Movimentos sociais cobram democratização da comunicação a Dilma

A democratização da comunicação foi uma das principais reivindicações que as lideranças sociais presentes no encontro com a presidenta Dilma Rousseff levaram ao governo nesta quinta-feira (13/8), junto com as reformas agrária e política, além do apelo pelo fim do ajuste fiscal e contra a redução da maioridade penal. A urgência de um novo marco regulatório para o setor de comunicação esteve presente em todas as falas. A presidenta, no entanto, não tocou no assunto ao encerrar o evento Diálogo com os Movimentos Sociais, realizado no Palácio do Planalto.

Mais de 1.200 lideranças de cerca de 50 movimentos sociais do campo e da cidade participaram do Diálogo, entre as quais representantes do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), como Rosane Bertotti, que compôs o palco onde a presidenta da República recebeu os presentes. Para Rosane, a ausência do tema no discurso de Dilma deixa claro que o governo ainda não tem decisão política sobre o tema, embora membros do próprio governo tenham reconhecido a importância de fomentar essa discussão publicamente, como os ministros Ricardo Berzoini (Comunicações), Juca Ferreira (Cultura) e Edinho Silva (Secom).

– A juventude quer mais educação, quer a democratização dos meios de comunicação, criminalização da homofobia e também queremos a derrota da redução da maioridade penal, aprovada na Câmara dos Deputados, destacou Carina Vitral, presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), durante seu discurso no Planalto.  O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) Guilherme Boulos, afirmou que “a agenda [pública] tem que ser reforma urbana, reforma agrária, reforma política e da comunicação”.

Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, citou nominalmente os ministros Berzoini e Edinho Silva ao falar sobre a responsabilidade do governo em chamar o tema da regulação do setor de comunicação para o debate público. Durante sua fala, o público presente entoou “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Eleonice Sacramento, da Articulação Nacional das Mulheres Pescadoras, também incluiu a democratização da mídia entre as reivindicações apresentadas à presidenta.

À reportagem, Rosane Bertotti lembrou que enquanto o governo não assume uma posição clara, o tema se faz cada vez mais urgente na agenda da sociedade organizada. “Temos praticamente um evento por semana acontecendo no país nesses últimos meses, o que demonstra que os movimentos sociais não só entendem esse tema como necessário, como também já têm acúmulo suficiente para discuti-lo com os demais atores do setor. Falta tão somente vontade política para incluir a discussão sobre um novo marco regulatório das comunicações na agenda pública”, afirmou.

Fonte: FNDC

O caso Frota, a cultura do estupro e os limites à liberdade de expressão

Por Sâmia Bomfim*

Quando recebi a notificação para depor no 2º DP de Cotia, custei a acreditar que fosse verdade. Mas era isso mesmo: Alexandre Frota havia entrado com uma denúncia contra mim por calúnia e difamação. Em maio, criei um evento no Facebook para reunir as pessoas que estavam indignadas com a declaração que ele havia dado no programa Agora é Tarde, da Band, quando afirmou que fez sexo sem consentimento com uma mãe de santo. Segundo Frota, eu inventei que ele estuprou uma mulher e isso gerou uma série de problemas pessoais e profissionais para ele. Na época, ele me procurou no Facebook para me intimidar, mas jamais pensei que ele iria tentar me incriminar diante desta situação.

O vídeo pode ser visto aqui. Qualquer um pode ter acesso a seu conteúdo e tirar suas próprias conclusões. Não fui a única, tampouco a primeira, a se indignar e pedir algum tipo de punição para Frota na época. Uma série de páginas, ativistas, coletivos, personalidades, parlamentares e veículos de comunicação se manifestaram também.

Essa situação é muito absurda. Ele quer sair do papel de culpado para o papel de vítima. Quer criminalizar quem se indignou com seu relato em rede nacional. Estupro é crime, denunciar é um direito.

Na época, várias entidades entraram com um pedido de investigação no Ministério Público. Tivemos uma primeira conquista. Nesta quinta-feira 13 acontece sua audiência no Ministério Público de São Paulo. Frota terá de responder por incitação ao crime e violência de gênero. Feministas organizam um ato para pedir sua punição e em repúdio ao processo que ele está movendo contra mim.

No Brasil, uma mulher é vítima de violência sexual a cada 12 segundos. A mídia em geral cumpre com um papel muito negativo de naturalização da violência contra a mulher. É hábito no País a exibição de cenas em novelas e programas de TV com mulheres sendo assediadas e agredidas. Não são raros apresentadores e “comediantes” que fazem supostas piadas com conteúdo opressor. O próprio apresentador do programa Agora é Tarde, Rafinha Bastos, é um exemplo desta prática.

O caso de Alexandre Frota é emblemático do absurdo da cultura do estupro no Brasil e do debate que precisa ser feito no País sobre limites à liberdade de expressão. Frota recebe palco, aplausos e exibição em horário nobre nos meios de comunicação de massa para relatar um estupro e ainda de sente no direito de abrir processo criminal contra pessoas que se indignam com seu relato. É uma completa inversão de papeis.

O processo é individual, contra mim, mas considero uma tentativa de ataque coletivo às feministas. No último período, o feminismo se ampliou e se fortaleceu. Muitas mulheres em todo o mundo têm usado as redes para promover campanhas e debater política, e têm saído às ruas para denunciar o machismo e lutar por mais direitos. Os machistas, dentre eles artistas e políticos, que estão sendo denunciados e percebendo que há um forte movimento que não aceita mais tanta violência, querem que as mulheres sintam medo e parem de reivindicar seus direitos, mas não vão conseguir.

Espero que o caso recebe a devida punição do Estado, que eu não tenha que responder por um crime que eu não cometi e que toda essa história sirva de exemplo para as emissoras e artistas que tratam estupro como piada.

* Sâmia Bonfim é servidora da USP, integrante do coletivo Juntas! e da Secretaria de Mulheres do Sintusp (Sindicato dos Trabalhadores da USP).

Em tempo: o Intervozes também denunciou o caso ao Ministério Público Federal e ao Ministério das Comunicações, pedindo a responsabilização da Rede Bandeirantes pelo episódio. Esperamos o posicionamento dos órgãos sobre o ocorrido.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

MPF processa Editora Abril por matéria de Veja considerada discriminatória

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região acolheu um recurso do Ministério Público Federal (MPF) revertendo uma sentença de primeira instância que declarava prescrita ação movida pelo órgão contra a Editora Abril, por conta de uma reportagem considerada discriminatória contra minorias étnicas publicada em maio de 2010 na revista Veja.

A ação por danos morais coletivos, ajuizada pelo MPF em agosto de 2014, foi movida por conta da reportagem intitulada “A farra da antropologia oportunista” e pede pagamento de indenização mínima de R$ 1 milhão, que seriam destinados aos povos tradicionais do estado de São Paulo.

De acordo com o MPF, o texto de Veja “baseou-se em informações distorcidas e expressões injuriosas para criticar o processo de demarcação de reservas destinadas a grupos indígenas e quilombolas”. O texto buscou caracterizar a criação de novas reservas como “fruto do conchavo entre ativistas que sobreviveriam dos sucessos das demarcações, agentes públicos e antropólogos cujo trabalho não teria nenhum rigor científico, mas simplesmente viés ideológico de esquerda”.

A publicação ainda utiliza termos depreciativos que incitam o preconceito contra as comunidades indígenas e outras minorias, qualificando, por exemplo, os tupinambás como “os novos canibais”, relacionando-os a invasões, saques e outras práticas delituosas. Para a procuradora da República Suzana Fairbanks Oliveira Schnitzlein, autora da ação e do recurso, tais declarações não podem ser toleradas a pretexto de liberdade de expressão/imprensa, direito fundamental que não pode ser confundido com “o puro e simples discurso de ódio camuflado de reportagem jornalística”.

A decisão que extinguia o processo se baseou no prazo prescricional de três anos estabelecido no Código Civil para pedidos de reparação civil, mas o desembargador federal Carlos Muta, do TRF-3, afirmou que o prazo-limite para o ajuizamento de ação civil pública em matérias que envolvem direitos coletivos é de cinco anos.

Publicada no Portal Fórum

Internautas denunciam personagem racista do programa ‘Pânico na Band’

Exibido na TV aberta todas as noites de domingo, o programa “Pânico na Band” vem fazendo, nas últimas semanas, apologia ao racismo com o novo personagem “Africano”. Interpretado por Eduardo Sterblitch, que é branco e se pinta de preto (black face) para representar um negro, a figura ridiculariza africanos e afrodescendentes com falas, gestos e danças consideradas extremamente preconceituosas e ofensivas.

“Repudiamos a maneira nojenta em que retratam os povos da África a fim de intensificar o mito de que tudo que vem da Africa e todo seu povo não tem educação e merece gargalhadas de escárnio”, escreveram os organizadores do evento “Repúdio ao racismo do personagem Africano no Pânico na Band” no Facebook. Na página, internautas discutem o preconceito exposto e estudam meios para processar o programa e tirar o personagem do ar.

Criado no mês passado, o “Africano” faz parte do quadro “Pânico Chef”, paródia do reallity show de culinária “Master Chef”. Quando aparece, “Africano”, de forma pejorativa, “recebe entidades” – ridicularizando religiões de matriz africana -, não se comunica de forma civilizada, se joga no chão, faz gestos de macaco e em vários momentos é colocado como um ser primitivo. “Planta e colhe”, aparece na legenda de suas “atribuições” como “cozinheiro”.

“A depreciação da imagem do africano e afro-brasileiro está intimamente ligada a um processo de dominação e opressão, a partir do simbólico e da manutenção dos privilégios de uma elite branca e racista. Outro aspecto que merece ser destacado nessa discussão é que as frequências de transmissão dos canais são públicos e as emissoras recebem concessões para explorar esses espaços com o compromisso de zelar pelos interesses públicos. Também é importante destacar que o direito a liberdade de expressão não está acima de nenhum outro direito, sobretudo os direitos humanos e o respeito a dignidade humana”, escreveu, em seu blog, Juninho Palmarino, jornalista e militante do movimento negro no Círculo Palmarino.

Além das redes sociais brasileiras, o preconceito destilado pelo programa atingiu até jornais africanos. O SeneWeb, de Senegal, por exemplo, publicou neste domingo (9), a seguinte postagem seguida de um vídeo do personagem: “O Brasil é um país racista? Vejam como eles riem dos africanos!”

Publicada em Portal Fórum

É hora de salvar as rádios e TV Cultura

Nos últimos anos, mais de 2 mil funcionários foram demitidos da Fundação Padre Anchieta, responsável pelas rádios e TV Cultura de São Paulo. Para se economizar 350 mil reais com o sinal da TV parabólica, 30 milhões de telespectadores foram privados do sinal da emissora. Produções originais foram cortadas ou transformadas em espaço para veiculação de programação terceirizada. Tal retrato difere, em muito, do que vêm à memória quando pensamos na Cultura dos anos 90.

Com programação de qualidade nas rádios e referência na produção de conteúdo infantil, jornalístico e cultural na televisão, a Cultura marcou época com produções como o Castelo Rá-tim-bum, Confissões de Adolescente, Roda Viva, Ensaio, Vitrine e tantos outros. Vários programas de referência, entretanto, foram extintos, como Zoom, Grandes Momentos do Esporte, Vitrine, Cocoricó e Bem Brasil. Agora, programas como Viola Minha Viola e Provocações também correm o risco de acabar. Outros, como o infantil Quintal da Cultura, podem virar mera plataforma para a exibição de desenhos animados tercerizados.

Esse processo vem acompanhado de demissões em massa e de precarização das relações de trabalho, tanto na TV quanto nas rádios, com estrangulamento da equipe de jornalismo e radialismo; enfraquecimento da produção própria de conteúdo, inclusive dos infantis; entrega, sem critérios públicos, de horários na programação para meios de comunicação privados, como a Folha de S.Paulo; sucateamento da cenografia, da marcenaria, de maquinaria e efeitos, além do setor de transportes.

A última fase de desmonte daquela que, durante muito tempo, se colocou como uma alternativa aos meios de comunicação comerciais, cumprindo as finalidades artísticas, culturais e informativas previstas na Constituição Federal para toda a radiodifusão e consolidando um exemplo de comunicação pública reconhecido pela população, pode estar próxima. O governo do Estado de São Paulo reduziu recentemente em 20% o orçamento da Fundação Padre Anchieta, e pretende fazer cortes ainda maiores nos canais.

Em reação a esse movimento, trabalhadores, artistas, comunicadores e organizações da sociedade civil lançam uma nova mobilização em defesa das rádios e da televisão Cultura. Na próxima segunda-feira, dia 10, às 9h, um ato de protesto ocorrerá diante dos estúdios da emissora. Neste momento, o Conselho Curador da Fundação estará reunido, e a expectativa é mostrar a indignação da população contra o desmonte de uma das principais emissoras públicas de comunicação do país.

Um manifesto em defesa da Cultura Viva também está no ar. O texto lembra a excelência do trabalho produzido durante décadas por jornalistas, radialistas, artistas e técnicos, que renderam inúmeros prêmios nacionais e internacionais aos canais. A valorização da cultura nacional, da música clássica, da música popular brasileira e da programação infantil também são destacadas como um legado histórico da Cultura, que, desde os anos 2000, vem sofrendo brutais transformações.

“Acompanhamos esse processo estarrecidos, mas não passivamente. Vamos lutar para impedir o desmanche da Cultura. Queremos a Cultura Viva, refletindo a diversidade e a pluralidade do povo paulista e brasileiro. Queremos a Cultura Viva, mas queremos que ela seja ainda mais pública, que ouça a sociedade, que espelhe de forma criativa a complexidade e a efervescência cultural do nosso estado e do Brasil”, afirma o documento, que está disponível aqui para adesões.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.