Separação de telefonia e banda larga divide opiniões

Nos debates em curso sobre a atualização do Plano Geral de Outorgas e dos regulamentos de telecomunicações, tem sido motivo de grande polêmica a proposta de que a prestação de serviços de STFC (telefonia fixa) e SCM (banda larga) seja feita por duas empresas separadas, mesmo que pertencentes a um mesmo grupo. A medida, incluída na proposta do novo PGO pelo Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), divide opiniões não só em relação ao seu mérito, mas também sobre sua viabilidade.

Segundo a proposta, uma operadora como a Brasil Telecom teria de transformar seu provedor de Internet, Turbo, em uma outra pessoa jurídica. Para o integrante do Conselho Diretor da Anatel Pedro Jaime Ziller, isso daria “transparência total e completa” à venda de infra-estrutura da concessionária de telefonia ao provedor de Internet do mesmo grupo. Ainda a título de exemplo: sabendo quanto a Turbo paga à BrT para usar sua rede para transmissão de dados, outras empresas de banda larga poderiam negociar com a operadora de telefonia o mesmo preço, de maneira isonômica.

“Isso vai dar ganho imediato à sociedade, pois ao estabelecer competição de fato diminui o preço”, conclui Ziller. No entanto, vários dos atores envolvidos na discussão sobre as novas regras para o setor de telefonia demonstram forte resistência à proposta.

Os problemas começam já na redação da proposta. Não há consenso de que a separação esteja mesmo contemplada no texto apresentado pelo Conselho Diretor. A nova redação que instituiria a separação está no Artigo 9o do novo PGO, que diz: “A empresa titular de concessão do serviço a que se refere o artigo 1o deverá explorar exclusivamente as diversas modalidades do serviço”. Para agentes do setor e representantes da sociedade civil, o texto não deixa clara a separação.

Em entrevista coletiva no dia 16 de junho, representantes da Anatel confirmaram que o texto dá margem a diversas interpretações, embora na última reunião do Conselho Consultivo da agência, realizada em 2 de julho, Pedro Jaime Ziller tenha insistido na existência da medida a partir do artigo citado.

Críticas do Conselho Consultivo

Com ou sem consenso sobre a separação estar ou não prevista de fato no novo PGO, a medida é questionada dentro e fora da Anatel. Na reunião do Conselho Consultivo, representantes da sociedade civil criticaram os parágrafos 1o e 2o do artigo 9o. Os parágrafos prevêem que o estudo técnico para fundamentar a alteração e o regulamento específico (a norma que dirá efetivamente como será a separação) só serão feitos após a aprovação do novo PGO.

“Tenho predisposição a ser contra a separação pela fragilidade com que ela está sendo apresentada. Primeiro muda e depois faz os estudos?”, comenta José Zunga, ocupante da cadeira destinada à representação dos usuários na instância. “A agência não se fundamentou técnica e economicamente para chegar nesta formulação.”

Outro ponto levantado foi a possibilidade de a medida impactar o custo final do serviço, uma vez que duas empresas diferentes poderiam sofrer maior tributação. Segundo Ziller, o argumento não procede, uma vez que o imposto que mais fortemente incide sobre a telefonia é o ICMS, que é cobrado apenas sobre a fatura. “As linhas que uma empresa terá de alugar da outra para poder prestar o serviço não são tarifadas”, rebate.

Competição

Entre os empresários, a separação vem sofrendo críticas tanto de concessionários de telefonia fixa como de provedores de Internet independentes destes grupos. Da parte das primeiras, a separação é vista como “redundância excessiva”. O argumento apresentado é que a separação impediria a redução de custos decorrente do ganho de escala obtido com a concentração não só entre concessionárias, mas entre serviços, como a infra-estrutura e o provimento de banda larga.

O presidente da Oi, Luiz Falco, tem sido um crítico feroz da separação, mas por trás das discordâncias de mérito está o interesse de não dividir os ativos da possível supertele que poderá ser criada se a fusão com a Brasil Telecom for aprovada.

Já os pequenos operadores vêem com ressalva a proposta pelo motivo contrário. Para Ricardo Sanches, da Associação Brasileira de Pequenos Provedores da Internet e Telecomunicações (Abrappit), não está claro que o mecanismo conseguirá garantir a competição no setor de banda larga, uma vez que o modelo de separação ainda não está dado e vai ser elaborado ao mesmo tempo em que se concentra o mercado com a fusão da Brasil Telecom com a Oi.

Um dos receios dos pequenos provedores é o subsídio cruzado entre a empresa de telefonia e a provedora de Internet do mesmo grupo. Ou seja, o preço pago pelo provedor à telefônica pelo uso da rede pode ser registrado como alto na nota, o que impediria a entrada de novos competidores no mercado, enquanto a saúde financeira da empresa de banda larga é garantida por outras manobras financeiras. Como o formato de separação ainda não existe, não há como avaliar se ele pode coibir este tipo de prática.

Para Flávia Lefévre, advogada do Instituto ProTeste e membro do Conselho Consultivo da Anatel, a resposta a este problema deveria vir na definição de um novo modelo de custos que facilitasse a fiscalização e fixasse uma tarifa mínima para permitir a entrada dos pequenos provedores. Hoje, há concessionárias que cobram de R$ 400 a R$ 4.600 pela mesma capacidade de banda.

O novo modelo de custos está em discussão na Anatel, mas está empacado na definição do convênio junto à União Internacional de Telecomunicações para a realização dos estudos. Corre-se o risco, então, de fazer a estruturação do novo cenário com a separação sem que este modelo de custos esteja pronto.

Separação por regime

Outra questão levantada tem sido a forma de separação proposta. De acordo com Pedro Jaime Ziller, o mecanismo não seria nem separação estrutural, na qual um agente provê apenas a infra-estrutura e outro diferente oferta o serviço, nem funcional, na qual uma mesma empresa detém a infra-estrutura e o serviço, mas possui mecanismos contábeis e fiscais que permitem identificar o preço da venda da primeira para o segundo. A modalidade foi denominada pelo conselheiro como “separação por regime”.”O regime público é prestado no STFC e o privado no SCM.”

Na opinião do professor Murilo Ramos, coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB (Lapcom), a separação por regime deveria garantir uma natureza estrutural. Uma vez que está se caminhando para uma redução da importância da telefonia fixa, hoje o único serviço prestado em regime público nas telecomunicações, e o fortalecimento da banda larga, ao menos as redes de STFC deveriam ficar sob estatuto público.

"Me parece fundamental caminhar para processo de separação estrutural em que a infra-estrutura – sob controle privado ou não – permaneça sob regime público”, defende Ramos. “Se é possível pensar hoje em acabar com oferta de serviço de telefonia em regime público, pode-se pensar em rede universal que gere várias possibilidades de acesso. Para isso, é preciso que o Estado possa agir sobre a infra-estrutura de rede.”

Na segunda das três audiências públicas agendadas para discutir a revisão do PGO e do PGR realizada ontem em São Paulo, superintendentes da Anatel indicaram que a proposta arduamente defendida pelo conselheiro Ziller não está tão consolidada assim no corpo dirigente da Agência. “Podemos garantir que a separação estrutural não será a pedra filosofal que irá resolver todos os problemas. Estamos cientes disso e as concessionárias podem ter a certeza que buscamos a transparência. Se a ferramenta não for essa, agora é o momento de se rever a sugestão e se apontar novas alternativas”, disse o superintendente de Serviços Públicos, Gilberto Alves.

*Com informações do site Convergência Digital

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