformas trabalhista e previdenciária, entre outras iniciativas do governo de Michel Temer.

A plenária encerrou o 3ENDC, realizado com apoio da Universidade de Brasília (UnB), no campus Darcy Ribeiro, e de várias entidades e organizações do movimento social. O 3ENDC reuniu cerca de 250 participantes credenciados, vindos de todas as regiões do país.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Confira o documento na íntegra:

Carta de Brasília

Os e as participantes do 3° Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação – 3ENDC, reunidos em Brasília de 26 a 28 de maio, reafirmam o princípio da liberdade de expressão e de imprensa e o direito à comunicação como direitos fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade verdadeiramente democrática. E reconhecem que para que esses direitos fundamentais sejam exercidos em sua plenitude, é necessário um ambiente de respeito à pluralidade e à diversidade.

Historicamente, o Brasil segue sendo um dos países com maior concentração nas comunicações do mundo. Mas, com o golpe político, jurídico e midiático em curso no país e a instalação de um governo que usurpou o poder após o impedimento da Presidenta Dilma Rousseff em 2016, à ausência de pluralidade e diversidade no debate público, se somaram novos e crescentes ataques à liberdade de expressão e de manifestação.

Os ataques têm acontecido não somente com agressões físicas nos protestos, mas também com a demissão de jornalistas e radialistas comprometidos com a ética e a verdade dos fatos. Com a manipulação e seletividade informativa. Com a condenação e detenção de blogueiros e comunicadores comunitários e populares. Com o desmonte do sistema público de radiodifusão. Com a remoção de conteúdos na Internet e a adoção de práticas de vigilância em massa nas redes. Com a restrição à liberdade de expressão nas universidades e escolas. Com a censura à expressão artística e cultural. Com o desrespeito à ética jornalística.

Com o apoio dos grandes meios de comunicação – além do Congresso, do capital financeiro nacional e internacional e do Judiciário, o governo golpista tem imposto um brutal ataque aos direitos da população, com impactos na vida das pessoas que continuarão pelas próximas décadas. A toque de caixa, as reformas trabalhista e da previdência estão sendo votadas no Legislativo. E mudanças significativas no campo da radiodifusão, das telecomunicações e da internet têm sido aprovadas sem que a população em geral sequer seja informada.

Diante de tamanho retrocesso, os movimentos sociais e sindicais, unidos e organizados, tem dado sua resposta nas ruas. Na mesma medida que a repressão do Estado aumenta, também têm crescido as manifestações. Uma nova greve geral se organiza para marcar o repúdio de amplos setores da sociedade ao golpe, aos golpistas, seus vassalos e apoiadores.

Assim, também, o movimento pela democratização da comunicação tem resistido. A Campanha Calar Jamais, lançada pelo FNDC em outubro passado, tem recebido, coletado e sistematicamente denunciado violações à liberdade de expressão no Brasil. No Congresso, o FNDC luta, em parceria com outras redes e articulações da sociedade civil, contra os ataques à internet livre e o desmonte das telecomunicações e da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – denunciando, inclusive, deputados e senadores que controlam ilegalmente emissoras de rádio e televisão.

Como defensores de direitos humanos, combatemos as violações à dignidade humana praticada pelos meios de comunicação, em especial o racismo e a violência de gênero nas programações. Acreditamos que o combate ao racismo estruturante e a percepção crítica sobre a branquitude na sociedade brasileira, como impedimento à democratização da comunicação, devem ser pontos focais na promoção de uma comunicação democrática emancipadora.

Reunidos em Brasília com mais de 250 ativistas e militantes, reafirmamos, assim, nosso compromisso com a democracia, com a diversidade e a pluralidade, com a liberdade de expressão e de imprensa, com a luta pela democratização e o direito à comunicação.

Reafirmamos também nossa disposição permanente em construir ações de denúncia, de resistência e de mobilização; de produção de conteúdos contra-hegemônicos; de fortalecimento da comunicação alternativa, pública e comunitária; e de seguir nossa luta histórica por um novo marco regulatório dos meios de comunicação no Brasil que garanta o exercício de todos esses direitos.

A luta por uma comunicação democrática deve estar no centro da disputa pela transformação social, sendo estratégico, para o FNDC, ampliar o diálogo e a articulação com movimentos gerais, como as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. O tema do direito à comunicação não pode se restringir às prioridades dos que atuam neste campo, mas precisa ser pautado sistematicamente nos debates sobre o futuro do país.

Por fim, ao lado de todos e todas aquelas que estão nas ruas para dizer “nenhum direito a menos”, marcharemos contra o arbítrio, o autoritarismo e as desigualdades. Reafirmamos, mais do que nunca, nossa defesa incondicional da democracia, das liberdades, da justiça social e da participação popular, que só serão possíveis se a soberania popular for restabelecida no Brasil.

Por isso, Fora Temer e suas reformas!
Nenhum direito a menos!
Diretas Já!
Calar Jamais!

Mídia vandaliza cobertura de ato e legitima uso de Exército por Temer

Jornais ignoram importância do protesto e repressão da PM contra manifestantes pacíficos para apoiar autoritarismo do governo

Por Bia Barbosa*

Quando a fumaça preta subiu em alguns pontos da Esplanada dos Ministérios, não havia mais dúvida: as manchetes de todos os veículos da mídia tradicional – impressos, online e televisivos – seriam sobre o vandalismo praticado contra os prédios públicos durante o ato desta quarta-feira 24 em Brasília.

Sim, os ataques devem ser noticiados. Mas não pareceu relevante à imprensa brasileira também reportar que esta foi a maior manifestação que Brasília recebeu nos últimos 15 anos? Que mais de 100 mil pessoas, de todas as regiões do país, se deslocaram para a capital para exigir direitos e lutar contra retrocessos? Que essas 100 mil pessoas foram brutalmente reprimidas com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e muito spray de pimenta?

O foco foi para o que fizeram os poucos e nada numerosos grupos de encapuzados. Uma vez mais, quem não participou presencialmente da manifestação contra as reformas de Michel Temer e por Diretas Já e ainda se informa apenas pelos jornais tradicionais, vai achar que tudo não passou de quebradeira. E o buraco, caros leitores e leitoras, é bem mais embaixo.

Comecemos pelo enfoque da cobertura feita nos telejornais noturnos e portais e a repercussão nos impressos desta quinta-feira 25. O Jornal da Band abriu os trabalhos dando o tom: “Depredações e confronto com a Polícia Militar marcaram protestos em Brasília das centrais sindicais contra o governo e as reformas no Congresso; prédios de Ministérios foram destruídos e incendiados”. No Jornal Nacional, poucas imagens da marcha e muitas cenas de violência e “vandalismo de mascarados”.

O Jornal das 10, na GloboNews, construiu sua narrativa afirmando que todo o “confronto” havia sido iniciado pelos manifestantes. A abertura do telejornal usou frases como “Polícia Militar tenta avançar e conter manifestantes”, “Ministérios são esvaziados por questão de segurança” e “restos de violência”. A âncora Renata LoPrete destacou que o protesto foi “organizado e financiado pelas centrais sindicais”, para, uma vez mais, retirar a legitimidade dos manifestantes que ali estavam.

A primeira reportagem abriu com um “A confusão começou quando furaram o bloqueio de revista”, e continuou com “Mascarados jogavam pedaços de pau e garrafas, a polícia revidava”. “Vândalos arrastaram banheiros químicos e usaram para fazer barricadas”; “Vários ministérios foram depredados, o da Agricultura foi incendiado. Destruição também no Ministério da Cultura, com portas, vidros e computadores quebrados. Vandalismo no Turismo, Fazenda, Minas e Energia, no Museu e na Catedral”.

Os portais seguiram a mesma linha durante a noite. Para o UOL, Brasília “estava um verdadeiro caos” e o DF era “terra arrasada”. No Portal do Estadão, destaque para os feridos, os detidos e a depredação dos edifícios.

O Bom Dia Brasil começou nesta quinta com a Globo vistoriando o Ministério da Agricultura com uma engenheira. “O tamanho do estrago ainda está sendo levantado”. Houve até infográfico dos prédios vandalizados.

As centrais sindicais foram ouvidas apenas para dizer que não eram responsáveis pela ação dos black blocs, e não para apresentar as reivindicações que levaram milhares de pessoas à Esplanada.

Miriam Leitão não perdeu a chance de atacá-las: “fazem política desigual e seletiva, condenam a corrupção apenas de alguns partidos e vão para a rua em defesa de outros”. A frase cairia como uma luva para caracterizar a atuação da empresa de comunicação em que ela mesma trabalha.

A menção, pela apresentadora do telejornal, ao uso da força desproporcional pela polícia foi tão superficial que chegou a justificar o uso de armas de fogo contra um grupo de manifestantes, “em reação a um ataque de paus”.

As manchetes dos impressos deste dia 25 são uníssonas. Na Folha de S.Paulo: “Protesto contra Temer em Brasília acaba em violência”; na Zero Hora/RS: “Brasília arde”; no Diário Catarinense: “O dia em que Brasília virou campo de guerra”. As fotos são de manifestantes feridos, de mascarados e de um policial sozinho atirando com arma de fogo. Nada sobre a brutal repressão policial, que atingiu a todos e feriu inclusive jornalistas a trabalho.

Boas vindas às Forças Armadas

Diante do quadro pintado, até o maior dos democratas poderia concordar que pedir a ajuda das Forças Armadas seria uma alternativa. Afinal, tudo foi retratado como fora de controle; a vida dos funcionários dos ministérios teria sido ameaçada e a Esplanada, literalmente, pegava fogo. O decreto presidencial editado por Temer, então, não foi criticado pela imprensa. Pelo contrário, foi noticiado quase que como uma consequência natural do que ocorria.

“Presidente Temer chama Exército para conter a violência”, anunciou na TV o Jornal da Record. A justificativa do uso das Forças Armadas foi ilustrada até com um trecho da Constituição Federal.

No final da tarde, na GloboNews, a chamada era: “Depois de confronto e depredação de ministérios, Temer envia Forças Armadas para as ruas do Distrito Federal”. À noite, Renata LoPrete foi categórica: “Diante de um protesto que transformou a Esplanada num campo de batalha, Temer convocou as forças armadas para garantir a ordem pública”.

O limite da polêmica em torno do emprego das Forças Armadas foi o disse-me-disse entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ministro da Defesa, Raul Jungmann. O primeiro disse que pediu apoio da Força de Segurança Nacional, e não do Exército, ao governo federal. O segundo declarou que “os soldados que estão na rua estão obedendo à Constituição e atendendo a um pedido do Legislativo, nada mais constitucional e democrático”.

A oposição no Congresso criticou duramente a medida, mas a imprensa, não. Deram espaço para o líder do governo, Romero Jucá, tentar explicar que “Temer chamou as Forças Armadas porque um bando de marginais estava tacando fogo em ministérios”.

Para Gerson Camarotti, Jungmann alegou: “Não existe democracia sem ordem. A PM não conseguiu conter o vandalismo e o incêndio dos prédios. Havia risco para a vida das pessoas. Então cabia ao Presidente da República tomar uma medida. (…) Só tínhamos 100 homens da Força de Segurança Nacional, por isso foi preciso chamar o Exército”.

Se Camarotti estivesse acompanhando o protesto de perto, como nós estávamos, talvez não tivesse caído na ladainha do ministro. O número de agentes da Força de Segurança Nacional na Esplanada era bastante superior a 100.

E mesmo estes teriam sido suficientes para conter o pequeno grupo de black blocs que atacaram os edifícios e pontos de ônibus. Bastaria que tivessem recebido a ordem para tal.

Mas, pelo visto, alguém no Planalto buscava um bom motivo para colocar o Exército nas ruas – em princípio por uma semana.

Foi só deixar o barco rolar, os prédios pegarem fogo e editar o decreto, que estava pronto desde dezembro passado. Durante mais de uma hora, seguimos de perto a ação dos mascarados na Esplanada sem que qualquer iniciativa da Força de Segurança Nacional – responsável pela preservação do patrimônio federal, como bem lembrou o governador do DF, Rodrigo Rollemberg – fosse tomada. A justificativa estava dada.

“Temer põe Forças Armadas na rua após ataques”, publicou A Tarde, da Bahia, nesta quinta.Mas nada superou o editorial de O Estado de S. Paulo. Intitulado “Isto não é política, é caso de polícia”, o jornal conservador classifica o protesto de “manifestação de autoritarismo da esquerda”.Para os Mesquita, “hordas de manifestantes impuserem o caos” e fizeram “necessário” que o presidente Michel Temer convocasse as Forças Armadas. Os manifestantes “não vinham debater propostas ou difundir argumentos, lá estavam para vandalizar”.

O Estadão chega ao cúmulo de criticar até a tentativa da oposição parlamentar em barrar a leitura do parecer da reforma trabalhista no Senado. Acha que a atuação da oposição é um “ataque à democracia” e que parlamentares “querem barrar o avanço das reformas pelo uso da violência”. Ou seja, para o jornal de São Paulo, não há povo na rua lutando contra a retirada de direitos nem parlamentares de esquerda fazendo oposição a um governo ilegítimo. Há, somente, “violência”.

Temer revogou seu decreto na manhã de quinta 25, mas pelo visto tem muita gente na imprensa com saudades da ditadura.

E a Globo, nisso tudo?

Há uma semana, muita gente tenta entender as movimentações da Rede Globo – e de todos os seus veículos – na crise política instaurada. Depois de dar o furo de reportagem com a divulgação da gravação de Joesley Batista em O Globo, a empresa segue com uma linha editorial diferente do restante da chamada grande mídia do país. Enquanto a maior parte dos veículos não defende abertamente a saída de Temer da Presidência, a Globo parece mesmo já ter tomado esta decisão.

Criminalizar os protestos não é um ponto fora da curva nesta nova conjuntura. Esta é a postura histórica da emissora. Mas a Globo foi a única, nas últimas 24 horas, a relacionar explicitamente o chamado às Forças Armadas como um ato de fraqueza de Temer.

“Poucas vezes tivemos uma manifestação com tanta depredação dentro dos ministérios. Temer recebeu ligações de pessoas com medo. Mas quando convoca as Forças Armadas, ele inicia outra crise dentro do Congresso. (…) Quis passar uma ideia de que consegue conter manifestações e conflitos com a “garantia da lei e da ordem””, analisou Cristiana Lobo.

Para a âncora da GloboNews, Renata Lo Prete, “a condição do governo para votar qualquer coisa chegou próxima de zero. Isso num dia em que o PSDB resolveu ficar no governo, mas sabemos que é uma decisão momentânea e que o partido está preparando um desembarque. Isso num dia em que o Planalto perdeu mais um assessor, Sandro Mabel, investigado”. “Quantos assessores o governo já não perdeu por corrupção?”, questionou na sequência, no J10, Gerson Camarotti.

O Jornal Nacional também foi dos poucos a ouvir parlamentares de oposição, incluindo Paulinho da Força, que declarou que “o Presidente precisa reconhecer a crise e que o governo está perdendo força”. Para O Globo, o decreto foi o grande exemplo de que o governo e seus aliados estão desorganizados. “Isolado, Temer usa Exército após depredações em Brasília”, diz a manchete desta quinta.

Os próprios colegas da imprensa estão estranhando a postura da Vênus Platinada. Em artigo para a Folha publicado hoje, o Diretor de Jornalismo, Ali Kamel, foi obrigado a afirmar que “a posição da TV Globo na crise de Temer é a de quem não tem lados”.

Dá pra acreditar?Certamente, o jogo que está sendo traçado pelo principal grupo de comunicação do país está longe de ser baseado na imparcialidade.

Déficit publicitário? Negócios com Carlos Slim? Laços históricos com o PSDB, que pode assumir indiretamente o governo se Temer renunciar?

Todas as hipóteses estão sobre a mesa. Seguir acompanhando o que disso tudo vai ao ar ou para as páginas dos jornais pode, sim, ajudar a entender os próximos capítulos dessa novela.

*Bia Barbosa é jornalista, coordenadora do Intervozes e Secretária Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Colaboraram Ana Cláudia Mielke, Marcos Urupá, Marina Pita, Ramênia Vieira e Veridiana Alimonti, integrantes do Intervozes.