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Mudança de regras é casuísmo para garantir fusão BrT-Oi

As informações reveladas pela Operação Satiagraha colocaram mais lenha na fogueira do processo que pode culminar na reorganização do setor de telecomunicações brasileiro com a criação de uma supertele nacional a partir da fusão entre Brasil Telecom e Oi. No entanto, para além dos questionamentos judiciais sobre a legalidade da negociação entre as duas empresas [veja aqui ], a legitimidade da operação e sua relação com a revisão do Plano Geral de Outorgas (PGO) ainda são alvos de duras críticas por parte de integrantes do setor.

Uma delas diz respeito ao procedimento de revisão de uma norma importante do arcabouço normativo da área de telecomunicações a partir de interesses específicos de grupos privados. Em outras palavras, a organização das regras relativas às concessionárias de telefonia fixa não poderia estar a serviço da criação da BrT-Oi. “O PGO estava funcionando bem. Surgiu um fato novo, a fusão, e aí o PGO é provocado para ser discutido”, pontua Israel Bayma, representante do Congresso Nacional no Conselho Consultivo da Anatel. Para o coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação da Unb, Murilo Ramos, isso caracteriza “casuísmo” na condução da revisão do PGO.

Dois fatos reforçam os questionamentos. O primeiro é o procedimento de revisão do plano. Já em janeiro deste ano, foi noticiada a negociação de valores da compra da Brasil Telecom pela Oi. Em 8 de fevereiro, a Associação Brasileira das Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix) enviou correspondência à Anatel solicitando mudanças no Plano Geral de Outorgas para que a legislação passasse a permitir que uma concessionária adquirisse outra.

Eficiência empresarial

Apenas três dias depois, em 11 de fevereiro, o presidente da Agência, Ronaldo Sardenberg, reencaminhou a solicitação ao Ministério das Comunicações sob a alegação de que a formulação da política seria papel do Poder Executivo. Em menos de 24 horas, no dia 12, o ministério respondeu à Anatel pedindo que esta conduzisse a alteração do plano, apontando as diretrizes de tal atualização: “remoção da restrição, presente na formulação original do PGO, que hoje impossibilita a integração de redes de STFC e a consolidação geográfica entre regiões”.

Na exposição de motivos do documento, o ministério argumentou que a desregulamentação é uma tendência mundial, devendo a revisão do PGO segui-la, de modo a viabilizar “a integração de redes multisserviços com ampla abrangência territorial, possibilitando melhores ofertas de serviços aos consumidores, com a incorporação das economias de escala e de escopo necessárias à manutenção da capacidade de investimento das empresas do setor”.

Em 25 de abril, a Oi anunciou a compra Brasil Telecom por R$ 5,8 bilhões. Como tal negócio era, e ainda é, ilegal segundo a redação atual do PGO, aumentou a pressão sobre o Conselho Diretor da Anatel pela definição das novas regras, evidenciando qual era a questão de fato da revisão normativa. Após dois meses de discussão, o Conselho Diretor divulgou a proposta de alteração, abrindo uma consulta pública de 30 dias, tempo considerado muito curto por uma horda de críticos [veja aqui ]. Após muita reclamação, o prazo foi estendido por mais 15 dias.

Entre o ofício da Abrafix e a definição das novas regras, serão quase seis meses, sendo 45 dias de discussão pública. “É uma política atrasada, porque ela só é construída a partir da demanda do próprio agente. Poder público não tem política, aí o mercado define e o poder concedente corre atrás", critica Israel Bayma. “É um processo que não passou por nenhuma visão estratégica, mas o poder público teve que responder à pressão brutal de um negócio”, dispara Murilo Ramos.

Limites à “ambevisação”

Um segundo elemento reforça a avaliação de “casuísmo”: a adequação da proposta da direção da Anatel à situação da BrT-Oi. Havia um receio de ocorrer na telefonia brasileira o que aconteceu no caso do setor de cerveja: permitiu-se a criação da Ambev para depois permitir sua desnacionalização através da fusão com a empresa belga Interbrew. Se é ou não uma resposta ao temor manifestado por vários atores em relação à desnacionalização, não deixa de ser curioso que a proposta permita a fusão entre concessionárias de duas áreas, mas proíba que estas se integrem a uma terceira operadora deste serviço. Na prática, o novo PGO legitimaria o negócio BrT-Oi já acertado, mas impediria a venda da nova supertele para uma terceira, como a espanhola Telefónica ou a mexicana Telmex.

No entanto, em reunião do Conselho Consultivo da Anatel no dia 3 de julho, o relator do processo no Conselho Diretor, Pedro Jaime Ziller, alegou não haver relação de uma com a outra. “Sobre o PGO, temos que separá-lo da fusão e tem que ficar claro que ele não é feito para a BrT-Oi, mas é um instrumento isonômico para todas as concessionárias”, afirmou. Mas deixou claro em várias respostas que a redação apresentada estava “em acordo com a política estabelecida pelo governo federal”.

Se, para vários conselheiros, o conjunto de episódios que estão reorganizando o setor – atualização das metas de universalização, revisão do PGO e PGR e alteração da legislação na TV paga com o PL-29 no Congresso Nacional – não respondem a uma política definida, uma lida atenta ao ofício do Ministério das Comunicações à Anatel evidencia pelo menos a indicação explícita de viabilizar a fusão. Em audiência realizada no dia 9 de julho na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, reforçou a defesa da fusão. “Ao receber um aceno dessas empresas, eu entendi que, de repente, quem sabe, esse é o caminho para se ter uma empresa nacional”, disse.

Concentração é positiva?

Empresa nacional, citando o ministro, já existem duas prestando o serviço de telefonia fixa. O que se pretende é criar uma supertele. O argumento é simples: concentrando o mercado seria possível ampliar a capacidade de oferta dos serviços, melhorando qualidade e baixando preços. “A fusão dessas duas empresas (justamente as duas mais penalizadas, porque a Telefônica está no Brasil rico, São Paulo, não no Tocantins, Amapá, interior da Bahia…) vai permitir a elas juntarem o que possuem do mercado rico – Paraná, Brasília, Rio de Janeiro, parte de Minas Gerais – e ficarem mais fortes para poder continuar prestando os serviços que precisam prestar também ao Brasil pobre”, argumenta o professor Marcos Dantas, da PUC do Rio de Janeiro.

Já para organizações de defesa do consumidor e as pequenas e médias empresas de telecomunicações, a fusão vai piorar o quadro de falta de competição no setor. “Esta possibilidade de concentração já seria preocupante se, atualmente, houvesse um nível razoável de concorrência no setor de telefonia fixa. Entretanto, é sabido que a competição entre diversas operadoras deste setor jamais se deu da forma como desejada inicialmente, com a privatização do setor, sendo raros os casos de empresas autorizatárias que conseguiram ‘fazer frente’ ao grande poder de mercado das concessionárias, o que se dá provavelmente pelo alto custo de entrada no mercado”, avaliou o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), em ofício enviado à Anatel sobre o tema.

A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (ProTeste) endossou o receio também em ofício enviado à presidência da Anatel: “Embora eficiências econômicas justifiquem, em certos mercados, altas concentrações, os consumidores não serão respeitados enquanto não tiverem ‘poder de barganha’ decorrente de um ‘poder de escolha’.”

Na avaliação do jornalista especializado Samuel Possebom, nem o governo nem a Anatel conseguiram apresentar argumentos mínimos sobre quais benefícios esta concentração traria. “Ainda aguardo uma explicação convincente de qual o interesse publico por detrás dessa empresa. Ate lá, sigo achando que é um bom negócio para os acionistas, e só”, diz o jornalista. A ausência de estudos técnicos e econômicos que respondam às dúvidas apresentadas por Possebom tem sido uma reclamação constante do Conselho Consultivo da Anatel .

Para o deputado Ivan Valente, os benefícios de uma “supertele nacional” são uma “balela”. “Não acredito isso. Se o governo quisesse isso, recriaria uma estatal para estabelecer preços de mercado, para reativar o CPqD e teria utilizado sua malha de fibra ótica”, propõe.

Murilo Ramos problematiza também o argumento de que, juntas, Brasil Telecom e Oi poderiam disputar mercados estrangeiros. “Esta tele vai buscar mercado aonde? Mercado latino-americano é arriscado. Entrar nos mercados como segundos e terceiros players dá muito trabalho. Na África? O poder aquisitivo dos africanos é menor do que os brasileiros”, questiona.

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Caso Dantas lança dúvidas sobre compra da BrT pela Oi

As recentes revelações da Operação Satiagraha levantaram suspeitas sobre intervenção do banqueiro e ex-sócio da Brasil Telecom Daniel Dantas na fusão da companhia telefônica com a Oi. Segundo relatórios da Polícia Federal, Dantas teria usado o advogado petista Luiz Eduardo Greenhalgh para fazer lobby pela aprovação do negócio junto à cúpula do governo federal. Os indícios reforçam as críticas em relação à benevolência do Palácio do Planalto para com o banqueiro, que saiu da transação sem as ações judiciais até então mantidas contra ele por fundos de pensão e pelo grupo Oportunity por gestão temerária de recursos, além de US$ 985 milhões nos bolsos com a venda de sua parte na Brasil Telecom.

Para especialistas entrevistados pelo Observatório do Direito à Comunicação, o caso coloca sob suspeição o processo de compra da Brasil Telecom, o que não pode ser ignoradas nos debates sobre a revisão do Plano Geral de Outorgas (PGO) de telefonia fixa. A alteração normativa é condição para que a fusão se concretize, uma vez que pela legislação atual, uma concessionária deste serviço não pode adquirir outra. Assim, além da análise sobre a validade política, técnica e econômica da mudança, o caso Dantas colocaria uma nova polêmica sobre a licitude da operação entre BrT e Oi que, afinal, motivou o debate sobre o PGO.

“Do ponto de vista político, o processo se tornou mais complexo e delicado, tanto no âmbito do Poder Executivo quanto no âmbito da Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações]”, avalia o coordendor do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB, Murilo Ramos. Para Gustavo Gindre, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e do Comitê Gestor da Internet no Brasil, o governo não pode levar a cabo um processo onde sua atuação está sendo questionada. “Com Dantas na cadeia e seu advogado dizendo que vai revelar denúncias sobre o PT, é no mínimo complicado que o governo autorize um negócio que o beneficia em mais de US$ 1 bilhão. Uma operação financeira desta envergadura não pode passar a impressão de que o governo está sendo chantageado e, em troca, paga um cala-boca deste valor”, diz.

Por diversas vezes, desde setembro de 2007, Daniel Dantas criticou a fusão. Em janeiro deste ano, seus advogados apresentaram como parte da defesa no litígio entre o banqueiro e o Citigroup documento contendo acusações de corrupção entre a Oi e integrantes do governo. “Dantas acusava o PT de um esquema com a Andrade Gutierrez, envolvendo o filho do Presidente da República e os fundos de pensão para formar a BrT-Oi. Seis meses depois, Dantas sai com quase US$ 1 bilhão dessa negociação. O que aconteceu no meio?”, indaga Samuel Possebom, jornalista especializado na área de comunicação.

Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), tanto a transação entre as duas concessionárias, como a revisão do PGO estão sob suspeita e podem ser questionadas judicialmente. Antes mesmo da prisão e posterior soltura de Dantas, a negociação já havia sido objeto de uma representação do jornalista Paulo Henrique Amorim ao Ministério Público de São Paulo, datada de 12 de junho deste ano. O documento não só critica as benesses obtidas por Daniel Dantas, como ataca o negócio como um todo, afirmando ter sido uma operação financiada com dinheiro público – por meio do aporte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – para beneficiar empresários, no caso, os controladores da Oi Sérgio Andrade e Carlos Jereisatti.

Nada de errado

Apesar do conjunto de acusações e suspeições, o governo federal e a Anatel têm dito que o caso não trará conseqüências à revisão do PGO. Em entrevista à revista especializada Teletime, o ministro das comunicações, Hélio Costa, afirmou que o resultado da Operação Satiagraha “não interfere em nada” relativo à fusão. E reforçou: “a fusão não tem absolutamente nada a ver com isso [a prisão e soltura do banqueiro]”. Pela sua assessoria, a Anatel também afirmou que não há qualquer mudança na condução da revisão do PGO por conta da operação da Polícia Federal.

A traqüilidade do governo pode, curiosamente, ser abalada pelo próprio governo. Segundo o blog Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, o comandante da operação, delegado Protógenes Queiróz, prometeu ao juiz Fausto De Sanctis novos relatórios que trariam evidências de irregularidades envolvendo Dantas desde a privatização do setor de telecomunicações à negociação entre Brasil Telecom e Oi.

“Essa cadeia societária formada e estrategicamente planejada, participou do processo de privatização de empresas estatais e arrematou no leilão de telefonia fixa a Tele Centro-Sul (atual Brasil Telecom), na telefonia móvel a Tele Norte Celular (hoje Amazônia Celular) e Telemig Celular. Todo esse cenário criado foi praça de inúmeros fatos, envolvendo notícias de corrupção de autoridades públicas e espionagem industrial, manipulação da mídia, ações judiciais entre outros fatos”, aponta trecho da investigação da PF reproduzido no blog de Amorim.

Em artigo no último número da revista Carta Capital, seu editor, Mino Carta, cita uma conversa em off com uma “altíssima” autoridade do governo segundo a qual a abertura do disco rígido do grupo Opportunity “acabaria a República”. Especulações a parte, não se sabe o que está por vir. Mas se as conseqüências podem não chegar a confirmar o temor da fonte do editor de Carta Capital, é possível que a prisão de Dantas e as revelações posteriores tenham na fusão da BrT-Oi uma de suas primeiras vítimas.

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Separação de telefonia e banda larga divide opiniões

Nos debates em curso sobre a atualização do Plano Geral de Outorgas e dos regulamentos de telecomunicações, tem sido motivo de grande polêmica a proposta de que a prestação de serviços de STFC (telefonia fixa) e SCM (banda larga) seja feita por duas empresas separadas, mesmo que pertencentes a um mesmo grupo. A medida, incluída na proposta do novo PGO pelo Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), divide opiniões não só em relação ao seu mérito, mas também sobre sua viabilidade.

Segundo a proposta, uma operadora como a Brasil Telecom teria de transformar seu provedor de Internet, Turbo, em uma outra pessoa jurídica. Para o integrante do Conselho Diretor da Anatel Pedro Jaime Ziller, isso daria “transparência total e completa” à venda de infra-estrutura da concessionária de telefonia ao provedor de Internet do mesmo grupo. Ainda a título de exemplo: sabendo quanto a Turbo paga à BrT para usar sua rede para transmissão de dados, outras empresas de banda larga poderiam negociar com a operadora de telefonia o mesmo preço, de maneira isonômica.

“Isso vai dar ganho imediato à sociedade, pois ao estabelecer competição de fato diminui o preço”, conclui Ziller. No entanto, vários dos atores envolvidos na discussão sobre as novas regras para o setor de telefonia demonstram forte resistência à proposta.

Os problemas começam já na redação da proposta. Não há consenso de que a separação esteja mesmo contemplada no texto apresentado pelo Conselho Diretor. A nova redação que instituiria a separação está no Artigo 9o do novo PGO, que diz: “A empresa titular de concessão do serviço a que se refere o artigo 1o deverá explorar exclusivamente as diversas modalidades do serviço”. Para agentes do setor e representantes da sociedade civil, o texto não deixa clara a separação.

Em entrevista coletiva no dia 16 de junho, representantes da Anatel confirmaram que o texto dá margem a diversas interpretações, embora na última reunião do Conselho Consultivo da agência, realizada em 2 de julho, Pedro Jaime Ziller tenha insistido na existência da medida a partir do artigo citado.

Críticas do Conselho Consultivo

Com ou sem consenso sobre a separação estar ou não prevista de fato no novo PGO, a medida é questionada dentro e fora da Anatel. Na reunião do Conselho Consultivo, representantes da sociedade civil criticaram os parágrafos 1o e 2o do artigo 9o. Os parágrafos prevêem que o estudo técnico para fundamentar a alteração e o regulamento específico (a norma que dirá efetivamente como será a separação) só serão feitos após a aprovação do novo PGO.

“Tenho predisposição a ser contra a separação pela fragilidade com que ela está sendo apresentada. Primeiro muda e depois faz os estudos?”, comenta José Zunga, ocupante da cadeira destinada à representação dos usuários na instância. “A agência não se fundamentou técnica e economicamente para chegar nesta formulação.”

Outro ponto levantado foi a possibilidade de a medida impactar o custo final do serviço, uma vez que duas empresas diferentes poderiam sofrer maior tributação. Segundo Ziller, o argumento não procede, uma vez que o imposto que mais fortemente incide sobre a telefonia é o ICMS, que é cobrado apenas sobre a fatura. “As linhas que uma empresa terá de alugar da outra para poder prestar o serviço não são tarifadas”, rebate.

Competição

Entre os empresários, a separação vem sofrendo críticas tanto de concessionários de telefonia fixa como de provedores de Internet independentes destes grupos. Da parte das primeiras, a separação é vista como “redundância excessiva”. O argumento apresentado é que a separação impediria a redução de custos decorrente do ganho de escala obtido com a concentração não só entre concessionárias, mas entre serviços, como a infra-estrutura e o provimento de banda larga.

O presidente da Oi, Luiz Falco, tem sido um crítico feroz da separação, mas por trás das discordâncias de mérito está o interesse de não dividir os ativos da possível supertele que poderá ser criada se a fusão com a Brasil Telecom for aprovada.

Já os pequenos operadores vêem com ressalva a proposta pelo motivo contrário. Para Ricardo Sanches, da Associação Brasileira de Pequenos Provedores da Internet e Telecomunicações (Abrappit), não está claro que o mecanismo conseguirá garantir a competição no setor de banda larga, uma vez que o modelo de separação ainda não está dado e vai ser elaborado ao mesmo tempo em que se concentra o mercado com a fusão da Brasil Telecom com a Oi.

Um dos receios dos pequenos provedores é o subsídio cruzado entre a empresa de telefonia e a provedora de Internet do mesmo grupo. Ou seja, o preço pago pelo provedor à telefônica pelo uso da rede pode ser registrado como alto na nota, o que impediria a entrada de novos competidores no mercado, enquanto a saúde financeira da empresa de banda larga é garantida por outras manobras financeiras. Como o formato de separação ainda não existe, não há como avaliar se ele pode coibir este tipo de prática.

Para Flávia Lefévre, advogada do Instituto ProTeste e membro do Conselho Consultivo da Anatel, a resposta a este problema deveria vir na definição de um novo modelo de custos que facilitasse a fiscalização e fixasse uma tarifa mínima para permitir a entrada dos pequenos provedores. Hoje, há concessionárias que cobram de R$ 400 a R$ 4.600 pela mesma capacidade de banda.

O novo modelo de custos está em discussão na Anatel, mas está empacado na definição do convênio junto à União Internacional de Telecomunicações para a realização dos estudos. Corre-se o risco, então, de fazer a estruturação do novo cenário com a separação sem que este modelo de custos esteja pronto.

Separação por regime

Outra questão levantada tem sido a forma de separação proposta. De acordo com Pedro Jaime Ziller, o mecanismo não seria nem separação estrutural, na qual um agente provê apenas a infra-estrutura e outro diferente oferta o serviço, nem funcional, na qual uma mesma empresa detém a infra-estrutura e o serviço, mas possui mecanismos contábeis e fiscais que permitem identificar o preço da venda da primeira para o segundo. A modalidade foi denominada pelo conselheiro como “separação por regime”.”O regime público é prestado no STFC e o privado no SCM.”

Na opinião do professor Murilo Ramos, coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB (Lapcom), a separação por regime deveria garantir uma natureza estrutural. Uma vez que está se caminhando para uma redução da importância da telefonia fixa, hoje o único serviço prestado em regime público nas telecomunicações, e o fortalecimento da banda larga, ao menos as redes de STFC deveriam ficar sob estatuto público.

"Me parece fundamental caminhar para processo de separação estrutural em que a infra-estrutura – sob controle privado ou não – permaneça sob regime público”, defende Ramos. “Se é possível pensar hoje em acabar com oferta de serviço de telefonia em regime público, pode-se pensar em rede universal que gere várias possibilidades de acesso. Para isso, é preciso que o Estado possa agir sobre a infra-estrutura de rede.”

Na segunda das três audiências públicas agendadas para discutir a revisão do PGO e do PGR realizada ontem em São Paulo, superintendentes da Anatel indicaram que a proposta arduamente defendida pelo conselheiro Ziller não está tão consolidada assim no corpo dirigente da Agência. “Podemos garantir que a separação estrutural não será a pedra filosofal que irá resolver todos os problemas. Estamos cientes disso e as concessionárias podem ter a certeza que buscamos a transparência. Se a ferramenta não for essa, agora é o momento de se rever a sugestão e se apontar novas alternativas”, disse o superintendente de Serviços Públicos, Gilberto Alves.

*Com informações do site Convergência Digital

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Entidades criticam processo que define regras da telefonia

Para entidades da sociedade civil, o processo de consulta pública aberto pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para discutir a revisão do Plano Geral de Outorgas (PGO) e a atualização da regulamentação das telecomunicações no Brasil (PGR) é pouco democrático e realizado sem base técnica. Membros do Conselho Consultivo da agência criticam, inclusive, o número pequeno de audiências públicas a serem realizadas. Na tarde de hoje (7/7, segunda-feira) na cidade de São Paulo, ocorre a segunda das três audiências públicas incluídas no processo da consulta.

Na avaliação dos conselheiros, os mecanismos de diálogo da agência com a sociedade são bastante insuficientes. Já de início, quando foi iniciada em 16 de junho, a consulta pública sobre o PGO e o PGR sofreu diversas críticas pelo prazo de duração curto: 30 dias. “Propomos que a consulta tivesse 60 dias. É muito importante que isso seja considerado para que a sociedade debata um tema tão relevante que vai mexer de maneira profunda no setor”, defende José Zunga, ocupante da cadeira dos usuários no órgão.

O Conselho Consultivo entrou com pedido oficial de prorrogação do prazo. Na última quinta-feira (3/7), o Conselho Diretor da Anatel discutiu o assunto mas optou por dar apenas mais 15 dias para a coleta de contribuições. “Prazo tão curto se justifica para a consulta de um serviço como o de rádio-táxi e não para uma transformação que terá profundos reflexos na evolução da sociedade brasileira neste novo século”, disparou o editor da revista especializada Teletime, Rubens Glasberg, em editoral da edição de junho do veículo.

Além do prazo, o próprio mecanismo da consulta é questionado pelos conselheiros. “O modelo de consulta pública da Anatel é falido. Não dialoga com a sociedade”, opina José Zunga. Para o relator da revisão do PGO no Conselho Consultivo, Valter Faiad, a dinâmica de recebimento de contribuições pelo site da Agência não “alcança o público de modo geral”.

As audiências públicas, que poderiam ser uma forma de estímulo ao debate, serão realizadas em número insuficiente. Faiad defende que este tipo de encontro aconteça no maior número de capitais possível, dando a ele alcance mais capilar. Regiões como a Norte, por exemplo, estão sendo esquecidas uma vez que as três audiências estão acontecendo apenas em Brasília, São Paulo e Recife. “O público leigo não tem a menor noção do que vai acontecer”, alerta.

No escuro

Na última reunião do Conselho Consultivo, realizada em 2 de julho, os membros da instância aproveitaram a presença do integrante do Conselho Diretor Pedro Jaime Ziller para questionar as bases utilizadas para a elaboração das consultas de revisão do PGO e do PGR. Os conselheiros cobraram os estudos técnicos e econômicos que embasaram as propostas, obtendo em resposta a revelação de que não há análises técnicas por trás da proposta apresentada pelo Conselho Diretor. “Temos que aguardar os estudos técnicos, pois vamos fazê-los e ainda não temos nenhum dado”, disse Ziller.

Ou seja, diversos aspectos das duas consultas são apostas e previsões dos dirigentes da agência, e não resultado de cenários produzidos pelos técnicos do órgão que garantam alguma confiabilidade às mudanças propostas. “O que me preocupa é que uma decisão deste quilate não tenha sido precedida de estudo econômico”, critica Valter Faiad. Com isso, o debate é realizado praticamente no escuro.

Um exemplo mais preocupante é a compra da Brasil Telecom pela Oi, operação que será permitida com a aprovação da revisão do PGO da forma como está. A fusão vem sendo defendida pela direção da agência como uma iniciativa positiva por permitir a redução do custo aos cidadãos pelo aumento de escala que a nova “supertele” ganharia. No entanto, a Anatel não fez qualquer estudo que embase esta conclusão.

No caso da telefonia móvel, por exemplo, a concentração em grandes operadoras não gerou este barateamento final. Pesquisa recente do Instituto Observatório Social das Telecomunicações (IOST) revelou que os preços praticados por empresas de celular associadas a concessionárias de telefonia fixa, como Oi e Brasil Telecom, são mais caros do que de outras operadoras, como Claro, Tim e Vivo.

Outro exemplo é a polêmica sobre a separação da prestação de telefonia fixa e serviço de banda larga em duas empresas diferentes de um mesmo grupo. O argumento apresentado por Pedro Jaime Ziller é que tal medida gerará maior competição por supostamente garantir isonomia ao permitir saber o preço da venda de infra-estrutura (da empresa de telefonia) para a prestadora de serviço (a provedora de banda larga).

No entanto, não há levantamento com qualquer projeção sobre o mercado de banda larga no Brasil que aponte para o êxito desta medida. “Me preocupa perceber que a mudança estrutural, a segmentação, não tem um estudo técnico devidamente concluído. E isso é extremamente necessário. Estamos falando de mudança complexa”, comenta José Zunga.

Fora da ordem

Outra crítica apresentada pelos conselheiros diz respeito à ordem dos debates sobre a revisão das outorgas e a atualização dos regulamentos de telecomunicações. Na avaliação de representantes da sociedade civil, é estranho alterar o plano de outorgas sem que o novo arcabouço normativo esteja definido. “Se o PGR concluir que não tem que mudar o PGO, como fica?”, questiona Gustavo Gindre, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Questionado, Pedro Jaime Ziller alegou que a revisão do PGO é ação de curtíssimo prazo do PGR e contém todas as questões necessárias à atualização deste regulamento sem que isso signifique ter de aguardar este para promover aquele. Na audiência pública realizada em Brasília na quarta-feira passada (3/7), o superintendente de serviços privados da Anatel, Jarbas Valente, discordou das críticas. “Já estávamos discutindo a revisão do PGO, só aproveitamos para disponibilizá-la junto com a atualização do PGR. Em outros países também é assim”, argumentou.

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