Na semana em que a legislação que regula a radiodifusão comunitária no Brasil debuta, a Associação Mundial de Rádios Comunitária (AMARC) disponibiliza uma pesquisa comparativa entre as leis de quatro países europeus para fornecer elementos que possam enriquecer as reflexões sobre as características, potencialidades e entraves da legislação brasileira. Desdobramento de uma investigação anterior, em que foram enfocados países latino-americanos, a Associação buscou os países da França, Irlanda, Espanha e Alemanha (nos estados federativos de Saxônia-Anhalt e Baviera) para aprofundar o debate.
Há 15 anos atrás, no dia 19 de fevereiro de 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso instituía a Lei 9.612, que regula a radiodifusão comunitária. Embora houvesse uma mobilização do movimento de comunicadores populares em busca de reconhecimento desde a década de 1980, o texto aprovado foi definido “de acordo com o interesse dos empresários”, “entregue pela ABERT (Associação Brasileira de Rádio e Televisão) ao Ministérios das Comunicações”, afirma Arthur William, representante da AMARC no Brasil. “As rádios comunitárias acabaram sendo vítimas da lei que lutaram para ser criada”, aponta.
De acordo com João Paulo Malerba, um dos pesquisadores que produziu o documento da Amarc, nesses 15 anos a lei permaneceu “praticamente inalterada” e “não atende as demandas das rádios comunitárias”. Dessa forma, justifica-se o trabalho de pesquisa desenvolvido para alimentar o debate brasileiro com casos positivos. Dentre os países analisados, Malerba identifica na legislação irlandesa o exemplo mais completo de regulamentação a inspirar os legisladores nacionais, assim como defende que alguns elementos das leis alemãs e francesas poderiam facilmente se adaptar ao caso do Brasil.
“No caso francês nos chama a atenção o número de trabalhadores assalariados, são cerca de 3 mil, acompanhados por 12 mil voluntários”, diz Malerba. Segundo o pesquisador, as rádios comunitárias no Brasil, por não possuírem uma legislação que permita o seu financiamento de forma viável, têm o assalariamento inviabilizado. Isto gera uma alta circulação de comunicadores e dificuldades para a constituição de um "know-how", pois deixam os veículos sem tempo suficiente para que consolidar e compartilhar o conhecimento.
Dispositivo legais que se destacam na pesquisa são “os contratos de radiodifusão temporários”. Com essa possibilidade, Malerba afirma que é possível, além de se adquirir licenciamento e autorização para a cobertura de eventos, também se pensar em desenvolver experimentações, abrindo espaço para iniciativas de diversos grupos.
A pesquisa aponta também que de 39 países europeus analisados, somente 17 reconhecem em lei de forma explícita as rádios comunitárias. Já na América do Sul, conforme pesquisa anterior, embora os dez países (não incluídas as guianas) possuam legislações restritivas, todos consideram legalmente a existência de veículos dessa natureza. A investigação conclui que, além das restrições expressas em leis, há também aspectos administrativos e burocráticos que podem obstaculizar a radiodifusão comunitária nos diferentes países.
Confira o texto da pesquisa: https://obscom.intervozes.org.br/content.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=575
“A TV é um pouco a expressão desse politicamente correto mal entendido”
Pedro Arantes é um dos três vencedores do prêmio Pitching da TV Câmara por seu documentário “O riso dos outros”, que trata do humorismo feito no Brasil na atualidade, com destaque para a stand up comedy. Premiado por um dos melhores audiovisuais entre 70 propostas concorrentes, o realizador considera que a repercussão do seu filme tem sido bastante positiva, especialmente considerando-se que foi feito com poucos recursos.
Diretor de séries de humor como “As Olívias”, do canal Multishow, e “Vida de Estagiário”, da TV Brasil, Pedro Arantes diz ver na TV brasileira a expressão do que seria o “politicamente correto mal entendido”: o moralismo conservador. Discutindo os limites entre a comédia e a ofensa, o filme “O riso dos outros” entrevista humoristas, cartunistas, militantes, parlamentares e especialistas, apresentando várias perspectivas sobre o tema.
Formado pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), o documentarista defende que a linguagem veicula estereótipos e que os humoristas não estão isentos de tomarem posições ideológicas, ainda que não sejam conscientes disso. Arantes afirma crer, porém, que o humor pode servir para quebrar estereótipos e que excessos devem ser regulados de forma democrática.
Por que fazer um documentário sobre humor? O que lhe motivou a trabalhar com essa temática específica?
Já era uma área na qual eu trabalhava. Meu trabalho de conclusão de curso na faculdade foi um filme de comédia. Eu e o pessoal daqui da produtora sempre gostamos muito de trabalhar com a linguagem humorística. É o tipo de linguagem que a gente gosta de trabalhar e que consegue comunicar muita coisa. É muito popular e as pessoas gostam. Quando começou toda essa discussão do “humor politicamente incorreto”, foi uma coisa que eu fiquei pensando sobre e a gente discutia bastante. A gente vê bastante humor brasileiro e gringo também. A gente tem bastante referência. Então, era uma discussão que a gente já estava um pouco imerso nela.
Você considera “O Riso dos outros” um sucesso?
Dentro das minhas expectativas, sim. A medida do sucesso é meio relativa, porque depende de onde você queria chegar e de onde você partiu. Acho que para um filme feito com um edital pequeno, da TV Câmara, falando de um tema que é meio árido, praticamente só com gente falando, de discussão, eu considero que a repercussão que ele tem tido é um sucesso sim.
Grande parte desse sucesso tem a ver com a relevância do tema. Já era um tema quente. Não fui eu quem inventou essa discussão. Ela já tava pautada. Tem bastante disso: de uma atualidade da coisa. E, por outro lado, eu acho que o filme consegue ampliar um pouco o debate.
As piadas contribuem para reforçar estereótipos e exercer uma violência simbólica?
A disputa político-ideológica se dá essencialmente na linguagem. A linguagem é a realização das coisas que a sociedade pensa, acredita e pratica. Então, se você diz: a piada serve pra reforçar o estereótipo… na verdade, a piada, a linguagem, o que se diz, é a própria manifestação do estereótipo, entende? É uma forma de o estereótipo se manifestar. Outra forma é você sair batendo nas pessoas. Outra forma são discursos de ódio. Outra forma é o parlamentar passar legislações que restringem direitos. Se você entende a linguagem como manifestação real das coisas, então uma piada nunca vai ser “só uma piada”, entende? Porque toda linguagem é também um posicionamento político. Toda comunicação é a realização de uma visão de mundo. E essa visão, seja no humor, seja num discurso de ódio, ela está construindo essa visão de mundo, entendeu? Nesse sentido, eu não acredito que possa haver nada imparcial, pois se toda linguagem é a colocação de uma visão, toda linguagem é parcial. Por outro lado, o discurso humorístico pode servir para quebrar com esses estereótipos.
Você acha que o humor deve ter limites?
Quando a gente fala limites, parece tudo sempre meio pejorativo. Até porque a gente vive num mundo que tem uma coisa um pouco: “a liberdade é um grande valor!”, “a vida sem limites!”. A sociedade meio que prega isso. Por exemplo, publicidade de carro: “Não tenho um limite. Comprei um carro, sou livre”, né? Um pouco essa ideia dessa liberdade. Então, quando a gente fala de limites, sempre tem uma conotação meio pejorativa. “Ah, tá querendo botar limites na minha liberdade!”. Eu acho que a vida em sociedade é um pouco estabelecer limites para tudo. Existe um limite que todos nós concordamos ou compartilhamos: o de que não se pode matar alguém. É um limite socialmente acordado e legalmente colocado. Tem consequências claras para o caso de esse limite ser ultrapassado. Um pouco de viver em sociedade é isso: negociar sempre esses limites. Então, sim, esses limites vão ser acordados e estabelecidos idealmente pela maioria.
Você defende que esses limites têm que ser expressos em leis?
Por que se precisa de uma lei dizendo que racismo é crime? Porque a sociedade é racista, e precisou o legislador ir lá e escrever isso na lei e punir esse comportamento para talvez mudar isso. A lei é um acordo da maioria da sociedade de que deve haver limites para tais e tais coisas. Acho que a lei ajuda um pouco a transformar essa realidade.
Você vê uma diferença entre o humor feito no teatro, em que a pessoa sai de casa e paga um ingresso para assistir, e o que é transmitido pela televisão aberta, que é uma concessão pública e que chega direto à casa das pessoas?
Tem diferença, sim. No Brasil, parece que a plateia que pagou o show é obrigada a rir, e não o comediante que é obrigado a fazer a plateia rir. Tu já vai com aquela disposição. Essa discussão é interessante porque existe muito mais diferença moral, mas eu não vejo tanto uma diferença política. Por exemplo, na TV você não pode falar palavrão porque moralmente não é muito aceito. No teatro, você pode falar palavrão, que aí a plateia acha engraçadíssimo. Na TV, você não pode ofender um anunciante, o que no teatro é meio liberado. Existe muito posicionamento moral na televisão e pouco posicionamento político.
Quando a gente começou a fazer o filme, muitos comediantes colocavam no mesmo saco fazer piada com negro, fazer piada com gay, fazer piada com bancário ou falar palavrão, como se tudo isso fosse: “Ah, a patrulha do politicamente correto que não deixa fazer piada com nada!”. E acho que o filme tenta colocar que o ponto não é bem esse. O bancário nunca foi uma categoria explicitamente oprimida e perseguida. O palavrão não é um problema. Todo mundo fala palavrão, o palavrão faz parte da vida e da linguagem. O problema é quando você está reforçando o estereótipo desses grupos explicitamente desfavorecidos. Acho que a TV é um pouco a expressão desse politicamente correto mal entendido: não pode falar palavrão, não pode dizer piada que ofenda o anunciante, não pode ofender a moral e os bons costumes, mas tudo bem fazer piada de bicha. Porque fazer piada de bicha não ofende a moral e os bons costumes. Fazer piada de mulher sendo assediada ou estuprada no metrô não ofende a moral e os bons costumes.
Você acha que deveria haver uma diferença no comportamento do humorista da TV e do teatro?
Eu acho que deveria haver uma diferença nesse posicionamento, porque aquilo que você fala em privado é diferente do que você fala em público. As esferas alteram um pouco seu entendimento. Eu estou num mesa de bar com amigos que me conhecem, sabem quem eu sou, de repente eu posso fazer uma ironia que pode ser ironicamente reforçando o estereótipo e todo mundo saber que eu não compartilho com aquilo, que a força da própria ironia é afirmar uma coisa quando ela quer afirmar o seu contrário. Isso é uma coisa para fazer na mesa de bar. O uso da ironia, por exemplo, que é uma ferramenta maravilhosa do humor, para públicos amplos é cada vez mais complicado, porque o entendimento é um entendimento complexo. Ele depende de ter compartilhado uma série de códigos que permitam que você entenda aquilo corretamente. Então, sim. Acho que quanto mais aberto o escopo, mais você vai tendo que ir para uma linguagem que seja, digamos, mais universal. No sentido que trabalhe com códigos que você acredita que a maioria das pessoas domina. E, sim, os humoristas fazem isso, eles sabem disso. Os caras são comunicadores e não são idiotas. Eles sabem que determinadas piadas vão funcionar no teatro porque eles já estão sentindo o público e eles sabem mais ou menos o público que vai. Se eles fizerem na TV, talvez eles não sejam bem compreendidos porque um público mais amplo não vai dominar aquele repertório que eles estão ativando ao fazer aquela piada.
Acho que você é igualmente responsável pelo que você fala em qualquer lugar. O que você fala é o que você é, o que você acredita, enfim, o que você faz. Uma coisa é o cara estar no teatro e dizer: “beleza, eu aguento essa responsabilidade e vou falar mesmo que o negócio caia pra cima de mim”. Outra coisa é a emissora, que é uma concessão pública, e teoricamente, ao conquistar a concessão, aceita uma série de responsabilidades que inclusive estão previstas em lei.
O que você acha do humor engajado? Pode se pensar em termos de um “humor político” e de um “humor apolítico”?
Não. Não pode. Eu não cobro que se faça um humor engajado… Tem que ser bom! Tem que ser engraçado! Se o lance é fazer piada, tem que conseguir. Mas eu não acho que exista um humor político e um humor apolítico. Essa distinção que hoje em dia se faz, cada vez mais, é um empobrecimento de debate que é muito complicado. As pessoas falam: “ah, eu não mexo com política”, “eu não quero saber de política”; porque política virou um pouco redução à coisa institucional, à política partidária, que é vista com uma visão bem moralista como um negócio sujo. Estar na vida, se relacionar em sociedade, é um ato político. Você decide fazer as coisas na sua vida pelo que você acredita, pelo que você quer. As pessoas todas decidindo juntas vão criando o que é a sociedade naquele período histórico. Então, não dá para falar de um humor apolítico. Você agir no mundo é você colocar um posicionamento. E você se colocar é uma atitude política. Você pode fazer isso de uma maneira consciente ou inconsciente. Pode estar naturalizando suas atitudes e estar inconscientemente fazendo as coisas ou você pode saber de onde vem e para onde vai. De onde vem essa piada e ao que ela leva, o que ela reforça, o que ela representa, o que ela quebra, para onde ela aponta. É o sujeito tendo consciência histórica. Quando você começa a pensar nessas questões, você começa a fazer escolhas: “isso eu quero falar, isso eu não quero, porque isso eu acho legal dizer e isso eu não acho legal”. Então você está agindo politicamente de maneira consciente, enquanto você diz que está agindo apoliticamente você só está agindo politicamente de maneira inconsciente. Então, você me pergunta: você tem preferência por arte engajada? Não, mas tenho preferência pela arte que parte de premissas políticas nas quais eu acredito. O realismo socialista eu acho uma arte meio ruim, uma arte meio feita de cima para baixo. Acho que esse tipo de manifestação politicamente engajada tinha muito pouco valor como arte e muito mais valor como política. Já o Laerte ou o Bill Hicks são bons no que eles se propõem, são bons em fazer um bom humor.
O humor pode ser transformador?
Acho que sim. Fazer humor, ainda mais fazer humor como profissão, é agir no mundo e agir no mundo é transformador. Não acho que um comediante vai subir no palco e quando ele descer as pessoas vão sair de lá e fazer uma passeata, mas o cara pode subir no palco e as pessoas vão pra casa um pouco pensando naquilo ou rindo daquilo, ridicularizando os poderosos, quem oprime, e não quem é oprimido. E isso vai um pouco mudando a cabeça das pessoas. E isso é transformador. De repente ninguém acha mais engraçado fazer a piada da “bichinha”, entendeu? Quer dizer que ninguém mais acha engraçado rir dos homossexuais, porque não é defeito ser homossexual. Foi transformador, entendeu? São mudanças de mentalidade, que demoram muito tempo pra acontecer.
Novas regras de qualidade da telefonia fixa entram em vigor em 120 dias
Redação – Anatel
Foi publicado no dia 14 de fevereiro, no Diário Oficial da União, o Regulamento de Gestão de Qualidade da Prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado (RGQ-STFC), aprovado pela Resolução nº 605. As novas regras de qualidade da telefonia fixa entram em vigor em 120 dias.
O regulamento teve por objetivo revisar as regras que estabelecem metas e obrigações de qualidade na prestação do serviço e substitui os dois instrumentos normativos relacionados à qualidade: o Plano Geral de Metas de Qualidade (PGMQ-STFC), aprovado pela Resolução nº 341, de 2003, e o Regulamento de Indicadores de Qualidade (RIQ-STFC), aprovado pela Resolução nº 417, de 2005.
A consolidação do PGMQ e do RIQ em um único regulamento permitirá a exigibilidade das metas de qualidade sem que seja preciso editar um regulamento adicional, específico para o estabelecimento da forma de coleta de indicadores, e converge com o modelo temático-normativo adotado para outros serviços de telecomunicações: Serviço Móvel Pessoal (SMP), a telefonia celular, e o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), a banda larga fixa.
Além disso, o novo regulamento também prevê instrumentos para avaliação da qualidade percebida pelo usuário e a avaliação de assimetria regulatória/tratamento isonômico entre prestadoras de regimes diferentes.
Nelson Motta, o piadista de araque
A hegemonia do “pensamento Globo” é tão forte que arrasta para o seu campo uma série de intelectuais progressistas (ou que supúnhamos que o fossem) que mantêm vínculos simbólicos ou materiais com o principal grupo de mídia do país. O jornalista Nelson Motta, excelente crítico de música, e colunista do jornal O Estado de S. Paulo, ultimamente vem se aplicando na tarefa de tornar-se um intelectual reacionário, sempre pronto a espicaçar a esquerda por erros reais ou imaginários.
No artigo “Piadas no Salão”, publicado na edição de 8/2 do Estadão (p. A7) e disponível também em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2013/02/08/piadas-no-salao-por-nelson-motta-485583.asp, Nelson Motta trata da questão da democratização da mídia com uma leviandade espantosa. Ao fazer referência a uma declaração do ex-ministro José Dirceu, condenado na AP 470, em que este denuncia o “monopólio da comunicação”, o colunista pergunta: “Êpa! Que monopólio de araque é esse com tantas empresas competindo num dos maiores mercados publicitários do mundo?”
A rigor, não se trata mesmo de monopólio, mas de oligopólio, como advertia o saudoso jornalista Jair Borin, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). O que não refresca nada. Porque, ainda que não seja uma única empresa a controlar sozinha o conjunto dos meios chamados de “comunicação de massa”, são algumas poucas que concentram, reunidas, algo em torno de 90% do sistema! Portanto, temos um oligopólio em que cerca de uma dezena de grandes grupos empresariais controla as principais emissoras de TV, rádio, jornais e revistas impressos de maior circulação, portais da Internet e outras mídias. Também integram o sistema, em maior ou menor grau, oligopólios e monopólios de escala regional e local.
Portanto, “monopólio” ou oligopólio, o fato é que um pequeno grupo de poderosas empresas determina, em grande medida, a qualidade e o formato daquilo que a maior parte dos brasileiros lê, ouve e assiste. A propriedade cruzada — o controle simultâneo de redes de rádio e TV, publicações impressas, meios digitais, distribuidoras, produtoras de filmes e discos e até transmissão de dados via satélite — confere enorme poder a essas empresas.
Motta devia saber disso, afinal de contas ele trabalha para a TV Globo e tem seus escritos publicados no G1, portal do mesmo grupo. O supergrupo da família Marinho é a estrela de maior brilho dentro do oligopólio e o “campeão” em matéria de propriedade cruzada da mídia no Brasil.
Mesmo com audiência em queda na TV, o grupo Globo ainda é, de longe, o maior conglomerado de mídia do país, com receitas anuais superiores a R$ 10 bilhões nos últimos anos. Segundo a revista Forbes, somente com a novela “Avenida Brasil” a Globo obteve receita de R$ 2 bilhões em 2012!
“Não podemos permitir que o Zé Dirceu tente cercear a palavra da imprensa independente, que não depende de favores do governo e vive de anunciantes privados que pagam para divulgar e promover seus produtos e serviços nos veículos que atingem o maior público com mais credibilidade”, exclama o indignado Motta no seu texto.
Ora, o que o articulista chama de “imprensa independente” são exatamente esses grandes grupos que integram o oligopólio da mídia. Afirmar que essa turma vive de anunciantes privados e que “não depende de favores do governo” é contar apenas parte da história (e falsear a outra parte). Tem sido fartamente noticiado que os governos estaduais de São Paulo (Alckmin, Serra) repassaram centenas de milhões de reais, durante anos, para os grupos Abril, Globo, Folha e Estado, mediante contratos sem licitação para aquisição de publicações impressas.
Mesmo o governo federal, duramente combatido por alguns desses grupos de mídia que resolveram assumir ostensivamente o papel de oposição, tem contribuído generosamente para sustentá-los. Todos receberam fartas verbas publicitárias da União em 2012. Mas Carta Capital, uma revista comercial que faz jornalismo de qualidade (e que apoiou a eleição de Dilma, sem abrir mão do direito de criticar erros do governo), recebeu pouco mais de R$ 100 mil.
Por outro lado, a opinião do ex-ministro José Dirceu importa bem pouco nesta questão. Para falar a verdade, enquanto esteve à frente da máquina partidária, e depois na Casa Civil, ele nunca se preocupou efetivamente em combater o oligopólio da mídia. É bom que se diga que a bandeira da democratização da mídia pertence a movimentos sociais, grupos, partidos e entidades da sociedade civil que conseguiram viabilizar politicamente a I Conferência Nacional de Comunicação, realizada em Brasília em 2009. Embora tenha sido convocada pelo próprio governo federal, e contado com expressiva participação do empresariado, as principais medidas aprovadas na Conferência para tornar a comunicação mais democrática e pluralista jamais foram implantadas.
Utilizando-se de um linguajar que seria mais apropriado num texto de Arnaldo Jabor, diz ainda Motta em seu artigo: “Um dos relinchos (sic!) mais estridentes nos blogs políticos é exigir que Dilma corte toda a publicidade estatal da TV Globo, por criticar o governo. Devem achar que a Caixa, o Banco do Brasil e a Petrobras anunciam na Globo, que tem mais audiência do que todas as outras juntas, não por necessidade de competir no mercado, mas para comprar apoio. Para eles tudo na vida é mensalão”.
Criticar o governo é necessário e importante, sempre que houver erros, omissões e ilicitudes que precisem ser apontadas. Porém, o que os grupos de mídia (Globo à frente) têm feito frequentemente é inventar e distorcer fatos, com a finalidade de proteger seus próprios interesses (e os de seus aliados). O alvo dessa mídia nem sempre é o governo Dilma: muitas vezes são os movimentos sociais, os beneficiários de políticas públicas (como os sem-terra, os povos indígenas, os quilombolas), as centrais sindicais (como a CUT), os movimentos grevistas etc. Ou os governos de países como Venezuela, Argentina e Equador, atacados como se fossem “ditaduras” e constantemente ridicularizados por comentaristas e apresentadores.
Motta deveria refletir sobre o que ele mesmo escreve: que a TV Globo “tem mais audiência do que todas as outras juntas”. Será que isso é bom? Será que caiu do céu? Será que se deve apenas ao “padrão Globo de qualidade”? Ou tem a ver com os benefícios que a Globo recebeu da Ditadura Militar, que lhe permitiram crescer rapidamente, enriquecendo a família Marinho?
É verdade que Caixa, Petrobras e BB anunciam na Globo por causa de sua maior audiência? Em parte, sim. Mas também é verdade que não é à toa que o Brasil é “um dos maiores mercados publicitários do mundo”. Aqui gerou-se, historicamente, uma enorme relação de promiscuidade entre gestores públicos e interesses privados, em torno exatamente da publicidade oficial. Portanto é importante rever as estratégias de publicidade do governo, inclusive como parte do processo de desconcentração da mídia. Além disso, não custa lembrar um incômodo detalhe: as TVs são uma concessão do poder público! O governo paga para usar algo que é patrimônio da nação.
Por fim, não foi o próprio Motta que garantiu que a “imprensa independente”, ou seja, o oligopólio da mídia, “vive de anunciantes privados”? Bem, se é assim, devemos entender que não deve lhe fazer falta a publicidade de empresas estatais como a Petrobras, o BB e a Caixa…
Motta tripudia dos defensores da democratização da mídia, que ele vê como “piadistas de salão”. Mas sua defesa do oligopólio é ou não é uma piada de mau gosto?
Pedro Pomar é jornalista
Mensagem ao Congresso: marco legal fora dos planos
Se depender do governo Dilma, o ano de 2013 será como os anteriores para a regulação da radiodifusão brasileira. Ou seja, passará em branco. Vejam o porquê do pessimismo. Em sua terceira Mensagem ao Congresso Nacional – em que o(a) chefe da República faz um balanço acerca das ações implementadas pela gestão no ano anterior e prevê outras para o ano que se inicia – o Governo Federal deixou de lado o setor de radiodifusão (rádio e TV) no que tange à possibilidade de um novo marco regulatório.
Na Mensagem ao Congresso, é notória a indiferença do Governo frente à necessidade de um novo aparato normativo que reorganize o modelo de comunicações vigente. Esse comportamento aparece tanto na prestação de contas sobre a área no ano de 2012 quanto às perspectivas para o novo ano. Ou melhor, o documento praticamente não faz qualquer projeção para o setor de rádio e TV aberta em 2013, ficando restrito a alterações pontuais.
No item sobre Radiodifusão, a Mensagem começa destacando algumas mudanças de âmbito meramente administrativo, que, segundo o Executivo, resultaram em mais celeridade aos processos de concessão e autorização de outorgas, bem como a redução do número de processos pendentes: "A redução do estoque de processos de radiodifusão é um dos objetivos do Governo. Nesse sentido, foram desenvolvidas melhorias de gestão, como a realização de mapeamento de processos, projeto de desenvolvimento de sistema para automação dos processos de radiodifusão e da parceria firmada com a Anatel para análise de processos técnicos de engenharia referentes à fase de pós-outorga dos serviços de radiodifusão e seus ancilares e auxiliares".
O documento enviado ao Congresso no início do mês de fevereiro ainda sublinha aquela que pode ter sido uma das mais importantes realizações no intuito de fortalecer a comunicação pública e comunitária no país: a criação do Canal da Cidadania, por meio da Portaria nº 489, de dezembro de 2012. Segundo a Mensagem, o objetivo desse Canal – que vai operar com multiprogramação, em sinal digital, e terá reserva de duas faixas a serem exploradas por associações comunitárias – é "estimular a diversidade, a pluralidade e a competição entre meios e agentes da área das comunicações.
Feitas as devidas ressalvas em relação a determinados pontos da Portaria, este, talvez, pode ter sido o maior feito da gestão Dilma, desde quando tomou posse, no sentido de iniciar um processo efetivo de democratização do sistema público de comunicação social e diminuir, assim, a gigantesca assimetria existente entre os sistemas comercial, estatal e público. Mas vale lembrar que o Canal da Cidadania já estava previsto no decreto nº 5.820, de 2006, que estabelece as diretrizes da TV Digital.
Radiodifusão comunitária e ação fiscalizatória
Dando sequência às ações na área de radiodifusão no ano passado, a Mensagem presidencial chega ao segmento comunitário. Sobre ele, o conteúdo não difere muito do anterior. O documento cita iniciativas que supostamente conferiram maior agilidade às autorizações de outorgas de rádios comunitárias, como a divulgação do Plano Nacional de Outorgas (PNO 2012-2013): "Em 2012, foram outorgadas cerca de 100 novas autorizações para a execução do serviço de radiodifusão comunitária, com redução de aproximadamente 500 processos de outorga no estoque. Com a divulgação do novo Plano Nacional de Outorgas (PNO 2012-2013) para o serviço de radiodifusão comunitária, pretende-se levar o serviço para todos os Municípios ao final do biênio, num avanço à política de universalização com o atendimento de 1.425 Municípios, sendo 822 ainda não cobertos pelo serviço".
No entanto, não há qualquer menção a respeito da repressão implacável dos órgãos de fiscalização do Governo Federal sobre as emissoras comunitárias. Segundo o documento, foram aplicadas, em 2012, 622 multas e 129 suspensões a emissoras de radiodifusão e retransmissoras de TV no que se refere a infrações de conteúdo e jurídicas, mas sem considerar as infrações técnicas, de competência da Anatel.
Mas o aumento da ação fiscalizatória do poder concedente, conforme matéria divulgada por este Observatório, teve como principal alvo as rádios comunitárias. Foram 377 emissoras desse tipo de serviço punidas no ano passado, o que representa mais de 50% das sanções aplicadas pelo MiniCom. Um dos principais motivos para as multas foi a veiculação de publicidade comercial na programação das emissoras, prática proibida pela lei nº 9.612, de 1998. Para este ano, o Ministério das Comunicações já preparou o Plano Anual de Fiscalização (PAF), que vai adotar o procedimento de sorteio para definir os municípios nos quais as entidades que exploram o serviço de radiodifusão serão fiscalizadas, a exemplo do que foi feito em 2012.
Para 2013, o Governo prevê a implantação da Norma de Sanções Administrativas, "que regulamentará todos os procedimentos relativos à aplicação de sanções administrativas às entidades exploradoras dos serviços de radiodifusão, seus ancilares e auxiliares, no que se refere a infrações relativas ao conteúdo da programação veiculada e aspectos legais, contratuais e societários", o que apenas será feito após as contribuições da consulta pública realizada no ano passado serem analisadas.
No âmbito das outorgas de emissoras educativas de rádio e TV, a Presidência da República também destacou as alterações de cunho administrativo empreendidas pelo Ministério das Comunicações, como a criação do Plano Nacional de Outorgas, que funciona como uma espécie de calendário dos Avisos de Habilitação a serem publicados ao longo de dois anos consecutivos, além de trazer alguns números: "De acordo com dados do Plano Nacional de Outorgas 2011-2012, 64 localidades foram atendidas, o que aumenta para 387 Municípios (7% do total) com pelo menos uma rádio educativa e para 169 (3% do total) com pelo menos uma geradora de televisão", pontuou a Mensagem.
TV Digital e universalização do acesso
Embora o Governo Federal afirme que "66% das emissoras e quase 40% das retransmissoras analógicas já foram consignadas a operar, simultaneamente, com tecnologia digital, e 2% delas já foram licenciadas na nova tecnologia", ele reconhece a necessidade de universalizar o acesso à tecnologia para boa parte da população.
Segundo a Mensagem, as ações para que a implementação da TV Digital tenha êxito "não se resumem ao esforço do aumento da cobertura. A baixa penetração de receptores é também indicativo da necessidade do estabelecimento de uma política específica para evitar que a população em geral, em especial a de baixa renda, não fique sem acesso ao serviço de TV aberta e gratuita". No entanto, o Governo não deu pistas sobre quais medidas concretas irá tomar para evitar a exclusão de segmentos mais pobres da população em relação à TV Digital.
Aparecem na Mensagem ao Congresso apenas ações para incrementar o uso do Ginga, middleware de interatividade, nos receptores de televisão produzidos no Brasil. "A partir de janeiro de 2013, 75% das TVs de LED e Plasma fabricadas deverão incluir o Ginga. Até 2014, o número de TVs fabricadas com Ginga deverá ser de 90%", prevê o documento. Outra iniciativa para a TV Digital mencionada foi a criação do Programa de Estímulo ao Desenvolvimento do Padrão Nacional de Interatividade da Televisão Digital Brasileira (Ginga Brasil), forjado para dar "condições e capacitar equipes de emissoras públicas para a inserção de recursos de interatividade na programação", entre outras atribuições.
Padrão digital do rádio: decisão em 2013?
É a pergunta que ficou no ar desde o fim dos testes realizados no ano passado com os dois sistemas de rádio digital em disputa: o Digital RadioMondiale – DRM (europeu) e o sistema In-Band-On-Channel –IBOC (norte-americano).
Ficará a cargo do Conselho Consultivo do Rádio Digital, implantado em 2012 e composto por representantes de setor de radiodifusão, governo e indústria, avaliar os resultados dos testes já realizados e, segundo a Mensagem presidencial, decidir "tecnicamente" qual modelo funciona melhor, entre outras atribuições. Sobre quando a decisão será tomada, o documento não traz qualquer previsão. Ou seja, o tema rádio digital foi outro que não passou de um simples balanço governamental.
Telecomunicações e banda larga em evidência
Ao contrário da falta de ousadia do Governo quanto ao setor de radiodifusão, a área de telecomunicações foi o carro-chefe do capítulo de Comunicações da Mensagem da Presidência ao Congresso Nacional. Na verdade, esse foi o campo das comunicações que mais atenção recebeu do Estado brasileiro, considerando, obviamente, suas limitações legais.
Destaque para o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), a "menina dos olhos" do Governo Dilma na tentativa de tirar o Brasil do atraso no que tange ao acesso da população à rede mundial de computadores, bem como à implantação de uma infraestrutura de rede que massifique a banda larga por meio de parcerias com grandes operadoras de telefonia e de ações diretamente estatais via Telebras e isenções tributárias. O Governo Federal comemora o crescimento do número de acessos, os quais, segundo a Mensagem, alcançaram 86 milhões. Mas o Programa impõe barreiras ao usuário, como limites de download mensais e redução da velocidade de 1 Mega caso eles sejam ultrapassados; baixa velocidade de upload (128 kbps) e possibilidade de venda casada na contratação do serviço; pontos não mencionados na Mensagem presidencial.
Medidas regulatórias a fim de proporcionar um pouco mais de equilíbrio na relação extremamente desigual entre usuários e empresas de telecomunicações também mereceram relevo no documento enviado ao Congresso Nacional. Segundo ele, a Anatel publicou 19 resoluções "com grande impacto sobre os direitos dos usuários e a qualidade dos serviços prestados".
A licitação das faixas de 450 MHz e de 2,5 GHz, as quais, respectivamente, levam os serviços de telecomunicações à área rural e inauguram a modalidade 4G na banda larga móvel; a aprovação do Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) que implementa dispositivos da Lei nº 12.485 (a nova lei da TV por Assinatura); medida cautelar da Anatel que suspendeu a venda do Serviço Móvel Pessoal de prestadoras com o pior desempenho em cada estado, juntamente à exigência que as operadoras apresentassem um Plano Nacional de melhorias quanto à qualidade do serviço e das redes de telecomunicações estão entre as iniciativas que tiveram, ou ainda terão, um relevante impacto nesse setor estratégico para o país, porém dominado por conglomerados privados.
Para 2013, outros regulamentos estão previstos para serem concluídos e postos em prática pela Anatel, como as revisões dos regulamentos do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), do Serviço Móvel Pessoal, do Plano Geral de Autorizações do Serviço Móvel Pessoal e do Regulamento do STFC, sobre o qual se propõe alterar regras de publicidade, "tornando mais acessíveis e objetivas as informações sobre serviço aos usuários". Outra revisão citada na Mensagem é a do Regulamento de Conselhos de Usuários, "que amplia a atuação de tais Conselhos, bem como o seu fortalecimento", afirma o documento.
Radiodifusão não é prioridade
Como tem sido em sucessivos governos desde a criação do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), em 1962, e curiosamente desde a redemocratização do país, em 1988, o setor de radiodifusão também não parece estar nos planos do governo Dilma Rousseff. A não ser se for para deixar tudo como está, para o alívio do empresariado de rádio e TV.
À exceção de medidas fiscalizatórias que vem sendo adotadas, somadas à relativa transparência no trato das informações a respeito dessas ações e do controle societário das concessões – tarefas estas das mais básicas a serem cumpridas por Ministério das Comunicações e Anatel – o setor de radiodifusão continua desprovido de um olhar democrático tanto por parte do Poder Executivo quanto do Legislativo, e, de quebra, sem quaisquer perspectivas acerca de um marco legal que reorganize de forma democrática o setor.
Ou alguém acredita que na Mensagem ao Congresso Nacional de 2014 (ano eleitoral) pelo menos a consulta pública sobre o novo marco regulatório da radiodifusão vai figurar no balanço do ano que passou!?
Vilson Vieira Jr. é jornalista, associado ao Coletivo Intervozes e mestrando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)