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Aprovada em Comissão a MP que altera estrutura da EBC

A Comissão Mista formada para analisar a Medida Provisória (MP) 744/2016, que altera a estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), aprovou nesta quinta-feira, 8, o parecer do relator, senador Lasier Martins (PDT-RS). Com isso, estão mantidas as modificações propostas na MP, entre elas a transformação do antigo Conselho Curador da empresa em um Comitê Editorial, com menor capacidade de decisão e menor representação, voltado especificamente para as questões de programação.

A extinção do Conselho Curador foi duramente criticada por entidades, profissionais e pesquisadores que defendem a importância da comunicação pública para uma sociedade democrática, e também por funcionários da empresa. Entre as justificativas para a MP 744, editada em 2 de setembro, o governo de Michel Temer afirmava que o Conselho Curador “estava partidarizado, o que atrapalhava sua atuação de forma isenta”. Entretanto, as audiências públicas realizadas pela Comissão Mista para debater a Medida Provisória mostraram que o processo de escolha dos integrantes do conselho não passava por interferências do Executivo. Aliás, pelo contrário: são as alterações impostas por Temer na MP 744 que diminuem o caráter público e a autonomia da EBC, deixando a empresa à mercê dos interesses do governo de turno.

Como tentativa de obter consenso para a questão, o senador Lasier Martins propôs em seu relatório a substituição do Conselho Curador por um Comitê Editorial. Também propôs a diminuição do número de integrantes de 22 para 11 nesta remodelação, além de limitar as atribuições do comitê à observação da linha editorial da EBC e de restringir a sua composição a pessoas de “notório saber” na área da comunicação. Antes, na composição do Conselho Curador, estava prevista a atuação de profissionais de diversas áreas do saber, o que enriquecia as análises feitas no âmbito da instância e melhor representava a pluralidade e diversidade presentes na sociedade brasileira.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos

O senador Paulo Rocha (PT-PA), que participa da Comissão Mista da MP 744/2016, critica a restrição imposta à indicação dos membros do Comitê Editorial. Ele observa que esta limitação vai impor à instância uma atuação com o viés da comunicação e do conhecimento técnico, que também são importantes, mas que não levará em consideração a função social dos organismos e a representação da sociedade civil organizada, que são ainda mais relevantes para um órgão de tais características no âmbito de uma empresa pública de comunicação.

Rocha também trouxe para debate uma comunicação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), para a secretária de Direitos Humanos do governo Temer, Flávia Piovesan. O texto, assinado pelo relator especial para a Liberdade de Expressão na CIDH, Edison Lanza, questiona os motivos que levaram o governo de Michel Temer a deslocar a EBC da Secretaria de Comunicação Social para a Casa Civil. Sobre isso, o senador Paulo Rocha faz uma ressalva: “se a proposta é fortalecer a comunicação pública e torná-la independente, não faz sentido vincular [a EBC] à Casa Civil, que é um órgão de assessoramento direto da Presidência da República”.

O relator especial para a Liberdade de Expressão na CIDH também questiona o fato de a MP 744/2016 permitir que o governo de plantão mexa à vontade na diretoria da empresa, assim como os motivos para a extinção do Conselho Curador da empresa pública. Antes da edição da MP pelo governo Temer, a única estrutura que podia demitir o presidente da EBC era justamente o Conselho Curador. Essa prerrogativa garantia a independência da Empresa Brasil de Comunicação frente aos governos. Agora, com a MP 744, o ocupante do cargo de presidente da República pode alterar a direção da EBC a qualquer momento que lhe convier. “Reconhecendo-se que a liberdade de expressão exige necessariamente uma ampla pluralidade de informações, é essencial garantir que esses meios públicos sejam independentes do governo”, enfatiza Edison Lanza.

Gastos em publicidade aumentaram 1000%

Durante o debate, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) frisou que votaria favoravelmente ao parecer por “consideração ao relator”, mas ressaltou deveria ser pedido ao governo Michel Temer a total extinção da empresa pública. Na sua avaliação, a EBC é “onerosa e desnecessária num momento de crise financeira”. Vale lembrar que o orçamento da EBC não chega à metade do que o governo repassa às mídias privadas. Desde que Michel Temer passou a ocupar a Presidência da República, as empresas privadas de comunicação tiveram um aumento de quase 1000% nos recursos que recebem em publicidade do governo federal. Portanto, se o senador Ronaldo Caiado está de fato preocupado com os gastos públicos, deveria estar questionando Temer sobre os valores que a União repassa às emissoras privadas de televisão e rádio e às mídias impressas.

A deputada Angela Albino (PCdoB-SC) rebateu a posição de Caiado e criticou a ausência de vários parlamentares nos debates realizados previamente à leitura do relatório na Comissão Mista. “Vamos ouvindo as falas e vão ficando claras duas diferenciações. A primeira é quem tem vocação para a convivência democrática e os que não têm. E a segunda é quem acompanhou o desenvolvimento dessa comissão e quem não acompanhou. Cada um discursa para a sua plateia, mas em momento nenhum aqui nós discutimos a eliminação de empregos [com uma eventual extinção da EBC]”, rebateu a deputada, fazendo referência ao fato do senador Caiado não ter participado de nenhuma outra sessão da comissão, muito menos dos debates realizados.

O deputado Chico D’Angelo (PT-RJ) questionou as verdadeiras intenções da MP 744/2016, lembrando que só a mudança na forma de escolha da presidência da empresa já demarca a intenção de torná-la estatal, retirando seu caráter público e eliminando sua autonomia em relação ao governo. D’Angelo reprovou a atitude do atual diretor-presidente da EBC, Laerte Rimolli, ao demitir arbitrariamente a jornalista Leda Nagle, apresentadora do programa Sem Censura há 20 anos. “Se estamos falando em uma empresa pública de qualidade e que tenha apelo de audiência, qual a motivação para demitir uma jornalista que atuava num dos programas mais assistidos da grade da EBC?”, perguntou ele.

Como fica a estrutura da EBC com a Medida Provisória

De acordo com o parecer aprovado na Comissão Mista da MP 744/2016, o presidente da EBC cumprirá mandato de até quatro anos, sem recondução. Será nomeado pelo presidente da República, após aprovação em sabatina no Senado Federal, mas tanto ele quanto os demais diretores-executivos poderão ser indicados e exonerados a qualquer momento pela Presidência da República. A composição da Diretoria-Executiva passará dos atuais oito integrantes para seis, todos também de livre nomeação e exoneração pelo presidente da República.

O Conselho de Administração agregará novos membros: os representantes dos Ministérios da Educação e da Cultura, além de um representante dos empregados da empresa. Eles se somam aos representantes dos Ministérios da Ciência e Tecnologia, do Planejamento e da Casa Civil. Já o Comitê Editorial e de Programação terá a função de assegurar que a programação proposta pela diretoria da EBC cumpra os princípios e os objetivos da comunicação pública. O comitê será composto por 11 membros, todos designados pelo presidente da República a partir de uma lista tríplice.

O Comitê Editorial e de Programação terá um representante de cada um dos seguintes segmentos, o qual deverá ter “notório saber” em comunicação:

– emissoras públicas de rádio e televisão;

– cursos superiores de Comunicação Social;

– setor audiovisual independente;

– veículos legislativos de comunicação;

– comunidade cultural;

– comunidade científica e tecnológica;

– entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes;

– entidades de defesa dos direitos humanos e das minorias;

– entidades da sociedade civil de defesa do direito à Comunicação;

– cursos superiores de Educação e;

– empregados da EBC.

Vedadas indicações de partidos e entidades religiosas

Será vedada a participação em consulta pública, para a formação do Comitê Editorial e de Programação, de indicações oriundas de partidos políticos, instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais ou confessionais, atendendo proposta da deputada Ângela Albino. O mandato dos integrantes do comitê terá duração de dois anos, sem possibilidade de recondução.

O senador Lasier Martins manteve em seu relatório a proposta de que o Comitê Editorial estude a formulação de mecanismo de aferição e tipificação permanentes da audiência da EBC, mas com indicadores e métricas que considerem a natureza e os objetivos da radiodifusão pública, as peculiaridades da recepção dos sinais e as diferenças regionais. Caso a Diretoria-Executiva da empresa não considere as determinações do comitê para este e outros temas, a instância deverá acionar a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado Federal, a quem caberá as providências cabíveis.

O parecer passará a tramitar agora como projeto de lei de conversão (PLV) 35/2016 e seguirá para o plenário da Câmara dos Deputados, onde deve ser votado até o próximo dia 13, e depois para o plenário do Senado. A previsão é de que a votação da MP 744 seja concluída definitivamente no retorno dos trabalhos legislativos, após os recessos de final de ano. A intenção do governo é votar a medida provisória no Senado entre os dias 7 e 8 de fevereiro, já que a mesma expira no dia 10 de fevereiro. Caso a MP não seja aprovada pelo Congresso Nacional até lá, volta a valer a legislação anterior.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Relatório substitui Conselho Curador da EBC por um Comitê Editorial

Parecer reforça a concessão de poder total ao ocupante da Presidência da República para indicação e exoneração do diretor-presidente da empresa

Foi apresentado nesta terça-feira, dia 6, na Comissão Mista do Congresso Nacional, o relatório elaborado pelo senador Lasier Martins (PDT/RS) que analisa a Medida Provisória (MP) 744/2016 – a MP altera a Lei da EBC (Lei 11.652/2011). Uma questão destacada no parecer é a criação de um Comitê Editorial e de Programação em substituição ao Conselho Curador, extinto pela MP 744. O Conselho Curador contava com representantes da sociedade civil e do governo.

Para o relator, o comitê vai resolver uma questão colocada durante as audiências realizadas para debater as mudanças na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que é a participação da sociedade nas decisões da empresa. Porém, o relatório diminui o número de integrantes das respectivas instâncias de 22 (Conselho Curador) para 11 (Comitê Editorial), além de limitar as atribuições da última exclusivamente à definição da linha editorial da EBC. “A principal diferença entre as duas instâncias é que a nova não terá nenhuma função administrativa no organograma da empresa, como o poder de destituir o diretor-presidente, prerrogativa que estava à disposição do ConselhoCurador”, reconhece o próprio Lasier Martins.

O relatório indica que as decisões do Comitê Editorial têm caráter consultivo e deliberativo, devendo ser seguidas pela diretoria-executiva da empresa. Em caso de descumprimento, o comitê acionaria a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal, que intercederia junto à direção da EBC.

Um segundo ponto destacado no relatório diz respeito diretamente ao cargo de diretor-executivo da EBC. Na proposta de Lasier Martins, o diretor-presidente precisará passar por uma sabatina e pela aprovação do Senado, ainda que a sua nomeação e demissão sejam determinadas a qualquer momento pela Presidência da República. Sendo assim, o relatório do senador mantém um dos principais problemas responsáveis pela descaracterização da empresa pública trazidos na MP 744, que é o fim da estabilidade no mandato do presidente da empresa.

Controle social e gestão pública

Ainda justificando seu parecer, o senador traz dois argumentos principais para a criação do Comitê Editorial e de Programação. O primeiro é que “parece não haver divergência a respeito de que um de seus principais requisitos mínimos é possuir algum mecanismo de controle social, com a participação da sociedade”.

O segundo argumento, conforme sua fala, é de ordem financeira. Caso não seja previsto qualquer mecanismo que caracterize a EBC como gestora de comunicação pública e com participação social, isso poderia significar a extinção, por perda de objeto, da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), devida pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, nos termos da Lei nº 11.652, de 2008. Lasier Martins reforça essa questão no relatório, destacando que, “se [a EBC] não for uma empresa de caráter público, as teles não teriam razão para recolher a CFRP, que em 2015 totalizou mais de R$ 300 milhões”. A CRFP seria a principal fonte orçamentária da EBC, mas esse recurso encontra-se bloqueado hoje por uma disputa judicial.

Críticas à inconsistência do relatório

O presidente da Comissão Mista do Congresso Nacional, deputado Ságuas Moraes (PT-MT), criticou o relatório final dos trabalhos realizados pelo colegiado. Para ele, até mesmo propostas que poderiam trazer algum avanço acabam sendo anuladas por outras que retiram sua eficácia. “O relator criou, por exemplo, a figura do Comitê Editorial e de Programação para orientar a produção de conteúdo. Poderia até funcionar, mas ele determina que essa instância deva ser composta apenas por pessoas oriundas da mídia, prejudicando a voz da sociedade. Outro ponto interessante, que é a sabatina do diretor-presidente da EBC pelo Senado, acaba se perdendo quando é criada a possiblidade do presidente da República demitir sumariamente o dirigente máximo da EBC a seu bel prazer”, afirma.

Medição de audiência

Uma outra questão controversa foi a proposta do relator sobre os “métodos para elevar os índices de audiência da EBC”. O senador Lasier Martins recomenda no parecer que a empresa pública contrate regularmente pesquisas para auferir a audiência, como forma de orientar a produção de conteúdo, ignorando a contribuição da sociedade civil, em audiência pública realizada no dia 29 de novembro, em que foram feitas várias intervenções dos participantes no sentido de afirmar que a preocupação da comunicação pública deve estar na divulgação da diversidade e pluralidade brasileiras, e menos na questão de “medições de audiências”. Isso porque tais medições quantitativas foram criadas com fins mercadológicos, não tendo a complexidade necessária para avaliar os resultados da comunicação pública, conforme seus objetivos específicos.

“As funções básicas da comunicação pública são construção de cidadania, utilidade pública, interesse público, sustentar a cidadania, promover a educação, estimular a criatividade e excelência cultural, diminuir a concentração dos veículos – uma das funções muito importantes da comunicação pública também – e aumentar a pluralidade de vozes e opiniões na mídia, sem se prender à necessidade de uma medição de audiência que não representa a realidade e a totalidade da população brasileira”, enfatizou Renata Mielli, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), durante a audiência do dia 29 de novembro.

Pessoas de notório saber

Na verdade, o Comitê Editorial e de Programação aparece no relatório mais como uma forma de minimizar as fortes críticas feitas pela sociedade civil durante as audiências públicas realizadas pela comissão. Porém, ao restringir as indicações a “pessoas de notório saber em comunicação social”, tal comitê não cumpre o papel de garantir diversidade e pluralidade na tomada de decisões. Essa é uma diferença essencial em relação ao projeto da EBC desmontado pela MP 744/2016.

O extinto Conselho Curador tinha 15 representantes da sociedade civil que não estavam necessariamente vinculados ao setor da comunicação, porém que possuíam o conhecimento de telespectador do segmento que representava naquela instância. Com o Comitê Editorial, a representação da sociedade vai se limitar aos próprios profissionais da comunicação. Serão comunicadores falando com comunicadores em nome da sociedade, sem a participação de outros sujeitos de nossa composição social.

Atribuições do Comitê Editorial

O Comitê Editorial proposto pelo senador Lasier Martins tem entre suas atribuições:

* deliberar sobre os planos editoriais propostos pela Diretoria-Executiva para os veículos da EBC, na perspectiva da observância dos princípios da radiodifusão pública;

* deliberar sobre alterações na linha editorial da programação veiculada pela EBC;

* propor a ampliação de espaço, no âmbito da programação, para pautas sobre o papel e a importância da mídia pública no contexto brasileiro;

* convocar audiências e consultas públicas que oportunizem a ampla discussão sobre os conteúdos produzidos e que permitam qualificar o desempenho do serviço prestado;

* formular mecanismo que permita a aferição permanente sobre a tipificação da audiência da EBC, mediante a construção de indicadores e métricas consentâneos com a natureza e os objetivos da radiodifusão pública, considerando as peculiaridades da recepção dos sinais e as diferenças regionais.

Composição do Comitê Editorial

De acordo com o relatório, o Comitê Editorial e de Programação será composto por membros indicados por entidades representativas dos seguintes setores:

* um representante de emissoras públicas de rádio e televisão;

* um representante dos cursos superiores de Comunicação Social;

* um representante do setor audiovisual independente;

* um representante dos veículos legislativos de comunicação;

* um representante da comunidade cultural;

* um representante da comunidade científica e tecnológica;

* um representante de entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes;

* um representante de entidades de defesa dos direitos humanos e das minorias;

* um representante de entidades da sociedade civil de defesa do direito à Comunicação;

* um representante dos cursos superiores de Educação;

* um representante dos empregados da EBC.

Lido o relatório, foi concedida vista coletiva da matéria, com indicação de votação do parecer para esta quinta-feira, dia 8, às 9 horas.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Comissão aprova mudanças na Lei de Telecomunicações, mesmo com posição contrária do TCU

A Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN) aprovou nesta terça-feira, 6, alterações na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), a Lei 9.472/1997. O projeto com as modificações (PLC 79/2016), de autoria do deputado Daniel Vilela (PMDB-GO), permite a adaptação da modalidade de outorga de serviço de telecomunicações de concessão para autorização. Segundo Vilela, o projeto tem o “objetivo de estimular os investimentos em redes de suporte à banda larga, eliminar possíveis prejuízos à medida que se aproxima o término dos contratos e aumentar a segurança jurídica dos envolvidos no processo de prestação de serviços de telecomunicação”.

O projeto determina que os bens reversíveis da União ficarão agora em poder das empresas privadas de telefonia fixa, que, em “contrapartida”, deverão investir em redes de banda larga. Também cria a licença perpétua de frequência. A lei atual permite apenas uma prorrogação. A mesma alteração passa a valer para as autorizações, que têm hoje prazo de 20 anos, e para a exploração de satélites, que têm prazo atual de 15 anos. Com as alterações na lei, não há mais limite máximo de tempo. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) se limita a avaliar que o novo modelo “vai atrair investimentos em banda larga”. Isso está sujeito à discussão. O que não é discutível é que o projeto de lei apresentado por Vilela favorece as empresas do setor, e não os usuários. E que tais investimentos em benefício privado serão realizados com dinheiro público.

Em julho deste ano, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) já havia se posicionado a respeito do PLC 79/2016, que naquele momento ainda tramitava na Câmara dos Deputados como PL 3.453/2015. Conforme o Idec, no formato atual, por força do regime de concessão, o serviço de telefonia fixa é prestado em regime público e as concessionárias são obrigadas a seguir metas de universalização – que significa disponibilizar o serviço em todo o país –, a prestar o serviço de forma ininterrupta e a manter as tarifas dentro de critérios definidos pela Anatel. “Com o fim das outorgas, todas essas exigências podem acabar. O que resultaria em significativa perda de qualidade do serviço de telefonia fixa para o consumidor brasileiro”, destacava à época Rafael Zanatta, advogado pesquisador do Idec.

O estudo do Idec também aponta como grave consequência da mudança do regime de concessão para o de autorização o fato de empresas do setor poderem ficar com a infraestrutura instalada por elas para a prestação do serviço de telefonia fixa. Pela legislação atual, tais infraestruturas deveriam ser repassadas à União ao final do período de concessão, em 2025 – a chamada reversibilidade dos bens. Ocorre que as empresas já receberam, e continuam recebendo, uma série de incentivos fiscais para compensar os investimentos feitos. Do que resulta que o projeto de Vilela beneficia duplamente as empresas, que não recolheram os impostos devidos e que ficarão com a propriedade dos imóveis e benfeitorias pagos com recursos públicos (que deixaram de ingressar nos cofres do Estado devido aos incentivos fiscais).

TCU aponta prejuízos ao erário

Na semana anterior, o Tribunal de Contas da União (TCU) retirou o sigilo mantido até então sobre uma auditoria que estava analisando as propostas de mudança do modelo de telecomunicações, com o fim das concessões de telefonia fixa e migração para o serviço privado na forma de autorizações, e elencou uma série de riscos para a sociedade brasileira caso as mudanças propostas no PLC 79/2016 sejam aprovadas.

Entre os riscos mais graves, o TCU apontou: os danos ao erário, caso os cálculos entre o bônus e o ônus da migração do modelo do serviço não sejam refeitos; a judicialização (disputa judicial em torno das alterações propostas), e a consequente insegurança gerada no âmbito da prestação dos serviços; a possibilidade de surgimento de um mercado de revenda de frequências, a partir da perpetuação das mesmas à iniciativa privada. O tribunal indicou ainda a possibilidade de “comprometimento da efetiva inclusão digital”, e alertou a Anatel de que ela deveria mudar a fórmula de modelo do serviço prevista no projeto.

Causa estranheza o fato de a Anatel querer avaliar o fluxo de caixa da concessão dos serviços de telefonia fixa somente a partir da solicitação da migração até o fim efetivo do contrato de concessão, em 2025. Ou seja, a agência que tem por responsabilidade fiscalizar os serviços de telecomunicações optou por ignorar todo o período transcorrido entre a assinatura dos contratos e a data da migração do modelo dos respectivos serviços para a avaliação do fluxo de caixa. O relator do processo no TCU, ministro Bruno Dantas, questionou o fato: ”Se o argumento para revisar o modelo é a insustentabilidade das concessões, era de se esperar que a concessão fosse avaliada como um todo, desde o seu princípio, com todas as receitas, despesas e obrigações associadas.”

Pagamento pela exploração dos serviços

O relatório do ministro Bruno Dantas analisa as propostas formuladas tanto pela Anatel e pelo Poder Executivo quanto pelo anterior PL 3453/2015, e enumera os impactos que devem ser evitados no projeto a ser aprovado. Em relação específica ao cálculo, o TCU entende que, na forma como o assunto está expresso no atual projeto de lei, as concessionárias poderiam deixar de pagar pelo direito de exploração do serviço (hoje, elas pagam pelo este benefício a cada dois anos), provocando ainda mais prejuízos ao Tesouro Nacional.

Diz o relatório do TCU: “Eliminar a cobrança de direito de exploração do serviço, hoje prevista no § 1º do art. 99 da LGT, combinada com a possibilidade de sucessivas renovações, equivale, na prática, a dar a essas empresas um título perpétuo de R$ 2 bilhões anuais. Se aplicarmos uma taxa de 10% ao ano, isso implicaria um valor presente de R$ 20 bilhões em 2025, sem qualquer compensação ao Erário.”

Entre os principais pontos da alteração legal que podem resultar em disputas no Judiciário, o TCU argumenta que poderia ser considerado “ilegal o fato de não haver alguma concessão de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), vez ser exatamente essa a modalidade de serviço de interesse coletivo para a qual a União se compromete a assegurar a existência, universalização e continuidade”.

A partir de agora, caso não haja recursos que peçam sua análise em plenário, o projeto de lei seguirá de forma direta para a sanção presidencial.

Por Ramênia Vieira – repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações da Agência Senado e do Instituto Telecom

Temer tenta barrar ações contra concessões de políticos e tem pedido negado no STF

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber rejeitou o pedido de liminar de Michel Temer(PMDB) para a suspensão de processos que contestam as concessões de rádios e TVs em nome de senadores e deputados federais. O atual ocupante da Presidência da República havia acionado, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), o STF para tentar barrar os processos judiciais contra políticos, numa tentativa de favorecer um grupo de 40 parlamentares.

A decisão da ministra Rosa Weber foi divulgada na quarta-feira, 30, na página do STF na internet. O pedido de liminar da Presidência, elaborado pela AGU, fora encaminhado ao tribunal em 9 de novembro. Trata-se de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que pedia aos ministros que suspendessem e julgassem inconstitucionais decisões judiciais que contrariam os interesses dos deputados e senadores que possuem concessões públicas de rádio e TV, com o FALSO argumento de que tais decisões faziam “interpretações equivocadas da Constituição”.

A medida de Temer pretendia conter uma série de vitórias que as entidades dedicadas à democratização da comunicação estão obtendo nos estados, como por exemplo a decisão  por meio de liminar que determinou a interrupção, em agosto passado, das transmissões da Rádio Metropolitana Santista Ltda (1.240 MHz), de propriedade de Antônio Carlos Bulhões (PRB-SP), e o cancelamento de concessões de emissoras de rádio dos deputados federais Baleia Rossi (PMDB-SP) e Beto Mansur (PRB-SP). As decisões foram tomadas após ações do Ministério Público Federal. Ações similares contra parlamentares tramitam também em outros estados. A decisão de Rosa Weber garante a continuidade destes processos.

O tema já é objeto de duas ADPFs que se encontram em análise no Supremo, a 246 e a 379, ambas movidas pelo PSOL e sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. Estas arguições questionam as concessões dadas a políticos e contam com pareceres da Procuradoria-Geral da República.

Concessão a políticos é inconstitucional

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de canais de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Segundo Bráulio Araújo, advogado do PSol, a “jurisprudência vem avançando de forma sólida no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da participação de políticos titulares de mandato eletivo como sócios de empresas de radiodifusão.”

Araújo menciona em uma das petições que, em julgamento da Ação Penal 530, em novembro de 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) já afirmava que os artigos 54, inciso I, alínea “a”, e 54, II, “a”, da Constituição Federal, proíbem claramente que deputados e senadores sejam sócios de pessoas jurídicas com titularidade sobre concessão, permissão ou autorização de radiodifusão. Além disso, em julgamento de agravo de instrumento publicado em outubro deste ano, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) confirmou a liminar deferida pelo desembargador Johonsom di Salvo em março de 2016, suspendendo a execução dos serviços de radiodifusão prestados por empresas que possuem congressistas em seu quadro de sócios. Isso justamente em razão da violação ao artigo 54 da Constituição.

Por mais absurdo que isso seja, é justamente esse o artigo citado pelo atual governo na peça, assinada por Temer, pela advogada-geral da União, Grace Mendonça, e pela secretária-geral de Contencioso, Isadora Cartaxo de Arruda. Sustenta a Presidência que as decisões judiciais contrárias à concessão de rádios e TVs para políticos conferem “interpretação incorreta à regra de impedimento constante do artigo 54” da Constituição Federal e “ofendem os preceitos fundamentais da proteção da dignidade da pessoa, da livre iniciativa, da autonomia da vontade, da liberdade de associação e da liberdade de expressão”.

Para o PSOL e entidades como o Intervozes, Coletivo Brasil de Comunicação e Artigo 19, o artigo 54 é claro em impedir a concessão ou a renovação de concessões de rádio e TV a empresas que tenham deputados e senadores como sócios, independentemente da retórica usada pela Presidência em sua peça judicial em defesa dos parlamentares. Além disso, a ação de Temer ignora a primeira linha do artigo 55 da Constituição, que diz claramente: “Perderá o mandato o deputado ou senador que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior”, além de partir do princípio de que as liberdades individuais estão acima dos limites impostos pela lei, quando se sabe que não estão. Ou seja, quem afronta a Constituição é Temer e a AGU ao tentarem manter privilégios ilegais de parlamentares.

Ministra não vê divergência em decisões

Ao rejeitar o pedido de liminar, a ministra do STF Rosa Weber afirmou que não se faziam presentes na hipótese manifestada por Temer e AGU as circunstâncias excepcionais justificadoras da suspensão do andamento dos processos judiciais – o que era a pretensão dos autores. “As decisões judiciais trazidas aos autos juntamente com a exordial, a fim de demonstrar a alegada controvérsia constitucional, não evidenciam a existência de divergência interpretativa apta a ensejar uma suspensão geral dos processos”, ressaltou a ministra em sua decisão.

Influência indevida de políticos

Por sua vez, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em manifestação expressada em agosto deste ano, apoiou a iniciativa das ADPFs 246 e 379, considerando que a participação de parlamentares em empresas de radiodifusão “confere a políticos poder de influência indevida sobre importantes funções da imprensa, relativas à divulgação de informações ao eleitorado e à fiscalização de atos do poder público”.

Mérito da ação ainda será julgado

O mérito da questão ainda vai a julgamento no plenário do STF, sem data prevista no momento. Até lá, Rosa Weber terá de elaborar seu voto sobre a constitucionalidade ou não das concessões públicas que beneficiam parlamentares. Ao indeferir a liminar pedida por Temer, a ministra também pediu mais informações à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao Ministério das Comunicações, à própria AGU e à Procuradoria-Geral da República. Por outro lado, caberá a Gilmar Mendes apresentar voto a respeito das ADPFs 246 e 379.

De acordo com levantamento do Intervozes, 40 parlamentares, sendo 32 deputados federais e oito senadores, atuam como donos de concessões de emissoras de rádio e TV no país e podem ser beneficiados pela iniciativa de Temer. Entre eles, estão os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Agripino Maia (DEM-RN), Fernando Collor (PTC-AL) e Jader Barbalho (PMDB-PA) e os ministros José Sarney Filho (Meio Ambiente) e Ricardo Barros (Saúde) – os dois últimos são deputados federais licenciados. Alguns parlamentares alegam que não têm mais participações em empresas de radiodifusão, porém continuam aparecendo nos respectivos quadros societários.

“A situação chegou a esse ponto por omissão do Poder Executivo nas últimas décadas. Questionamos essa omissão sistematicamente. Nosso objetivo [no Ministério Público] era provocar a manifestação do Supremo. O governo tenta agora justificar a omissão com essa ADPF”, afirmou em entrevista para o UOL, na semana passada, o procurador da República Jefferson Aparecido Dias, que atua na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo e participa do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac). No entendimento de Dias, parlamentar que atua como dono de concessão não pode vender sua parte nem transferi-la a um familiar. Deve devolvê-la ao poder público.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

O mês da consciência negra e a representatividade na TV

Silêncio dos canais comerciais sobre tema ao longo de novembro reforça importância da comunicação pública para promoção da diversidade racial na mídia

Por Ana Claudia Mielke*

Recentemente fui convidada a participar de uma entrevista no programa VerTV, da TV Brasil, para falar do tema do arrendamento, isto é, a venda ilegal, de grades da programação de TV.

Respondi prontamente que falava do tema, mas indiquei um colega que também compõe o Intervozes, por achar que, na posição de advogado, ele estaria mais preparado para realizar este debate.

Ouvi a seguinte resposta do produtor: “mas nós queremos uma mulher, preferencialmente negra, participando do programa no estúdio”.

Fiquei surpresa, porém, bastante contente com a ação.

Contei esta história para introduzir um debate necessário, que é o papel da comunicação pública na promoção da diversidade étnico-racial.

Embora muitas tenham sido as análises sobre o papel dos meios de comunicação comerciais na representação negativa ou positiva da negritude, em especial neste mês de novembro, em que se celebra a consciência negra, poucas têm sido as reflexões sobre como isso se dá nos veículos de comunicação pública.

Em relação aos meios comerciais, verificamos, ano após ano, que os mesmos seguem mantendo uma postura racista ao não incorporar negros e negras de forma mais contundente em sua programação.

Por forma contundente entende-se em quantidade proporcional ao que figura na sociedade brasileira e com a qualidade e o respeito devido a esta população, promovendo a representatividade positiva e não a colocando exclusivamente em papéis historicamente tidos como de subalternidade (escravos, bandidos, domésticas, “mulatas”).

A televisão é quase sempre a mais criticada, não por acaso, já que tem um poder de penetração ainda muito superior aos demais dispositivos de mídia – a TV aberta chega 97,2% das residências brasileiras, segundo a PNAD de 2012.

Fazendo uma comparação rápida, a internet chega a pouco mais que em 50% dos lares segundo a última pesquisa TIC Domicílios feita pelo Comitê Gestor da Internet. Além disso, a televisão é uma mídia fundamentalmente audiovisual.

Seria difícil analisar a cor/raça de jornalistas, especialistas e articulistas que atuam diariamente nos jornais impressos, embora suspeitemos que a ausência de negros e negras aí também deva ser relevante.

Mas retornemos à comunicação pública. Em diálogo com pessoas que ocupam ou ocuparam cadeiras da sociedade civil no extinto Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), soube que a ideia de promover a participação de mulheres, negros e de transexuais nos veículos da empresa vinha sendo debatida nas reuniões do órgão.

Um dos documentos usados como base era o Indicadores de Perspectiva de Gênero para a Mídia, produzido pela Unesco e a ONU, em 2012. E a própria composição do Conselho Curador, que prevê representação de grupos específicos, com recorte de gênero e raça, é um elemento determinante para que estas questões de inclusão e participação sejam pautadas.

Embora não haja uma política institucionalizada de ações afirmativas para a população negra nos veículos da EBC, os exemplos trazidos aqui demonstram que existe, sim, uma preocupação, por parte de alguns funcionários e diretores, em promover maior diversidade na programação.

Esta perspectiva é o que possibilitou, por exemplo, que a emissora tenha conseguido emplacar o primeiro programa LGBT (o único na TV aberta brasileira) apresentado por uma transexual, a Candy Mel.

O Estação Plural conta também com uma apresentadora negra, a cantora Ellen Oléria, que, ao lado do jornalista Fefito Oliveira, compõe o trio de apresentadores do programa.

Em 2013, a EBC criou o Comitê pela Equidade de Gênero e Raça, que vem sendo responsável por promover este debate de forma mais institucional e recebeu, em 2015, o Selo Pró-Equidade de Gênero e Raça, concedido pela Secretaria de Política para as Mulheres.

Uma ação proposta pelo Comitê este ano foi a realização de um censo interno para conhecer como os profissionais que atuam na empresa se autodeclaram sobre raça, gênero, orientação sexual. A ação é importante, visto que não se faz política pública de inclusão sem se traçar o perfil dos excluídos e os espaços onde mais se verifica a exclusão.

Em novembro, por conta das celebrações do Mês da Consciência Negra, a programação das TVs públicas foi mais recheada de programas voltados à promoção e valorização da cultura negra e afro-brasileira.

Na TV Brasil foram produzidos especiais como o Negra Raiz (Praça São Paulo), que foi ao ar ao longo de cinco dias, e Um Abraço Negro (Praça Brasília), que promoveu inúmeras rodas de conversa.

Isto sem falar dos quadros fixos – Programa Especial, Arte do Artista, Estúdio Móvel, Nossa Língua e Caminhos da Reportagem – que trabalharam a temática, levando personagens da política, da cultura e da intelectualidade negra para dialogar sobre diferentes questões.

Na Bahia, a TV Educativa, veículo público estadual, também promoveu extensa programação a partir desta ótica.

E a TV Cultura de São Paulo dedicou pelo menos dois de seus programas – Manos e Minas e Café Filosófico – para debater ou homenagear a consciência negra.

O silêncio permanente nos meios comerciais

Nas TVs comerciais abertas, foi quase um completo silêncio. O programa Como Será?, apresentado pela jornalista Sandra Annemberg, na TV Globo, que vai ao ar às 6 horas da manhã de sábado, incluiu um quadro para celebrar o dia de Zumbi dos Palmares no dia 19 de novembro.

O mesmo fez o programa Encontro com Fátima Bernardes em sua edição do dia 18. De resto, a maioria dos canais se conformou em noticiar os atos, marchas e shows promovidos pelo Brasil em seus programas noticiosos.

Tiveram os que, ainda, optaram pela mediocridade de dar apenas uma nota de “serviço”, dizendo ao telespectador “o que abre e o que fecha” no feriado.

A ideia de que a não presença de negros e negras nos meios de comunicação fere profundamente a construção de nossa própria autoimagem individual e coletiva é tão decisiva que os casos contrários, ou seja, quando um negro é posto em uma posição de se tornar imagem refletida e refratada de nós mesmos de forma positiva, vira um evento de repercussão nacional.

A jornalista Maria Júlia Coutinho se tornou, em 2015, a primeira apresentadora negra de um quadro fixo do Jornal Nacional; Tais Araújo foi, no recentíssimo ano de 2004, a primeira negra protagonista de telenovela da TV Globo; e foram necessários 21 anos para que Malhação tivesse, enfim, a primeira negra como personagem principal – o que aconteceu este ano de 2016.

Aos trancos e barrancos, portanto, tem sido a comunicação pública, muitas vezes sem recursos e atacada por segmentos que acreditam não ser papel do Estado investir neste setor, a que mais realiza a inclusão da população negra em sua programação.

Ora pela contratação de profissionais (jornalistas, apresentadores, articulistas), ora por promover, mesmo que informalmente, ações afirmativas que garantem especialistas negros e negras na bancada de seus programas, falando de economia, política, cultura, enfim, pautas que vão além das ditas “questões raciais”.

O impacto das medidas de Temer para a diversidade racial na mídia

O desmonte da comunicação pública, cujo princípio fundamental é promover comunicação de interesse público e não estar subordinada à aferição do lucro pode significar, portanto, um retrocesso gritante para a inclusão da população negra nos espaços da mídia.

Isto sem falar que nos põe em rota de colisão direta com o preceito constitucional (Artigo 223) que prevê a necessária complementaridade do sistema de comunicação (público, privado e estatal).

Ao editar a Medida Provisória 744/2016, o Presidente Michel Temer (PMDB) já deu um grande passo rumo ao desmonte, extinguindo o Conselho Curador da empresa – justamente o órgão que iniciou o debate interno sobre a necessidade de se promover, dentro da EBC, a equidade de gênero e raça.

Mas os retrocessos não param por aí. No dia 31 de outubro, o governo Temer deu novos sinais preocupantes no que diz respeito à inclusão e valorização da cultura negra na comunicação, ao mudar, exatamente um dia antes do início do Mês da Consciência Negra, a vinheta de abertura do programa de rádio A Voz do Brasil.

A vinheta, uma versão da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, perdeu os sons de berimbaus e tambores, traços característicos da cultura negra afro-brasileira. A nova (velha) versão, traz um som mais clássico, erudito, dando ao programa, novamente, ares nacionalistas.

Os antecedentes da gestão Temer também contribuem para esta preocupação.

Não foram nomeados ministros ou secretários negros para o primeiro escalão do governo, houve a subordinação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) ao Ministério da Justiça e foi extinta a Coordenação de Gênero e Raça do Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas (IPEA) – espaço de produção e disseminação de conhecimento empírico sobre a situação social de mulheres e da população negra e de assessoria governamental para o aperfeiçoamento da política pública aos diferentes órgãos de governo.

Assim, embora o programa A Voz do Brasil não esteja no bojo da comunicação pública e embora sozinha a mudança na vinheta não revele muito das intenções que a geraram, a julgar pelo desmonte das políticas públicas de promoção da igualdade racial que estão sendo também realizadas pelo governo, a mudança da vinheta do programa sinaliza retrocessos significativos.

E não se trata apenas da política de inclusão de negros e negras (o que já seria o bastante), mas da própria compreensão do papel da população negra – 50% dos brasileiros se encontram no leque das “afro-descendências” – na constituição social, cultural e econômica deste país.

Assim, invisibilizar o negro nas ações políticas ou promover medidas de desmonte de processos que vinham sendo inclusivos, como na comunicação pública realizada pela EBC, são dois lados da mesma moeda que corroboram para a permanência do racismo estrutural no Brasil.

* Ana Cláudia Mielke é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e coordenadora executiva do Intervzozes. Colaborou Cecília Bizerra de Souza, jornalista, mestre em Comunicação pela UnB e membro do Intervozes.