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Brasil: na contramão da Internet livre

Entidades denunciam ameaças à rede no Brasil. Governo brasileiro reagiu, negou problemas e disse que há pleno diálogo dentro do País

Por Jonas Valente*

Mais de 40 entidades do mundo todo divulgaram, na última semana, um documento apontando grandes preocupações com retrocessos nas políticas de Internet no Brasil e declarando apoio ao enfrentamento que vem sendo feito pela sociedade civil brasileira, dentro de casa, contra tais medidas.

O “Manifesto de Guadalajara” foi lançado durante o Fórum de Governança da Internet (IGF), principal evento global sobre o tema, que ocorreu na cidade mexicana que dá nome ao texto, entre 5 e 9 de dezembro.

O encontro reuniu mais de dois mil representantes de governos, organizações da sociedade civil, pesquisadores e empresas da área de tecnologia da informação e da comunicação.

O documento destaca o fato de que o Brasil está caminhando da posição de marco internacional positivo nas iniciativas de regulação da rede para tornar-se um exemplo de medidas contrárias à promoção de uma Internet livre e acessível.

Na última década, o país assumiu a condição de referência global neste campo em função da atuação do Comitê Gestor da Internet (CGI), da aprovação do Marco Civil da Internet e por ter recebido em casa eventos internacionais como o NetMundial e o próprio IGF, em duas ocasiões.

No entanto, medidas adotadas recentemente pelo governo de Michel Temer e diversos projetos de lei que tramitam de maneira acelerada no Congresso Nacional jogam o país em outra direção.

Na área de acesso à web, a aprovação do projeto de lei 79 pelo Senado, na última semana, é um retrocesso grave. O texto modifica a Lei Geral de Telecomunicações e acaba com as obrigações de universalização dos serviços que poderiam ser aplicadas à Internet.

O projeto também entrega um patrimônio público no valor de mais de R$ 100 bilhões (em infraestrutura operacional e de rede) às operadoras de telecomunicação, sem contrapartidas concretas que viabilizem a conexão dos mais de 100 milhões de brasileiros que hoje estão excluídos digitalmente.

A oposição, em articulação com a Coalizão Direitos na Rede, que reúde entidades da sociedade civil brasileira que defendem os direitos dos usuários na internet, deve garantir, nesta sexta 16 um recurso para que o texto seja ao menos debatido pelo plenário do Senado.

A sanha do governo federal, entretanto, em se desobrigar de universalizar o acesso à internet no país é grande.

O governo Temer já anunciou que quer deixar este importante esforço apenas nas mãos do mercado, abandonando a perspectiva de planos de banda larga para garantir o acesso à rede, como tem ocorrido em boa parte dos países.

Mudanças no Marco Civil e ataques ao CGI

Outra preocupação ressaltada pelo Manifesto de Guadalajara é o conjunto de iniciativas em curso para alterar e minar o Marco Civil da Internet (Lei 12.695/2014).

Atualmente, há mais de 200 projetos de lei neste sentido tramitando no Congresso. Entre os retrocessos pretendidos está o fim ou a flexibilização do princípio da neutralidade de rede (que proíbe a discriminação no tráfego de dados), a possibilidade de acesso a dados pessoais sem autorização judicial, e a remoção de conteúdos publicados online mediante simples mecanismos de notificação.

As medidas atacam preceitos fundamentais reafirmados no Marco Civil da Internet, como privacidade e liberdade de expressão, que fizeram a lei brasileira se tornar referência internacional nestes temas, e várias delas já foram debatidas aqui no blog.

As entidades internacionais também alertaram para os riscos das recorrentes suspensões de aplicativos como o Whatsapp no Brasil.

O intuito de acessar mensagens desses aplicativos para fins de investigações policiais tem motivado diversas decisões judiciais desproporcionais, que resultam na interrupção do acesso de todos os usuários a esses serviços.

A prática gerou reações tanto no Parlamento – que deve votar em breve o PL 5130/2016, que proíbe o bloqueio de aplicativos – quanto no Supremo Tribunal Federal, que julgará em 2017 uma ação de inconstitucionalidade contra os bloqueios.

Até mesmo o Comitê Gestor da Internet no Brasil, exemplo internacional de órgão de governança multissetorial da internet, está sob ameaça. Criado há mais de 20 anos por meio de um decreto presidencial, o CGI tem sofrido ingerências do governo Temer nos últimos meses.

O processo de eleição da próxima gestão de conselheiros, por exemplo, teve a composição de sua comissão eleitoral original alterada para a inclusão de mais membros do Executivo.

E o governo já declarou que tem a intenção de reduzir o papel da sociedade civil (uma das partes representadas, ao lado das empresas, da academia e da comunidade técnica) no espaço.

A disposição de limitar vozes que representam os interesses dos usuários na gestão da internet no país é mais um viés autoritário da administração Temer, denunciado internacionalmente no IGF.

Reação do Itamaraty

Apresentado na sessão de encerramento do IGF por representantes da Coalizão Direitos na Rede e mencionado nos discursos finais tanto do representante da comunidade técnica quanto da sociedade civil, o Manifesto de Guadalajara provocou a reação do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que lá representava o governo federal.

Benedito Fonseca Filho pediu a palavra para questionar a manifestação das entidades. Disse “estranhar” a posição da sociedade civil brasileira em levar um assunto como este para um fórum internacional, considerando que o país vive uma “plena democracia” e que há espaço para diálogo com as entidades.

A reação do Itamaraty revela o desconforto da gestão Temer com mais uma denúncia internacional e a feição autoritária contra críticas da sociedade civil.

Os desafios do IGF

A 11a edição do Internet Governance Forum promoveu importantes debates sobre o futuro da governança da internet.

Não foram poucas as atividades que colocaram preocupações, por exemplo, com as violações aos direitos humanos na rede, o que envolve desde a proteção à privacidade dos cidadãos até a liberdade de expressão e os direitos de crianças e adolescentes no mundo virtual.

No entanto, enquanto nações afirmam reiteradamente que estão preocupadas em alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU – que incluem a garantia do acesso à rede pela população mundial – ainda há poucas iniciativas para enfrentar efetivamente, em escala global, o desafio de conectar os 3,9 bilhões de cidadãos que ainda estão fora da rede e para garantir os direitos dos demais que já estão na web, especialmente em questões como privacidade e liberdade de expressão.

Para pautar estes desafios, entidades da sociedade civil debateram no IGF a realização de um evento específicos deste segmento. A iniciativa, chamada de “Fórum Social da Internet”, em referência ao Fórum Social Mundial, deve ocorrer na Índia no segundo semestre do ano que vem.

Diversas redes e entidades da sociedade civil estão envolvidas nesta construção, incluindo as brasileiras. Em 2017, o IGF volta a se reunir em dezembro, desta vez em Genebra, na Suíça.

* Jonas Valente é jornalista, mestre em Comunicação e doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília. Integra o Conselho Diretor do Intervozes e foi um dos representantes do coletivo em Guadalajara.

Legislação deve proteger dados pessoais, reivindicam entidades

Excesso de informações para adesão a serviços e acesso a arquivos sem relação com a finalidade dos dispositivos contratados são alguns dos problemas constatados

Representantes de entidades da sociedade civil consideram que o Projeto de Lei 5276/2016, do Poder Executivo, possui uma melhor definição para proteção de dados pessoais do que o Projeto de Lei (PL) 4060/2012. O primeiro é resultado de um amplo debate público promovido de forma on-line pelo Ministério da Justiça, que teve duração de quase seis meses e recebeu mais de 1.100 contribuições. Ambos os projetos tramitam de forma apensada na Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais da Câmara dos Deputados.

Segundo Bruno Bioni, do grupo de pesquisa em políticas públicas de acesso à informação da Universidade de São Paulo (Gpopai/USP), a definição apresentada no PL 4060/2012 é reducionista, pois só considera como informação pessoal os dados exatos e únicos sobre a pessoa. “É preciso entender que fragmentos de dados agregados também podem identificar uma pessoa. Essa é uma definição expansionista que é utilizada por conselhos em todo o mundo com uma preocupação real de defender os dados pessoais do cidadão”, afirma.

O pesquisador cita o artigo 13 do PL 5276/2016 como imprescindível na definição de dados anônimos que devem ser protegidos. “Pedaços de informações que, quando unificados, passam a ter rosto e endereço não podem ser ignorados na proteção de dados. Esse é um conceito de segurança jurídica aliado à inovação”, frisa Bruno.

Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, entende que a proteção dos dados pessoais é fundamental e que o Brasil carece desse debate. “Existe uma mercantilização brutal do uso de dados. Precisamos passar por um processo educativo. A legislação precisa reequilibrar a relação entre mercado e usuário. A maior parte da população nem sabe que seus dados são coletados”, destaca. Bia, Bruno e outros representantes de entidades da sociedade civil participaram no dia 14 de uma audiência pública de debate sobre os projetos em tramitação.

A coordenadora lembra que a legislação da maioria dos países europeus traz elementos que favorecem aos usuários tomarem conhecimento de quais dados estão sendo compartilhados. “Essas legislações trabalham para garantir ao cidadão esse entendimento e, assim, assegurar o consentimento livre, informado, inequívoco e expresso” deste usuário sobre o compartilhamento de informações a seu respeito.

Acesso desnecessário a dados dos usuários
Bia Barbosa critica as táticas usadas por algumas empresas para colher dados dos usuários, citando como exemplo os aplicativos que pedem acesso a vários arquivos de dispositivos móveis (celulares, tablets, etc) que não são necessários para suas funcionalidades. Ela defende que o titular seja informado sobre a coleta e o uso que será feito dos dados. Também enfatiza que o usuário deve ter poder de decisão quanto à eliminação dos dados no momento da rescisão do contrato.

A coordenadora do Intervozes destaca que a inclusão de alguns termos deve ser assegurada na legislação, entre os quais:
– o entendimento de que as atividades contratadas têm boa fé;
– o princípio da finalidade (os dados recolhidos devem ter uma função específica declarada para a realização do serviço);
– a granulação de acesso aos dados, de forma que haja níveis de permissão na utilização de um serviço e o usuário possa decidir se quer ou não permitir acesso em alguma pasta de seu aparelho;
– a garantia de que as aplicações trabalharão com uma coleta mínima de dados;
– a possibilidade do titular dos dados se opor, retificar, corrigir e revogar as informações;
– a destruição dos dados a partir da decisão do usuário de rescindir o contrato.

Agente regulador independente X autorregulação
Para Rafael Zanatta, pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o PL 4060/2012 desmonta tudo o que se avançou na proteção de dados nos últimos anos. Ainda assim, ele acredita que é possível dialogar com empresários para definir uma melhor solução para o consumidor.

“Temos alinhamento e acordo em algumas questões, como a regulação por uma autoridade independente, que irá garantir a segurança jurídica, expertise técnica e implementação das políticas públicas, mas divergimos no que se trata ao conceito limitado de dados pessoais e dados sensíveis. Também divergimos sobre a falta de responsabilização das empresas sobre lesões, fraudes, etc., como defendem estas empresas”, ressalta Rafael.

Ainda sobre o agente regulador, as entidades que estiveram presentes na audiência pública defendem que o mesmo seja criado a partir do Estado, pois a autorregulação – que é defendida pelos empresários – só regula o setor privado. E o setor público também faz uso da coleta de dados. Para as entidades, essa autoridade deve ser independente para garantir a privacidade e segurança dos dados pessoais.

Os representantes da sociedade civil reforçam que o projeto de lei de proteção de dados que está em discussão na comissão especial da Câmara dos Deputados não pode excluir a responsabilidade das empresas que recolhem os dados, quando houver um vazamento de informação por uma terceira parte. Na forma como se encontra, o PL 4060/2012 fere o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet e jurisprudências já firmadas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Cadastro Nacional de Acesso à Internet agride liberdade de expressão, afirmam especialistas

A Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados realizou nesta terça-feira, 13, audiência pública para debater o Projeto de Lei 2390/2015, que cria o Cadastro Nacional de Acesso à Internet. Um ponto muito abordado pelos palestrantes no encontro foi o de que o mecanismo pode violar direitos, entre eles a liberdade de expressão e o acesso livre à informação, além de não ser eficaz no atendimento ao objetivo para o qual foi proposto, que é o de proteger crianças e adolescentes de conteúdo impróprio.

Cristine Hoepers, gerente-geral no Centro de Estudos, Respostas e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil, apresentou em sua fala preocupações com o projeto do ponto de vista técnico. “A internet é uma rede global baseada em padrões abertos sem controle centralizado. A criação de um cadastro pode criar um ponto de falha de acesso à internet”, disse ela. Ou seja, qualquer instabilidade no cadastro poderia parar a rede no país. Cristine ainda destacou que o ponto de controle centralizado da internet poderia causar vulnerabilidade de todo o sistema a códigos maliciosos, tornando-se alvo para ataques e roubo de informações.

A representante da Associação Brasileira de Internet, Carol Conway, explanou sobre os softwares de controle parental, mais apropriados para o monitoramento de conteúdo e a proteção de crianças e adolescentes propostos do que a criação de um cadastro nacional. “Hoje, [os softwares de controle] são a melhor solução, por não interferirem na rede. Esses programas de controle dos pais permitem bloquear os sites indesejados. Não são muito conhecidos, mas são muito úteis”, frisou, destacando a importância de uma ampla divulgação desses programas.

Conway lembra que o Marco Civil da Internet no Brasil, considerado um exemplo a ser seguido por vários países europeus, destaca em seus artigos 3º e 7º a garantia da liberdade de expressão, a proteção da privacidade e a preservação e garantia da neutralidade das redes. Além disso, ele já prevê a proteção de crianças e adolescentes em seu artigo 29, que trata sobre controle parental e porteira de acesso (indicação de site impróprio para menores) como forma de proteção da infância.

Outra questão levantada na audiência foi a possibilidade das pessoas procurarem provedores de fora do país, por não concordarem com o sistema de cadastro. “Essas questões influenciam inclusive na questão da economia brasileira, já que os usuários buscarão por provedores de fora do país” para garantirem sua privacidade e direitos, alerta Carol Conway.

Estruturação para combater crimes

O presidente da SaferNet Brasil, Thiago Tavares, apresentou dados sobre o impacto da criação de um Cadastro Nacional de Acesso à Internet para a sociedade brasileira. “Em 2007, já fizemos esse debate no Senado e a proposta foi superada com o debate que gerou o Marco Civil da Internet. O que falta é uma conscientização do usuário de como se portar na web”, argumentou ele, reforçando que o valor que seria investido para a criação do cadastro pode ser revertido para a estruturação dos órgãos responsáveis por combater os crimes praticados na internet.

“Hoje existem mais de 100 mil notificações de crimes contra crianças e adolescentes na rede. Porém, falta estrutura para que a Polícia Federal, Ministério Público e Polícia Civil consigam resolver os casos e aplicar as punições”, lamenta.

“O projeto é bem-intencionado, mas pode ter efeitos colaterais indesejados”, avalia Thiago Tavares. Ele também destaca que o custo para implantar a medida seria de bilhões, o que mesmo assim não garantiria sua eficiência, já que o cadastramento poderia ser facilmente burlado caso os usuários utilizassem redes abrigadas no exterior.

Um exemplo para fortalecer o uso consciente da internet, segundo Tavares, é o projeto Ministério Público pela Educação Digital nas Escolas, desenvolvido pelo Ministério Público Federal. Ele oferece a educadores das redes públicas e privadas de ensino subsídios para o desenvolvimento de atividades pedagógicas para o uso seguro e cidadão da internet.

Projeto regride em direitos fundamentais

Bia Barbosa, coordenadora-executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, reforça que direitos fundamentais estarão em risco com a criação do cadastro para acesso à internet. “Esse cadastro pede um conjunto de dados que ficaria sob ‘proteção do poder público’, e esse é um fator que permite que direitos fundamentais possam ser comprometidos e violados caso o projeto seja aprovado nos termos atuais, como temos apontado na Coalisão Direitos na Rede”, explica ela.

A coordenadora lembra que a obrigatoriedade e a restrição de acesso na forma como são trazidos no projeto de lei afetam o direito de acesso à informação. “A realização de um cadastro que precisa do deferimento de ‘alguém’ é já restritiva por si mesma. Além disso, a navegação dos usuários dependerá de uma aprovação que poderá acontecer ou não, devido a problemas técnicos”, enfatiza.

Bia também destaca que não estão claros no projeto pontos importantes como quem vai definir se os sites e seus conteúdos são apropriados ou não, a quem cabe fazer a análise desse conteúdo e quais os critérios que serão utilizados nesta análise? “Há aqui um indicativo de violação à liberdade de expressão e comunicação. A internet é um  espaço de informação, mas também um espaço de liberdade de expressão”.

Há ainda o ponto relevante da vigilância na internet, muito criticada em países europeus. Conforme lembra Bia, além da violação da privacidade ocasionada por esta vigilância, existe um forte risco de que esse “grande banco de dados” seja passível de invasão. “Os próprios direitos das crianças e adolescentes podem ser violados por serem usados para fins comerciais”, aponta.

Para Bia Barbosa, o caminho para proteger crianças e adolescentes de conteúdo impróprio na internet passa por um necessário “enfrentamento cultural do problema”, pela disseminação de melhores práticas para os pais e pela classificação do conteúdo de maneira indicativa, como o que já existe na TV, só que adaptado para a internet – indicação da faixa etária apropriada por tipo de conteúdo disponibilizado. “Temos que aproveitar as boas práticas que o Estado já desenvolveu e aplicá-las para o conteúdo da internet”, destaca.

A visão do autor do projeto

O deputado Franklin Lima (PP-MG), autor do Projeto de Lei 2390/2015, entende não haverá restrição de acesso à internet aos maiores de idade. “A internet continuará a mesma. Só quero criar um aplicativo que exija um cadastro dos usuários, para saber qual é a idade da pessoa, e que esse aplicativo bloqueie sites que não são recomendados para essa idade”.

Apesar de ter uma intenção justa, a medida é considerada um equívoco, pois não seria viável realizar a classificação de toda a rede, também devido à incompatibilidade com os termos de uso de outros países. Além de não ser eficiente e eficaz, pelos motivos apontados acima, a criação do cadastro nacional pode se tornar muito onerosa aos cofres públicos.

A deputada Luiza Erundina (Psol-SP) acompanha o andamento do projeto e acredita que o tema se torne complexo por envolver muitas áreas e assuntos, inclusive o Estatuto da Criança e do Adolescente. Por isso, deveria ser estudado e debatido por mais tempo. “Não cabe ao Estado tutelar o desenvolvimento da criança”, enfatizou Erundina.

O PL 2390/2015, em análise na CCTCI, tem como relator o deputado Missionário José Olímpio (DEM-SP). O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado ainda por outras três comissões: Seguridade Social e Família; Finanças e Tributação; Constituição e Justiça e de Cidadania.

Coalizão Direitos na Rede

A Coalizão Direitos na Rede é uma rede independente de organizações da sociedade civil, ativistas e acadêmicos em defesa da internet livre e aberta no Brasil. Formada em julho de 2016, busca contribuir para a conscientização sobre o direito ao acesso à internet, a privacidade e a liberdade de expressão de maneira ampla. O coletivo atua em diferentes frentes por meio de suas organizações, de modo horizontal e colaborativo.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Comissão aprova mudanças na Lei de Telecomunicações, mesmo com posição contrária do TCU

A Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN) aprovou nesta terça-feira, 6, alterações na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), a Lei 9.472/1997. O projeto com as modificações (PLC 79/2016), de autoria do deputado Daniel Vilela (PMDB-GO), permite a adaptação da modalidade de outorga de serviço de telecomunicações de concessão para autorização. Segundo Vilela, o projeto tem o “objetivo de estimular os investimentos em redes de suporte à banda larga, eliminar possíveis prejuízos à medida que se aproxima o término dos contratos e aumentar a segurança jurídica dos envolvidos no processo de prestação de serviços de telecomunicação”.

O projeto determina que os bens reversíveis da União ficarão agora em poder das empresas privadas de telefonia fixa, que, em “contrapartida”, deverão investir em redes de banda larga. Também cria a licença perpétua de frequência. A lei atual permite apenas uma prorrogação. A mesma alteração passa a valer para as autorizações, que têm hoje prazo de 20 anos, e para a exploração de satélites, que têm prazo atual de 15 anos. Com as alterações na lei, não há mais limite máximo de tempo. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) se limita a avaliar que o novo modelo “vai atrair investimentos em banda larga”. Isso está sujeito à discussão. O que não é discutível é que o projeto de lei apresentado por Vilela favorece as empresas do setor, e não os usuários. E que tais investimentos em benefício privado serão realizados com dinheiro público.

Em julho deste ano, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) já havia se posicionado a respeito do PLC 79/2016, que naquele momento ainda tramitava na Câmara dos Deputados como PL 3.453/2015. Conforme o Idec, no formato atual, por força do regime de concessão, o serviço de telefonia fixa é prestado em regime público e as concessionárias são obrigadas a seguir metas de universalização – que significa disponibilizar o serviço em todo o país –, a prestar o serviço de forma ininterrupta e a manter as tarifas dentro de critérios definidos pela Anatel. “Com o fim das outorgas, todas essas exigências podem acabar. O que resultaria em significativa perda de qualidade do serviço de telefonia fixa para o consumidor brasileiro”, destacava à época Rafael Zanatta, advogado pesquisador do Idec.

O estudo do Idec também aponta como grave consequência da mudança do regime de concessão para o de autorização o fato de empresas do setor poderem ficar com a infraestrutura instalada por elas para a prestação do serviço de telefonia fixa. Pela legislação atual, tais infraestruturas deveriam ser repassadas à União ao final do período de concessão, em 2025 – a chamada reversibilidade dos bens. Ocorre que as empresas já receberam, e continuam recebendo, uma série de incentivos fiscais para compensar os investimentos feitos. Do que resulta que o projeto de Vilela beneficia duplamente as empresas, que não recolheram os impostos devidos e que ficarão com a propriedade dos imóveis e benfeitorias pagos com recursos públicos (que deixaram de ingressar nos cofres do Estado devido aos incentivos fiscais).

TCU aponta prejuízos ao erário

Na semana anterior, o Tribunal de Contas da União (TCU) retirou o sigilo mantido até então sobre uma auditoria que estava analisando as propostas de mudança do modelo de telecomunicações, com o fim das concessões de telefonia fixa e migração para o serviço privado na forma de autorizações, e elencou uma série de riscos para a sociedade brasileira caso as mudanças propostas no PLC 79/2016 sejam aprovadas.

Entre os riscos mais graves, o TCU apontou: os danos ao erário, caso os cálculos entre o bônus e o ônus da migração do modelo do serviço não sejam refeitos; a judicialização (disputa judicial em torno das alterações propostas), e a consequente insegurança gerada no âmbito da prestação dos serviços; a possibilidade de surgimento de um mercado de revenda de frequências, a partir da perpetuação das mesmas à iniciativa privada. O tribunal indicou ainda a possibilidade de “comprometimento da efetiva inclusão digital”, e alertou a Anatel de que ela deveria mudar a fórmula de modelo do serviço prevista no projeto.

Causa estranheza o fato de a Anatel querer avaliar o fluxo de caixa da concessão dos serviços de telefonia fixa somente a partir da solicitação da migração até o fim efetivo do contrato de concessão, em 2025. Ou seja, a agência que tem por responsabilidade fiscalizar os serviços de telecomunicações optou por ignorar todo o período transcorrido entre a assinatura dos contratos e a data da migração do modelo dos respectivos serviços para a avaliação do fluxo de caixa. O relator do processo no TCU, ministro Bruno Dantas, questionou o fato: ”Se o argumento para revisar o modelo é a insustentabilidade das concessões, era de se esperar que a concessão fosse avaliada como um todo, desde o seu princípio, com todas as receitas, despesas e obrigações associadas.”

Pagamento pela exploração dos serviços

O relatório do ministro Bruno Dantas analisa as propostas formuladas tanto pela Anatel e pelo Poder Executivo quanto pelo anterior PL 3453/2015, e enumera os impactos que devem ser evitados no projeto a ser aprovado. Em relação específica ao cálculo, o TCU entende que, na forma como o assunto está expresso no atual projeto de lei, as concessionárias poderiam deixar de pagar pelo direito de exploração do serviço (hoje, elas pagam pelo este benefício a cada dois anos), provocando ainda mais prejuízos ao Tesouro Nacional.

Diz o relatório do TCU: “Eliminar a cobrança de direito de exploração do serviço, hoje prevista no § 1º do art. 99 da LGT, combinada com a possibilidade de sucessivas renovações, equivale, na prática, a dar a essas empresas um título perpétuo de R$ 2 bilhões anuais. Se aplicarmos uma taxa de 10% ao ano, isso implicaria um valor presente de R$ 20 bilhões em 2025, sem qualquer compensação ao Erário.”

Entre os principais pontos da alteração legal que podem resultar em disputas no Judiciário, o TCU argumenta que poderia ser considerado “ilegal o fato de não haver alguma concessão de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), vez ser exatamente essa a modalidade de serviço de interesse coletivo para a qual a União se compromete a assegurar a existência, universalização e continuidade”.

A partir de agora, caso não haja recursos que peçam sua análise em plenário, o projeto de lei seguirá de forma direta para a sanção presidencial.

Por Ramênia Vieira – repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações da Agência Senado e do Instituto Telecom

Como debater a modernização das escolas se elas seguem desconectadas?

Por Marina Pita*

A medida provisória que tenta impor de cima pra baixo uma reforma do ensino médio brasileiro tem sido alvo de muitas críticas por parte de estudantes e de profissionais que se dedicam, há anos, ao tema da educação, gerando também um debate público importante sobre modernização do ensino.

Esta modernização aparece muitas vezes, tendo como base, a perspectiva de conexão das escolas à internet, questão que atualmente se faz essencial para a difusão e apropriação do conhecimento. Na prática, no entanto, a realidade da política pública de conexão das unidades educacionais está longe de possibilitar esta modernização e ainda distante de garantir a diversidade de recursos de ensino/aprendizagem a estudantes e professores.

As escolas brasileiras foram conectadas por meio de um acordo entre o governo Lula e as concessionárias do serviço de telefone fixo, em 2008, por meio do Decreto nº 6424, uma movimentação que criou o chamado Plano Banda Larga nas Escolas (PBLE). Como o Estado não contava e ainda não conta, vale lembrar, com instrumentos adequados para impor obrigações de universalização – garantia de acesso a toda população – da internet, optou pelo famoso “jeitinho”.

O jeitinho que criou o PBLE consiste na troca das obrigações da concessão do serviço telefônico fixo por obrigações de ampliação da rede de dados e conexão nas escolas. As concessionárias acordaram – por Termo Aditivo – a trocar a obrigação de instalar postos de serviço telefônico nos municípios pela instalação de infraestrutura de rede para suporte a conexão à internet em todos os municípios brasileiros e conectar todas as escolas públicas urbanas, além das entidades ligadas à formação de professores vinculadas a todos os entes da federação, com manutenção dos serviços sem ônus até o ano de 2025.

À Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) coube a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento das obrigações das prestadoras de serviços de telecomunicações, sendo que a gestão do programa é feita conjuntamente pelo Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação e Anatel, em parceria com as secretarias de Educação estaduais e municipais. Por sua vez, as concessionárias de telefonia fixa que aderiram são Telefônica, CTBC, Sercomtel e Oi/Brtacesso

Pois bem. O caso é extremamente interessante porque ilustra a política brasileira de forma didática: dá-se um nome bonito e divulga-se a iniciativa, faz-se alguma parte do acordado, depois as empresas fingem que fazem e o poder público – no caso, a agência fiscalizadora – finge que acredita. E assim como em outras políticas, seguimos sendo enganados com um programa de conexão em centros educacionais que, na verdade, está longe de atender à demanda de acesso à rede.

Porque estamos dizendo isso? Apesar de mais de 68,7 mil escolas terem sido conectadas, cerca de 5,5 mil escolas urbanas seguem sem conexão. Os dados são do Ministério das Comunicações – atual Ciência, Tecnologias, Inovações e Comunicações – e da própria acessoAnatel, obtidos em 2015.

O programa foi implementado em 2010, há seis anos, e as cerca de 5,5 mil escolas desconectadas são justamente aquelas que, por sua localização geográfica e por determinantes socioeconômicos, têm as maiores barreiras de acesso a produtos culturais e educativos. Ou seja, o programa deixou para trás justamente os mais necessitados, o que tem se configurado como regra na política pública de acesso à internet no País.

Para além deste buraco, que para alguns pode ser classificado como detalhe, as concessionárias de telefonia fixa deveriam elevar a velocidade das conexões. De acordo com Termo Aditivo, a partir de 31 de dezembro de 2010 todas as escolas integrantes do PBLE deveriam estar conectadas com velocidade igual ou superior a dois megabits por segundo (2 Mbps) para download e pelo menos um quarto dessa velocidade para upload.

E mais, a velocidade deveria ser revista semestralmente, de forma a assegurar rapidez equivalente à melhor oferta comercialmente oferecida ao público em geral na área de atendimento em que a escola se localiza. A cada três anos, Anatel e operadoras deveriam realizar atualização nas especificações das conexões “em função da evolução tecnológica e da necessidade das escolas”.

Em 2015, segundo dados da Anatel, apenas 4,8 mil escolas tinham velocidades defasadas em relação às obrigações das prestadoras de serviço. Mas aqui vai a pegadinha: os dados da Anatel são estruturados por autodeclaração das empresas obrigadas a prestar o serviço.

Assim, dá para entender as narrativas dos usuários das redes nas escolas que seguem dizendo “a internet nas escolas não funciona”. Nem sempre, para não dizer nunca, a velocidade declarada é aquela que chega aos centros educacionais.

Em 2015, solicitei a tabela de conexão das escolas do PBLE ao Ministério das Comunicações para a produção de uma matéria sobre o tema. A tabela foi entregue sem a coluna de velocidades. Questionei a uma funcionária do órgão sobre o porquê de terem excluído a coluna, no que fui informada que “a coluna não condizia com a realidade, uma vez que era autodeclaratória”. Ou seja, o próprio Estado sabe que o instrumento criado para garantir a política não tem aderência à realidade. E fica por isso mesmo? Pelo jeito, fica.

O Termo Aditivo do PBLE previu que a revisão das velocidades deveria ser feita a partir de parâmetros das ofertas comerciais, entendendo que as operadoras tenderiam a oferecer melhores velocidades a seus usuários pagantes. Não adiantou. Determinou ainda a revisão das metas gerais (ou do piso de oferta) a cada três anos, nesse caso, pelo poder público, o que não foi realizado.

“Duas revisões já deveriam ter sido feitas, em 2010 e 2013, e a não consumação das mesmas tem forte impacto negativo na implementação da política, pois tende a manter milhares de escolas com conexões precárias e pouco efetivas para o uso pedagógico das tecnologias”, afirma o Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio) em publicação de análise da política.

Exemplos de fora

Nos Estados Unidos – onde também em teoria as escolas estavam todas conectadas – o Escritório de Tecnologias Educacionais, órgão ligado à Secretaria da Educação (equivalente a um ministério), decidiu verificar, em 2011, a conexão nas escolas do país, para além das planilhas digitais, e descobriu outra realidade.

Ao considerar escolas conectadas apenas aquelas que tivessem conexão de internet sem fio dentro da sala de aula, apenas 30% das unidades educacionais passaram pelo critério e a conexão em muitas delas estava limitada à área administrativa.

A decisão do governo foi liberar 8 bilhões de dólares para conectar as escolas. O recurso veio do programa educacional E-rate, criado em 2007 e alimentado por uma taxa cobrada das empresas de telecomunicações e que era usado para conectividade em bibliotecas, escolas primárias e secundárias.

A iniciativa de conexão das escolas ConnectedED, lançada em 2013, está sendo implementada com a participação da sociedade civil e pretende levar, até 2018, conexão à internet de 100 Mbps por cada mil estudantes (100 Kbps por estudante).

Desafios brasileiros

Por aqui, como vimos, a relação do Estado brasileiro com o mercado privado é de total cumplicidade e nenhum dos dois lados exerce o papel que realmente deveria cumprir para garantir o sucesso na execução da política. Assim, pelo menos três grandes desafios seguem sendo prioritários quando o assunto é a modernização das escolas por meio de conexão à web.

O primeiro é garantir instrumentos para o Estado forçar a universalização do acesso de qualidade e adequado ao uso da internet nas escolas – inclusive as rurais. Com o desmonte da política de telecomunicações no Brasil, por meio do Projeto de Lei 3453/2015, e o fim da prestação em regime público, que se pretende com ele, nem as obrigações previstas na Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei nº 9.472/1997.) existirão. Não fazendo mais sentido, portanto, as trocas de obrigações previstas no Termo Aditivo de 2010.

O segundo desafio é a prioridade política do Estado e dos governos do momento. Esta prioridade deve estar embasada na garantia do acesso da população à rede e não no exclusivo lucro das empresas operadoras.

Assim, quando uma lei for pensada para alterar a LGT, como está acontecendo agora, o usuário e qualidade de sua conexão serão colocados em primeiro lugar – não é o que acontece na proposta em tramitação. Então como garantir que a sociedade se envolva neste debate para exigir que seja ouvida?

O terceiro desafio segue sendo a fiscalização. Está evidente que a Anatel não cumpre de forma adequada seu papel de fiscalizadora. E é preciso que a sociedade – que cada vez mais é a sociedade da informação – debata o que fazer para que a agência mude e passe a cumprir seu papel.

Sim, há problemas de estrutura e financiamento da agência, mas, para além disso, é preciso acabar com a relação promíscua entre executivos das empresas e funcionários e conselheiros do órgão.

*Marina Pita é jornalista e integra o Conselho Diretor do Coletivo Intervozes