Partidos e entidades se mobilizam em defesa do caráter público da EBC

“A comunicação pública existe para tratar dos interesses públicos de forma a dar voz à pluralidade e diversidade de ideias, o que normalmente não é de interesse nas empresas comerciais”, enfatizou Bia Barbosa, secretária-geral do FNDC

Em entrevista concedida ao programa O Povo no Rádio, da CBN de Fortaleza (CE) nesta segunda-feira, dia 6, Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), falou sobre os principais problemas da Lei 13.417/2017. Sancionada por Michel Temer na semana passada, a lei desmonta o caráter público da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a transforma numa espécie de empresa de comunicação governamental.

Bia explicou que a EBC é hoje a única empresa nacional de comunicação pública. Há outras rádios e TVs públicas, mas de abrangência estadual. A EBC foi criada em 2008 para fazer cumprir o disposto no artigo 223 da Constituição, que estabelece a complementaridade entre os sistemas de comunicação no Brasil. “A comunicação pública existe para tratar dos interesses públicos de forma a dar voz à pluralidade e diversidade de ideias, o que normalmente não é de interesse nas empresas comerciais”, enfatizou Bia. A EBC preencheu um espaço que necessitava ser ocupado na organização da rede pública de comunicação. A empresa se transformou numa “cabeça de rede” que reuniu e organizou rádios e TVs públicas nos estados.

Infelizmente, o Brasil tem um histórico muito recente de comunicação pública. “Nossa comunicação, que vem dos anos 1940/1950, nasceu essencialmente comercial. Se olharmos para fora, veremos que vários países, principalmente os europeus, possuem uma comunicação pública consolidada. Olhando esses países, vemos que existem mecanismos reconhecidos internacionalmente como fundamentais para garantir o caráter público da comunicação”, destacou Bia, levantando duas questões primordiais: a autonomia em relação ao governo e a existência de conselhos que priorizem a participação social na gestão.

Bia Barbosa também falou sobre a ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) que entidades e movimentos em defesa da democratização da comunicação, entre elas o FNDC, estão articulando para tentar reverter os retrocessos impostos pelo atual governo à comunicação pública no país. A ADIN deverá ser protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) por PT, PCdoB e PSOL em breve.

Desmonte da comunicação pública

A Presidência da República sancionou na quinta-feira, dia 2, a Lei 13.417/2017, originada da Medida Provisória 744/2016 – lei que altera a estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) que enfraquece seu caráter público e reforça a decisão do governo de transformá-la em uma emissora dedicada meramente à reprodução de conteúdo de assessoria governamental.

A lei extingue o Conselho Curador, põe fim à independência do mandato do presidente da empresa, que poderá ser substituído a qualquer momento pelo governo.

Michel Temer ainda apresentou vetos que retiram da lei a prerrogativa do Comitê Editorial e de Programação de deliberar sobre planos editoriais propostos pela diretoria-executiva para os veículos da EBC, de deliberar sobre alterações na linha editorial da programação veiculada pela EBC e de convocar audiências e consultas públicas sobre os conteúdos produzidos. Ou seja, da nova lei resulta a existência de um comitê figurativo, sem força para atuar como representante da sociedade civil na empresa.

No texto que saiu do Legislativo, caberia ao Comitê deliberar sobre questões relativas aos planos editoriais propostos pela diretoria, “na perspectiva da observância dos princípios da radiodifusão pública”, e também “deliberar sobre alterações na linha editorial da programação veiculada pela empresa”. Agora, tais deliberações são exclusivas da diretoria-executiva, cuja gestão estará subordinada completamente aos interesses do governo. Do que resulta a transformação da EBC em uma empresa dedicada à comunicação estatal, e não mais à comunicação pública.

Temer ainda vetou o dispositivo que previa mandato máximo de quatro anos para os membros da diretoria-executiva da EBC e rejeitou um outro que determinava a nomeação do diretor-presidente da estatal somente após aprovação de sua indicação pelo Senado Federal. Portanto, na versão final da lei, caberá ao ocupante do cargo de presidente da República a decisão soberana sobre quem comandará a empresa de comunicação e por quanto tempo permanecerá no cargo.

Por: Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

O LOBBY DA INDÚSTRIA DE DIREITO AUTORAL PARA BLOQUEAR SITES NO BRASIL

Pressão dos grandes estúdios e produtores de conteúdo contra compartilhamento de arquivos ganha força no Congresso. Saiba o que você perde

Por Marina Pita*

Há alguns anos, copiar um filme para uso doméstico, emprestar para os amigos uma fita VHS ou uma cassete com suas músicas favoritas era parte do nosso cotidiano.

Com a passagem do mundo analógico para o digital, a prática da cópia passou a ser vista como algo criminoso – mesmo que copiar seja muito diferente de roubar. Quando se copia, ninguém fica sem, vale lembrar.

Mesmo assim, as entidades representantes de grandes produtoras de conteúdo investem cada vez mais pesado em mídia e lobby para que a distribuição de conteúdos seja tratada como crime da mesma gravidade que o terrorismo, tráfico de drogas, exploração sexual de crianças e adolescentes e tráfico internacional de armas. Não fosse a lavagem cerebral feita diariamente sobre os consumidores, este tipo de comparação soaria ultrajante.

Não negamos aqui que a legislação de direitos autorais no Brasil precisa ser atualizada diante dos avanços tecnológicos.

Todos os setores, tanto as grandes empresas controladores de milhares de registros de direito autoral, quanto educadores, autores, músicos e defensores da liberdade de expressão concordam com isso. Mas como atualizar a lei é a grande polêmica.

De um lado, estão aqueles que defendem que os direitos autorais devem ser defendidos a todo custo – doa a quem doer. De outro, os que entendem que o direito autoral não é mais eficaz para garantir a produção artística e, por isso, propõem modelos alternativos para o setor.

Parcela dos especialistas, talvez a maioria, também aponta a importância de regular de maneira diferente segmentos diferentes.

Trata-se de um debate que precisa ser feito com profundidade, envolvendo todos os diferentes interesses em jogo – inclusive o dos cidadãos, que tem direito de acesso à informação e à cultura no mundo digital.

O problema é que o poder econômico da indústria do direito autoral tem falado mais alto. O circo está pegando fogo, queimando rápido, sem que a maioria se dê conta disso.

Em 2016, no apagar das luzes da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos chamados crimes cibernéticos, a Motion Picture Association (MPA) – que representa mega estúdios como Disney, Fox, Sony, NBC, Universal e Viacom –, junto com associações de caráter semelhante, conseguiram inserir no relatório final da CPI a previsão para o bloqueio total de sites que violem direitos autorais.

A medida teve pouca repercussão na época, até porque parte da imprensa brasileira – sobretudo os veículos ligados ao Grupo Globo – também tem interesse no assunto. Aprovado na CPI, o texto começou a tramitar na Câmara dos Deputados.

Agora, o lobby dos estúdios encontrou uma ótima brecha para que ele seja aprovado rapidamente, sem qualquer debate público. Pretendem pegar carona na votação de um projeto, que já se encontra do plenário da Câmara, em fase final de votação, que pretende justamente o contrário: impedir o bloqueio de sites e aplicativos como o WhatsApp.

A jogada da MPA é inserir uma emenda no PL criando uma exceção para os sites que violem direitos autorais – que poderiam, então, sem bloqueados totalmente.

Por que bloquear sites por infração de direitos autorais é um problema

Não é a primeira vez que a indústria do direito autoral tenta resolver seus interesses econômicos pegando carona em outras leis em debate no Parlamento.

Quando o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) estava sendo debatido, também houve enorme pressão para que ele trouxesse a previsão de que conteúdos supostamente violadores de direitos autorais fossem removidos das redes sem ordem judicial.

Na época, felizmente se compreendeu que o tema era bem mais complexo e que tais questões deveriam ser tratadas num processo específico, de reforma da Lei de Direitos Autorais.

Na época, o tema estava em discussão no Ministério da Cultura, mas agora também foi congelado. Os grandes produtores de conteúdo voltaram então à baila para criar um novo penduricalho legal, agora se aproveitando do PL que impede o bloqueio de sites e aplicativos.

Além de ignorar a complexidade do tema, que requer uma discussão minimamente aprofundada na sociedade, autorizar o bloqueio de sites por infração de direitos autorais terá consequências problemáticas.

Em primeiro lugar, a medida pode impedir que páginas online dedicadas ao compartilhamento de arquivos entre pessoas se tornem inacessíveis no Brasil, mesmo que elas não sejam usadas exclusivamente para compartilhar conteúdos violadores de direitos autorais.

Várias plataformas de troca de conteúdo entre pessoas de diversas partes do mundo podem ser penalizadas, fazendo com que o mal uso dessas plataformas por parte de seus usuários impeça que a plataforma em si exista.

A proposta de bloquear sites inteiros também é ineficaz. Hoje, mesmo quando plataformas usadas exclusivamente para compartilhar conteúdos protegidos são tiradas do ar, rapidamente outras equivalentes são criadas.

E cada vez mais cresce o número de usuários capazes de mascarar tecnicamente a origem de suas conexões e assim navegar na rede como se estivessem em outra parte do mundo, escapando os bloqueios determinados em um ou outro país.

O esforço técnico e econômico para barrar tais contornos de acesso a páginas eventualmente bloqueadas claramente não valeria a pena. A lista de sites seria sempre crescente, num jogo de gato e rato infinito.

Argumentar que este tipo de lei vem sendo adotado em vários países europeus e, por isso, o Brasil deveria seguir o mesmo caminho, também é algo que não se sustenta.

Não há como comparar o Brasil com a França ou com a Bélgica em termos de capacidade de acesso das populações a bens culturais. Também a posição econômica dos países na cadeia de produção dos bens culturais é outra.

É mais interessante para um país que recebe vultosos recursos em direitos autorais e taxas de propriedade intelectual defender a implementação deste tipo de lei. Aqui, o caso é diferente.

Soluções alternativas

No Brasil, o surgimento de novos modelos de oferta de conteúdo – como rádios digitais e locadoras de vídeo virtuais – tem se mostrado efetivo para converter tradicionais usuários de serviços de compartilhamento de arquivos em consumidores registrados e pagantes.

A facilidade e a garantia de segurança no acesso ao conteúdo convencem boa parte da população com recursos a arcar com  assinaturas dos serviços.

E, ainda que nem todos os usuários da Internet deixem de consumir, irregularmente, em casa, conteúdos protegidos por direito autoral, isto não é necessariamente ruim.

O impacto que este tipo de bloqueio total pode ter no acesso a bens culturais em um país de extrema desigualdade social como o Brasil é algo a se considerar seriamente.

A própria indústria detentora dos direitos autorais poderia perder, já que lucra cada vez mais com o licenciamento de produtos (roupas, brinquedos, acessórios em geral) relacionados ao conteúdo original.

Quanto menos gente tem acesso a eles, menos produtos são vendidos. Estamos falando de um país em que metade da população não tem acesso ao cinema.

Nessas circunstâncias, permitir a aprovação de uma mudança legislativa dessa forma é mais do que temerário. O que o Brasil precisa é de uma agenda legislativa e de políticas culturais relacionadas ao mundo digital que respondam às necessidades do país e de sua população, 50% ainda desconectada.

Aprovar o total bloqueio de sites e aplicações em função de uma suposta proteção aos direitos autorais dos grandes estúdios só ampliará a exclusão cultural – prática que começa a virar moda no Brasil de hoje.

* Marina Pita é jornalista e integra o Conselho Diretor do Intervozes.

 

Temer sanciona lei que ataca caráter público da EBC

Medida Provisória que acaba com Conselho Curador da emissora e com a independência do mandato diretivo recebeu vetos que resultam em falta de autonomia em relação ao governo

A Presidência da República sancionou nesta quinta-feira, dia 2, a Lei 13.417/2017, originada da Medida Provisória 744/2016 – lei que altera a estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), enfraquece seu caráter público e reforça a decisão do governo de transformá-la em uma emissora dedicada meramente à reprodução de conteúdo de assessoria governamental.

A lei extingue o Conselho Curador, põe fim à independência do mandato do presidente da empresa, que poderá ser substituído a qualquer momento pelo governo de turno, e cria um Conselho de Administração e uma diretoria-executiva como novos órgãos gestores.

Entre os vetos apresentados, Michel Temer retirou da lei a prerrogativa do Comitê Editorial e de Programação de deliberar sobre planos editoriais propostos pela diretoria-executiva para os veículos da EBC, de deliberar sobre alterações na linha editorial da programação veiculada pela EBC e de convocar audiências e consultas públicas sobre os conteúdos produzidos. Ou seja, da nova lei resulta a existência de um comitê figurativo, sem força para atuar como representante da sociedade civil na empresa.

No texto que saiu do Legislativo, caberia ao Comitê deliberar sobre questões relativas aos planos editoriais propostos pela diretoria, “na perspectiva da observância dos princípios da radiodifusão pública”, e também “deliberar sobre alterações na linha editorial da programação veiculada pela empresa”. Agora, tais deliberações são exclusivas da diretoria-executiva, cuja gestão estará subordinada completamente aos interesses do governo. Do que resulta a transformação da EBC em uma empresa dedicada à comunicação estatal, e não mais à comunicação pública.

Temer ainda vetou o dispositivo que previa mandato máximo de quatro anos para os membros da diretoria-executiva da EBC e rejeitou um outro que determinava a nomeação do diretor-presidente da estatal somente após aprovação de sua indicação pelo Senado Federal. Portanto, na versão final da lei, caberá ao ocupante do cargo de presidente da República a decisão soberana sobre quem comandará a empresa de comunicação e por quanto tempo permanecerá no cargo.

Censura e silenciamento

Durante a votação da MP 744/2016 no Senado Federal, a senadora Fátima Bezerra (PT-PI) lembrou que, em outubro de 2016, o Ministério Público Federal apresentou uma nota técnica sobre a Medida Provisória, apontando que esta poderia trazer como consequência a fragilização estrutural da EBC, com “a subordinação da empresa às diretrizes do governo e o seu condicionamento às regras estritas de mercado”. Abrindo-se, desta forma, espaço para a prática da “censura de natureza política, ideológica e artística”, tanto pela definição da linha editorial da empresa e da programação na perspectiva dos interesses dos governantes quanto pelo silenciamento das vozes divergentes ao governo.

“Teremos um comitê editorial que será chapa branca, pois terá que atender às demandas vindas do governo e sempre estará à mercê do humor de quem está na direção”, lamentou Fátima Bezerra, sem saber à época que os futuros vetos presidenciais acabariam de vez com qualquer participação social na empresa.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), por sua vez, enfatiza que o governo comete um ato inconstitucional com a MP, pois a existência de um sistema de comunicação pública não-governamental faz parte de algo que já está previsto na Constituição, em seu artigo 223, que é a complementaridade entre os sistemas público, estatal e privado de comunicação. Essa complementaridade teria por objetivo assegurar a efetiva realização da liberdade de manifestação do pensamento, pela possibilidade de serem ouvidas outras vozes, além daquelas emitidas pelos ocupantes de cargos públicos e pelas forças que controlam o mercado.

“A EBC foi criada para preencher uma lacuna que estava aberta na comunicação com a sociedade. O objetivo dessa empresa não deve ser o lucro, e sim a comunicação independente, educativa e cultural. E é isso que tanto incomoda ao governo: a liberdade para mostrar um lado diferente do que predomina na mídia nativa”, reforçava Gleisi Hoffmann à época.

Desmonte da comunicação pública

A Lei 13.417/2017 foi sancionada depois de um ato arbitrário do governo envolvendo o jornalista Ricardo Pereira de Melo, ex-presidente da empresa. Ele foi afastado pelo então presidente interino Michel Temer (PMDB) em maio de 2016, logo depois do afastamento provisório de Dilma Rousseff.

Um dia após sua demissão, Melo protocolou mandado de segurança (nº 34.205) no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando sua exoneração, já que tinha estabilidade no cargo. Na antiga estrutura da EBC, organizada pela Lei 11.652/2008, o presidente da estatal tinha um mandato de quatro anos, independentemente de quem ocupava o cargo de presidente da República.

Melo retornou à presidência da EBC em liminar proferida pelo ministro Dias Toffoli, do STF. Na decisão, o magistrado reconheceu que o artigo 19, parágrafo 2º, da Lei 11.652/2008 determinava claramente que o mandato do presidente da EBC era de quatro anos e só poderia ser interrompido por decisão do Conselho Diretor da empresa.

Segundo Toffoli, essa condição mostrava o “nítido intuito legislativo de assegurar autonomia à gestão da diretoria-executiva da EBC, inclusive ao seu diretor-presidente”. “Em análise precária, portanto, me parece que seria esvaziar o cerne normativo dos dispositivos interpretá-los — tal qual propõe a autoridade impetrada — no sentido da existência de mandato apenas na expressão, mas não em seu conteúdo”, afirmava o ministro do STF em sua decisão.

Governo impôs decretos sobre leis

Entre o afastamento arbitrário de Melo por Michel Temer e a liminar proferida por Dias Toffoli no dia 2 de junho de 2016, a presidência da EBC foi ocupada pelo também jornalista Laerte Rímoli. Para reverter a decisão do STF, Michel Temer alterou em setembro, por decreto, o estatuto da EBC, garantindo a nomeação de Rímoli como presidente da empresa. A mudança estatutária transformou a presidência da EBC em um cargo de livre nomeação do presidente da República.

Por meio de outro decreto, o governo demitiu então Ricardo Melo, nomeando Laerte Rímoli para o cargo. Rímoli chefiou o setor de comunicação da Câmara dos Deputados durante parte da gestão do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e também integrou a campanha do senador Aécio Neves (PSDB-MG) à Presidência da República em 2014, quando o tucano foi derrotado por Dilma Rousseff nas urnas.

Segundo a Lei das Estatais, portanto, Rímoli não poderia ocupar o cargo de presidente da EBC. Mas Temer preferiu ignorar também essa lei. Ao mesmo tempo, o governo editou a Medida Provisória 744/2016 para alterar a Lei 11.652/2008 e tornar o cargo de diretor-presidente de livre nomeação e exoneração do ministro-chefe da Casa Civil, “oficializando” o que já havia feito por meio de decreto.

A MP 744 e os decretos foram questionados por Ricardo Melo sob o argumento de que os atos de Temer violaram a soberania da Justiça e o ato jurídico perfeito. A ação fez com que o governo federal voltasse atrás e editasse um terceiro decreto, tornando sem efeito a exoneração do jornalista. Essa mudança fez com que Dias Toffoli declarasse a perda de objeto do mandado de segurança apresentado por Melo logo após a sua exoneração.

Entretanto, é certo que as mudanças trazidas neste terceiro decreto de Temer não resolveram os problemas ocasionados na gestão da EBC pelas medidas arbitrárias do atual governo. Pelo contrário, apenas reforçam que, com a nova estrutura, a empresa responderá ainda mais às demandas do governo de turno, deixando de fazer uma comunicação de caráter público e inviabilizando a complementariedade entre os sistemas privado, público e estatal prevista na Constituição Federal.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação, com informações da Agência Senado

Governo suspendeu renovação das rádios comunitárias durante processo de transição de AM para FM das rádios comerciais

Movimento Nacional de Rádios Comunitárias denuncia que tecnologia internacional usada pelo governo neste processo não contempla o funcionamento de um segmento social de comunicação no Brasil, garantido pela Constituição Federal

O coordenador do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC), Jerry Oliveira, denuncia que o governo suspendeu a renovação de cerca de 1200 rádios comunitárias durante o processo de migração das rádios AM para FM. “Destas, cerca de 900 entregaram a documentação no prazo para renovação, e muitas tiveram suas concessões não renovadas, negadas por uma política de criminalização das rádios comunitárias”, afirma.

Oliveira aponta que o processo de mudança das rádios da faixa de AM para a de FM suspendeu todos os processos de novas rádios que poderiam ser autorizadas através do Plano Nacional de Outorga. O decreto assinado em 2013 pela então presidenta Dilma Rousseff vem sendo utilizado pelo atual governo como argumento para a não renovação de contratos das rádios comunitárias, que já operam em FM.

“O objetivo é claro, eles querem limpar o espectro, mas não para atender às demandas dos segmentos de rádio, e sim para garantir o aumento de potências e do número de frequências para emissoras comerciais. Isso vai congestionar o espectro e impedir a complementaridade dos sistemas”, destaca o coordenador do MNRC. Para ele, é uma forma clara e objetiva de impedir qualquer avanço das demandas das rádios comunitárias, como o aumento de potência e o aumento do número de canais. Ou seja, a postura do governo resultaria na privatização total do espectro.

Oliveira destaca que a proposta do governo de digitalização da radiodifusão também visa atender aos interesses do modelo americano digital de rádio, cuja tecnologia se baseia no sistema Iboc (In Band On Channel, em inglês), ou HD rádio (High Definition Radio, em inglês), desenvolvido pelo consórcio americano Ibiquity e que não opera na faixa AM. “A transferência de faixas com uso de tecnologia americana coloca em risco a soberania da comunicação no Brasil e não contempla um sistema social de comunicação, pois essa tecnologia foi criada a partir de uma realidade de mercado que não corresponde à brasileira”, denuncia. Trata-se de um sistema com tecnologia fechada e que coloca em risco a soberania da comunicação do país, pois será entregue um “espectro, um bem público, para o setor privado”.

O encerramento da onda de radiodifusão AM acaba não só com a comunicação entre as comunidades ribeirinhas, mas também com a comunicação do Brasil em nível internacional. “É uma questão política que deve ser analisada com muita calma”, diz Oliveira. Para longos alcances, normalmente utiliza-se a faixa AM ou a de Ondas Curtas (OC).

Governo ignora a Constituição

Criada em 1998, a Lei 9.612 regulamenta o exercício das rádios comunitárias no Brasil. Mas esse segmento da comunicação, que veio para preencher o espaço previsto na Constituição Federal de complementaridade dos sistemas público, estatal e privado de comunicação, tem encontrando séries dificuldades para desempenhar seu papel, boa parte delas impostas justamente pelo Estado, que deveria zelar pelo correto funcionamento deste sistema tripartite.

O princípio da complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de radiodifusão, contido no art. 223 da Constituição, exige um modelo de serviços de radiodifusão que vai além do clássico. A Constituição impõe a complementaridade entre os setores para criar harmonia e colaboração entre as estruturas de comunicação social. Desta forma, deveria-se garantir o equilíbrio adequado entre campos de comunicação social com funções diferenciadas, para evitar distorções arbitrárias no processo de comunicação social.

Desde antes da criação da Lei 9.612, o Estado brasileiro vem promovendo uma patrulha contra a comunicação comunitária e popular. Além de um marco legal que limita os direitos desse tipo de comunicação, a prática da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e da Polícia Federal são costumeiramente abusivas e desrespeitosas com a democracia. “Essa situação só vem piorando, como a publicação de portarias e decretos assinados pelo ex-ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que só aumentaram e restringiram ainda mais as atividades das rádios comunitárias”, frisa Oliveira.

Segundo ele, o cenário atual continua desfavorável, mas o MNRC pretende construir possibilidades de resistência, como a ocupação de emissoras e o não reconhecimento das cassações. “Precisamos ocupar esses latifúndios e vamos resistir com muita luta”, garante.

Movimentos Sociais e Rádios Comunitárias

Jerry Oliveira também reforça a importância de unificar a pauta de todas entidades ligadas à radiodifusão comunitária. “Precisamos discutir e cobrar a complementaridade do sistema e a regionalização da comunicação”.

Ele deseja o reconhecimento, por parte dos grupos e organizações de esquerda, das rádios comunitárias como um movimento social, e não apenas como uma mídia. “Essa invisibilidade fez com que a despolitização fosse uma marca, e é aí que outras pessoas se aproveitam e se apropriam das rádios. Esse é um espaço de conscientização e disputa da comunidade, e não pode estar nas mãos de interesses que não sejam ‘comunitários’ ”, adverte.

Oliveira chama os outros movimentos sociais a reconhecerem e se somarem à luta das rádios comunitárias. “Quando a gente entra na discussão da democratização da comunicação, [notamos que] a rádio comunitária é mais invisível do que se pode imaginar. Nós estamos fazendo um esforço danado para dizer o que está acontecendo, mas as pessoas estão priorizando outras discussões”.

Para o coordenador do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias, estas emissoras fortalecem outras bandeiras de luta sociais a partir do diálogo que pode e deve ser mobilizado a partir das associações comunitárias. “Precisamos formar uma rede de resistência”, enfatiza Oliveira.

Por: Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

MPF PEDE SUSPENSÃO DA OUTORGA DE RÁDIO PERTENCENTE A FAMÍLIA DE AÉCIO NEVES

Procuradores afirmam que o senador “violou, durante quase seis anos, dispositivo expresso da Constituição, deturpando o princípio democrático dos meios de comunicação”

O Ministério Público Federal (MPF) de Minas Gerais ajuizou, nesta quarta-feira, dia 22, uma ação pública na qual pede o cancelamento da permissão de funcionamento da Rádio Arco Íris, que opera em Belo Horizonte como Jovem Pan FM e que, por quase seis anos, teve como um dos sócios o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

A ação  civil pública ajuizada pela pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), órgão do MPF recorre ao artigo 54 da Constituição que “proíbe que parlamentares firmem ou mantenham contrato com empresas concessionárias de serviço público”, segundo nota divulgada pelo MPF, em Belo Horizonte. “Por isso, deputados e senadores não podem figurar como sócios de pessoas jurídicas concessionárias do serviço público de radiodifusão”, segue a nota.

Os procuradores pedem o cancelamento da outorga do direito de prestação de serviço de radiodifusão porque a rádio, ao ter Aécio Neves como sócio da empresa, entre 28 de dezembro de 2010 a 21 de setembro de 2016, “violou, durante quase seis anos, dispositivo expresso da Constituição, deturpando o princípio democrático no tocante aos meios de comunicação”. Nesse período o tucano tinha 44% do capital social da empresa. Hoje, 95% das cotas estão com sua irmã, Andrea Neves, e 5% com sua mãe, de acordo com a procuradoria.

A defesa dos procuradores é que a União seja “obrigada a determinar a suspensão da outorga do serviço de radiodifusão sonora da Rádio Arco Íris”, em caráter definitivo e abstendo-se ainda de renová-la e que a rádio seja condenada a não mais operar na frequência FM 99,1 MHz.

A ação ainda faz menção a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reforçou que deputados e senadores não podem ser sócios de empresas de radiofusão. O argumento seria prevenir riscos de uso de meios comunicação de massa para atender a interesses de um ou outro político como foi levantado pelo Supremo no julgamento a Ação Penal 530, confirmando que os artigos 54, I, “a” e 54, II, “a” da Constituição contém uma proibição clara que impede deputados e senadores de serem sócios de pessoas jurídicas titulares de concessão, permissão ou autorização de radiodifusão.

Alegação da Defesa

O advogado da Rádio Arco-Íris, José Saad Júnior se pronunciou através de nota afirmando que a iniciativa dos procuradores contraria um entendimento baseado na Lei das Telecomunicações e que “prevalece há décadas”, segundo o qual, deputados e senadores “estão impedidos apenas de exercer função de direção nas respectivas empresas”.

Ainda segundo o texto, “a questão está superada porque o senador Aécio Neves não faz mais parte da sociedade, tendo nela permanecido por menos de seis anos. Tanto assim que o senador não é réu na ação proposta”.

Ele ainda alegou que a Advocacia Geral da União (AGU) já se manifestou em sentido contrário ao postulado pelo MPF.

AGU tenta barrar as vitórias contra as concessões de políticos

A Advocacia-Geral da União (AGU) requereu em outubro ao ministro Gilmar Mendes, do STF, “medida cautelar incidental” com o objetivo de suspender o andamento de todos os processos e decisões judiciais que tenham relação com a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão mantidas por empresas de parlamentares. A medida pretende conter uma série de vitórias que as entidades do campo da democratização da comunicação estão obtendo nos estados, como por exemplo a decisão  por meio de liminar que determinou a interrupção das transmissões da Rádio Metropolitana Santista Ltda (1.240 MHz) de propriedade de Antônio Carlos Bulhões (PRB-SP), em agosto passado.

Em resposta à ação da AGU, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor de duas ações no Supremo que tratam deste tema, em conjunto com representantes do Intervozes e da Artigo 19, organizações que solicitaram participar das ações na figura de amicus curiae, se reuniram a época com o ministro Gilmar Mendes. O PSOL e as entidades entregaram ao relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 246 e 379 uma petição solicitando que ele, antes de analisar o pedido da AGU, conceda as medidas liminares solicitadas nas ADPFs.

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República e aguardam a apresentação de voto de um mesmo ministro, Gilmar Mendes.

Conflito de Interesses

Em março de 2012 o Ministério Público Estadual (MPE) de Minas Gerais instaurou inquérito civil para investigar repasses feitos pelo governo daquele estado à Rádio Arco-Íris entre 2003 e 2010, época em que o tucano Aécio Neves comandou o governo mineiro.

Além do ex-governador, também foi citada no inquérito civil MPMG-0024.12.001113-5 sua irmã, Andrea Neves, responsável pelo controle do gasto com comunicação, inclusive a publicidade oficial, durante a gestão do irmão.

Entre 2003 e 2014, foi repassado um total R$ 1,2 milhão a três rádios e um jornal ligados à família de Aécio Neves (PSDB-MG).

Segundo levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo, a maior fatia foi direcionada a rádios e jornais controlados por Aécio Neves e sua família. A parte que coube à Arco-Íris chegou a R$ 1,06 milhão, frente a R$ 51,8 mil e R$ 45,5 mil investidos nas rádios São João Del Rey e Vertentes FM, respectivamente – ambas de São João Del Rei (MG).

Arquivamento

O caso deflagrou uma briga interna no MPE de Minas. Depois de o então procurador-geral de Justiça do Estado, Alceu José Torres Marques, arquivar representação para verificar se a Arco-Íris recebia recursos do governo durante a gestão dele – e em que Andrea presidia o grupo técnico de comunicação da gestão estadual. A representação contra o senador do PSDB de Minas Gerais foi apresentada à Procuradoria-Geral da República em maio de 2011, por deputados da oposição.

O promotor João Medeiros, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, chegou a instaurar inquérito civil para apurar repasses publicitários do Executivo, mas Marques novamente arquivou a denúncia. O caso foi parar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que”confirmou o engavetamento”.

Os Neves receberam a outorga do Ministério das Comunicações e a a concessão da emissora de rádio em 1987.

Coronéis da Mídia

O projeto “Excelências”, vinculado ao Transparência Brasil, aponta que, na atual legislatura (2015-2019), 43 deputados são concessionários de serviços de rádio ou TV, o que representa 8,4% do total dos membros da Câmara dos Deputados. Proporcionalmente, o Senado Federal é ainda mais marcado por este fenômeno, já que 19 senadores são concessionários – o que representa 23,5% dos membros da Casa. Entre estes senadores, figuram ainda Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Agripino Maia* (DEM-RN), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Jader Barbalho (PMDB-PA), Acir Gurcacz (PDT-RO) e Roberto Coelho Rocha (PSDB-MA).

Os números apresentados pelo projeto “Excelências” revelam que, para além da vinculação juridicamente registrada de políticos com os serviços de radiodifusão, existe ainda os casos em que os parlamentares mantêm influência sobre as empresas a partir de laranjas ou de parentes que ocupam posições no quadro societário dos veículos.

O domínio político sobre os meios de comunicação expõe um grave conflito de interesses, uma vez que o próprio Congresso Nacional é responsável pela apreciação dos atos de outorga e renovação de concessões e permissões de radiodifusão.

O fato de concessões públicas estarem no poder de políticos resulta em falta de isonomia, em desrespeito ao pluralismo e em uma grave ameaça ao interesse público, pois o sistema brasileiro de regulação de radiodifusão não prevê a existência de um agente independente para deliberar sobre a distribuição do espectro eletromagnético. Deste modo, tal deliberação é realizada por um procedimento licitatório no qual os parlamentares do Congresso Nacional ocupam um papel central, analisando as outorgas realizadas pelo Poder Executivo.

*Para livrarem-se de possível perda da concessão de radiodifusão, o senador Agripino Maia e seu filho, o deputado Felipe Maia, venderam a participação no Sistema Tropical de Comunicação, porém a concessão continua nas mãos de familiares.

Por: Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação com informações da Rede Brasil Atual