Entidades criticam processo que define regras da telefonia

Para entidades da sociedade civil, o processo de consulta pública aberto pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para discutir a revisão do Plano Geral de Outorgas (PGO) e a atualização da regulamentação das telecomunicações no Brasil (PGR) é pouco democrático e realizado sem base técnica. Membros do Conselho Consultivo da agência criticam, inclusive, o número pequeno de audiências públicas a serem realizadas. Na tarde de hoje (7/7, segunda-feira) na cidade de São Paulo, ocorre a segunda das três audiências públicas incluídas no processo da consulta.

Na avaliação dos conselheiros, os mecanismos de diálogo da agência com a sociedade são bastante insuficientes. Já de início, quando foi iniciada em 16 de junho, a consulta pública sobre o PGO e o PGR sofreu diversas críticas pelo prazo de duração curto: 30 dias. “Propomos que a consulta tivesse 60 dias. É muito importante que isso seja considerado para que a sociedade debata um tema tão relevante que vai mexer de maneira profunda no setor”, defende José Zunga, ocupante da cadeira dos usuários no órgão.

O Conselho Consultivo entrou com pedido oficial de prorrogação do prazo. Na última quinta-feira (3/7), o Conselho Diretor da Anatel discutiu o assunto mas optou por dar apenas mais 15 dias para a coleta de contribuições. “Prazo tão curto se justifica para a consulta de um serviço como o de rádio-táxi e não para uma transformação que terá profundos reflexos na evolução da sociedade brasileira neste novo século”, disparou o editor da revista especializada Teletime, Rubens Glasberg, em editoral da edição de junho do veículo.

Além do prazo, o próprio mecanismo da consulta é questionado pelos conselheiros. “O modelo de consulta pública da Anatel é falido. Não dialoga com a sociedade”, opina José Zunga. Para o relator da revisão do PGO no Conselho Consultivo, Valter Faiad, a dinâmica de recebimento de contribuições pelo site da Agência não “alcança o público de modo geral”.

As audiências públicas, que poderiam ser uma forma de estímulo ao debate, serão realizadas em número insuficiente. Faiad defende que este tipo de encontro aconteça no maior número de capitais possível, dando a ele alcance mais capilar. Regiões como a Norte, por exemplo, estão sendo esquecidas uma vez que as três audiências estão acontecendo apenas em Brasília, São Paulo e Recife. “O público leigo não tem a menor noção do que vai acontecer”, alerta.

No escuro

Na última reunião do Conselho Consultivo, realizada em 2 de julho, os membros da instância aproveitaram a presença do integrante do Conselho Diretor Pedro Jaime Ziller para questionar as bases utilizadas para a elaboração das consultas de revisão do PGO e do PGR. Os conselheiros cobraram os estudos técnicos e econômicos que embasaram as propostas, obtendo em resposta a revelação de que não há análises técnicas por trás da proposta apresentada pelo Conselho Diretor. “Temos que aguardar os estudos técnicos, pois vamos fazê-los e ainda não temos nenhum dado”, disse Ziller.

Ou seja, diversos aspectos das duas consultas são apostas e previsões dos dirigentes da agência, e não resultado de cenários produzidos pelos técnicos do órgão que garantam alguma confiabilidade às mudanças propostas. “O que me preocupa é que uma decisão deste quilate não tenha sido precedida de estudo econômico”, critica Valter Faiad. Com isso, o debate é realizado praticamente no escuro.

Um exemplo mais preocupante é a compra da Brasil Telecom pela Oi, operação que será permitida com a aprovação da revisão do PGO da forma como está. A fusão vem sendo defendida pela direção da agência como uma iniciativa positiva por permitir a redução do custo aos cidadãos pelo aumento de escala que a nova “supertele” ganharia. No entanto, a Anatel não fez qualquer estudo que embase esta conclusão.

No caso da telefonia móvel, por exemplo, a concentração em grandes operadoras não gerou este barateamento final. Pesquisa recente do Instituto Observatório Social das Telecomunicações (IOST) revelou que os preços praticados por empresas de celular associadas a concessionárias de telefonia fixa, como Oi e Brasil Telecom, são mais caros do que de outras operadoras, como Claro, Tim e Vivo.

Outro exemplo é a polêmica sobre a separação da prestação de telefonia fixa e serviço de banda larga em duas empresas diferentes de um mesmo grupo. O argumento apresentado por Pedro Jaime Ziller é que tal medida gerará maior competição por supostamente garantir isonomia ao permitir saber o preço da venda de infra-estrutura (da empresa de telefonia) para a prestadora de serviço (a provedora de banda larga).

No entanto, não há levantamento com qualquer projeção sobre o mercado de banda larga no Brasil que aponte para o êxito desta medida. “Me preocupa perceber que a mudança estrutural, a segmentação, não tem um estudo técnico devidamente concluído. E isso é extremamente necessário. Estamos falando de mudança complexa”, comenta José Zunga.

Fora da ordem

Outra crítica apresentada pelos conselheiros diz respeito à ordem dos debates sobre a revisão das outorgas e a atualização dos regulamentos de telecomunicações. Na avaliação de representantes da sociedade civil, é estranho alterar o plano de outorgas sem que o novo arcabouço normativo esteja definido. “Se o PGR concluir que não tem que mudar o PGO, como fica?”, questiona Gustavo Gindre, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Questionado, Pedro Jaime Ziller alegou que a revisão do PGO é ação de curtíssimo prazo do PGR e contém todas as questões necessárias à atualização deste regulamento sem que isso signifique ter de aguardar este para promover aquele. Na audiência pública realizada em Brasília na quarta-feira passada (3/7), o superintendente de serviços privados da Anatel, Jarbas Valente, discordou das críticas. “Já estávamos discutindo a revisão do PGO, só aproveitamos para disponibilizá-la junto com a atualização do PGR. Em outros países também é assim”, argumentou.

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