MPF PEDE SUSPENSÃO DA OUTORGA DE RÁDIO PERTENCENTE A FAMÍLIA DE AÉCIO NEVES

Procuradores afirmam que o senador “violou, durante quase seis anos, dispositivo expresso da Constituição, deturpando o princípio democrático dos meios de comunicação”

O Ministério Público Federal (MPF) de Minas Gerais ajuizou, nesta quarta-feira, dia 22, uma ação pública na qual pede o cancelamento da permissão de funcionamento da Rádio Arco Íris, que opera em Belo Horizonte como Jovem Pan FM e que, por quase seis anos, teve como um dos sócios o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

A ação  civil pública ajuizada pela pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), órgão do MPF recorre ao artigo 54 da Constituição que “proíbe que parlamentares firmem ou mantenham contrato com empresas concessionárias de serviço público”, segundo nota divulgada pelo MPF, em Belo Horizonte. “Por isso, deputados e senadores não podem figurar como sócios de pessoas jurídicas concessionárias do serviço público de radiodifusão”, segue a nota.

Os procuradores pedem o cancelamento da outorga do direito de prestação de serviço de radiodifusão porque a rádio, ao ter Aécio Neves como sócio da empresa, entre 28 de dezembro de 2010 a 21 de setembro de 2016, “violou, durante quase seis anos, dispositivo expresso da Constituição, deturpando o princípio democrático no tocante aos meios de comunicação”. Nesse período o tucano tinha 44% do capital social da empresa. Hoje, 95% das cotas estão com sua irmã, Andrea Neves, e 5% com sua mãe, de acordo com a procuradoria.

A defesa dos procuradores é que a União seja “obrigada a determinar a suspensão da outorga do serviço de radiodifusão sonora da Rádio Arco Íris”, em caráter definitivo e abstendo-se ainda de renová-la e que a rádio seja condenada a não mais operar na frequência FM 99,1 MHz.

A ação ainda faz menção a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reforçou que deputados e senadores não podem ser sócios de empresas de radiofusão. O argumento seria prevenir riscos de uso de meios comunicação de massa para atender a interesses de um ou outro político como foi levantado pelo Supremo no julgamento a Ação Penal 530, confirmando que os artigos 54, I, “a” e 54, II, “a” da Constituição contém uma proibição clara que impede deputados e senadores de serem sócios de pessoas jurídicas titulares de concessão, permissão ou autorização de radiodifusão.

Alegação da Defesa

O advogado da Rádio Arco-Íris, José Saad Júnior se pronunciou através de nota afirmando que a iniciativa dos procuradores contraria um entendimento baseado na Lei das Telecomunicações e que “prevalece há décadas”, segundo o qual, deputados e senadores “estão impedidos apenas de exercer função de direção nas respectivas empresas”.

Ainda segundo o texto, “a questão está superada porque o senador Aécio Neves não faz mais parte da sociedade, tendo nela permanecido por menos de seis anos. Tanto assim que o senador não é réu na ação proposta”.

Ele ainda alegou que a Advocacia Geral da União (AGU) já se manifestou em sentido contrário ao postulado pelo MPF.

AGU tenta barrar as vitórias contra as concessões de políticos

A Advocacia-Geral da União (AGU) requereu em outubro ao ministro Gilmar Mendes, do STF, “medida cautelar incidental” com o objetivo de suspender o andamento de todos os processos e decisões judiciais que tenham relação com a outorga e a renovação de concessões de rádio e televisão mantidas por empresas de parlamentares. A medida pretende conter uma série de vitórias que as entidades do campo da democratização da comunicação estão obtendo nos estados, como por exemplo a decisão  por meio de liminar que determinou a interrupção das transmissões da Rádio Metropolitana Santista Ltda (1.240 MHz) de propriedade de Antônio Carlos Bulhões (PRB-SP), em agosto passado.

Em resposta à ação da AGU, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor de duas ações no Supremo que tratam deste tema, em conjunto com representantes do Intervozes e da Artigo 19, organizações que solicitaram participar das ações na figura de amicus curiae, se reuniram a época com o ministro Gilmar Mendes. O PSOL e as entidades entregaram ao relator das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 246 e 379 uma petição solicitando que ele, antes de analisar o pedido da AGU, conceda as medidas liminares solicitadas nas ADPFs.

As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas sobre o fato de que a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de concessões de emissoras de rádio e de televisão. A ADPF 246 foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em dezembro de 2015. Ambas contam com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República e aguardam a apresentação de voto de um mesmo ministro, Gilmar Mendes.

Conflito de Interesses

Em março de 2012 o Ministério Público Estadual (MPE) de Minas Gerais instaurou inquérito civil para investigar repasses feitos pelo governo daquele estado à Rádio Arco-Íris entre 2003 e 2010, época em que o tucano Aécio Neves comandou o governo mineiro.

Além do ex-governador, também foi citada no inquérito civil MPMG-0024.12.001113-5 sua irmã, Andrea Neves, responsável pelo controle do gasto com comunicação, inclusive a publicidade oficial, durante a gestão do irmão.

Entre 2003 e 2014, foi repassado um total R$ 1,2 milhão a três rádios e um jornal ligados à família de Aécio Neves (PSDB-MG).

Segundo levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo, a maior fatia foi direcionada a rádios e jornais controlados por Aécio Neves e sua família. A parte que coube à Arco-Íris chegou a R$ 1,06 milhão, frente a R$ 51,8 mil e R$ 45,5 mil investidos nas rádios São João Del Rey e Vertentes FM, respectivamente – ambas de São João Del Rei (MG).

Arquivamento

O caso deflagrou uma briga interna no MPE de Minas. Depois de o então procurador-geral de Justiça do Estado, Alceu José Torres Marques, arquivar representação para verificar se a Arco-Íris recebia recursos do governo durante a gestão dele – e em que Andrea presidia o grupo técnico de comunicação da gestão estadual. A representação contra o senador do PSDB de Minas Gerais foi apresentada à Procuradoria-Geral da República em maio de 2011, por deputados da oposição.

O promotor João Medeiros, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, chegou a instaurar inquérito civil para apurar repasses publicitários do Executivo, mas Marques novamente arquivou a denúncia. O caso foi parar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que”confirmou o engavetamento”.

Os Neves receberam a outorga do Ministério das Comunicações e a a concessão da emissora de rádio em 1987.

Coronéis da Mídia

O projeto “Excelências”, vinculado ao Transparência Brasil, aponta que, na atual legislatura (2015-2019), 43 deputados são concessionários de serviços de rádio ou TV, o que representa 8,4% do total dos membros da Câmara dos Deputados. Proporcionalmente, o Senado Federal é ainda mais marcado por este fenômeno, já que 19 senadores são concessionários – o que representa 23,5% dos membros da Casa. Entre estes senadores, figuram ainda Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Agripino Maia* (DEM-RN), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Jader Barbalho (PMDB-PA), Acir Gurcacz (PDT-RO) e Roberto Coelho Rocha (PSDB-MA).

Os números apresentados pelo projeto “Excelências” revelam que, para além da vinculação juridicamente registrada de políticos com os serviços de radiodifusão, existe ainda os casos em que os parlamentares mantêm influência sobre as empresas a partir de laranjas ou de parentes que ocupam posições no quadro societário dos veículos.

O domínio político sobre os meios de comunicação expõe um grave conflito de interesses, uma vez que o próprio Congresso Nacional é responsável pela apreciação dos atos de outorga e renovação de concessões e permissões de radiodifusão.

O fato de concessões públicas estarem no poder de políticos resulta em falta de isonomia, em desrespeito ao pluralismo e em uma grave ameaça ao interesse público, pois o sistema brasileiro de regulação de radiodifusão não prevê a existência de um agente independente para deliberar sobre a distribuição do espectro eletromagnético. Deste modo, tal deliberação é realizada por um procedimento licitatório no qual os parlamentares do Congresso Nacional ocupam um papel central, analisando as outorgas realizadas pelo Poder Executivo.

*Para livrarem-se de possível perda da concessão de radiodifusão, o senador Agripino Maia e seu filho, o deputado Felipe Maia, venderam a participação no Sistema Tropical de Comunicação, porém a concessão continua nas mãos de familiares.

Por: Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação com informações da Rede Brasil Atual

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