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MPF discutirá programas policialescos no DF

A Procuradoria da República no Distrito Federal realizará, no próximo dia 16 (uma segunda-feira), audiência pública para discutir medidas de coibição à violação de direitos humanos promovida por programas policialescos no Distrito Federal. A iniciativa é da procuradora da República Ana Carolina Alves Araújo Roman, que está à frente de inquérito civil instaurado para apurar suspeitas de abusos cometidos por duas emissoras de TV que mantém programação local no Distrito Federal. O evento e deverá reunir representantes dos ministérios da Justiça e das Comunicações, representantes das emissoras de televisão e de entidades da sociedade civil.
Para participar da audiência pública, os interessados devem fazer inscrição prévia pelo e-mail PRDF-GabAA@mpf.mp.br ou via telefone (61) 3313-5494. No ato da inscrição, é preciso fornecer nome completo, a entidade ou órgão público – caso seja vinculado a algum – e ainda se deseja manifestar-se durante o debate. A quantidade total de inscritos dependerá da capacidade do Auditório Pedro Jorge, onde o evento será realizado.
De acordo com as regras previstas no edital, a audiência será iniciada pelo Ministério Público Federal (MPF) que, em 30 minutos, fará uma exposição dos motivos para a realização do evento, bem como os aspectos fáticos e jurídicos que envolvem a questão. Em seguida, deverão falar os representantes dos dois ministérios convidados e das emissoras de TV, sendo que cada um poderá usar a palavra por 15 minutos. A programação prevê, na sequência, manifestações da sociedade – pessoas que fizeram a inscrição prévia (o prazo de cada interferência é de 10 minutos). A última etapa será o fechamento do evento, com conclusões e eventuais encaminhamentos.
Inquérito
De acordo com a procuradora, o órgão acompanhou os programas DF Alerta (TV Brasília), Balanço Geral DF, DF no Ar e DF Record (TV Record) durante 30 dias. “Foi constatado que tais programas transmitem imagens de suspeitos presos em ações da Polícia Civil do Distrito Federal, com a conivência de autoridades policiais e sem autorização dos suspeitos, desrespeitando, assim, os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana”, explica a procuradora.
No edital de convocação da audiência, a procuradora lembra que embora a Constituição Federal (CF) proteja a liberdade de informação jornalística, os programas investigados abusam da liberdade jornalística, ferindo o direito à imagem, à honra e à dignidade de “centenas de pessoas meramente suspeitas ou acusadas pela prática de um ilícito penal”. Ela lembra, ainda, que um dos princípios da radiodifusão estabelecidos na CF (Art. 221) é a “preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas” e o “respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.
A procuradora também lembra que o Decreto 52.795/1963, prevê que as concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão não devem transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico (artigo 28, incisos 11 e 12).

A face repressiva da democracia durante a Copa

Por Mônica Mourão*

Em que ano estamos? O blog do Intervozes faz hoje um jogo de adivinhação com leitoras e leitores. Confira as respostas na sequência.

01. Um jornal passa de mão em mão. Muita gente quer lê-lo, mas poucas pessoas têm coragem de assiná-lo, pois essa lista poderia cair nas mãos da polícia.

02. Policiais entram armados com um fuzil em casa onde estavam uma senhora idosa e uma criança, em busca do pai da menina, que havia se manifestado contra o governo vigente.

03. Jornais e garrafas com material inflamável são usados como prova para prisão preventiva de dezenas de pessoas.

04. Livros considerados subversivos são apreendidos pela polícia.

05. Repórter que cobria ação policial é presa, espancada e xingada por policiais.

06. Jornalistas são chamados para dar depoimento e acabam sendo presos, mas são bem tratados pela polícia.

07. Cinegrafista têm equipamento interceptado para que não realize seu trabalho.

08. Veículo alternativo é impedido de participar de coletiva de imprensa.

09. Credenciais para cobrir setores do governo são negadas a jornalistas.

10. Dezenas de pessoas são presas em suas próprias casas ou locais de trabalho como medida preventiva contra distúrbios civis.

Mais uma vez: em que ano estamos? Essa pergunta teima em vir à cabeça quando aparecem notícias das arbitrariedades cometidas contra manifestantes em 2013 e 2014, pela assombrosa semelhança com ações repressivas feitas pela ditadura civil-militar (1964-1985). Veja agora em que circunstâncias aconteceram os casos.

01. Os leitores do jornal Opinião temiam ter seu nome associado ao veículo, que circulou de 1972 a 1977.

02. A família de Luiz, conhecido como Game Over, está sofrendo investidas da polícia em busca do manifestante, de acordo com relato dele do dia 12 de julho de 2014.

03. Foram expedidos dezenas de mandados de prisão preventiva (os números informados pela imprensa variam entre 30 e 60), dois de apreensão (por serem de pessoas com menos de 18 anos) e três flagrantes, entre sexta (11/7) e sábado (12/7). O crime: suposta organização de atos violentos no ano passado e suspeita de violência na final da Copa do Mundo, neste domingo. Uma garrafa com “material que parece gasolina”, edições do jornal Estudantes do Povo, coletes de imprensa e máscaras de gás fazem parte do material apreendido.

04. No dia 1º de julho desse ano, em protesto na praça Roosevelt, em São Paulo, um exemplar de uma biografia de Carlos Marighella, que estava na mochila de um estudante, foi apreendido pela polícia. Dias antes, também em São Paulo, dois ativistas foram (e ainda estão) presos com base em acusações forjadas.

05. A repórter da Mídia Ninja Karinny de Magalhães foi presa no dia 12 de junho de 2014, quando cobria a abertura da Copa do Mundo. Karinny foi mantida por cerca de uma hora numa viatura, conduzida em sigilo a um quartel, espancada por cinco policiais até ficar desacordada e depois deixada em uma delegacia da polícia civil.

06. Quase toda a redação d’O Pasquim foi presa, em 1970. A edição de número 74 do jornal justificava a ausência da equipe a um surto de gripe. Relatos dos jornalistas dão conta do bom tratamento recebido na prisão, com direito a rodinha de violão com um dos guardas responsáveis pelo grupo.

07. O coletivo cearense Nigéria teve sua câmera “apreendida” por seguranças particulares da Fifa Fan Fest na cidade de Fortaleza, na abertura da Copa do Mundo de 2014.

08. O jornal A Nova Democracia foi proibido de participar da coletiva de imprensa realizada neste sábado (12/7) na Cidade da Polícia, complexo com delegacias especializadas no Rio de Janeiro. O motivo alegado foi que vários dos detidos nesta véspera de final de Copa tinham, em suas casas, exemplares do jornal.

09. Entre 1975 e 1979, 20 jornalistas da sucursal de O Estado de S. Paulo em Brasília tiveram seus pedidos de credenciais negados, e as credenciais de outros 25 foram canceladas.

10. Houve prisões de dezenas de pessoas nas vésperas dos seguintes acontecimentos: golpe de 1964; promulgação do Ato Institucional nº 05 (AI-5), em 1968; abertura e encerramento da Copa do Mundo da Fifa, em 2014.

Uma diferença substancial entre o regime instalado em 1964 e hoje deveria ser que atualmente vivemos sob a vigência da Constituição de 19Adicionar Novo88, considerada um grande avanço democrático pela forma participativa como foi elaborada e pelos preceitos que assegura. Um deles é justamente a liberdade de manifestação, que por envolver a livre divulgação de ideias, valores e reivindicações, relaciona-se diretamente com o direito humano à comunicação. Esse direito inclui a garantia de falar e de ser ouvido, o que, no contexto em que vivemos, passa necessariamente pelo acesso aos meios de comunicação.

Contudo, o quadro atual de violações revela o cerceamento das mídias alternativas e populares, ao mesmo tempo em que a cobertura da imprensa tradicional criminaliza uma vez mais os manifestantes, se apropria do jargão policial e considera todos os ativistas como integrantes de uma “quadrilha armada”, considerando as pessoas perseguidas “foragidas”. Neste cenário, máscaras de proteção contra gás lacrimogêneo, celulares, computadores e até joelheiras viram “objetos suspeitos apreendidos” pela Polícia.

Tragicamente, o apelo cantado por Chico Buarque, em 1974, ainda ecoa: “acorda, amor, eu tive um pesadelo agora”. Quarenta anos depois, o sono e o despertar permanecem intraquilos, e o termo “democracia” soa cada vez mais vazio.

*Mônica Mourão é integrante do Intervozes. Colaborou Juliana Lugão, jornalista.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Brasil x Argentina: a promoção disfarçada do ódio

Por Bruno Marinoni*

Todos eles foram levados para dentro de uma pequena casa à beira-mar, trancafiados e eliminados. Mais um filme sobre o genocídio nazista? Não. Trata-se de uma “humorada” publicidade de cerveja sobre a “rivalidade” entre brasileiros e argentinos, que vem sendo veiculada desde a partida Argentina e Nigéria, no dia 25 de junho. Qual o problema de os nossos veículos de comunicação alimentarem a xenofobia? De fazerem graça com a proposta de que os hermanos devem ser lançados ao mar, ou ao espaço por nós?

O portal Diário na Copa, do grupo Diário do Nordeste (CE), no mesmo dia 25, publicou uma matéria com a manchete “Argentinos assaltam torcedores e roubam ingressos antes de partida em Porto Alegre”. O conteúdo da notícia aponta que os suspeitos são argentinos, pois vestiam camisas da seleção argentina. E, assim, nossa imprensa acredita possuir elementos suficientes para associar as imagens do crime à de uma nacionalidade específica. Essa é uma equação bem conhecida pelas vítimas de campanhas racistas e xenófobas. Qual o problema de chamar de “assaltantes argentinos” pessoas que vestem camisa da argentina e roubam ingressos?

Uma matéria do site do Globo Esporte do dia 21 anunciava que “a Copa do Mundo registrou na madrugada deste sábado a primeira grande briga entre brasileiros e argentinos”. Qual o problema de se naturalizar a briga entre representantes das duas nacionalidades, já insinuando que ela é a primeira de uma série?

Temos assim exemplos nos quais o espetáculo da Copa do Mundo, a grande competição entre as nações, mostra-se um prato cheio para que a nossa indústria cultural alimente e se alimente da violência (simbólica?). Promover a criminalização de um determinado grupo, a naturalização da violência e a necessidade de eliminação do outro: eis um mecanismo comum que se volta de diferentes maneiras para diversos atores no nosso cotidiano e para o qual é preciso estarmos atentos.

Enquanto na publicidade temos um exemplo que se vale do humor para tentar neutralizar qualquer possibilidade de crítica, tem-se por outro lado a imprensa utilizando a estratégia do “realismo”, na qual o “relato objetivo do fato” esconde o papel ativo do jornalismo na construção do discurso sobre a realidade. Dessa forma, o discurso que demoniza um determinado grupo tenta nos seduzir tanto de forma indireta (foi só uma piada!) como de forma direta (essa é a verdade).

Alguém pode minorar o fato de que o futebol é um fenômeno midiático e argumentar que essa rivalidade entre brasileiros e argentinos não foi criada pela mídia. Tá legal, eu aceito o argumento. O que não dá para aceitar é que nossa mídia promova tendências à xenofobia e ao preconceito na sua busca por vender cervejas e aumentar sua audiência. Seu papel deveria ser problematizar e combater, ao invés de estimular, o espetáculo do ódio travestido de rivalidade.

* Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação, doutor em Sociologia pela UFPE e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Midialivrista é espancada e detida durante ato público contra a Copa em MG

Por Bruno Marinoni*

“Cala essa boca! Já mandei você calar a boca!”, grita o policial, ao “abordar” Karinny de Magalhães. A integrante da Mídia NINJA cobria as manifestações em Belo Horizonte no dia da abertura da Copa do Mundo, 12 de junho. Pouco depois de sofrer uma série de violências (como ouvir palavrões) dos agentes de polícia mineiros, a garota foi levada em uma viatura.

Segundo informações veiculadas pela Mídia NINJA, Karinny foi mantida por cerca de uma hora nesta viatura, conduzida em sigilo a um quartel, espancada por cinco policiais até ficar desacordada e depois deixada em uma delegacia da polícia civil. Por um infortúnio da garota, o exame de corpo delito se perdeu por aí… Da delegacia, Karinny foi levada para o Centro de Remanejamento do Sistema Prisional Centro-Sul. O alvará de soltura, que liberou a midialivrista e dois ativistas – Henrique de Souza Dutra e Rhuan Joseph Campos – foi expedido somente na noite de sexta-feira (13).

Quem quer que Karinny cale sua boca? Quem pode mandar uma cidadã calar a boca? O que diz Karinny de tão insuportável para que seja necessário uma surra de cinco policiais?

Ouve-se no registro feito, por meio do celular, Karinny dizendo: “você sabe que não pode abordar assim, né?”. Ora mais! Quem ela pensa que é para questionar uma autoridade? Uma cidadã com direitos?

Plano geral

Esse caso de cerceamento da liberdade de expressão mostra de forma clara a sobreposição de dois níveis de violação do direito humano à comunicação. Por um lado, a violência sistemática e estrutural cometida pelo Estado brasileiro e personificada em suas “autoridades”, por meio da intimidação e da violência física e verbal contra alguém que exerce seu direito à comunicação. Por outro, a sonegação e deturpação dos fatos, negando à população seu pleno direito de acesso à informação. Embora o vídeo que transmitia ao vivo mostre o contrário, Karinny está sendo acusada de causar dano ao patrimônio público durante a manifestação.

Num contexto de decisão dos governantes de intensificar a repressão contra manifestantes durante a Copa do Mundo, por interesses político-eleitoreiros ou econômicos, os midialivristas viraram alvo predileto da ação das polícias. Além da detenção de Karinny em Belo Horizonte, quando transmitia ao vivo a manifestação, no Rio de Janeiro, no mesmo dia, a polícia militar tentou deter o “Carioca”, também da Mídia NINJA, porque ele transmitia uma das típicas “abordagens” policiais em manifestações. Carioca só conseguiu se livrar porque foi protegido por outros manifestantes.

Outros midialivristas foram detidos, no Rio de Janeiro, no dia anterior ao início da Copa do Mundo e dos protestos que criticam o campeonato. A imprensa internacional também não passou incólume. As jornalistas Barbara Arvanitidis e Shasta Darlington, da rede de TV CNN, foram feridas por um estilhaço de bomba “de efeito moral” durante a ação da PM em São Paulo, no dia 12.

Resistência

Diante da detenção de Karinny Magalhães, o Ministério Público de Minas Gerais veio a público, por meio de uma recomendação, cobrar a garantia do exercício da liberdade de expressão, informação e de imprensa. O texto destaca que a Constituição Federal “assegura o direito de reunião e de livre manifestação do pensamento a todas as pessoas”. Além disso, expressa que essa liberdade não deve ser garantida apenas a profissionais dos veículos tradicionais. Segundo a recomendação, devem ser “tomadas medidas para garantir o direito de ir, vir e permanecer e o livre exercício da profissão dos repórteres e jornalistas que estejam cobrindo qualquer evento, especialmente, no contexto de possíveis manifestações, independentemente de estarem credenciados ou vinculados a empresas jornalísticas”.

O órgão público constata o que há tempos os movimentos e ativistas que lutam pelo direito à comunicação têm denunciado: “[…] durante os protestos ocorridos em junho de 2013, especialmente durante a Copa das Confederações e no dia 12 de junho de 2014, primeiro dia da Copa do Mundo, vários foram os relatos de ações repressivas e violentas das forças policiais contra os comunicadores que cobriam os protestos, cerceando o exercício legítimo da profissão e o direito da população de ter acesso à informação”.

O MP afirma ainda que a tropa deve ser “orientada no sentido de abster-se de apreender equipamentos de trabalho e memória das mídias dos comunicadores no âmbito da cobertura midiática” e que “possíveis danos causados a equipamentos e objetos alheios, no exercício da função, poderão configurar crime de dano”.

O que está em jogo​

Ao contrário daqueles que associam as críticas à Copa do Mundo a uma “desconexão com a realidade” ou a um sentimento de “anti-brasilidade”, o que aconteceu com Karinny em Belo Horizonte é exatamente o retrato da realidade violenta que ela denuncia – e que agora, provavelmente mais do que nunca, vivenciou na pele. E não há como negar que o mega-evento foi, no último período, o principal intensificador das dimensões tenebrosas dessa realidade, algo que nenhum cálculo político ou comercial seja capaz de tornar menos real.

O cala boca dirigido a Karinny e demais comunicadores, porém, não vem só do policial. O agente é apenas a boca que fala e que reproduz o autoritarismo herdado de geração em geração. É a fala da Casa Grande que se generalizou. Observado em um quadro mais amplo, Karinny foi agredida porque estava em meio a uma manifestação, veiculando críticas à Copa do Mundo e aos seus promotores. As forças repressivas foram enviadas para fazer Karinny e outros se calarem. Creem que já temos democracia demais.

Como apontamos no post anterior desse blog, ficou claro que os governos brasileiros (incluindo a polícia militar de Minas Gerais, no caso estadual, e das Forças Armadas, no caso federal) mobilizaram todo o aparato repressivo do Estado para estancar as críticas à condução da Copa do Mundo. Infelizmente, os fatos tem comprovado que um amplo espectro político conservador está interessado no sucesso do megaevento, mesmo ao custo da suspensão de direitos fundamentais.

*Bruno Marinoni  é repórter do Observatório do Direito à Comunicação, doutor em Sociologia pela UFPE e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Mídia e forças de segurança em guerra contra críticos

Por Bruno Marinoni*

Acordei nesta quarta, dia 11, com a notícia de que a polícia estava levando para detenção um punhado de ativistas, dentre eles, dois midialivristas (Tiago Rocha e Eduardo Castro). As justificativas estavam relacionadas à convocação de manifestações, formação de quadrilha, incitação à violência e compra irregular de fogos de artifício. Em outras palavras, algo que poderia facilmente se dizer de qualquer grupo que se organize para assistir a uma partida de futebol.

Desde a quarta série, tenho problemas de concentração em véspera e em dia de jogo do Brasil. A equação que começou a se formar na minha cabeça após ler a notícia que envolvia 10 pessoas detidas, 14 delegacias, 17 mandados de detenção, busca e apreensão, 15 mil homens extras nas ruas do Rio de Janeiro (entre policiais e militares), 15 mil seguranças privados contratados pela Fifa, 57 mil homens das Forças Armadas mobilizados pelo país, 100 mil homens das polícias estaduais e federais, 12 prefeituras, 11 governos estaduais, 1 Distrito Federal, 1 governo federal, 1 federação internacional de futebol, 1 rede nacional de televisão, X empreiteiras, Y marcas de cerveja… Não consegui fazer o cálculo. O resultado, porém, me pareceu assustador.

Suspeitei que estivesse havendo algum “excesso”. Afinal, que perigo representariam um punhado de garotos liderados pela famosa Sininho?! A fadinha das histórias infantis é conhecida (apropriadamente ou não) por ser a mentora intelectual do grupo conhecido como “garotos perdidos” (vulgo Black Blocks), que têm por objetivo principal da vida promover a anarquia na Terra do Nunca (vulgo, Copa do Mundo). Teve sua foto estampada na capa d’O Globo no ano passado, como se fosse uma bandida. Nunca lhe deram o direito de resposta. Mas ela não foi a única. O jornal também estampou a condenação prévia de diversos ativistas, sob o título nada discreto “Crime e Castigo”, em outubro, quando 70 dos 190 presos em uma manifestação no centro do Rio foram indiciados pela nova lei do crime organizado.

Notícias do front

De acordo com o relatório “Violações à Liberdade de Expressão”, publicado pela Artigo 19, agentes do Estado (polícia, políticos e agentes públicos) estariam envolvidos em 23 (77%) dos casos graves de violência contra comunicadores registrados em 2013 como mandantes. Uma boa amostra da participação e disposição do Estado no projeto de silenciamento da sociedade em “dias normais”.

Agora, já é tarde para afirmar: imagina na Copa! Pode-se dizer que o juiz já apitou e foi dada a partida. Os detidos de ontem, embora já liberados, estão tendo a suas vidas devassadas. As operações policiais convergiram para a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) e seus computadores estão sendo vasculhados. Curiosamente, ninguém os acusou ainda de tráfico de pó de pirilimpimpim. Liberdade de expressão e privacidade que se vão para as cucuias!

A operação de criminalização e intimidação está em processo. Reúne um amplo espectro partidário que vai dos governos do DEM aos do PT, mobilizando todo o aparelho repressivo do Estado. Já havia acontecido algo semelhante na terça-feira (10), no Distrito Federal, quando membros do Comitê Popular da Copa foram “visitados” por supostos fiscais do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o que mobilizou a Anistia Internacional e a OAB na defesa das liberdades políticas. Até agora o caso não foi esclarecido.

De um lado, o interesse econômico das empresas e corruptos (lucro da Fifa, dos patrocinadores, das empreiteiras, da mídia etc) e, de outro, o interesse político dos governos e partidos no poder (cálculo eleitoral e afirmação ideológica de projetos políticos) precisam, nesse contexto, de um grande discurso autoritário capaz de sintetizar as variadas dimensões do ufanismo e do terror que podem paralisar e mobilizar a população. Para isso, porém, não operam sozinhos. Obviamente, os donos da mídia, proprietários dos meios de produção de ideologias, não deixariam nossos caros conservadores na mão.

Propaganda de guerra

Vejamos as principais manchetes da página na internet d’O Globo que se referem à Copa do Mundo na noite do dia 11, véspera da abertura da Copa: “Polícia do Rio investiga ativistas ligados a Black Block”, “Protestos no dia da abertura preocupam Forças Armadas”, “Dilma: não teremos tolerância com vandalismo”, “Metroviários de SP descartam greve na abertura da Copa” e “Em clima de Mundial, Congresso fica esvaziado na véspera”.

O recado está dado: as forças de segurança estão mobilizadas para deter “ativistas, vândalos e manifestantes”; estes estão mobilizados e preocupam as forças de segurança; o resto da sociedade se mobiliza para assistir a Copa. Cada um no seu quadrado. No quadrado do discurso da mídia, esquadrinhou-se o lugar dos “criminosos” e dos “cidadãos de bem” (vulgo, torcedores). Chamem a polícia, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica para garantir uma distância segura!

Uma das matérias da segunda-feira (9) do mesmo jornal poderia ser considerada um verdadeiro desfile militar impresso. A manchete dizia praticamente tudo que desfila pelas linhas que se seguem: “Militares assumem policiamento de estradas, aeroportos, hotéis e centros de treinamento”. Nunca antes na história desse país… Ou, quem sabe, nos tempos de Ditadura Civil-Militar.

Esse mesmo grupo que fomenta o discurso ideológico da criminalização e intimidação tem tido, além dos lucros advindos da exclusividade de transmissão (leia-se monopólio), alguns benefícios dos nossos beneficentes governantes. Segundo matéria do portal UOL de fevereiro, a prefeitura do Rio de Janeiro vai gastar, por meio da Rio Eventos, mais de R$ 3,8 milhões em um estúdio de TV em Copacabana para emissoras privadas cobrirem a Copa do Mundo. Assim, quem se beneficia com o dinheiro público é a Rede Globo, que detém os direitos de transmissão no Brasil. Além disso, utiliza o espaço da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) para realizar a cobertura. Apropriação privada do bem público, você vê por aqui! Plim-plim.

Enquanto isso, a direita tradicional vem a público dizer que se a Copa não der certo a culpa é do governo federal. O governo federal e seus defensores vêm a público dizer que se a Copa não der certo a culpa é da direita e dos manifestantes. Espremidos em meio à politicagem e a máfia das megacorporações encontram-se os removidos, os silenciados, os devassados, os manifestantes, os grevistas, os NINJAS e uma série de sujeitos de uma sociedade em ebulição.

* Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação, doutor em Sociologia pela UFPE e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.