O racismo se mantém no espaço midiático

Por Cecília Bizerra*

Mais um 20 de novembro e seguimos em resistência, seguimos em urgente e necessária luta. Porque os estigmas, estereótipos e representações sobre o feminino negro nos mais diversos espaços, sobretudo na mídia, se repetem, se atualizam e se recriam. Não só em termos de conteúdo, mas também de apresentação e articulação, encontrando ressonância, inclusive, entre os nossos parceiros de militância, como aconteceu recentemente com o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ).

O deputado Jean recebeu críticas de quem luta contra a estereotipação do corpo da mulher negra. O parlamentar concordou com a representação cultural que continua a colocar os corpos femininos negros num lugar de hiperssexualização e subalternidade. Ignorou as denúncias de diversas organizações de mulheres negras em relação ao programa “Sexo e as Negas”, ao defender a produção que contribui para reforçar os estereótipos e lugares de subalternidade que nos inferiorizam e nos afastam do que é intelectual e pensante.

Justamente por considerar o deputado Jean um parceiro, pois é um dos poucos que enfrenta o conservadorismo no Congresso Nacional, que é preciso cobrar a coerência e imediata retratação. De forma solidária, mas também incisiva, porque a população negra, as mulheres negras já foram silenciadas e violentadas demais. Queremos inclusão e visibilidade, mas não de forma subalterna ou estereotipada. Não mais, nunca mais. É preciso o respeito ao fato de que o protagonismo na luta e o poder de determinar o que nos agride ou não serão sempre nossos, do povo negro.

A hipersexualização das mulheres negras na mídia brasileira nos leva à discussão sobre a sub-representação, a invisibilidade e a representação distorcida da população negra em geral na mídia, que, por sua vez, nos leva a uma discussão também muito urgente: a revisão do marco regulatório das comunicações, a partir da ausência de pluralidade e diversidade na mídia, que esvazia a dimensão pública dos meios de comunicação.

Um novo marco regulatório que garanta o direito à comunicação a todos e todas, ampliando a liberdade de expressão, a diversidade e pluralidade na televisão na mídia, é urgente para que esse setor se torne um ambiente realmente democrático. Como propõe o Projeto de Lei Iniciativa Popular da Mídia Democrática (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação-FNDC, 2012), esta nova legislação deve “promover a pluralidade de ideias e opiniões; fomentar a cultura nacional, a diversidade regional, étnico-racial, de gênero, classe social, etária e de orientação sexual; garantir os direitos dos usuários”, entre outros princípios.

Nesse contexto de baixa representação e estigmatização da população negra brasileira, uma certeza permanece: o racismo se mantém no espaço midiático, atualizando-se, reinventando-se, e reaparecendo sob os mais diversos modos, estilos, contextos e títulos. Hoje, “O Sexo e as Nega”. Amanhã, o que será? Não sabemos. Sabemos apenas que não vamos mais permitir que nos calem ou nos violentem. Nunca mais. Seguimos em resistência e, se for preciso, lutaremos por vários anos, por mais alguns novembros.

Palmares vive. Não nos calaremos.

*Cecília Bizerra é jornalista, militante da Irmandade Pretas Candangas e integrante do Coletivo Intervozes. Com colaboração de Daniela Luciana, jornalista e militante da Irmandade Pretas Candangas.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

“Esperamos que o governo avance um novo marco regulatório para as comunicações”

Para muitos, é tão óbvio quanto angustiante: a mídia empresarial brasileira é dominada por monopólios consolidados na época da ditadura militar e não representa qualquer esboço de democratização das comunicações. Apesar das mídias ditas alternativas, a diversidade de opinião nos grandes meios de comunicação é inferior à dos anos 50 do século passado. Além disso, a falta de vez e voz das maiorias é dramatizada por um vazio jurídico pouco conhecido do público. Isso sim, devidamente censurado do noticiário.

“Enquanto a imensa maioria do espectro radiofônico é controlada por grupos empresariais que visam o lucro, ao contrário de vários países, o Brasil não tem um forte sistema público de comunicação. As emissoras comunitárias carecem de apoio estrutural e financiamento, quando não são altamente criminalizadas. O acesso à internet no Brasil ainda é excludente para metade da população. Portanto, vivemos um quadro em que o exercício da liberdade de expressão é praticado por quem detém o controle da propriedade dos meios, e não pela sociedade em geral”, resumiu a jornalista Bia Barbosa em entrevista ao Correio da Cidadania.

Na entrevista, a jornalista se vale da postura de diversos veículos nas eleições, de modo a deixar claro que tais grupos de mídia têm imensos interesses políticos e econômicos refletidos em seus conteúdos. “Acredito que os meios de comunicação ‘têm lado’ na disputa de um projeto de país. Tal lado, em períodos eleitorais, fica muito mais claro. O aspecto positivo é que, felizmente, uma parcela crescente da sociedade começa a se dar conta disso. Nesse caso, nem se trata de julgar se são conteúdos verdadeiros ou mentirosos.”

Bia Barbosa comenta ainda diversos pontos a serem contemplados por um Projeto de Lei da Mídia Democrática, desenvolvido pelos diversos grupos que compõem o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e que visa, antes de tudo, regulamentar artigos constitucionais até hoje hibernados. No entanto, “não tenho perspectiva, e creio que essa seja a leitura mais comum do movimento pela democratização da mídia, de que haverá uma radical transformação no cenário no segundo governo Dilma”, pontuou Bia Barbosa.

Como analisa o atual cenário das comunicações no Brasil, especialmente no que diz respeito à sua propriedade, aos conceitos de liberdade de imprensa e expressão e à regulamentação da mesma?

Bia Barbosa – O cenário brasileiro das comunicações pode ser bem caracterizado pela grande concentração da propriedade. Enquanto a imensa maioria do espectro radiofônico (rádios e TVs) é controlada por grupos empresariais que visam o lucro, ao contrário de vários países, o Brasil não tem um forte sistema público de comunicação. As emissoras comunitárias carecem de apoio estrutural e financiamento, quando não são altamente criminalizadas. O acesso à internet no Brasil ainda é excludente para metade da população, que não pode ser considerada usuária da rede mundial de computadores.

Portanto, vivemos um quadro em que o exercício da liberdade de expressão é praticado por quem detém o controle da propriedade dos meios, e não pela sociedade em geral. Esse desafio nos coloca uma demanda muito grande de mobilização pra enfrentarmos a conjuntura e transformar o cenário midiático brasileiro.

Sabemos do enorme poder político e econômico das empresas de comunicação. Enfrentá-lo, para garantir que o poder público tenha vontade política de democratizar a voz e a liberdade de expressão, é algo que requer uma organização e mobilização muito grandes da sociedade civil. E é nesse sentido que temos trabalhado. O Intervozes é só um dos grupos que faz a luta, ao lado do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e centenas de outras entidades que têm essa luta como prioritária.

Qual a sua opinião quanto ao comportamento da mídia nos últimos anos, especialmente nas gestões petistas e no mandato de Dilma Rousseff, no que se refere a este contexto analisado?

B.B. – Acredito que os meios de comunicação “têm lado” na disputa de um projeto de país. Isso tem ficado cada vez mais claro ao menos em uma parcela da chamada grande mídia. Tal lado, em períodos eleitorais, fica muito mais claro. Vimos o comportamento dos grandes veículos no processo eleitoral, principalmente no segundo turno das eleições, mas é algo que se manifesta cotidianamente. Não só na eleição, mas nos grandes temas que envolvem o futuro da nação e os direitos da cidadania em geral.

O aspecto positivo é que, felizmente, uma parcela crescente da sociedade começa a se dar conta disso. E a entender que o conteúdo veiculado em tais meios é feito a partir de opções político-ideológicas deles mesmos. Nesse caso, nem se trata de julgar se são conteúdos verdadeiros ou mentirosos. Mas o simples fato de a população conseguir entender que há opções claras por trás das escolhas editorais, com defesas ou críticas a projetos, já faz com que telespectadores, ouvintes e leitores tenham uma postura mais crítica e autônoma em relação ao que tais veículos publicam, sem achar que ali constam verdades absolutas e inquestionáveis.

É claro que ainda temos desafios muito grandes. A televisão, em especial, tem um poder muito grande na formação da opinião pública nacional, mas avançamos cada vez mais no sentido da compreensão das pessoas sobre o papel dos meios de comunicação, entendendo suas escolhas e linhas editoriais, o que permite uma leitura mais crítica desses veículos.

Acredita que o novo mandato de Dilma possa avançar um processo de radical democratização da mídia, é possível ter otimismo quanto a isso?

B.B. – Temos de ser otimistas, senão desistimos de lutar. Mas não tenho perspectiva, e creio que essa seja a leitura mais comum do movimento pela democratização da mídia, de que haverá uma radical transformação no cenário. Saudamos a presidente Dilma quando diz que pretende abrir debate com a sociedade sobre a necessidade de fazer a regulação dos meios de comunicação.

É importante para desmistificar a ideia de que qualquer regulação é censura, como propagandeiam diariamente os meios de comunicação, que não querem, justamente, a democratização do setor. Com isso, colocam na cabeça das pessoas que a regulação poderia cercear a liberdade de expressão no país, o que não é verdade.

Assim, temos expectativa de que as declarações da presidente, tanto no segundo turno como nas entrevistas após o resultado eleitoral (ao dizer que o setor das comunicações, assim como outros, a exemplo da economia, precisa ser regulado, a fim de enfrentar a concentração da propriedade, quebrar monopólios, garantir uma diversidade maior de vozes no espaço midiático), se tornem ações concretas. E que, de fato, seja aberto o debate com a sociedade sobre a necessidade de um novo marco regulatório para as comunicações.

Do nosso ponto de vista, dos movimentos sociais, cobraremos que tal agenda seja realmente implementada. O que não pode continuar acontecendo é, depois de 12 anos de governo de esquerda no país, o debate seguir interditado. Não temos expectativa de que a questão, delicada e polêmica, se resolverá em quatro anos. Mas pelo menos o debate tem de ser aberto.

Quais medidas seriam, em sua opinião, essenciais a caminho dessa democratização? Como, por exemplo, a ideia de propriedade pública entra nesse contexto?

B.B. – O movimento social tem um conjunto de demandas já construído, a partir das resoluções da primeira Conferência Nacional das Comunicações, em 2009, que foram sistematizadas em torno de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, o Projeto da Mídia Democrática. Esse projeto, para o qual coletamos assinaturas em todo o país, prevê, em primeiro lugar, a regulamentação dos artigos da Constituição Federal que tratam da comunicação, desde o que proíbe o monopólio até os que preveem a garantia do direito de resposta, o incentivo à produção independente e regional, a complementaridade entre os sistemas públicos, privados e estatais. Todos esses artigos carecem de leis específicas, o que faz com que sigam valendo como princípios constitucionais, mas não sejam implementados na prática.

Nosso Projeto de Lei da Mídia Democrática também avança em outras questões, como a importância de garantir a diversidade da representação étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de respeito às pessoas com deficiência nos meios de massa etc. Defende mecanismos de proteção aos direitos das crianças e adolescentes na mídia, fala da importância de políticas públicas que incentivem a radiodifusão comunitária…

Enfim, trata-se de um conjunto de propostas que convidamos todos a conhecer. Também está no site Para Expressar a Liberdade, que sintetiza uma série de questões fundamentais de garantia do direito à comunicação no Brasil.

Finalmente, o que pode nos contar do seminário promovido pelo Fórum Nacional de Democratização das Comunicações e as atividades que se seguirão na Câmara dos Deputados?

B.B. – O seminário realizado pelo FNDC foi preparatório para o Fórum Brasil de Comunicação Pública, que ocorreu na Câmara e reuniu diferentes atores do campo público. Emissoras de rádio e TV, legislativas, públicas, comunitárias, universitárias e educativas, têm uma série de desafios a enfrentar para a consolidação do campo público da comunicação brasileira.

Nos últimos anos, tais entidades estavam desarticuladas, sem espaço de diálogo para construir estratégias comuns de ação. E como sabemos que o campo privado e comercial é muito forte e organizado, a garantia de espaço para o campo público requer muita articulação e mobilização. O que tentamos construir no Fórum é justamente isso, para pensarmos estratégias comuns. Foram mais de 300 pessoas participando e pode-se encontrar tudo no site e no canal de TV da Câmara.

Entrevista concedida a Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, publicada no Correio da Cidadania – www.correiocidadania.com.br

Liberdade de expressão: questão de vida ou morte

Por Thiago Firbida e Júlia Lima*

A existência da internet, de jornais de oposição e das cada vez mais frequentes manifestações de rua mostram que o direito à liberdade de expressão no Brasil passou a ser mais respeitado hoje se comparado a décadas atrás, quando da vigência da ditadura civil-militar e sua censura prévia. No entanto, para que este direito seja realmente efetivado no país há ainda um longo e sinuoso caminho a ser percorrido.

Seria isso o que diria, se estivesse viva, Fátima Benites, ex-membro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bela Vista, no Mato Grosso do Sul. Por anos, Fátima se empenhou em denunciar e combater atividades ilegais extrativistas na região, até ser morta por um pistoleiro no dia 21 de março de 2013.

O mesmo fim trágico teve o pescador Luiz Telles João Penetra, de Magé, no Rio de Janeiro, e ex-membro da Associação de Homens e Mulheres do Mar (Ahomar). Notório ativista da pesca artesanal, Luiz se destacou pelas denúncias que fazia dos impactos ambientais, na Baía da Guanabara, causados pelo complexo petroquímico existente no local. No dia 23 de junho de 2012, ele e seu colega de associação, Almir Nogueira de Amorim, foram encontrados mortos com os pés e mãos amarrados, poucos dias depois de terem participado da Cúpula dos Povos, realizada paralelamente à Rio+20.

Já Ângelo Rigon, morador da paranaense Maringá, teve mais sorte. Ele escapou com vida de um atentado que alvejou sua casa com cinco tiros, no dia 11 de agosto de 2013. Blogueiro bastante reconhecido na cidade, Ângelo fez diversas denúncias, por meio de seu blog, sobre irregularidades envolvendo a gestão pública e o empresariado locais.

Os três casos citados são apenas a ponta do iceberg de violações contra a liberdade de expressão que jornalistas, blogueiros, radialistas, ambientalistas, lideranças comunitárias e ativistas de direitos humanos enfrentam diuturnamente, no Brasil, quando se incumbem da tarefa de fiscalizar o poder e denunciar injustiças. Essas violações variam de gravidade: são ameaças de morte, sequestros, agressões físicas, verbais, tentativas de assassinato e, nos casos mais extremos, homicídios.

Foi com a intenção de sistematizar esses casos e fornecer ferramentas para inibir-los que a Artigo 19 lançou no último fim de semana o portal Violações à Liberdade de Expressão.

Quem acessá-lo encontrará uma vasta gama de conteúdo relacionado às violações cometidas contra a liberdade de expressão de defensores de direitos humanos (ambientalistas, sindicalistas, entre outros) e comunicadores (jornalistas, blogueiros, fotógrafos, radialistas, entre outros).

O portal traz notícias, análises, gráficos e até um mapa com a localização geográfica de defensores e comunicadores, bem como detalhes de cada caso de violação registrado pelo monitoramento da Artigo 19. O objetivo, com isso, é o de gerar o máximo de informações possível e possibilitar uma melhor compreensão do fenômeno no país.

Já na perspectiva da prevenção e da autoproteção, estão disponibilizados guias, vídeos e dicas sobre como agir em diferentes contextos que possam gerar vulnerabilidade – de cobertura política, passando por processos judiciais a protestos de ruas, entre vários outros.

O portal também aponta legislações e mecanismos oficiais, a nível nacional e internacional, que determinam como o Estado deve agir para proteger o exercício da liberdade de expressão. Afinal de contas, é dever do Estado não só proteger os direitos humanos, mas também não violá-los ele próprio, além de punir aqueles que violam.

Outro recurso para o qual o usuário poderá usufruir é um fórum, estabelecido dentro de uma conexão segura, que visa a servir de espaço para a constituição de uma rede entre vítimas de violações e organizações da sociedade civil que atuam na área. A premissa é a de que a articulação entre esses atores pode contribuir para a autoproteção.

Para nós, da Artigo 19, o terreno fértil para as violações à liberdade de expressão que hoje é o Brasil só poderá ser enfrentado por meio de políticas públicas que ajam nas frentes de prevenção e do combate à impunidade. Por sua vez, para que essas políticas sejam eficazes, é necessário que se preencha três requisitos.

O primeiro deles é reconhecer que as violações contra a liberdade de expressão de comunicadores e defensores de direitos humanos possuem natureza própria e não são meros reflexos do contexto maior da violência no país, como ainda querem crer certos setores.

O segundo requisito é a identificação dos elementos comuns que se inserem no contexto em que ocorrem essas violações, de forma que sirvam de norte para os esforços em atacá-las.

Por fim, deve-se ainda obter das autoridades um compromisso público e efetivo em investigar e responsabilizar os perpetradores por trás das violações, de modo a combater seriamente a cultura de impunidade que serve de base para que elas se perpetuem indefinidamente.

A luta pela liberdade de expressão no Brasil e no mundo precisa avançar. Entender quais são as ameaças e quem estão por trás delas, nos diferentes cenários em que elas podem acontecer, pode ser um importante passo para o devido reconhecimento e enfrentamento que essa questão realmente necessita. O portal “Violações à Liberdade de Expressão” busca contribuir para isso.

* Thiago Firbida e Júlia Lima são os oficiais do Programa de Proteção da Liberdade de Expressão, da ARTIGO 19

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Reportagem preconceituosa e anti-indígena concorre a Prêmio Esso

Por Luana Luizy*

Após publicar série de reportagens discriminatórias contra os Guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC), a reportagem “Terra Contestada”, do jornal Diário Catarinense, pertencente ao grupo Rede Brasil de Comunicação (RBS), filial da Rede Globo no estado, foi indicada a concorrer ao 59.° Prêmio Esso de Jornalismo, considerado o principal da área no Brasil. O anúncio dos vencedores será nesta quarta-feira (12).

Em um especial dividido em cinco partes, os jornalistas afirmam que os indígenas Guarani são responsáveis pelo atraso nas obras de duplicação da BR-101 – rodovia que corta o território – e alegam que a não duplicação da BR gera atrasos e impactos na economia.

A abordagem é criticada pelos indígenas, que oficiaram o Ministério Público Federal para que fosse garantido direito de resposta. Até o momento, contudo, o MPF não se manifestou. “Não somos contra a duplicação, mas queremos entender como isso vai acontecer, pois a terra indígena é nossa casa”, apontou durante visita a Brasília, a cacique de Morro dos Cavalos, Eunice Guarani.

Com argumentos criticados por entidades indigenistas, os jornalistas constroem um discurso preconceituoso e discriminatório ao apontarem que a luta pela demarcação do território Guarani é conduzida por “agentes externos”, desconsiderando, assim, o protagonismo das populações tradicionais na luta pelo reconhecimento de sua terra.

Estes, inclusive, nem sequer foram ouvidos, embora na comunidade vivam caciques, anciões e professores. A reportagem usa como fonte o antropólogo Edward Luz, banido da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), principal instituição científica do País na área. Também relata a versão do Guarani Milton Moreira, que não mora no território. Os argumentos apresentados por ele também são desmentidos pelos moradores da região.

O desserviço ao jornalismo e à população também é visível quando se desconsideram os verdadeiros interesses econômicos de especuladores interessados na Terra Indígena Morro dos Cavalos, território que ainda hoje aguarda pela homologação pela presidência da República.

Não é de hoje que a campanha anti-indígena vem sendo colocada em prática pelo jornal contra o povo Guarani. O jornal criminaliza a luta indígena quando culpa os indígenas por mortes ocorridas na BR-101. Além disso, publica inverdades também ao afirmar que os Guarani não habitam tradicionalmente o Morro dos Cavalos e que o Tribunal de Contas da União (TCU) teria manifestado que a área não é tradicional. Não obstante, a ocupação da TI Morro dos Cavalos está amplamente demonstrada no procedimento administrativo de demarcação por meio de documentos históricos, mapas, livros e pela ampla memória oral.

A exclusão da visão dos indígenas e organizações indigenistas de reportagens que trazem apenas as visões dos grupos que se opõem aos direitos dos povos originários configura-se como um desrespeito ao direito à comunicação e informação. Estes deveriam ser pilares da democracia, mas tornam-se instrumentos de violações a partir do momento em que as empresas jornalísticas adotam uma postura parcial, desinformam e confundem o leitor que não tem familiaridade com o assunto e que acaba formando a sua opinião por meio das informações que chegam até ele, especialmente pelos meios de comunicação.

Assumir a comunicação como direito humano significa reconhecer o direito de todas as pessoas de ter voz e de se expressar, princípio ético que a reportagem viola ao não escutar os indígenas da TI Morro dos Cavalos. E para evitar que uma violação seja consagrada como exemplo de bom jornalismo, entidades que pedem a homologação da terra gritam “Esso não! Sou contra premiarem reportagens anti-indígenas!” e convidam todos e todas a se manifestarem, enviando e-mail para rp.consultoria@rpconsult.com.br.

*Luana Luizy é jornalista do Conselho Indigenista Missionário.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Democratização da comunicação: muito além do debate eleitoral

Por Eduardo Amorim*

O debate pós-eleitoral incorpora um tema novo, antes discutido aprofundadamente apenas em grupos restritos. A agenda da democratização da comunicação não é nova. É fundamental para a política, economia, cultura e a vida nas cidades brasileiras.

O grito ouvido durante o discurso de posse da presidente Dilma Rousseff: “O povo não é bobo. Abaixo a Rede Globo!”. A fala da candidata Luciana Genro no início do debate final do primeiro turno. O questionamento à cobertura no caso da Escola Base. E tudo que ocorreu após a criticada edição do debate entre Collor e Lula em 1989 são apenas as exceções que comprovam a regra. O tema é mais uma vítima do silenciamento promovido pelas principais empresas de comunicação do Brasil.

Por isso, passadas as eleições, é hora de fazermos uma reflexão que vá além das disputas partidárias para entender onde podemos chegar, ou para que caminhos essa discussão pode nos levar, diante do contexto de um Congresso Nacional com forte representação conservadora e uma quarta gestão petista no Palácio do Planalto. Para iniciar, uma provocação: você se lembra de um tema que sofreu censura na sua cidade em 2014? A verdade é que o silenciamento acontece diariamente, apesar da maioria não ficar sabendo. Na crítica cultural, no jornalismo esportivo, na economia, nas páginas de política e também em relação aos direitos urbanos.

No Recife, cito de cara o fato de um estudante da UFPE ter sido atingido com um golpe de estrovenga na cabeça por um funcionário público durante uma operação de higienização da cidade antes da Copa do Mundo.Um absurdo filmado, fotografado, mas que não mereceu nenhuma linha nos jornais pernambucanos. Por sinal, nem os mais criticados programas policiais da TV se referiram à violência. E pouco se ouviu falar até mesmo do movimento em que o jovem estava envolvido nas rádios pernambucanos, apesar do #OcupeEstelita ter sido talvez o mais forte movimento de resistência urbana durante o período do Mundial 2014 no Brasil.

A recente chacina em Belém é um exemplo que merece bastante atenção. A situação, para um jornalista com experiência em redações, parece ser um absurdo que mereceria estar naqueles históricos plantões de horas ao vivo na televisão, nas manchetes de jornais de todo o Brasil, ocupando espaço privilegiado nos portais e também nos debates de rádio. Ao contrário, se vê uma pequena cobertura, quase que pedindo desculpa por divulgar uma violência extrema, que aparentemente foi articulada via redes sociais para se vingar pela morte de um policial. O fato do número de mortes ainda não ter sido confirmado (terão sido nove ou mais vítimas?) só reforça a importância de uma cobertura corajosa.

Após o resultado eleitoral, o auditório que assistia à fala de posse da presidente Dilma Rousseff era formado basicamente por partidários da candidata vitoriosa, jornalistas e integrantes de movimentos sociais e partidos associados ao PT. Revoltados com as denúncias sem provas feitas pela revista Veja, às vésperas das eleições mais disputadas da nossa recente democracia, e a repercussão que deu a principal emissora de TV do Brasil, especialmente no sábado à noite, milhões ouviram o grito contra a Globo.

Mas, sinceramente voltarmos a falar como se fosse só a família Marinho o problema é reduzir demais um debate complexo. Como também é muito pouco pensar nessa questão apenas a partir do exemplo das eleições. Temos que ter noção de que os interesses financeiros por trás dos grupos de comunicação influenciam em todos os momentos, da vida esportiva à cultura de uma cidade, passando também pelo campo e os pequenos municípios, onde muitas vezes o domínio dos poucos veículos é ainda mais grosseiro.

Para aqueles que estão começando a olhar para esse jogo agora, é preciso deixar claro que a eleição é apenas um exemplo de como os grupos empresariais que controlam os grandes veículos de comunicação no Brasil pautam a nossa sociedade de acordo com o interesse deles. E para vencer a batalha para conseguir a democratização do setor, é preciso unir forças que representam diversas matizes sociais.

É preciso entender que o principal atingido pela manipulação da mídia não é o Governo Federal, ou qualquer outro gestor público, mas sim a população em geral. Refém de veículos de comunicação que têm nos anúncios sua principal fonte de renda, essas populações veem suas demandas muitas vezes silenciadas.

Por isso, a pauta da democratização da comunicação é das ruas. Muito antes de qualquer resultado eleitoral, é dos movimentos que fizeram recentemente a Semana pela Democratização da Comunicação e que lutam para construir o FNDC. Mas é também dos ativistas da internet e das rádios comunitárias, é dos artistas e comunicadores que ainda buscam espaço para desenvolverem seus trabalhos, mas é preciso que toda a sociedade assuma a importância desse tema.

Os questionamentos surgidos durante as eleições –  e que foram pauta também do ‘I Encontro dos Atingidos – Quem perde com os megaeventos e megaempreendimentos?’ – são uma importante oportunidade para reunir pessoas que acreditam na necessidade de lutar pelo direito à comunicação. Toda a movimentação relacionada à demanda pela reforma política também deve casar a democratização da comunicação.

É preciso ter foco e, ao mesmo tempo sonhar, pois podemos ter na comunicação uma ferramenta essencial para fazer um país mais justo.

*Eduardo Amorim é integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.