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Campanha convida cidadãos a lutar pela proteção de dados pessoais

O uso abusivo dos nossos dados não é uma batalha perdida. Para mudar a atual situação, é preciso que a sociedade pressione o Congresso

*Por Jonas Valente

Mais de 500 mil pessoas já baixaram o aplicativo “Pão de Açúcar Mais”, que garante descontos importantes em diversos produtos. Bom demais para ser verdade? O que teria feito uma rede tão grande abrir mão de parte das receitas deste jeito? A resposta é: os nossos dados pessoais. O objetivo do aplicativo é coletar o máximo de informações dos clientes, que podem ser tanto usadas pelo grupo quanto repassadas a fornecedores e empresas parceiras.

Os termos de uso e a política de privacidade do aplicativo afirmam que o programa pode também monitorar a navegação dos usuários em outros sites (por meio da instalação de cookies, arquivos de internet que armazenam temporariamente o que o internauta está visitando na rede). Segundo o texto, a empresa pode ainda alterar os termos a qualquer momento sem comunicar aos clientes. Os “termos”, aqueles que muita gente não lê e apenas assinala “eu concordo” quando instala algo deste tipo. Não são um acordo, mas uma imposição: se o usuário não aceitar as exigências, têm como única opção não ter o aplicativo e, por consequência, os descontos dos produtos.

Esse é mais um dos inúmeros exemplos da exploração abusiva (e muitas vezes ilegal) das informações de pessoas, fenômeno que cresce assustadoramente em nossa sociedade, inclusive no Brasil. Para além das redes de varejo, essa prática é adotada por plataformas (como o Facebook, que neste ano foi denunciado por negociar informações de jovens emocionalmente vulneráveis) e governos (como a tentativa do estado de São Paulo de privatizar a administração do bilhete único e a venda das informações de todos os passageiros cadastrados no programa).

Os dados pessoais são chamados de “novo petróleo” da economia por serem considerados fundamentais pelas empresas para seus negócios. Os diversos serviços “grátis” e descontos têm por trás um objetivo claro: ampliar a capacidade de controle sobre o que as pessoas fazem e como consomem. Enquanto corporações concorrem nesta corrida pela coleta e processamento da maior quantidade de informações possível, nós somos colocados à venda e ficamos totalmente desprotegidos.

Uma campanha pela proteção de dados

Para alertar cidadãs e cidadãos sobre esse problema, a Coalizão Direitos na Rede (que reúne dezenas de entidades da sociedade civil, pesquisadores e organizações de defesa do consumidor) lança, nessa semana, a campanha “Seus Dados São Você: liberdade, proteção e regulação”. A iniciativa vai promover diversas ações para pautar o tema e chamar atenção para a necessidade de construir regras que evitem esses abusos, em especial uma legislação para o assunto.

A mobilização se inicia hoje (19) no seminário de privacidade do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e terá novos eventos em diversas cidades. Ela também será tema de atividades durante a Semana pela Democratização da Comunicação, de 15 a 21 de outubro. Além de eventos, a campanha vai disseminar material nas redes sociais discutindo o assunto e denunciando casos de uso abusivo e ilegal de dados. Também serão feitas sugestões de como mudar esta realidade, para que possamos ter acesso a recursos tecnológicos sem violar nossa privacidade ou ficarmos à mercê dessas corporações, como por meio da aprovação de uma lei.

Não temos nada a esconder?

Um primeiro objetivo da iniciativa é mostrar que o controle sobre os dados é um direito. Há quem diga que não liga para o problema porque “não tem nada a esconder”. A questão não é sobre segredos, mas sobre o direito das pessoas de escolher o que divulgar e para quem. Todo mundo deixa o computador aberto no meio do trabalho? Ou aceita colocar todos os seus e-mails ou mensagens de Whatsapp na internet? Aceitamos “andar todos nus”?

O caráter privado dessas comunicações e recursos como senhas e afins existem exatamente porque muitos gostam de (e muitas vezes precisam) manter parte da sua vida para si. E a publicação de mensagens, fotos e vídeos já é possível em diversos espaços, como as redes sociais. A diferença é que isso deve ser uma escolha, e não uma imposição dos aplicativos, não? Não deveria o usuário poder dizer o que quer dividir, saber o que é feito com suas informações, aceitar ou não se estas vão ser usadas para recomendações automatizadas ou para publicidade personalizada?

Inês é morta?

Outro propósito é apontar que é possível uma situação diferente sim. A coleta massiva e o uso indiscriminado de dados não são uma realidade dada, mas um processo em disputa. Em conversas com amigos, não é difícil ouvir “ah, mas eles já sabem tudo sobre nós”. Este é o objetivo de plataformas, corporações e governos, mas a quantidade já coletada é pouco perto do que ainda podem acessar. Essa é a grande questão: as empresas estão fazendo de tudo para saber o que puderem sobre nós. E isso só ocorre porque no Brasil não há uma legislação de proteção de dados pessoais, que existe em outros países, como na União Européia e em oito nações da América Latina.

Garantir a proteção em lei

Nem todo mundo sabe que há propostas de lei sobre o tema em discussão no Congresso, sendo a mais importante delas o PL 5276/2016, enviado pelo Executivo após intensos debates e consultas. Aqui neste blog já publicamos antes análises sobre os projetos e a importância da sua aprovação. A Coalizão Direitos na Rede já se manifestou em defesa do PL 5276, apontando o que uma lei de proteção de dados precisa ter. A rede defende a garantia da coleta mínima e com consentimento, o uso apenas para a finalidade descrita no momento da permissão, o acesso aos dados pelas pessoas em qualquer momento do tratamento e a criação de uma autoridade que possa fiscalizar e punir abusos e ilegalidades, entre outros pontos.

Do outro lado, empresas de diversos setores, plataformas (como Facebook e Google) e operadoras de telecomunicações pressionam para assegurar em lei uma “farra dos dados”. Assim poderiam colher o máximo de informações, usar para o que bem entenderem sem pedir a nossa permissão, não ter qualquer obrigação de transparência com o usuário e ainda reduzir a capacidade de serem fiscalizadas e punidas se desrespeitarem a lei.

A Campanha Seus Dados São Você é lançada em um momento chave deste embate. A comissão especial criada para discutir o tema na Câmara está prestes a apreciar uma nova versão a partir dos projetos em análise, chamada na linguagem do Parlamento de substitutivo. Um primeiro esforço da campanha é garantir que a lei de dados pessoais seja votada e aprovada. O segundo, e mais importante, é impedir que ela prejudique cidadãs e cidadãos e, ao contrário, garanta a nossa proteção contra o avanço das corporações sobre nós e nossa vida.

Sua proteção depende também de você

Para conquistar uma vitória, a pressão deve ir além das entidades já envolvidas com o tema. É preciso que todas e todos com a preocupação sobre seus dados e o controle de suas vidas ajudem a pressionar os parlamentares e o governo. A Campanha traz este chamado: faça parte deste movimento. Mas como cada um pode ajudar? De diversas formas:

– Entre no site da campanha e saiba mais sobre o tema e sobre as propostas em discussão no parlamento;

– Siga a página da Coalizão Direitos na Rede no Facebook e o perfil no Twitter, compartilhe os posts, participe das mobilizações na rede (como o tuitaço marcado para quinta-feira, 21, a partir das 14h30);

– Se você faz parte de alguma organização, entre em contato com a Coalizão Direitos na Rede para saber como ajudar, organizar um debate ou contribuir de alguma forma;

– Fique ligado nas mobilizações sobre o Congresso e os parlamentares (que serão divulgadas nos perfis da Coalizão) pela aprovação da lei de dados pessoais.

Faça parte desta campanha. A mobilização de brasileiras e brasileiros já conseguiu garantir a aprovação do Marco Civil da Internet e barrar o limite de dados na internet fixa (as chamadas franquias). Agora chegou a hora de mostrar ao Parlamento que não aceitamos ser colocados à venda.

*Jonas Valente é integrante do Conselho Diretor do Coletivo Intervozes e doutorando no departamento de Sociologia da UnB, onde estuda plataformas digitais

2017: privatização e exclusão de direitos do mapa das telecomunicações

Reportagem: Helena Martins

Há vinte anos, o Congresso Nacional aprovava a Emenda Constitucional que inseriu a possibilidade de reeleição do Presidente da República no sistema político brasileiro. No documentário Arquitetos do Poder, que trata da relação entre mídia e política, esse momento é retratado com a seguinte cena: o então deputado Michel Temer, líder do PMDB à época, sai de uma sala, empolgado, comemorando o feito. Em troca, Temer ganharia todo o apoio do presidente Fernando Henrique Cardoso e da máquina do Executivo para ser eleito presidente da Câmara.

A aprovação de tal emenda foi viabilizada com ampla compra de votos e o compromisso de que o patrimônio público seria entregue à iniciativa privada. Como parte disso, FHC efetivou a privatização das telecomunicações. A Telebras foi fatiada e vendida para diversas empresas, que, com gestos pouco nobres, em troca aportaram recursos para a reeleição de FHC. A “maior privatização do planeta”, conforme noticiou até mesmo O Globo à época, arrecadou R$ 22 bilhões.

Michel Temer e Gilberto Kassab - Foto: Beto Barata/PR
Michel Temer e Gilberto Kassab – Foto: Beto Barata/PR

Muitos desses personagens estão novamente em cena, aplicando o programa neoliberal de defesa da suposta redução do Estado e de favorecimento do mercado. No caso das telecomunicações, o golpe parlamentar que levou o mesmo Michel Temer ao poder acelerou o processo de maximização do Estado no que tange ao atendimento dos interesses privados e a eliminação da perspectiva cidadã e de direitos em um setor que, mais até do que há vinte anos, é estratégico para a continuidade da acumulação do capital. Isso porque as redes de telecomunicações concretizam a conexão de partes do globo, necessária à financeirização e à descentralização da produção, com a manutenção do controle nos países do centro capitalista, ao passo que sustentam toda uma nova gama de produtos e serviços digitais, cuja exploração interessa ao mercado.

Riscando o interesse público do mapa

Muitos ataques ao interesse público nas telecomunicações foram proferidos no último ano. A expressão mais completa do plano está no Projeto de Lei da Câmara (PLC) n° 79/2016, que propõe alterações drásticas na Lei Geral das Telecomunicações (LGT), que organiza o setor desde 1997. O projeto propõe a adaptação da modalidade de outorga de serviço de telefonia fixa de concessão para autorização, bem como a entrega de um patrimônio bilionário para as empresas. Os defensores da proposta alegam que, em troca, as operadoras vão investir valor equivalente ao que receberão de presente na expansão da rede de banda larga. O projeto, contudo, não detalha como essa contrapartida será efetivada.

Embora mude substancialmente o setor, a proposta passou pela Câmara dos Deputados de forma sorrateira, sem sequer ser debatida em plenário. O mesmo ocorreu no Senado, onde não passou nem pelas comissões técnicas vinculadas à matéria. Os senadores não puderam nem utilizar todo o prazo regimental para apresentar emendas. Sem debate com o conjunto dos parlamentares, muito menos com a sociedade, o projeto foi aprovado e remetido à sanção presidencial.

A questão foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), a partir de mandado de segurança impetrado por 13 senadores das bancadas do PT, PSB, PDT, PMDB e PC do B, que reivindicaram a análise de recursos que pediam que o plenário do Senado debatesse o tema. A liminar foi deferida pelo ministro Roberto Barroso, que impediu que o projeto fosse remetido novamente à sanção presidencial até o julgamento final das ações. A situação segue indefinida, e o Senado aguarda uma decisão final do STF, cujo relator do caso é o ministro Alexandre de Moraes.

Na prática, os efeitos do PLC 79 levarão à extinção do regime público no setor, acabando com obrigações impostas pela lei às empresas, que teriam, assim, mais liberdade para atuar exclusivamente em busca de lucros. De acordo com LGT, a exploração das telecomunicações está organizada em dois regimes: o público e o privado. As operadoras que prestam serviços em regime público recebem uma concessão e são submetidas a uma série de normas, como atendimento de metas de universalização, continuidade na oferta e controle dos valores das tarifas cobradas dos usuários. Já aquelas que funcionam no regime privado não têm essas mesmas obrigações, recebendo apenas uma autorização para que possam operar. Enquanto o artigo 65 da LGT estabelece que “não serão deixadas à exploração apenas em regime privado as modalidades de serviço de interesse coletivo que, sendo essenciais, estejam sujeitas a deveres de universalização”, o PLC 79 diz exatamente o contrário: que a exploração dos serviços essenciais ocorrerá “apenas em regime privado”.

Universalização do acesso à internet ficará comprometida

O fato de apenas a telefonia fixa ser prestada em regime público, segundo a LGT, fez com que houvesse grande crescimento desse serviço no País. Essa expansão foi pautada pelo Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado Prestado no Regime Público (PGMU), que tornou obrigatória a garantia de linhas telefônicas fixas em localidades com mais de 300 habitantes e fixou prazos para atendimentos de pedidos individuais e instalação de orelhões. Não à toa, pequenas localidades passaram a contar com um equipamento de telefone público. De acordo com o PGMU, as operadoras só poderiam atuar em outras localidades, além da região originalmente definida pela concessão, caso atendessem essas metas.

Os planos de universalização foram atualizados posteriormente, em 2003 e 2011, fixando novas obrigações para que o serviço se tornasse, de fato, acessível à população. Assim, as empresas Oi, Vivo e Claro, bem como a Sercomtel e a Companhia de Telecomunicações do Brasil Central (CTBC) que receberam concessões de telefonia fixa, têm se mantido, ao longo de todo esse tempo, atreladas a obrigações que, muitas vezes, contrariam os interesses comerciais.

Sem essas obrigações, dificilmente a população ribeirinha, por exemplo, terá acesso à rede de telecomunicações, afinal as empresas estão mais interessadas em investir em áreas lucrativas, como a capital paulista. Por isso, em vez de eliminar o regime público, é preciso ampliar a sua abrangência, incluindo nele a implantação de infraestrutura em redes de fibra ótica, já que o acesso à internet é considerado “essencial ao exercício da cidadania”, conforme fixa o Marco Civil da Internet. É isso que articulações da sociedade civil defendem, como a Campanha Banda Larga é um Direito Seu!, que apoia a proposta daquele artigo 65 da LGT. E é isso que o PLC 79 quer inviabilizar.

Diante da possibilidade de uma canetada riscar o interesse público do mapa das telecomunicações, mais de trinta organizações da sociedade civil, articuladas em torno da Coalizão Direitos na Rede, mobilizaram-se para denunciar os ataques e as manobras em torno do PLC 79. Em nota pública, elas destacaram que “é direito da população brasileira aprofundar as discussões sobre Projeto 79/2016 e suas consequências para o uso da infraestrutura de telecom do país e para as políticas de universalização de serviços essenciais como o acesso à internet no Brasil”.

Projeto propõe um presente para as teles: R$ 100 bilhões

Após a quebra do monopólio estatal, a Lei Geral de Telecomunicações determinou que os grupos que recebessem uma concessão ficariam obrigados a devolver ao Estado, após o término dos contratos, os bens públicos que seriam transferidos a eles para que pudessem prestar o serviço. Esses são os chamados bens reversíveis, que incluem, entre outros itens patrimoniais, prédios, antenas e cabos. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), a soma de todo esse patrimônio deve ultrapassar R$ 100 bilhões.

Com o PLC 79, as teles poderão ganhar de presente boa parte desses recursos, para investir em suas próprias redes e levar banda larga para onde bem entenderem. O projeto ainda prevê a redução do valor total dos bens devido pelas companhias à União, já que defende que sejam levados em consideração apenas os “ativos essenciais e efetivamente empregados na prestação do serviço concedido”, e não a totalidade do que foi emprestado no momento da outorga.

A drástica redução da dívida das operadoras frente à União que o projeto viabilizará foi apontada na Nota Informativa da Consultoria do Senado que analisou o PLC, bem como em parecer do Ministério Público Federal (MPF) sobre ele. Já o Ministério da Fazenda argumenta que a devolução dos bens foi prevista porque garantiria que o Estado tivesse condições de prestar o serviço, caso a iniciativa privada não se interessasse por ele. Como isso não ocorreu, o Ministério sustenta, em nota técnica, que “os bens reversíveis podem ser integralizados pelas empresas que podem investir mais na expansão da oferta de redes, o que viabilizará uma nova onda de investimentos no setor”. Ocorre que é difícil saber o que é ou não essencial, e não há mecanismos que definam como ocorrerá esse investimento.

Além disso, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não tem sequer o controle desses bens. A situação foi atestada por auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), que destacou que o “processo de fiscalização da Anatel não garante a fidedignidade e a atualidade dos bens reversíveis”. O problema pode ser ainda maior. Reportagem da CartaCapital mostrou que muitas operadoras já venderam, de forma irregular, parte do patrimônio recebido. Investigando processos internos da agência e documentos do TCU, o repórter André Barrocal revelou que a Oi, operadora que possuía cerca de R$ 51,9 bilhões em bens, teve redução de R$ 10,5 bilhões do total desse patrimônio, apenas entre 2011 e 2013. Em anos anteriores, entre 2002 e 2007, 1.026.311 itens foram vendidos, de acordo com análise do TCU divulgada pela revista.

Segundo a CartaCapital, Brasil Telecom, Claro e Telefônica também venderam bens públicos de forma irregular, ainda que em quantidade bem menor do que a surrupiada pela Oi. As regras brasileiras estabelecem que a alienação desse patrimônio só poderia ocorrer após análise e autorização da agência reguladora, e os recursos arrecadados teriam que ser usados na prestação do serviço de telefonia fixa. Para facilitar a vida dos grupos empresariais, a Anatel passou recentemente a permitir essas vendas, sem anuência prévia, em transações de até R$ 750 mil.

Tentando amenizar a gravidade do problema, defensores da entrega dos bens para as empresas costumam argumentar que as redes de cabos de cobre que foram utilizadas para levar a telefonia fixa a praticamente todo o país estão obsoletas e, por isso, têm pouco valor. O que eles deixam de apresentar ao público são soluções tecnológicas que permitem o provimento de banda larga, inclusive em alta velocidade, por esses fios, como a tecnologia GFAST. O argumento também desconsidera que, embora o número de telefones fixos esteja caindo, esse serviço ainda é essencial especialmente em localidades desprovidas de outras formas de comunicação, exatamente porque não interessam às empresas privadas.

Oligopólio ad infinitum

O projeto também propõe medidas para manter a já alarmante concentração do mercado de telecomunicações do Brasil, que hoje é dominado por apenas quatro grandes operadoras, como mostra a tabela abaixo. Não é preciso ir muito longe para saber o que isso significa na nossa vida: ao tentar contratar serviços como telefonia ou Internet, é fácil perceber a falta de oferta e a pouca diversificação de pacotes e valores. Em regiões menos atrativas, sejam as zonas rurais ou mesmo as áreas periféricas das grandes cidades, é comum que os usuários tenham como opção apenas uma ou duas operadoras.

Na tabela, foram agregados os dados de empresas autorizadas e concessionárias da telefonia fixa. Embora possuam obrigações distintas em relação à universalização dos serviços, tarifas e outras questões, o que o quadro busca evidenciar é o controle do mercado por poucas operadoras. A Anatel não incluiu, no relatório de abril de 2017, a especificação dos dados de serviços pré e pós-pago, mas a diferenciação foi feita pela Teleco.

SERVIÇO(abril/2017) CLARO TELEFÔNICA/VIVO OI TIM
Telefonia Fixa 26,4% 23% 34% 1,27%
Telefonia Móvel pré-paga 25,80% 24,78% 20,35% 28,44%
Telefonia Móvel pós-paga 22,94% 42,11% 11,41% 19,09%
TV paga 51,3% 8,84% 7,3% _
Banda Larga Fixa 31,4% 27,6% 23,5% 1,3%
Banda Larga Móvel 27,67% 29,11% 16,05% 25,10%

Síntese da concorrência no setor de telecomunicações.
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados da Anatel e da Teleco de abril de 2017

O PLC 79 busca garantir que o controle do setor das telecomunicações permaneça nas mãos das poucas e mesmas empresas – as quais, à exceção da Oi, pertencem ao capital transnacional. Hoje, o prazo das concessões é de vinte anos, prorrogável uma vez por igual período. O projeto elimina a quantidade possível de prorrogações. Ele também abre espaço para negociações de autorizações entre os grupos, pois permite que uma empresa transfira para a outra a licença, sem passar por licitação, bastando apenas a anuência da amigável Anatel. A análise da Consultoria do Senado apontou que a alteração pode criar um “mercado privado concentrado de revenda de autorizações”.

Pela proposta, essa negociação entre entes privados pode ocorrer no caso dos serviços autorizados e até dos satélites, cujo contrato de exploração atual é de quinze anos, prorrogável pelo mesmo período. Para tanto, o PLC elimina os limites de prorrogação e revoga o parágrafo da LGT que prevê a realização de licitação em casos de transferência. Tendo em vista a escassez desses recursos, o MPF alerta que as mudanças “têm potencial de criar poder de monopólio em favor das empresas autorizadas a explorar faixas de radiofrequência e o satélite brasileiro, gerando barreiras ao incremento da competição nos serviços de telecomunicações”.

Recém-construído com recurso público, satélite poderá ser privatizado

No Brasil, 58% da população usam a internet, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2015. Detalhando esse quadro, notamos um abismo digital: enquanto 95% dos entrevistados da classe A haviam utilizado a rede menos de três meses antes da pesquisa, a proporção cai para 82% para a classe B; 57% para a C, e 28% para a D e E. Sendo tratado como mercadoria, o acesso à rede permanecerá restrito a quem tiver condições de pagar por ele, aprofundando a desigualdade, com suas marcas de gênero, classe e raça, pois os grupos oprimidos são os mesmos que permanecem excluídos da rede.

Lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas - Foto: Beto Barata/PR
Lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas – Foto: Beto Barata/PR

Para garantir a universalização da banda larga, é preciso maior regulação estatal, adoção de políticas públicas e subsídios que sejam revertidos em obrigações condizentes das empresas. Essa foi a compreensão seguida pelos países que conseguiram êxito na universalização, conforme mostra pesquisa realizada pelo Intervozes em 2012. Na Finlândia, França, Coreia do Sul, Japão e em outras nações, o acesso à banda larga se deu com a atuação do Estado como agente impulsionador fundamental.

No Brasil, o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), lançado em 2010, estabeleceu medidas para a massificação do acesso. Relacionada com essa política, no ano seguinte foi anunciada a construção do primeiro satélite geoestacionário brasileiro de uso militar e civil, o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC). Por meio do satélite, a banda larga poderia ser levada a áreas remotas. Dado o caráter público da iniciativa, o direito de exploração do SGDC foi repassado pela Anatel, sem licitação prévia, à Telebras. A estatal pagou apenas R$ 2 milhões.

Ao todo, a construção do satélite custou R$ 2,7 bilhões do orçamento público. Um investimento vultoso que deveria servir para levar banda larga por um preço acessível às escolas, postos de saúde, hospitais e outras instituições, especialmente na região amazônica, dado o alcance dessa tecnologia.

Mas a história se repete como farsa: assim como ocorreu com as redes de telecomunicações, o investimento do Estado poderá ser usufruído pela iniciativa privada. Em fevereiro, a Telebras anunciou que privatizaria a maior parte da capacidade do satélite, sem ao menos estabelecer um preço mínimo para cada lote. As vencedoras do leilão também não serão submetidas a metas de universalização ou controle de preços.

Para se ter ideia do fosso entre recursos investidos e quantia que deverá ser arrecadada com a venda, vale ter em vista os valores pagos pelas empresas no leilão de direitos de exploração de satélites, realizado em 2015. Segundo a própria Anatel, o preço mínimo de referência pelo direito de exploração foi de R$ 27.094.271,64 por lote. Tendo em vista a entrega do patrimônio público e o desvirtuamento do propósito do SGDC, parlamentares e organizações da sociedade civil entregaram representação ao Ministério Público Federal (MPF) e ao TCU.

“As empresas vencedoras terão total liberdade para se valerem do satélite exclusivamente com a intenção de satisfazer seus próprios interesses privados, sem qualquer exigência de contrapartida em benefício da população como um todo”, diz o texto da representação, que lembra que havia a expectativa de o satélite prover banda larga para mais de sessenta mil escolas rurais. O documento também aponta que a ausência de um preço mínimo pelo lote consiste em uma ilegalidade, pois a lei que regulamenta as licitações e contratos da administração pública (Lei nº. 8.666/93) condiciona o procedimento licitatório à existência de “orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários”.

Instado a analisar a proposta elaborada pela Telebras, o TCU confirmou o óbvio: desvirtuamento do uso civil do satélite e possível dano ao erário. As pressões levaram a seguidos adiamentos do leilão, bem como a mudanças na proposta inicial de privatização. No primeiro plano de negócios divulgado pela estatal, apenas 20% da capacidade civil do satélite seria destinada a atender diretamente as demandas sociais de interesse público. Isso seria feito por meio da Telebras, que manteria em sua posse apenas o menor lote, de 11 Gbps.

Em julho, a estatal anunciou novo plano, fixando que seria cedido à iniciativa privada dois e não mais quatro lotes, o que ainda significa que será privatizada mais da metade (57%) da capacidade civil do satélite brasileiro. A fim de garantir minimamente que as empresas ofertem de fato o serviço, determinou que elas devessem ocupar 25% da capacidade de cada feixe em três anos, sob pena de ter que devolvê-los para uso da Telebras. A nova proposta segue sem fazer menção à exigência de atendimento aos serviços públicos. A fatia que caberá à estatal também segue sendo a com menor capacidade (21%, enquanto as duas que serão vendidas têm 35% e 22%). A entrega a preço de banana desse patrimônio público está prevista para o dia 27 de setembro.

Sem mudança na lei, Anatel dá um “jeitinho” de beneficiar as teles

Diante do breque nas manobras para mudar a LGT, a Anatel resolveu simplesmente desconsiderar as regras e beneficiar as teles diretamente, enquanto aguarda a aprovação do PLC 79. Para tanto, tentou estabelecer mudanças nos próprios contratos já firmados com as empresas, cuja revisão está pendente desde o fim de 2015. Como as regras não foram alteradas pelo Congresso, a revisão e os acordos deveriam ter como base a legislação atual.

No entanto, em maio deste ano, a agência reguladora anunciou que assinaria a renovação dos contratos com as operadoras, à revelia até da análise do cumprimento do PGMU por parte de seu Conselho Consultivo. A Anatel já vinha esvaziando o Conselho, que conta com a participação da sociedade civil, além dos representantes do governo e das empresas, atrasando a nomeação dos seus membros, o que inviabiliza a garantia de quórum mínimo para a tomada de decisões.

Para facilitar logo a vida das teles, o Conselho Diretor da agência admitiu alterações nos contratos de concessão dos serviços de telefonia fixa local, interurbana (LDN) e internacional (LDI). Na canetada, também aprovou modificações nas metas de universalização da Oi, Telefônica, Embratel, Sercomtel e Algar, cujos contratos vigorarão até 2020. Foi retirada, por exemplo, a obrigação de instalação de orelhões, o que passaria a ser feito apenas sob demanda. Também foram reduzidas as obrigações relativas à disponibilização de linhas de telefones individuais.

As novas medidas foram anunciadas pela Anatel por meio da divulgação da minuta do IV PGMU. Ocorre que o plano deveria ser confirmado por decreto presidencial, o que até agora não ocorreu. Ex-conselheira da Anatel e integrante da Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, Flávia Lefèvre afirmou em uma entrevista que “a edição de decreto do novo PGMU sem discussão  com a sociedade civil, especialmente neste momento, é extremamente preocupante, posto que a proposta elaborada pela Anatel reduz radicalmente obrigações de universalização e deixa de utilizar saldo bilionário em favor dos consumidores”.

Lefèvre alerta que, com as resoluções que propunham as mudanças nos contratos sem a análise prevista pelo Conselho Consultivo, “a Anatel gastou tempo e dinheiro público num processo realizado sem nenhum respaldo legal, atrasando a revisão dos contratos de concessão ou mesmo uma outra decisão no sentido de antecipar o vencimento desses contratos e estabelecer um novo caminho com base nas diretrizes fixadas na LGT que está em vigor”, o que poderia contribuir para a ampliação do acesso à internet em banda larga.

No fim de junho, foi anunciada a manutenção dos contratos, nos termos aprovados em 2011, quando houve a última revisão. As teles reagiram cobrando reabertura das discussões sobre o PGMU, especialmente sobre o valor que elas ficariam devendo ao Estado. Isso porque foi inserida na proposta de novo contrato de concessão uma cláusula que previa o reconhecimento, pelas concessionárias, de saldo derivado dos recursos que seriam economizados com a redução das metas de universalização. As operadoras pressionam para que esse saldo possa ser utilizado em investimentos nas próprias redes para oferta de novos serviços.

Novos investimentos para novos lucros, mas com dinheiro público

Da mesma forma, as operadoras objetivam transformar os valores que devem por terem recebido multas em investimentos nelas mesmas. Parece absurdo que uma empresa seja multada e acabe ganhando o dinheiro. Simplificando, é como se, ao receber uma multa do Detran, você ganhasse dinheiro para melhorar o automóvel. Pois bem, é isso que elas querem – e é isso que a Anatel tem tentado concretizar.

Para tanto, a agência tem firmado Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com as operadoras, nos quais tenta trocar as multas por investimentos. O TCU emitiu parecer contrário e determinou a suspensão dos acordos. Inicialmente, o TCU realizou auditoria para analisar os trabalhos da Anatel. Diante das irregularidades constatadas, o órgão abriu representação que resultou em medida cautelar impedindo que fosse assinado o termo de compromisso da empresa Oi. Depois, tendo em vista informações de que a Anatel celebraria outros termos, o TCU propôs que fosse determinado cautelarmente à Anatel que se abstivesse de assinar TACs – vedação que continua em vigor. Diante da situação, o órgão oficiou o MPF para que fosse apurada conduta dolosa dos membros do Conselho Diretor da Anatel por dano ao erário público.

Mais uma vez, estamos falando da entrega de bilhões de reais para as empresas por parte de um país que aprovou, recentemente, uma lei que limita os investimentos públicos em áreas essenciais exatamente por alegar falta de recursos. A previsão do TCU é que os 37 pedidos de celebração de TAC podem chegar ao valor de R$ 9,1 bilhões. O montante deve ser ainda maior, já que a conta foi feita em 2016 e deve aumentar com a atualização dos valores e a inclusão de novos processos em cada negociação. A tabela abaixo mostra a estimativa da dívida de cada operadora.  

multasTCU

Valores das multas devidas pelas empresas
Fonte: Relatório 022.280/2016-2 do TCU

Na análise do TCU, há preocupação com a expressiva redução do valor das multas diante da nova metodologia de contagem adotada nos termos. Como exemplos, cita redução de uma multa de R$ 8,8 milhões para R$ 727 mil e outra que passou de R$ 66,4 milhões para R$ 11,3 milhões. A Anatel defende que o estabelecimento de um acordo que resultaria na troca de multas por compromissos de investimentos novos beneficiaria a sociedade. Para o TCU, entretanto, o termo prejudica até a concretização dos investimentos, pois “a alteração nos valores das multas fragiliza os acordos negociados e os aprovados, reduzem ou até mesmo anulam os investimentos e benefícios que seriam obtidos dos TACs”.

Os TACs também vão de encontro à preocupação de garantia de acesso à internet pela população desprovida de conexão. Embora o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e a agência apontem que os recursos poderão subsidiar o Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT), plano em elaboração que o governo quer que substitua o PNBL, os termos discutidos mudam o direcionamento dos investimentos. “Fica claro que a escolha dos municípios a serem atendidos pelos compromissos adicionais do TAC da Telefônica prioriza localidades que possuem um nível de desenvolvimento maior e mais avançado, em detrimento de regiões deficitárias, o que beneficia indevidamente a prestadora”, pontua o relatório.

No caso de aprovação de novo PGMU, com novas regras sobre universalização, ou do PLC 79, levando à troca das concessões por autorizações, há risco das operadoras argumentarem que não há mais a obrigação de cumprir os acordos. Para o órgão, diante dessas possíveis mudanças, não há interesse público na celebração de TACs. “Isso porque as alterações prejudicarão ou anularão os compromissos de ajustamento de conduta a serem acordados, impedirão a atuação efetiva da Anatel sobre o objeto do TAC, inviabilizarão os benefícios à sociedade previstos”, esclarece o relatório.

Oi: expressão do erro da privatização, a empresa será a grande beneficiada

A principal beneficiada por esse conjunto de medidas será a Oi, que tem uma dívida de R$ 64,5 bilhões junto a 55.080 credores. De acordo com dados da própria empresa, 11% da dívida são devidos à Anatel e 3,3%, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e internetSocial (BNDES). São recursos, portanto, da sociedade. Donos de títulos de dívida, bancos – entre os quais Itaú, Bradesco e Santander –, fornecedores e trabalhadores são outros credores.

Em recuperação judicial desde o ano passado, a Oi precisa se livrar das dívidas e das tarefas associadas à concessão, como a obrigação de levar serviços para recantos longínquos do país. Ela também possui o maior número de bens reversíveis, ainda que parte desses bens já tenha sido arrendado ou mesmo vendido ilegalmente pela empresa, que também busca a celebração de Termos de Ajustamento para reduzir o montante das dívidas contraídas com multas.

Com o plano de recuperação, a Oi ganhou mais tempo para pagar as contas. O prazo fixado atualmente é fevereiro de 2018. Até lá, ela precisa acordar com os credores uma proposta de recuperação, que pode incluir medidas para atrair capital estrangeiro. Esses planos da Oi, contudo, dependem da definição das regras do setor, já que elas poderão alterar radicalmente as contas, as obrigações e, com isso, o valor da empresa.

O pedido de recuperação judicial é o que envolve maior volume de dinheiro na história do Brasil. Mas não só isso mostra a dramaticidade da situação. O que está em jogo é também a garantia da continuidade da prestação dos serviços. Quase 14 milhões dos 24 milhões de assinantes de telefonia fixa atendidos por concessionárias têm contratos com a empresa, de acordo com dados da Anatel de julho deste ano. Em mais de 300 dos 4.859 municípios atendidos pela Oi, ela é a única prestadora desse serviço e, inclusive, de telefonia celular. A falência da empresa pode gerar um apagão nesses lugares e levar à desativação dos 640 mil terminais de uso público (TUP), os conhecidos orelhões.

A explicação do fracasso da operadora, que passou de “supertele”, em meados do governo Lula, a uma situação de quase falência em menos de dez anos, tem raízes na própria história da empresa e na lógica adotada no processo de privatização da Telebras. A opção feita foi pelo fatiamento da estatal em grandes holdings que operariam telefonia fixa em áreas distintas, além de nove empresas de telefonia celular e uma de longa distância, a Embratel. Os defensores diziam esperar ampla concorrência em todas as áreas, mas isso não aconteceu.

Coube à Tele Norte Leste, posteriormente rebatizada Telemar, fazer a única oferta para a prestação na área que abrangia 16 estados, incluindo a maior parte do Norte e todo o Nordeste. Relembrando a história da operadora, o jornalista Gustavo Gindre conta que “a Telemar foi adquirida por um grupo chamado pelo então ministro das Comunicações, Mendonça de Barros, de ‘rataiada’. Faziam parte desse grupo a Andrade Gutierrez e a família Jereissati, do senador cearense Tasso Jereissati”, além do BNDES, que detinha a maior participação acionária, mas abriu mão da administração da empresa. Outro grupo que adquiriu parte da estatal foi a Tele Centro Sul, a quem coube explorar o Distrito Federal e o Centro-Sul. Posteriormente transformada na Brasil Telecom, tinha entre seus acionistas o banco Opportunity, de Daniel Dantas, que brigou na Justiça com fundos de pensão pelo seu controle.

Já repletas de obrigações e com problemas de gestão, as empresas fundiram-se em 2008 e formaram a Oi, sob os auspícios do governo Lula, que queria uma “supertele” nacional para competir com as transnacionais que atuam no setor, especialmente os grupos América Móvil e Telefónica, que já então disputavam o controle das telecomunicações na América Latina. Além de alterar o Plano de Outorgas para viabilizar a integração, o governo aportou, por meio do BNDES, mais de R$ 2,5 bilhões à empreitada. A Oi virou concessionária de telefonia fixa em 26 estados do país – exceto em São Paulo, a praça mais lucrativa.

Como já era de se esperar, a transação não deu certo. Em 2013, depois de ter sido envolvida em uma disputa internacional, acabou fundindo com a Portugal Telecom. Reportagem recente do jornal português Público revela os bastidores dessa história, que resume como “acrônica da maior destruição de valor de que há memória na história empresarial portuguesa”. Corrupção, explosão de dívidas, calotes e prisões de executivos são alguns passos do caminho feito pela Oi em direção ao abismo.

A situação gerou a explosão da dívida da empresa e, nos últimos anos, o aumento da pressão para que o Estado resolva a questão, ao que ele está reagindo. Não necessariamente, o que deveria ser primordial, com vistas à garantia dos direitos dos usuários, mas sim para salvaguardar os interesses dos acionistas. Além da promoção de mudanças legais que a beneficiem, o governo pode decretar intervenção na operadora, levando à incorporação de seus bens à Telebras, ou à oferta de ajuda financeira, negociando o valor das multas ou injetando dinheiro.

No último dia de agosto, a Anatel anunciou que o Núcleo de Ações que acompanha a situação propôs ao Conselho Diretor, em uma medida de caráter cautelar, a abertura dos processos de caducidade das concessões e de cassação das autorizações do grupo. “Em resposta a um cenário desfavorável na recuperação judicial, a transferência dos meios necessários à prestação dos serviços para outros agentes econômicos, que poderão assegurar a continuidade das ofertas, deve ocorrer da forma célere, de modo a que se evitem prejuízos à sociedade”, diz a nota da agência. O pedido ainda será analisado.

Os possíveis caminhos ainda não são conhecidos, mas sabe-se que a saída é delicada, pois envolve ônus político e mesmo dificuldades para a Anatel intervir na Oi, já que apenas a telefonia fixa é prestada em regime de concessão e a operadora comercializa outras modalidades por meio de autorizações, como telefonia celular e banda larga. Apesar da situação, é preciso que o Estado tenha como preocupação fundamental garantir o interesse público, o que está longe de ser uma realidade no panorama brasileiro. Por isso, é preciso que a sociedade conheça o tamanho do ataque que está sofrendo, ainda que silenciosamente, e aja para intervir nos rumos de um setor que é estratégico também para a garantia da segurança nacional e para o exercício do direito à comunicação.

Entidades debatem Liberdade de Expressão e Direitos Humanos na Internet

Realizado pelo Intervozes com parceria do CNDH, o seminário “Liberdade de Expressão e Direitos Humanos na Internet: em busca do equilíbrio” reuniu movimentos sociais e ativistas da rede, em Brasília

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social realizaram, nesta terça-feira, dia 22, em Brasília, o Seminário Liberdade de Expressão e Direitos Humanos na Internet: em busca do equilíbrio.

A atividade contou com a participação de várias entidades de direitos humanos e de defesa da internet, que juntos construíram um diálogo para efetivação dos direitos humanos dentro dos espaços virtuais da rede.

Segundo Iara Moura, conselheira do CNDH e integrante do Intervozes, não se trata de restringir o direito à liberdade de expressão, mas sim de proteger grupos que são historicamente negligenciados, não só no mundo real, mas também no espaço digital. “O efeito silenciador vem do próprio discurso. Precisamos promover um debate público e aberto de forma democrática”, destacou. Iara mencionou ainda o acúmulo histórico sobre o tema, como o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA), que destaca princípios norteadores para Liberdade de Expressão e Internet.

O procurador Domingos Neto, coordenador do Grupo de Trabalho Comunicação Social da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) reforçou que a internet é “um instrumento que potencializa a realização plena do artigo 19”, pois ela permite que qualquer um com acesso à rede possa não só consumir, mas também produzir comunicação.

Para os temas referentes à garantia dos Direitos Humanos na internet, ele frisou que o artigo 222 da Constituição Federal diz, no parágrafo 3º: “Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221”.

Ele conclui que esse olhar sobre o artigo reforça que toda produção da internet deverá respeitar os princípios de preferências para finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, como descrito no artigo 221. “O discurso de ódio não tem espaço nesse artigo. A internet é uma experiência coletiva que a gente vive e que deve ser respeitada de forma coletiva e não sobre as ‘minhas’ regras”, finalizou.

Entidades representativas de direitos das mulheres, LGBTI e movimento de negros destacaram a importância da internet para suas organizações, porém eles também relatam que é justamente na rede que acontecem os maiores ataques. “O mundo online para a população LGBTI é muito importante, pois é lá que estamos encontrando ajuda, apoio e organização, porém, ao mesmo tempo é um espaço de muita violência e a maioria tem base é fomentada por grupos religiosos”, lamentou Carlos Magno Fonseca, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis e Intersexos (ALBTI).

Laura Tresca, ativista da Artigo 19, reforçou que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, assim como qualquer outro direito. “Ela pode, e deve, ser restringida se baseando nos parâmetros dos direitos humanos internacionais, porém o que a gente vê é que essa restrição só acontece quando se tratam de políticos para calar as vozes dissidentes”.

Para os presentes, é unânime que não se devem criar novas leis em relação aos crimes cometidos pela internet. O consenso é que as regras do código penal são aplicáveis também no ambiente virtual.

Paulo Rená, do Instituto Beta para Internet e Democracia (Ibidem), afirmou que a internet ainda é um espaço limitado e centralizado em zonas economicamente atrativas. “Não é calando as vozes que resolveremos a questão dos direitos fundamentais”.

A advogada Flávia Lefèvre, conselheira do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), alertou sobre a importância de se fortalecer os espaços já existentes, como o CGI.br. Ela lembrou que hoje a entidade passa por um ataque, promovido pelo governo, que visa a enfraquecer a participação da sociedade e fortalecer as ações das empresas de telecomunicações. “Temos que fortalecer os mecanismos de gestão da internet, para que as teles não desmontem a participação que se tem hoje. Neste momento, o envolvimento de todos para o processo de revisão do processo de governança multiparticipativa no Brasil é fundamental para a preservação de direitos humanos, direito à comunicação, direito à informação e dos direitos de consumidores”.

Criado em 1995, o CGI.br é responsável pelo estabelecimento das diretrizes do setor; a promoção de estudos e padrões técnicos para segurança e serviços de internet; recomendações de procedimentos e padrões técnicos e promoção de programas de pesquisa e desenvolvimento.

No dia 08, deste mês o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações iniciou uma consulta pública com intenção de alterar o modelo do CGI.br, principalmente em relação às atribuições e à composição do Comitê. A atitude do governo de forma unilateral e sem diálogo prévio no interior do CGI.br é considerada um equívoco para entidades que defendem a internet no Brasil e que compõe a Coalizão Direitos na Rede.

O seminário discutiu ainda o papel das plataformas no combate às violações de direitos e na responsabilização de infratores e a importância de assegurar a aplicação do Marco Civil da Internet na garantia da defesa dos direitos humanos na rede.

A lei 12.965/14 , conhecida popularmente como o Marco Civil da Internet, rege o uso da rede no Brasil, definindo direitos e deveres de usuários e provedores da web no país.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Governo decide unilateralmente alterar o Comitê Gestor da Internet

Atitude contraria o multissetorialismo nas decisões que impactam uso e gestão da internet pelo qual o Brasil é mundialmente reconhecido e respeitado

Por Marina Pita*

Um e-mail de Maximiliano Martinhão, secretário de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), informando a proposta de avaliar a necessidade de mudanças do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que ele coordena neste momento, chegou às caixas de entrada dos conselheiros da organização no domingo 6. Já na segunda-feira 7, os representantes do terceiro setor, academia e mesmo representantes dos empresários foram surpreendidos ao serem informados de que uma consulta pública sobre o assunto seria publicada no Diário Oficial da União já no dia seguinte, como, de fato, ocorreu.

A ação unilateral, sem qualquer processo de diálogo interno no Comitê, vai contra tudo o que o CGI.br defendeu e construiu nos últimos 20 anos e pelos quais é respeitado internacionalmente. Inclui-se aí a construção de diálogo multissetorial (multistakeholder, em inglês), ou seja, entre governo, empresas, academia, técnicos e sociedade civil para estabelecer as normas e os procedimentos para uso e desenvolvimento da rede.

A posição autocrática assumida pelo governo Kassab/Temer, como bem definiu a Coalizão Direitos na Rede em nota que repudia o processo iniciado unilateralmente pelo governo é, inclusive, uma ruptura com a postura que o Brasil, por meio do Ministério das Relações Exteriores, assumiu em âmbito internacional, no sentido de solicitar a participação multissetorial em todos os processos, etapas e esferas de deliberação acerca da internet, incluindo a independência da IANA, que trata da raiz do sistema de nomes de domínio na internet, do Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

Ora, não é evidente que a necessidade de consulta pública do próprio CGI.br e o modelo a ser utilizado, inclusive a plataforma mais adequada, deveriam ter sido discutidos por todos os conselheiros do CGI.br?

O problema não está em fazer uma consulta pública para discutir a necessidade, ou não, de atualizá-lo, uma vez que o último decreto que o regulamenta é de 2003 e, portanto, anterior à aprovação do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e de seu decreto regulamentador que conferiu ao CGI.br atribuições importantes e cujo desenvolvimento será definidora do futuro da internet no Brasil. A questão está em como isso será feito.

E já o fato de ele acontecer a pedido de um governo ilegítimo é, por si só, algo temerário. Sem prévio debate interno no CGI.br e dos setores por ele representados é ainda pior. Dizer antidemocrático não seria exagero.

Pressão do empresariado

Há indicações de que esta consulta pública seja tratada apenas como formalidade para uma mudança já decidida entre um seleto grupo e que certamente não envolve você, usuário. Nos bastidores, sabe-se que há pelo menos três anos o setor de telecomunicações vem se mostrando descontente com seu menor poder de influência no CGI.br, alegando que seu poder econômico está sub-representado.

Também a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) não ficou nada satisfeita ao perder a disputa em torno de quem dará as cartas na neutralidade de rede no País, durante o desenvolvimento do Marco Civil da Internet e sua posterior regulamentação.

É de dar calafrios as notícias de que está planejada a criação de novos assentos no conselho do CGI.br para o setor empresarial e para o governo. As pessoas que acompanham o processo do CGI.br por dentro indicam que há uma tendência de se criar uma cadeira para, por exemplo, o setor de conteúdos, mas com a pré-definição de que esta seria para a Motion Pictures Association na América Latina. Além disso, haveria mais uma cadeira para o setor de telecomunicações e outras para o governo. Fica a dúvida: como será a representação dos cerca de 200 milhões de brasileiros, da academia e dos especialistas?

Entre as questões sobre as quais o conselho do CGI.br vem publicando orientações e para os quais tem atribuição está o princípio da neutralidade de rede. Sabe-se que o CGI.br, mesmo com sua diversidade, vem sendo um importante bastião de defesa desse princípio que permite que os usuários da rede decidam, sem interferência dos detentores da infraestrutura, os conteúdos a serem acessados. Também o CGI.br teve um papel fundamental ao emitir nota para que uma decisão sobre a permissão de franquia de dados na banda larga fixa se dê apenas após aprofundado estudo sobre necessidade e impactos de tal medida no Brasil.

Pesquisas e projetos sob risco

Também pode estar sob risco o trabalho realizado por meio do Núcleo de Informação e Comunicação do Ponto BR (NIC.br) e do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), tais como registro de nomes de domínio, importantes projetos técnicos e de infraestrutura para a internet, medidas e políticas de segurança, realização de estudos sobre acesso e uso da internet no Brasil, bem como acerca da qualidade e velocidade da banda larga.

Em dezembro, durante o Fórum de Governança da Internet (IGF) no México, organizado pelas Nações Unidas, um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países manifestou preocupação e denunciou as tentativas de enfraquecimento do CGI.br por parte da gestão Temer. No primeiro semestre de 2017, o governo manobrou para impor uma paralisação de atividades em nome de uma questionável “economia de recursos”, conforme denunciado também pela Coalizão Direitos na Rede. A pressão da sociedade civil para a retomada dos trabalhos do CGI.br surtiu efeito, e o novo conselho do CGI.br deve se reunir no próximo dia 18.

Assim, o que faz uma decisão como essa ocorrer de forma tão apressada e antidemocrática? Uma vontade de evitar que este conselho siga com os trabalhos já iniciados, antes da mudança nas cadeiras do conselho? Que tipo de transição seria esta que o governo aponta na consulta pública? Será uma vontade de alterar já esta gestão do conselho do CGI.br?

Diante dos fatos, diversos especialistas em internet no Brasil apontam para a necessidade de a condução do processo de consulta pública se dar de forma transparente, buscando representatividade entre os segmentos econômicos e sociais. Mas, avaliando a situação adequadamente, é fácil concluir que isso só pode ocorrer se este processo de consulta pública for cancelado e seus parâmetros, formato e acompanhamento forem previamente discutidos, como defende a Coalizão Direitos na Rede.

*Jornalista e membro da coordenação executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

Coalizão Direitos na Rede divulga nota “contra ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil”

A Coalizão Direitos na Rede divulgou hoje, dia 09, uma nota questionando o governo federal que por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações iniciou ontem, uma consulta pública que pode alterar o modelo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), principalmente em relação às atribuições e à composição do Comitê. A atitude do governo de forma unilateral e sem diálogo prévio no interior do CGI.br é considerado um equívoco para entidades que compõe a Coalizão Direitos na Rede.

Para a Coalizão o governo “passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil”. O grupo reforça que a atual composição do Comitê Gestor tem sido fundamental para a defesa da manutenção das conquistas obtidas com o Marco Civil da Internet e de princípios básicos para a garantir uma internet livre, aberta e plural.

Criado em 1995 o CGI.br é responsável pelo estabelecimento das diretrizes do setor; a promoção de estudos e padrões técnicos para segurança e serviços de internet; recomendações de procedimentos e padrões técnicos e promoção de programas de pesquisa e desenvolvimento.

Na nota a Coalizão Direitos na Rede pede o cancelamento imediato da consulta e explica que a “iniciativa” do governo não respeitou os processos democráticos.

Confira a nota na íntegra:

Contra os ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil

A Coalizão Direitos na Rede vem a público repudiar e denunciar a mais recente medida da gestão Temer contra os direitos dos internautas no Brasil. De forma unilateral, o Governo Federal publicou nesta terça-feira, 8 de agosto, no Diário Oficial da União (D.O.U.), uma consulta pública visando alterações na composição, no processo de eleição e nas atribuições do Comitê Gestor da Internet (CGI.br).

Composto por representantes do governo, do setor privado, da sociedade civil e por especialistas técnicos e acadêmicos, o CGI.br é, desde sua criação, em 1995, responsável por estabelecer as normas e procedimentos para o uso e desenvolvimento da rede no Brasil. Referência internacional de governança multissetorial da Internet, o Comitê teve seu papel fortalecido após a promulgação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e de seu decreto regulamentador, que estabelece que cabe ao órgão definir as diretrizes para todos os temas relacionados ao setor. A partir de então, o CGI.br passou a ser alvo de disputa e grande interesse do setor privado.

Ao publicar uma consulta para alterar significativamente o modelo do Comitê Gestor de forma unilateral e sem qualquer diálogo prévio no interior do próprio CGI.br, o Governo passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil.

A consulta não foi pauta da última reunião do CGI.br, realizada em maio, e nesta segunda-feira, véspera da publicação no D.O.U., o coordenador do Comitê, Maximiliano Martinhão, apenas enviou um e-mail à lista dos conselheiros relatando que o Governo Federal pretendia debater a questão – sem, no entanto, informar que tudo já estava pronto, em vias de publicação oficial. Vale registrar que, no próximo dia 18 de agosto, ocorre a primeira reunião da nova gestão do CGI.br, e o governo poderia ter aguardado para pautar o tema de forma democrática com os conselheiros/as. Porém, preferiu agir de forma autocrática.

Desde sua posse à frente do CGI.br, no ano passado, Martinhão – que também é Secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – tem feito declarações públicas defendendo alterações no Comitê Gestor da Internet. Já em junho de 2016, na primeira reunião que presidiu no CGI.br, após a troca no comando do Governo Federal, ele declarou que estava “recebendo demandas de pequenos provedores, de provedores de conteúdos e de investidores” para alterar a composição do órgão.

A pressão para rever a força da sociedade civil no Comitê cresceu, principalmente por parte das operadoras de telecomunicações, apoiadoras do governo. Em dezembro, durante o Fórum de Governança da Internet no México, organizado pelas Nações Unidas, um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países manifestou preocupação e denunciou as tentativas de enfraquecimento do CGI.br por parte da gestão Temer. No primeiro semestre de 2017, o Governo manobrou para impor uma paralisação de atividades em nome de uma questionável “economia de recursos”.

Martinhão e outros integrantes da gestão Kassab/Temer também têm defendido publicamente que sejam revistas conquistas obtidas no Marco Civil da Internet, propondo a flexibilização da neutralidade de rede e criticando a necessidade de consentimento dos usuários para o tratamento de seus dados pessoais. Neste contexto, a composição multissetorial do CGI.br tem sido fundamental para a defesa dos postulados do MCI e de princípios basilares para a garantia de uma internet livre, aberta e plural.

Por isso, esta Coalizão – articulação que reúne pesquisadores, acadêmicos, desenvolvedores, ativistas e entidades de defesa do consumidor e da liberdade de expressão – lançou, durante o último processo eleitoral do CGI, uma plataforma pública que clamava pelo “fortalecimento do Comitê Gestor da Internet no Brasil, preservando suas atribuições e seu caráter multissetorial, como garantia da governança multiparticipativa e democrática da Internet” no país. Afinal, mudar o CGI é estratégico para os setores que querem alterar os rumos das políticas de internet até então em curso no país.

Nesse sentido, considerando o que estabelece o Marco Civil da Internet, o caráter multissetorial do CGI e também o momento político que o país atravessa – de um governo interino, de legitimidade questionável para empreender tais mudanças – a Coalizão Direitos na Rede exige o cancelamento imediato desta consulta.

É repudiável que um processo diretamente relacionado à governança da Internet seja travestido de consulta pública sem que as linhas orientadoras para sua revisão tenham sido debatidas antes, internamente, pelo próprio CGI.br. É mais um exemplo do modus operandi da gestão que ocupa o Palácio do Planalto e que tem pouco apreço por processos democráticos. Seguiremos denunciando tais ataques e buscando apoio de diferentes setores, dentro e fora do Brasil, contra o desmonte do Comitê Gestor da Internet.

8 de agosto de 2017, Coalizão Direitos na Rede

Original em: https://direitosnarede.org.br/c/governo-temer-ataca-CGI/