Por Bruno Marinoni*
Acordei nesta quarta, dia 11, com a notícia de que a polícia estava levando para detenção um punhado de ativistas, dentre eles, dois midialivristas (Tiago Rocha e Eduardo Castro). As justificativas estavam relacionadas à convocação de manifestações, formação de quadrilha, incitação à violência e compra irregular de fogos de artifício. Em outras palavras, algo que poderia facilmente se dizer de qualquer grupo que se organize para assistir a uma partida de futebol.
Desde a quarta série, tenho problemas de concentração em véspera e em dia de jogo do Brasil. A equação que começou a se formar na minha cabeça após ler a notícia que envolvia 10 pessoas detidas, 14 delegacias, 17 mandados de detenção, busca e apreensão, 15 mil homens extras nas ruas do Rio de Janeiro (entre policiais e militares), 15 mil seguranças privados contratados pela Fifa, 57 mil homens das Forças Armadas mobilizados pelo país, 100 mil homens das polícias estaduais e federais, 12 prefeituras, 11 governos estaduais, 1 Distrito Federal, 1 governo federal, 1 federação internacional de futebol, 1 rede nacional de televisão, X empreiteiras, Y marcas de cerveja… Não consegui fazer o cálculo. O resultado, porém, me pareceu assustador.
Suspeitei que estivesse havendo algum “excesso”. Afinal, que perigo representariam um punhado de garotos liderados pela famosa Sininho?! A fadinha das histórias infantis é conhecida (apropriadamente ou não) por ser a mentora intelectual do grupo conhecido como “garotos perdidos” (vulgo Black Blocks), que têm por objetivo principal da vida promover a anarquia na Terra do Nunca (vulgo, Copa do Mundo). Teve sua foto estampada na capa d’O Globo no ano passado, como se fosse uma bandida. Nunca lhe deram o direito de resposta. Mas ela não foi a única. O jornal também estampou a condenação prévia de diversos ativistas, sob o título nada discreto “Crime e Castigo”, em outubro, quando 70 dos 190 presos em uma manifestação no centro do Rio foram indiciados pela nova lei do crime organizado.
Notícias do front
De acordo com o relatório “Violações à Liberdade de Expressão”, publicado pela Artigo 19, agentes do Estado (polícia, políticos e agentes públicos) estariam envolvidos em 23 (77%) dos casos graves de violência contra comunicadores registrados em 2013 como mandantes. Uma boa amostra da participação e disposição do Estado no projeto de silenciamento da sociedade em “dias normais”.
Agora, já é tarde para afirmar: imagina na Copa! Pode-se dizer que o juiz já apitou e foi dada a partida. Os detidos de ontem, embora já liberados, estão tendo a suas vidas devassadas. As operações policiais convergiram para a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) e seus computadores estão sendo vasculhados. Curiosamente, ninguém os acusou ainda de tráfico de pó de pirilimpimpim. Liberdade de expressão e privacidade que se vão para as cucuias!
A operação de criminalização e intimidação está em processo. Reúne um amplo espectro partidário que vai dos governos do DEM aos do PT, mobilizando todo o aparelho repressivo do Estado. Já havia acontecido algo semelhante na terça-feira (10), no Distrito Federal, quando membros do Comitê Popular da Copa foram “visitados” por supostos fiscais do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o que mobilizou a Anistia Internacional e a OAB na defesa das liberdades políticas. Até agora o caso não foi esclarecido.
De um lado, o interesse econômico das empresas e corruptos (lucro da Fifa, dos patrocinadores, das empreiteiras, da mídia etc) e, de outro, o interesse político dos governos e partidos no poder (cálculo eleitoral e afirmação ideológica de projetos políticos) precisam, nesse contexto, de um grande discurso autoritário capaz de sintetizar as variadas dimensões do ufanismo e do terror que podem paralisar e mobilizar a população. Para isso, porém, não operam sozinhos. Obviamente, os donos da mídia, proprietários dos meios de produção de ideologias, não deixariam nossos caros conservadores na mão.
Propaganda de guerra
Vejamos as principais manchetes da página na internet d’O Globo que se referem à Copa do Mundo na noite do dia 11, véspera da abertura da Copa: “Polícia do Rio investiga ativistas ligados a Black Block”, “Protestos no dia da abertura preocupam Forças Armadas”, “Dilma: não teremos tolerância com vandalismo”, “Metroviários de SP descartam greve na abertura da Copa” e “Em clima de Mundial, Congresso fica esvaziado na véspera”.
O recado está dado: as forças de segurança estão mobilizadas para deter “ativistas, vândalos e manifestantes”; estes estão mobilizados e preocupam as forças de segurança; o resto da sociedade se mobiliza para assistir a Copa. Cada um no seu quadrado. No quadrado do discurso da mídia, esquadrinhou-se o lugar dos “criminosos” e dos “cidadãos de bem” (vulgo, torcedores). Chamem a polícia, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica para garantir uma distância segura!
Uma das matérias da segunda-feira (9) do mesmo jornal poderia ser considerada um verdadeiro desfile militar impresso. A manchete dizia praticamente tudo que desfila pelas linhas que se seguem: “Militares assumem policiamento de estradas, aeroportos, hotéis e centros de treinamento”. Nunca antes na história desse país… Ou, quem sabe, nos tempos de Ditadura Civil-Militar.
Esse mesmo grupo que fomenta o discurso ideológico da criminalização e intimidação tem tido, além dos lucros advindos da exclusividade de transmissão (leia-se monopólio), alguns benefícios dos nossos beneficentes governantes. Segundo matéria do portal UOL de fevereiro, a prefeitura do Rio de Janeiro vai gastar, por meio da Rio Eventos, mais de R$ 3,8 milhões em um estúdio de TV em Copacabana para emissoras privadas cobrirem a Copa do Mundo. Assim, quem se beneficia com o dinheiro público é a Rede Globo, que detém os direitos de transmissão no Brasil. Além disso, utiliza o espaço da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) para realizar a cobertura. Apropriação privada do bem público, você vê por aqui! Plim-plim.
Enquanto isso, a direita tradicional vem a público dizer que se a Copa não der certo a culpa é do governo federal. O governo federal e seus defensores vêm a público dizer que se a Copa não der certo a culpa é da direita e dos manifestantes. Espremidos em meio à politicagem e a máfia das megacorporações encontram-se os removidos, os silenciados, os devassados, os manifestantes, os grevistas, os NINJAS e uma série de sujeitos de uma sociedade em ebulição.
* Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação, doutor em Sociologia pela UFPE e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.
Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.