Apesar do prazo curto, de 16 de junho à 1o de agosto, a Agência Nacional de Telecomunicações recebeu 433 contribuições à Consulta Pública sobre a revisão do Plano Geral de Outorgas (PGO). Na variada gama de opiniões, críticas e sugestões, destacam-se as divergências em relação a dois grandes temas presentes na proposta da agência: a concentração do mercado, especialmente por conta da possibilidade de uma concessionária poder adquirir outra, e a separação entre a prestação de telefonia fixa (STFC) e a de serviços de comunicação multimídia (SCM), licença utilizada na oferta de banda larga.
A possibilidade de compra de uma outra concesssionária que atue em região distinta, dispositivo que legalizaria a fusão BrT-Oi, não foi criticada pelos agentes de mercado, mas apenas por pessoas físicas e entidades da sociedade civil. O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social indagou por qual razão a proposta tolera a atuação em duas regiões e não em três, sugerindo que tal regra responde apenas a necessidade de viabilizar a compra da Brasil Telecom pela Oi. "Quais os critérios que embasaram esta decisão do órgão regulador, além da mera necessidade de legalizar a operação de compra da Brasil Telecom pela Oi?", pergunta o texto da contribuição da entidade, que propõe condicionar qualquer mudança a estudos que atestem os benefícios resultantes para o conjunto da população.
Com motivação diferente, a Telefónica também questionou o por quê da permissão de aquisição limitar-se a apenas duas áreas como limite a uma terceira. O grupo é o principal atingido pela proposta, uma vez que a nova regra autorizaria a fusão BrT-Oi, mas impediria que a nova empresa pudesse ser comprada por qualquer outra concessionária. "É necessário fomentar um ciclo virtuoso que viabilize movimentos de consolidação, e fortalecimento das empresas, criando companhias atuantes com escala, grande solidez financeira e maior capacidade de investimento", afirma a Telefónica. A empresa recomenda que aquisições sejam discutidas caso a caso pelos órgãos de direito econômico.
Já as operadoras de telecomunicações que não atuam com telefonia fixa, e que em muitos casos dependem das redes das concessionárias de STFC, pediram garantias de contrapartidas que assegurem condições de competição no novo cenário. A operadora de TV a cabo Net, a Associação Brasileira de Operadoras de Telecomunicações Competitivas (Telcomp) e a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA) defenderam que, para promover maior competição, equilíbrio entre as prestadoras de telecomunicações e o uso discriminatório pelos detentores de redes, são necessárias medidas como: "(i) a prévia implementação da portabilidade numérica; (ii) a aplicação de assimetrias tarifárias adequadas; (iii) a implementação do uso comercial efetivo do 'unbundling'; e (iv) a proibição do subsídio cruzado entre empresas do mesmo Grupo, por meio do qual as concessionárias venham a financiar a prestação de serviços privados com recursos provenientes de serviço público."
A Net defende ainda que, antes de qualquer transferência de concessão, a Anatel deva realizar uma análise concorrencial. A posição da empresa de TV a cabo reforça críticas de diversas entidades sobre a inexistência de estudos consistentes acerca dos impactos da compra da Brasil Telecom pela Oi.
A principal medida pró-competição sugerida na consulta pública foi a desagregação de redes. A defesa de um "efetivo unbundling" é justificada pelo fato deste instrumento constar na legislação mas não existir "de fato" como prática comercial. "Atualmente, o unbundling, em suas diversas modalidades (line sharing, full unbundling e revenda), não é praticado no Brasil. As tarifas de uso de rede, atualmente estabelecidas, inviabilizam, economicamente, a comercialização de banda larga, telefonia e vídeo àqueles que querem ter acesso a rede."
Separação funcional e por regime
Se há algum consenso sobre a desagregação de rede (com exceção da Telefónica), a concordância não se repete em relação à forma como a separação se daria. A proposta de PGO da Anatel prevê como medida pró-competição apenas a separação por regime, ou seja, a exigência de que a concessionária separe em duas empresas diferentes as prestadoras de STFC e as de outros serviços, como banda larga. Enquanto a Net considerou o mecanismo adequado para dar maior transparência aos custos de uso da rede e condição para viabilização do unbundling, a Telcomp propôs que haja uma separação funcional. Esta se distinguiria da redação dada pela Anatel por diferenciar a prestadora de STFC de uma segunda prestadora apenas do serviço da rede e infra-estrutura.
A Telcomp, no entanto, restinge sua proposta apenas para as concessionárias de telefonia fixa local. Enquanto isso, as autorizatárias (empresas que ofertam serviços em regime privado) e as concessionárias de telefonia fixa de longa distância poderiam efetuar uma separação de caráter contábil, na qual não há empresas diferentes, mas apenas a identificação na contabilidade da operadora das transações entre a venda do uso da rede para as prestadoras de serviço. Fica evidente aí a posição do grupo mexicano Telmex, controlador da Embratel e da Net Serviços, de buscar condições favoráveis de uso da rede das concessionárias de STFC local, mas evitar mecanismo semelhante para suas redes.
Já a Telefónica elenca uma lista extensa de argumentos contra a proposta. Em primeiro lugar, ela seria ilegal pelo fato de a Lei Geral de Telecomunicações ter permitido às concessionárias a exploração de outros serviços como o SRTT ( Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações). Em segundo lugar, ela seria frágil pela inexistência de estudos fundamentados sustentar seus impactos positivos no setor. Em terceiro lugar, ela iria contra a convergência ao separar a oferta de serviços quando a tendência seria unificá-la cada vez mais. Em quanto lugar, ela teria efeito contrário ao desejado, uma vez que a expansão da banda larga depende não da entrada de novos agentes, mas do fortalecimento dos atuais para um ganho de escala que permita disponibilizar o serviço de maneira ampla. Por último, o grupo espanhol alega que o mecanismo irá gerar prejuízo financeiro para as três principais concessionárias. O cálculo feito pela Telefónica indica cifras em torno de R$ 1,6 bilhão nos próximos três anos.
A posição da Telefónica, bem como das operadoras associadas à Telcomp, expressa claramente a esperada busca de cada uma das empresas do setor por garantir na revisão do plano as condições adequadas para ganhos comerciais próprios. No entanto, os benefícios ao conjunto dos cidadãos ainda não estão claros em meio à disputa concorrencial que marca o debate sobre o PGO.
O ponto de vista das pessoas que utilizam os serviços de telecomunicações certamente foi minoritário na consulta, estando limitado a contribuições de pessoas físicas e do Intervozes. Resta a esta disputa entre interesse público e privado o espaço do Conselho Consultivo da Anatel, que têm apresentado constantes críticas à inexistência de projeção de benefícios aos usuários e denunciado a postura de agência de atender apenas os interesses de alguns grupos comerciais.