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Fundação Piratini retoma trabalhos na TVE e FM Cultura com mudanças na programação

Após a decisão judicial que determinou que a Fundação Cultural Pircom os respectivos sindicatos seja concluída, conforme divulgou a Justiça do Trabalho na quinta-feira da semana passada, a direção da Fundação anunciou que TVE e FM Cultura retornariam à programação local.

Os funcionários das emissoras estavam afastados desde o dia 26 de dezembro, após a aprovação da extinção da Fundação Piratini pela Assembleia Legislativa. Durante esse período a grade estava sendo ocupada pela reprodução de programas de arquivo e retransmissão das redes TV Brasil e TV Cultura.

Logo no retorno da programação local da FM Cultura, na terça-feira, dia 03, ao meio-dia, a locutora do programa “Cultura na Mesa”, Lena Kurtz, leu uma nota explicando os motivos pelos quais a programação própria estava fora do ar e que os funcionários da Fundação voltaram ao trabalho em razão de liminar obtida na Justiça. “Os trabalhadores da comunicação pública do Rio Grande do Sul agradecem o apoio de ouvintes e telespectadores durante todo o processo de discussão e votação do projeto no Parlamento e contam com a continuidade da mobilização para preservação das emissoras”, diz a nota lida no ar.

Na quarta, 04, foi a vez da TVE retomar a sua produção. Porém, ao invés de 30 minutos, o jornal passou a ter só 15 minutos, como foi anunciado pela direção da Fundação que gere tanto a FM Cultura quanto a TVE.

O segundo jornal local da TVE, que roda à noite, também terá a mesma redução. O horário do Segunda Edição será das 19h às 19h15min. Os funcionários, assim como da FM Cultura, voltaram ao trabalho ontem. Mas, como a televisão demanda mais tempo para a produção de conteúdo, retornou um dia depois.

De acordo com a jornalista Marta Kroth, não haverá mais operações de jornalistas no turno da noite ou em plantões de fim de semana. Ela classifica o clima geral como otimista durante esta “volta de resistência” do jornalistas, garantindo que há confiança na justiça em defesa das instituições. “Nossa luta não é pela manutenção do emprego; ele é uma consequência da não extinção dos canais de comunicação”, afirmou em entrevista para o jornal SUL21.

Nesse momento, os principais prejudicados serão os programas apresentados por profissionais com contratos encerrados no dia 31 de dezembro de 2016, como o Radar, que não serão mais transmitidos ou passarão por um remanejo de profissionais. Outra grande mudança é a diminuição da duração dos telejornais, que passarão a ter apenas 15 minutos em cada uma de suas edições – garantindo apenas a cota de programação local exigida pelo Ministério das Comunicações.

A Fundação Piratini teve extinção aprovada pela Assembleia Legislativa gaúcha no último dia 21, a pedido do governador José Ivo Sartori, que ainda precisa sancionar a medida para ter validade. Cinco dias após a extinção, a Justiça do Trabalho determinou que a Fundação Piratini suspenda qualquer demissão antes de abrir negociações coletivas junto a trabalhadores da TVE e da FM Cultura. A decisão foi referendada pelo Tribunal Regional do Trabalho. A legislação aprovada na Assembleia sobre a extinção das fundações permite que o governo demita todos os servidores da Piratini que não tenham estabilidade. A ação promovida pelo Sindicatos dos Radialistas e dos Jornalistas do Estado do Rio Grande do Sul (Sindjors) garantiu uma esperança de dialogo para tentar garantir o futuro da comunicação pública. Caso a ordem não seja cumprida, a organização é penalizada com multa diária de R$ 10 mil por servidor dispensado.

Na terça, 03, o procurador-geral do Estado, Euzébio Ruschel, em entrevista à Rádio Gaúcha, afirmou que o Estado não pretende recorrer da decisão e que grupos de trabalho devem ser criados, a partir da sanção da lei, para tratar do tema das demissões dos servidores das fundações.

Proposta fere a Constituição Federal

A proposta de extinção da empresa pública fere a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 223, que diz: “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. A extinção da fundação cria um desequilíbrio aos sistemas de comunicação e deixa um vazio para as manifestações culturais no estado, que estavam fortemente representadas nos espaços oferecidos pela TVE e FM Cultura.

Os defensores da radiodifusão pública admitem que o papel que essas emissoras cumprem, em complementariedade aos sistemas privados e estatais, conforme estabelece a Constituição, ainda não são muito claros para a sociedade em geral. O jornalista Luciano Alfonso, funcionário da TVE há 28 anos, ressalta que a comunicação pública tem um ”papel voltado para a sociedade e que abraça causas que a TV privada não abraça, pois não é feita pra ganhar lucro”.

Governo fala em crise mais gasta muito com publicidade

Alexandre Leboutte, funcionário da TVE, contesta a suposta economia gerada. Ele apresenta dados do Portal da Transparência para mostrar que, até novembro, a Fundação Piratini havia gasto R$ 23,5 milhões, de um orçamento anual previsto de R$ 34,1 milhões. Leboutte afirma que, se o governo diminuísse o número de cargos de confiança (CCs) e o investimento em publicidade, já garantiria a manutenção dos funcionários de carreira das fundações. Citando editais de publicidade para 2016, o servidor chama atenção para o volume de recursos disponibilizados pelo Poder Executivo em propaganda, que chegam a R$ 80,6 milhões.

Destes recursos, R$ 3,5 milhões foram aplicados pelo governo em uma campanha publicitária somente para informar sobre a tal crise financeira do estado. Boa parte deste dinheiro foi para emissoras de rádio e TV privadas. Enquanto o governo repassava mais de R$ 80 milhões para publicidade a qualificação dos sinais de cobertura da TVE e da FM Cultura recebeu apenas R$ 156.760,92, enquanto a qualificação dos recursos humanos na administração contou com R$ 10.350,52.

Ainda segundo o portal Transparência, somadas as áreas de qualificação de assentamentos, dos sinais de cobertura da TVE e FM Cultura e de recursos humanos, elas receberam juntas R$ 539.911,00, menos do que o jornal Zero Hora que recebeu R$ 583.185,21 entre janeiro e novembro de 2016, enquanto o Correio do Povo ficou com R$ 222.655,28 no mesmo período.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Os presentes de Temer para os radiodifusores e operadoras de telecom

Governo força aprovação de PL que entrega R$100 bi em infraestrutura para teles, reduz sanções a canais de TV e defende políticos donos de emissoras

Por Bia Barbosa*

Há mais de seis meses, este blog vem denunciando uma série de medidas que a gestão Temer tem implementado no campo das comunicações, com impactos profundos para o acesso à informação e a liberdade de expressão dos brasileiros e brasileiras. Longe, obviamente, dos holofotes da imprensa tradicional, mudanças significativas tem sido feitas nas políticas públicas e normas que regulam tanto o setor de telecomunicações quanto o de radiodifusão. Trata-se da “agenda paralela do golpe”, que avança a passos largos, sem que sequer a população tome conhecimento dos direitos que está perdendo. Esta semana, às vésperas do final do ano, três novos ataques foram deflagrados.

Nesta segunda (19), a Mesa Diretora do Senado Federal que rejeitou o recurso que pedia votação em plenário do Projeto de Lei 79/2016, que transforma as concessões de telecomunicações em autorizações e transfere uma infraestrutura estratégica da União, avaliada em R$ 100 bilhões, para o patrimônio privado das operadoras. Em tempos de fazer descer goela abaixo da população a PEC do teto dos gastos públicos, presentear as operadoras nesta quantia é mais do que criminoso.

A medida, articulada com o Planalto – que já estava literalmente com a festa pronta para confraternizar com as teles esta semana –, foi implementada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL) e os vice-presidentes Jorge Viana (PT/AC) e Romero Jucá (PMDB-RR). Ela resultará no fim da universalização dos serviços de telecomunicações, pode elevar preços de conexão e deixar regiões interioranas desconectadas.

A alegação oficial é a de que o recurso, assinado por dez senadores, foi protocolado fora do prazo. Mas as instruções sobre o horário haviam sido dadas, no mesmo dia, pela própria Secretaria Geral da Mesa. A Coalizão Direitos na Rede – integrada por dezenas de organizações da sociedade civil, entre elas o Intervozes –, já havia denunciado manobra regimental similar quando o projeto de lei tramitou na Câmara dos Deputados. No Senado, o PLC 79/2016 foi aprovado em sete dias corridos, sem qualquer debate com os usuários dos serviços de telecomunicações ou entidades de defesa do consumidor.

O Ministério Público Federal e também o Tribunal de Contas da União são contrário à iniciativa, que agora pode virar lei. Em nota pública divulgada nesta quarta (21), a Coalizão Direitos na Rede pede que o Supremo Tribunal Federal acate, agora, os argumentos apresentados por senadores no mandado de segurança impetrado junto ao STF, para que o Senado não envie o PLC 79/2016 à sanção presidencial sem que antes seja apreciado pelo Plenário.

Radiodifusores felizes

Na outra ponta dos serviços de comunicação no país, as emissoras de rádio e televisão também ganharam seu presente de Natal. Nesta terça-feira, foi publicada no Diário Oficial da União a portaria do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações que modifica o Regulamento de Sanções Administrativas previstas para os canais que descumprirem a legislação em vigor no Brasil.

A partir de agora, ficará bem mais difícil suspender ou cassar uma emissora de radiodifusão. Antes da portaria desta semana, somente emissoras de rádio e retransmissoras de TV tinham a possibilidade de ter a pena de cassação de sua licença convertida em multa. Agora, todos os canais de rádio e TV comerciais contarão com a boquinha. Pra facilitar a vida, a decisão também não depende mais do Ministro da pasta. O Secretário de Radiodifusão poderá dar a canetada amiga por conta própria.

Anteriormente, um canal de rádio ou uma retransmissora de TV perderia esse benefício da conversão da pena de cassação em multa se tivesse totalizado 20 pontos no rol de infrações praticadas. Agora, precisam alcançar 80. Ou seja, o limite foi multiplicado por quatro, de forma que um canal de rádio e TV precisa cometer muito mais infrações, de maneira recorrente, para perder o direito de explorar o serviço de radiodifusão.

Políticos donos da mídia mais felizes ainda

Mas, para uma pasta que ignora a própria Constituição Federal para agradar aliados radiodifusores, a alteração no Regulamento de Sanções Administrativas pode parecer pouco. Também na última semana, o governo Temer e a Advocacia Geral da União entraram com um agravo contra a decisão da ministra Rosa Weber, do STF, que se recusou a suspender as ações estaduais que tem resultado na cassação de outorgas de radiodifusão de empresas controladas por políticos. A ministra decidiu que o fato de o Supremo ainda não ter se debruçado sobre o tema não é um impedimento para que a Justiça siga atuando nos estados de origem de tais parlamentares, onde ações contra o coronelismo eletrônico tem sido movidas pelo Ministério Público Federal.

Em novembro, Temer foi ao STF pedindo, liminarmente, a suspensão de todas as ações civis públicas que tenham esse tema como objeto e, no mérito, a declaração de constitucionalidade da prática do controle de emissoras por políticos. O caso foi parar com Rosa Weber, que negou a liminar. Agora, no agravo, o governo pede que o plenário do STF também se pronuncie sobre a liminar e que a ação, no mérito, seja redistribuída ao ministro Gilmar Mendes – que já está cuidando de uma ação do PSOL que vai exatamente no sentido contrário da de Temer. A pedido do Presidente da República, o Ministro Gilberto Kassab já deu o parecer favorável aos políticos radiodifusores. Para o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, a prática não é inconstitucional.

Como visto, a retribuição pelo apoio recebido das emissoras de radiodifusão e de sua base de políticos radiodifusores no processo de impeachmente contra a Presidenta Dilma está sendo muito bem paga por Michel Temer.

Em tempo

A Assembleia do Rio Grande do Sul aprovou, por 30 votos a favor e 23 contrários o projeto do governador Ivo Sartori (PMDB) que extingue a TV Educativa e a FM Cultura, principais canais de comunicação pública do estado. Lá no sul, como em Brasília, a grande mídia comercial, em detrimento da população e de seu direito à comunicação, seguem sendo os grandes beneficiados dos pacotes de ajuste fiscal.

* Bia Barbosa é jornalista, mestre em políticas públicas (FGV), coordenadora do Intervozes e secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). 

Brasil: na contramão da Internet livre

Entidades denunciam ameaças à rede no Brasil. Governo brasileiro reagiu, negou problemas e disse que há pleno diálogo dentro do País

Por Jonas Valente*

Mais de 40 entidades do mundo todo divulgaram, na última semana, um documento apontando grandes preocupações com retrocessos nas políticas de Internet no Brasil e declarando apoio ao enfrentamento que vem sendo feito pela sociedade civil brasileira, dentro de casa, contra tais medidas.

O “Manifesto de Guadalajara” foi lançado durante o Fórum de Governança da Internet (IGF), principal evento global sobre o tema, que ocorreu na cidade mexicana que dá nome ao texto, entre 5 e 9 de dezembro.

O encontro reuniu mais de dois mil representantes de governos, organizações da sociedade civil, pesquisadores e empresas da área de tecnologia da informação e da comunicação.

O documento destaca o fato de que o Brasil está caminhando da posição de marco internacional positivo nas iniciativas de regulação da rede para tornar-se um exemplo de medidas contrárias à promoção de uma Internet livre e acessível.

Na última década, o país assumiu a condição de referência global neste campo em função da atuação do Comitê Gestor da Internet (CGI), da aprovação do Marco Civil da Internet e por ter recebido em casa eventos internacionais como o NetMundial e o próprio IGF, em duas ocasiões.

No entanto, medidas adotadas recentemente pelo governo de Michel Temer e diversos projetos de lei que tramitam de maneira acelerada no Congresso Nacional jogam o país em outra direção.

Na área de acesso à web, a aprovação do projeto de lei 79 pelo Senado, na última semana, é um retrocesso grave. O texto modifica a Lei Geral de Telecomunicações e acaba com as obrigações de universalização dos serviços que poderiam ser aplicadas à Internet.

O projeto também entrega um patrimônio público no valor de mais de R$ 100 bilhões (em infraestrutura operacional e de rede) às operadoras de telecomunicação, sem contrapartidas concretas que viabilizem a conexão dos mais de 100 milhões de brasileiros que hoje estão excluídos digitalmente.

A oposição, em articulação com a Coalizão Direitos na Rede, que reúde entidades da sociedade civil brasileira que defendem os direitos dos usuários na internet, deve garantir, nesta sexta 16 um recurso para que o texto seja ao menos debatido pelo plenário do Senado.

A sanha do governo federal, entretanto, em se desobrigar de universalizar o acesso à internet no país é grande.

O governo Temer já anunciou que quer deixar este importante esforço apenas nas mãos do mercado, abandonando a perspectiva de planos de banda larga para garantir o acesso à rede, como tem ocorrido em boa parte dos países.

Mudanças no Marco Civil e ataques ao CGI

Outra preocupação ressaltada pelo Manifesto de Guadalajara é o conjunto de iniciativas em curso para alterar e minar o Marco Civil da Internet (Lei 12.695/2014).

Atualmente, há mais de 200 projetos de lei neste sentido tramitando no Congresso. Entre os retrocessos pretendidos está o fim ou a flexibilização do princípio da neutralidade de rede (que proíbe a discriminação no tráfego de dados), a possibilidade de acesso a dados pessoais sem autorização judicial, e a remoção de conteúdos publicados online mediante simples mecanismos de notificação.

As medidas atacam preceitos fundamentais reafirmados no Marco Civil da Internet, como privacidade e liberdade de expressão, que fizeram a lei brasileira se tornar referência internacional nestes temas, e várias delas já foram debatidas aqui no blog.

As entidades internacionais também alertaram para os riscos das recorrentes suspensões de aplicativos como o Whatsapp no Brasil.

O intuito de acessar mensagens desses aplicativos para fins de investigações policiais tem motivado diversas decisões judiciais desproporcionais, que resultam na interrupção do acesso de todos os usuários a esses serviços.

A prática gerou reações tanto no Parlamento – que deve votar em breve o PL 5130/2016, que proíbe o bloqueio de aplicativos – quanto no Supremo Tribunal Federal, que julgará em 2017 uma ação de inconstitucionalidade contra os bloqueios.

Até mesmo o Comitê Gestor da Internet no Brasil, exemplo internacional de órgão de governança multissetorial da internet, está sob ameaça. Criado há mais de 20 anos por meio de um decreto presidencial, o CGI tem sofrido ingerências do governo Temer nos últimos meses.

O processo de eleição da próxima gestão de conselheiros, por exemplo, teve a composição de sua comissão eleitoral original alterada para a inclusão de mais membros do Executivo.

E o governo já declarou que tem a intenção de reduzir o papel da sociedade civil (uma das partes representadas, ao lado das empresas, da academia e da comunidade técnica) no espaço.

A disposição de limitar vozes que representam os interesses dos usuários na gestão da internet no país é mais um viés autoritário da administração Temer, denunciado internacionalmente no IGF.

Reação do Itamaraty

Apresentado na sessão de encerramento do IGF por representantes da Coalizão Direitos na Rede e mencionado nos discursos finais tanto do representante da comunidade técnica quanto da sociedade civil, o Manifesto de Guadalajara provocou a reação do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que lá representava o governo federal.

Benedito Fonseca Filho pediu a palavra para questionar a manifestação das entidades. Disse “estranhar” a posição da sociedade civil brasileira em levar um assunto como este para um fórum internacional, considerando que o país vive uma “plena democracia” e que há espaço para diálogo com as entidades.

A reação do Itamaraty revela o desconforto da gestão Temer com mais uma denúncia internacional e a feição autoritária contra críticas da sociedade civil.

Os desafios do IGF

A 11a edição do Internet Governance Forum promoveu importantes debates sobre o futuro da governança da internet.

Não foram poucas as atividades que colocaram preocupações, por exemplo, com as violações aos direitos humanos na rede, o que envolve desde a proteção à privacidade dos cidadãos até a liberdade de expressão e os direitos de crianças e adolescentes no mundo virtual.

No entanto, enquanto nações afirmam reiteradamente que estão preocupadas em alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU – que incluem a garantia do acesso à rede pela população mundial – ainda há poucas iniciativas para enfrentar efetivamente, em escala global, o desafio de conectar os 3,9 bilhões de cidadãos que ainda estão fora da rede e para garantir os direitos dos demais que já estão na web, especialmente em questões como privacidade e liberdade de expressão.

Para pautar estes desafios, entidades da sociedade civil debateram no IGF a realização de um evento específicos deste segmento. A iniciativa, chamada de “Fórum Social da Internet”, em referência ao Fórum Social Mundial, deve ocorrer na Índia no segundo semestre do ano que vem.

Diversas redes e entidades da sociedade civil estão envolvidas nesta construção, incluindo as brasileiras. Em 2017, o IGF volta a se reunir em dezembro, desta vez em Genebra, na Suíça.

* Jonas Valente é jornalista, mestre em Comunicação e doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília. Integra o Conselho Diretor do Intervozes e foi um dos representantes do coletivo em Guadalajara.

Conselho Nacional de Direitos Humanos defende comunicação democrática

No mês do Dia Internacional dos Direitos Humanos, fazemos um balanço da atuação do CNDH na pauta da comunicação

Por Helena Martins*

Na véspera do Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado em 10 de dezembro, tomou posse, em Brasília, uma nova gestão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).

Ao longo de dois anos, o conselho buscou abraçar uma agenda diversa. Os impactos da construção de Belo Monte e de outras grandes obras e projetos; o extermínio da juventude negra e dos povos indígenas; os assassinatos de defensores de direitos humanos; a negação de direitos da população em situação de rua e das pessoas com deficiência; as violações no âmbito do sistema socioeducativo e o caos no sistema prisional foram algumas delas.

Nesse contexto, o Intervozes, organização eleita para compor o fórum, e outros diversos grupos, como a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a Andi – Comunicação e Direitos, o Instituto Alana e a Artigo 19, buscaram contribuir também para a ampliação do reconhecimento da comunicação como um direito humano fundamental e, assim, da inserção de questões relacionadas à comunicação no cotidiano do Conselho.

Em um país que reconhece a comunicação como direito expressamente em uma norma, o Estatuto da Juventude, e possui pouquíssimos espaços institucionais para o debate aberto e participativo das políticas de comunicação – até hoje não possui um Conselho de Comunicação Social deliberativo, por exemplo – a criação da Comissão sobre Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão pode ser apontada como uma conquista dessa primeira gestão.

Isso porque a comissão tem o objetivo, reconhecido em normativas, de receber, analisar e monitorar denúncias de violações do direito à comunicação e dos direitos humanos na mídia, propor mecanismos de regulação dos meios de comunicação, opinar sobre políticas públicas do setor e desenvolver ações de promoção do direito à comunicação e à liberdade de expressão.

Por meio dela, especialmente, o CNDH buscou dar seguimento à deliberação de Grupo de Trabalho do CDDPH que havia aprovado a criação de um Observatório Sobre a Violência Contra Comunicadores.

Como soubemos já no apagar das luzes do governo Dilma, o Observatório, que chegou a ser objeto de portaria interministerial anunciada, porém nunca lançada, teve suas atribuições questionadas pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), que fez propostas sobre uma minuta que chegou até ela, mas não à sociedade civil.

Sem um espaço como esse, sequer as características desses crimes, que dificilmente são investigados, podem ser percebidas e utilizadas para subsidiar políticas públicas. Não à toa, o Brasil é o segundo país com o maior número de jornalistas assassinados da América Latina, atrás do México, segundo a organização Repórteres sem Fronteiras.

A perspectiva do Judiciário frente ao direito à liberdade de expressão também foi objeto de discussão. O CNDH atuou em defesa da Classificação Indicativa, política que acabou fragilizada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de derrubar a vinculação horária à classificação. Também manifestou preocupação com punições rigorosas que possam intimidar os que usam a liberdade de expressão para veicular conteúdos críticos, como ocorreu no caso do jornalista sergipano Cristian Góes, punido após ter escrito uma crônica em que criticava oligarquias.

Neste caso, o Conselho destacou, em nota, que a “possibilidade de buscar informações e manifestar ideias livremente é uma conquista da sociedade brasileira e deve ser protegida por ela e pelas instituições do país, afinal não há democracia plena sem liberdade de expressão”. Afirmação ainda mais necessária nesses tempos de golpe, em que a repressão aos comunicadores – verificada em diversos momentos anteriores, como durante a Copa do Mundo – tende a crescer. Aliás, uma das agendas que deverá ganhar centralidade na próxima gestão do colegiado é exatamente a defesa da liberdade de expressão, tanto por meio de veículos midiáticos quanto nas ruas, durante protestos.

Temas de destaque durante a discussão das propostas de redução da maioridade penal, a criminalização de determinados setores da sociedade e a abordagem de temas como segurança pública, violência e direitos humanos pela mídia resultaram em amplo debate sobre os programas policialescos. A partir de provocação da Andi e outras organizações, o CNDH debruçou-se sobre essa questão, o que resultou na aprovação de um relatório que apresenta diversas recomendações aos órgãos públicos e também às empresas de radiodifusão, a fim de que atuem para garantir o respeito aos direitos humanos na mídia.

Do documento, duas propostas devem ser ressaltadas, a fim de que sejam apropriadas pelo conjunto da sociedade e reconhecidas como bandeiras de luta. Uma delas é que não seja veiculada a publicidade de órgãos públicos e empresas estatais em programas de cunho policialescos, seja como cota de patrocínio, seja nos intervalos comerciais ou por meio de merchandising. A segunda proposta aponta que sejam consideradas, na atividade de fiscalização do conteúdo dos programas de rádio e TV, para fim de aplicação de sanções, um conjunto de leis brasileiras e de tratados internacionais ratificados pelo país, que têm sido solenemente ignorados pelo Estado.

O relatório também destaca a necessidade de cumprimento das 19 resoluções aprovadas na 12ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, convocada e organizada também pelo CNDH. Entre elas, estão: elaborar e executar, nos meios de comunicação, campanhas sobre direitos humanos; garantir a democratização da comunicação e a aprovação do Projeto de Lei da Mídia Democrática e regulamentar o Marco Civil da Internet, garantindo os princípios de neutralidade de rede; respeitar as normas de acessibilidade na radiodifusão, com garantia de audiodescrição, legenda, janela e materiais em Libras, fonte ampliada, Braille e outros formatos acessíveis que garantam à pessoa com deficiência acesso igualitário à informação.

Uma das últimas ações da primeira gestão em relação à comunicação foi a defesa da manutenção do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), prontamente atacado por Temer logo após assumir ilegitimamente a Presidência da República. Por meio de Nota Pública, o CNDH posicionou-se contra a extinção do Conselho e exigiu a garantia desse importante espaço de participação da sociedade. Afirmou ainda que a extinção fragiliza o caráter público da empresa e afronta princípios constitucionais que estabelecem a comunicação pública como um direito da sociedade brasileira, além de ferir o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal da comunicação e ir de encontro ao que defendem órgãos vocacionados para a proteção dos direitos humanos.
Criação do Conselho Nacional de Direitos Humanos

Tributário de décadas de atuação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), o mais antigo colegiado do país, o CNDH foi fruto da luta da sociedade civil, que por anos demandou a efetivação de um órgão que atendesse aos chamados Princípios de Paris, adotados pela Comissão de Direitos Humanos da ONU em 1992.

Alguns deles são: autonomia para monitorar qualquer violação de direitos humanos; autoridade para assessorar o executivo, o legislativo e qualquer outra instância sobre temas relacionados aos direitos humanos; capacidade de se relacionar com instituições regionais e internacionais; legitimidade para educar e informar sobre direitos humanos; e competência para atuar em temas jurídicos.

Até hoje, exatamente por não possuir uma instância com tais características, o Brasil é um dos poucos países da América Latina que não possui uma Instituição Nacional de Direitos Humanos credenciada junto à Organização das Nações Unidas (ONU).

Isso demonstra mais que um descaso. Trata-se, em verdade, de uma tentativa histórica do Estado brasileiro, muitas vezes o principal violador de direitos, de afastar a sociedade civil da definição de políticas desse campo, bem como de reduzir a cobrança interna e também internacional em relação ao cumprimento de tarefas básicas como defender, promover e reparar direitos.

Expressão da tentativa de afirmar a autonomia do Conselho, a principal mudança do CDDPH para o CNDH é exatamente a composição do colegiado. De acordo com a Lei nº 12.986, de 2 de junho de 2014, que instituiu o CNDH, este passou a ter 22 membros, dos quais onze são organizações da sociedade civil.

Possuem assento permanente a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos estados e da União. Nove delas são eleitas pela própria sociedade civil. Além destes integrantes, outros onze são do poder público, entre os quais representantes do Ministério Público Federal (MPF), o que garantiu a destacada atuação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, e da Defensoria Pública da União (DPU), outra instituição que tem se mostrado cada vez mais relevante na defesa dos direitos humanos.

A lei que criou o CNDH também ampliou suas competências e, consequentemente, sua força institucional. No entanto, também houve perdas no processo de aprovação, como a dependência orçamentária do Conselho em relação ao governo. Apesar desses limites, a primeira gestão foi marcada pela tentativa de afirmar sua autonomia, abrir espaço para a participação da sociedade e abraçar uma diversificada agenda de intervenção.

O processo foi tortuoso. Ao longo do governo Dilma Rousseff, inicialmente dois ministros revezaram-se à frente da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR): Ideli Salvatti e Pepe Vargas. Em setembro de 2015, a reforma ministerial de Dilma levou ao rebaixamento do status ministerial da SDH. As secretarias de Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos foram reunidas no Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, que passou a ter como ministra Nilma Lino. Parte dele, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos foi designada a Rogério Sottili.

A junção, aliás, fora criticada pelas organizações da sociedade civil que integravam o CNDH, as quais destacaram, em nota, tanto o desrespeito à defesa histórica da existência de pastas específicas quanto a possibilidade de criação de obstáculos à atuação em defesa dos direitos humanos.

Cada ministro, que acumulava o cargo de presidente do Conselho, imprimiu um ritmo diferente ao órgão, bem como adotou uma postura mais ou menos respeitosa em relação à autonomia dele, o que impactava o seu próprio funcionamento. Se as mudanças já causaram dificuldades para a atuação do órgão, este teve que enfrentar, ainda, a ruptura democrática confirmada com o golpe que levou Michel Temer ao poder.

Praticamente no mesmo mês do afastamento de Dilma, contudo, seguindo o regimento interno que determina a alternância, na presidência, entre governo e sociedade civil, esta, representada pela procuradora Ivana Farina, assumiu a presidência do CNDH. O mecanismo e a participação da sociedade civil, mais uma vez, mostraram-se fundamentais para garantir a continuidade da existência de um espaço que não esteja submetido às vicissitudes de governos que, em geral, não estão efetivamente comprometidos com o respeito aos direitos humanos.

Comunicação como direito humano e onda conservadora

Os enfrentamentos do CNDH no campo da comunicação não resultaram em vitórias concretas. Não seria de se esperar o contrário, tendo em vista a avassaladora onda conservadora que tem conseguido imprimir derrotas e devastar, rapidamente, direitos conquistados por meio de décadas de lutas da sociedade brasileira.

Não obstante, as medidas aqui relatadas significam avanços, tanto no debate público quanto no reconhecimento, inclusive por parte das organizações que atuam no campo mais amplo dos direitos humanos, da comunicação como um direito fundamental. E desse direito como uma bandeira que deve ser abraçada por todas e todos nós que queremos uma sociedade radicalmente distinta da que vivemos hoje. Ainda que temporária e merecedora de ações que deem continuidade a ela, essa é uma conquista que deve ser celebrada neste dia.

Para os que seguem, estaremos mais uma vez, ao lado das organizações da sociedade civil e das instituições públicas sérias que ainda nos restam, atuando pelo fortalecimento do CNDH e dos movimentos sociais comprometidos com a defesa de direitos. Porque direitos são indivisíveis e interdependes. E porque sabemos que eles nunca foram nem serão dados, mas arrancados pela mobilização popular.

*Helena Martins é jornalista, coordenadora executiva do Coletivo Intervozes e representou o Coletivo no CNDH durante os últimos dois anos

Rosa Weber nega suspender ações contra políticos donos de rádio e TV

Ao entender que as concessões nas mãos de senadores e deputados ferem a democracia, entidades realizam diálogos para fortalecer incidência na agenda

O Intervozes realizou nesta quinta-feira 8, em São Paulo, a segunda roda “Diálogos sobre o Direito à Comunicação no Brasil”, desta vez com o tema “Políticos Donos da Mídia”.

O objetivo foi discutir as ações que pedem o imediato cancelamento das concessões de emissoras de rádio e TV nas mãos de políticos, como as ações civis públicas que estão sendo movidas no âmbito do Ministério Público Federal (MPF) nos estados e as ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 246 e 379, ambas ajuizadas no Supremo Tribunal Federal pelo PSOL, que questionam as concessões dadas a políticos.

A roda de diálogos contou com a participação do próprio Intervozes, representado pela advogada Veridiana Alimonti, que colaborou na elaboração das ADPFs ajuizadas pelo PSOL, além de Eugênia Augusta Gonzaga, Procuradora Regional da República em São Paulo, Camila Marques, advogada coordenadora de projeto na organização Artigo 19, Pedro Freitas, do Levante Popular da Juventude, e Ricardo Vos, da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, que compõe a campanha Fora Coronéis da Mídia. A atividade teve apoio da Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES).

A roda de diálogos ocorre no momento em que a proibição de políticos eleitos serem concessionários de empresas prestadoras de serviço público volta novamente à crista do debate. Recentemente, Rosa Weber, ministra do STF, rejeitou o pedido de liminar de Michel Temer para a suspensão de processos que contestam as concessões de rádios e TVs em nome de senadores e deputados federais.

O Governo federal, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), havia entrado com a ADPF 429 no STF em 9 de novembro para tentar barrar os processos judiciais contra políticos, numa tentativa de favorecer um grupo de 40 parlamentares.

Nesta ADPF consta um pedido de liminar no qual a Presidência solicitava aos ministros que suspendessem e julgassem inconstitucionais decisões judiciais que contrariam os interesses dos deputados e senadores com concessões públicas de rádio e TV, com o falso argumento de tais decisões fazerem “interpretações equivocadas da Constituição”.

A medida de Temer pretendia conter uma série de vitórias que as entidades dedicadas à democratização da comunicação estão obtendo nos estados como, por exemplo, a decisão por meio de liminar que determinou a interrupção, em agosto passado, das transmissões da Rádio Metropolitana Santista Ltda (1.240 MHz), de propriedade de Antônio Carlos Bulhões (PRB-SP), e o cancelamento de concessões de emissoras de rádio dos deputados federais Baleia Rossi (PMDB-SP) e Beto Mansur (PRB-SP).

As decisões foram tomadas após ações do Ministério Público Federal. Ações similares contra parlamentares tramitam também em outros estados.

A decisão de Rosa Weber garante a continuidade destes processos nos estados. No entanto, vale lembrar que a pauta, incluindo as ADPFs 246 e 379 e agora a 429, que se encontram em análise no Supremo, estão sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, que pode, portanto, alterar a decisão da ministra.

Concessão a políticos é inconstitucional

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de canais de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. E ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República.

Segundo Bráulio Araújo, membro do Intervozes e advogado que elaborou as ADPFs pelo PSOL, a “jurisprudência vem avançando de forma sólida no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da participação de políticos titulares de mandato eletivo como sócios de empresas de radiodifusão.”

Araújo menciona em uma das petições que, em julgamento da Ação Penal 530, em novembro de 2014, o STF já afirmava que os artigos 54, inciso I, alínea “a”, e 54, II, “a”, da Constituição Federal, proíbem claramente que deputados e senadores sejam sócios de pessoas jurídicas com titularidade sobre concessão, permissão ou autorização de radiodifusão.

Além disso, em julgamento de agravo de instrumento publicado em outubro deste ano, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) confirmou a liminar deferida pelo desembargador Johonsom di Salvo em março de 2016, suspendendo a execução dos serviços de radiodifusão prestados por empresas que possuem congressistas em seu quadro de sócios. Isso justamente em razão da violação ao artigo 54 da Constituição.

Por mais absurdo que isso seja, é justamente esse o artigo citado pelo atual governo na peça, assinada por Temer, pela advogada-geral da União, Grace Mendonça, e pela secretária-geral de Contencioso, Isadora Cartaxo de Arruda. Sustenta a Presidência que as decisões judiciais contrárias à concessão de rádios e TVs para políticos conferem “interpretação incorreta à regra de impedimento constante do artigo 54” da Constituição Federal e “ofendem os preceitos fundamentais da proteção da dignidade da pessoa, da livre iniciativa, da autonomia da vontade, da liberdade de associação e da liberdade de expressão”.

Para o PSOL e entidades como o Intervozes e Artigo 19, o artigo 54 é claro em impedir a concessão ou a renovação de concessões de rádio e TV a empresas que tenham deputados e senadores como sócios, independentemente da retórica usada pela Presidência em sua peça judicial em defesa dos parlamentares.

Além disso, a ação de Temer ignora a primeira linha do artigo 55 da Constituição, que diz claramente: “Perderá o mandato o deputado ou senador que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior”, além de partir do princípio de que as liberdades individuais estão acima dos limites impostos pela lei, quando se sabe que não estão. Ou seja, quem afronta a Constituição é Temer e a AGU ao tentarem manter privilégios ilegais de parlamentares.

Ministra não vê divergência em decisões

Ao rejeitar o pedido de liminar, a ministra do STF Rosa Weber afirmou que não se faziam presentes na hipótese manifestada por Temer e AGU as circunstâncias excepcionais justificadoras da suspensão do andamento dos processos judiciais – o que era a pretensão dos autores. “As decisões judiciais trazidas aos autos juntamente com a exordial, a fim de demonstrar a alegada controvérsia constitucional, não evidenciam a existência de divergência interpretativa apta a ensejar uma suspensão geral dos processos”, ressaltou a ministra em sua decisão.

Influência indevida de políticos

Por sua vez, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em manifestação expressada em agosto deste ano, apoiou a iniciativa das ADPFs 246 e 379, considerando que a participação de parlamentares em empresas de radiodifusão “confere a políticos poder de influência indevida sobre importantes funções da imprensa, relativas à divulgação de informações ao eleitorado e à fiscalização de atos do poder público”.

Mérito da ação ainda será julgado

O mérito da questão ainda vai a julgamento no plenário do STF, sem data prevista no momento. Até lá, Rosa Weber terá de elaborar seu voto sobre a constitucionalidade ou não das concessões públicas que beneficiam parlamentares. Ao indeferir a liminar pedida por Temer, a ministra também pediu mais informações à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao Ministério das Comunicações, à própria AGU e à Procuradoria-Geral da República. Por outro lado, caberá a Gilmar Mendes apresentar voto a respeito das ADPFs 246 e 379.

De acordo com levantamento do Intervozes, 40 parlamentares, sendo 32 deputados federais e oito senadores, atuam como donos de concessões de emissoras de rádio e TV no país e podem ser beneficiados pela iniciativa de Temer.

Entre eles, estão os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Agripino Maia (DEM-RN), Fernando Collor (PTC-AL) e Jader Barbalho (PMDB-PA) e os ministros José Sarney Filho (Meio Ambiente) e Ricardo Barros (Saúde) – os dois últimos são deputados federais licenciados. Alguns parlamentares alegam que não têm mais participações em empresas de radiodifusão, porém continuam aparecendo nos respectivos quadros societários.

“A situação chegou a esse ponto por omissão do Poder Executivo nas últimas décadas. Questionamos essa omissão sistematicamente. Nosso objetivo [no Ministério Público] era provocar a manifestação do Supremo. O governo tenta agora justificar a omissão com essa ADPF”, afirmou em entrevista para o UOL publicada na semana passada, o procurador da República Jefferson Aparecido Dias, que atua na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo e participa do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac).

No entendimento de Dias, parlamentar que atua como dono de concessão não pode vender sua parte nem transferi-la a um familiar. Deve devolvê-la ao poder público.

Texto produzido a partir da reportagem “Temer tenta barrar ações contra concessões de políticos e tem pedido negado no STF” da repórter Ramênia Vieira, do Observatório do Direito a Comunicação.