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Falta estrutura de Banda Larga fora dos centros urbanos, diz ministro

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, defendeu que a maior limitação para o crescimento do acesso à internet com qualidade no Brasil está na falta de infraestrutura fora dos grandes centros urbanos. A afirmação foi feita durante a audiência “Avaliar a política pública do Programa Nacional de Banda Larga – PNBL” promovida pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado (CCT).

“Neste momento só tem uma solução: fazer redes de fibra óptica no país inteiro”, disse o ministro, convidado para apresentar o desempenho do PNBL na audiência. Cerca de metade dos municípios do país está hoje conectada com fibra óptica. A proposta do governo é de levar fibra ótica a 95% das cidades brasileiras em até cinco anos.

O ministro apontou ainda outras medidas que, segundo ele, visam promover o crescimento da internet com qualidade como a desoneração de redes e terminais de acesso, o programa de desoneração de smartphones, e a chamada banda larga popular, com internet na velocidade de 1 Mbps ao valor de R$ 35 mensais (com impostos).

A advogada Veridiana Alimonti, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que acompanha as políticas do setor, aponta problemas na concepção do plano de banda larga do Minicom. “Os compromissos estabelecidos pelo PNBL às empresas privadas são insuficientes para reverter esse cenário. O PNBL não trata a banda larga como serviço essencial e isso impacta nos investimentos que o poder público pode exigir das teles e nos seus próprios instrumentos para a realização de políticas públicas na área”, critica.

Segundo Alimonti, a constatação do ministro demonstram a ineficiência da política aplicada. “O PNBL, lançado em 2010 pelo Governo Federal, visava justamente enfrentar esse problema, já diagnosticado. Quatro anos depois as dificuldades permanecem”, afirma.

*Com informações da Agência Senado

O dia da aprovação do Marco Civil da Internet

Por Bia Barbosa e Jonas Valente*

Na manhã dessa terça-feira (22/04), os corredores do Senado ficaram movimentados. Era a corrida contra o tempo para aprovar em três comissões o texto do Marco Civil da Internet, de modo que ele pudesse ir a Plenário ainda na tarde do mesmo dia.

Na Comissão de Ciência e Tecnologia, o texto passou com duas emendas de redação que traziam ajustes pontuais. Na Comissão de Constituição e Justiça, o relator, Vital do Rêgo (PMBD-PB), acatou outras duas emendas. Uma delas mudava o Artigo 15 definindo que apenas delegados de polícia e o Ministério Público – e não mais “autoridades judiciárias e administrativas”, como estava na redação original – poderiam requisitar as informações de acesso do usuário que, pelo projeto, deveriam ser guardadas por até seis meses. Não havia acordo do texto com o Ministério da Justiça e a alteração, mesmo anunciada como de redação, mexia no mérito do projeto e poderia abrir um flanco para questionamentos futuros da lei no Poder Judiciário.

Na Comissão de Meio Ambiente, o senador Luiz Henrique (PMDB-SC) desistiu de apresentar relatório em protesto por aquilo que classificou como “atropelo”. E a reunião para apreciar a matéria foi cancelada. Mas isso não atrapalhou o processo, uma vez que o prazo para a manifestação das comissões já havia se encerrado e a inexistência do parecer da CMA não prejudicava a tramitação.

Enquanto isso, organizações da sociedade civil integrantes da Articulação Marco Civil Já, entre elas o Intervozes, percorriam as comissões e os gabinetes para defender a aprovação do MCI naquele dia. Frente aos questionamentos de alguns senadores sobre a pressa, representantes das organizações reafirmavam que o Marco Civil era um projeto da sociedade e que o texto expressava um acordo construído a duras penas. A mudança do texto geraria o retorno para a Câmara, o que poderia enterrar o projeto ou fazê-lo suscetível novamente ao lobby do empresariado das telecomunicações. O deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do texto na Câmara, que já se encontrava em São Paulo para os eventos sobre internet que ocorrem esta semana na cidade, pegou às pressas um avião para Brasília.

No plenário, a base governista fez uma disputa regimental com o PSDB e o DEM, únicas bancadas resistentes à votação da proposta. Senadores governistas tentaram um acordo com tucanos e democratas, mas havia resistência. Apesar de concordar com o mérito no geral, os dois partidos argumentavam que a pressa para garantir a aprovação a tempo de sancionar o Marco no evento NetMundial colocava o Senado a serviço do Executivo. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) rebateu a tese, afirmando que a agenda apertada tinha como objetivo apresentar o projeto como modelo e pautar a agenda internacional na linha de afirmação dos direitos dos usuários.

Sem acordo, coube ao governo exercer sua maioria. Quando a aprovação já estava consolidada, senadores de diversos partidos subiram à tribuna para ratificar o caráter histórico daquele momento e como o Brasil se tornava referência mundial ao aprovar uma das mais avançadas legislações para a área da Internet. Ativistas que acompanhavam a discussão na Tribuna de Honra conseguiram, com o apoio do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), entrar no plenário. A sessão foi suspensa para que os representantes das organizações pudessem estirar a mesma faixa que marcou a sessão de aprovação na Câmara. A presença e a contribuição da sociedade foram reconhecidas como elemento fundamental dessa conquista da população brasileira.

Em São Paulo, a votação do Marco Civil no Senado foi acompanhada por um telão montado no Arena NetMundial, evento paralelo ao NetMundial, organizado pela Secretaria Geral da Presidência da República e pelo Comitê Gestor da Internet. No momento do anúncio, mais de 100 participantes vibraram com a aprovação da lei. Os últimos meses de intensa mobilização da sociedade civil, nas redes, nas ruas e no Congresso Nacional, foram retratados em vídeos, fotos e memes.
#Veta15Dilma

Ao mesmo tempo em que a articulação dos cidadãos em torno da defesa do Marco Civil foi destacada como fundamental para sua aprovação, todos lembraram que a luta continuaria com o pedido de veto da Presidenta Dilma ao artigo 15 do texto. Polêmico desde que foi incluído no relatório ainda em tramitação na Câmara, por força do lobby da Polícia Federal e de parte do Ministério Público, o artigo obriga todas as empresas a guardarem os dados de aplicação dos usuários por seis meses, para futuras investigações. Mesmo que o acesso a esses dados só possa se dar mediante decisão judicial, o texto viola a privacidade do cidadão e o princípio da presunção de inocência, ao tratar todos os internautas, indiscriminadamente, como supostos criminosos. Vale lembrar que esta brecha para a violação da privacidade tem impactos significativos no exercício da liberdade de expressão na rede. Afinal, se sei que meus dados de navegação serão guardados por seis meses por terceiros, provavelmente agirei de forma diferente da que agiria.

Negociado com seis partidos políticos para garantir a aprovação do texto na Câmara – e depois no Senado – o artigo acabou se transformando na principal insatisfação da sociedade civil, que tanto celebrou a aprovação do Marco Civil. Uma campanha contra a vigilância presente no texto foi então lançada logo após a aprovação da lei no Parlamento. E se prorrogou até a cerimônia de abertura do Net Mundial na manhã desta quinta feira.

Em um encontro privado com a Presidenta Dilma, representantes da Articulação Marco Civil Já reforçaram o pedido de veto, protocolado oficialmente em seu gabinete antes mesmo da aprovação no Congresso. A Presidenta lembrou do acordo firmado na Câmara e, minutos depois, subiu ao palco do NetMundial e sancionou o Marco Civil sem alterações. Diante dela e de uma plateia de mais de 700 participantes, de cerca de 80 países, ativistas brasileiros abriram uma faixa pedindo o veto ao artigo 15. Do outro lado do auditório, ativistas franceses, indianos, ingleses e africanos lembraram que “todos somos vítimas da vigilância” na rede.

Marco Civil aprovado e sancionado, os próximos passos desta jornada ainda são muitos. Falta, por exemplo, regulamentar a nova lei em pelo menos dois aspectos: as exceções à neutralidade de rede e o próprio artigo 15. As organizações da sociedade civil esperam, com isso, limitar a coleta massiva de dados dos usuários para um número mais restrito de empresas. Um caminho seria aplicar a guarda obrigatória de dados somente a empresas que sejam responsáveis por páginas ou serviços que, num dado período, tenham sido alvo de um grande número de denúncias de atividade suspeita ou ilegal. A continuação do debate sobre regulação da internet também se dará na reforma da lei de direitos autorais e na lei de proteção a dados pessoais. Nenhuma das duas teve sua tramitação iniciada no Parlamento.

No âmbito internacional, o Marco Civil da Internet deve ainda impulsionar, em diferentes países, legislações baseadas nos seus três pilares, todos destacados pela Presidenta Dilma em seu discurso no NetMundial, logo após a sanção do texto: neutralidade de rede, liberdade de expressão e privacidade.

Fica claro, assim, que o processo de construção e aprovação do Marco Civil, que durou ao todo mais de sete anos, não termina agora. Entre disputas e aprovação no Senado, campanha relâmpago pelo veto de um artigo e sanção do texto na abertura do NetMundial, ele agora entra pra história como uma lei modelo para a regulação da internet em todo o mundo. Mas novos desafios estão colocados sobre a mesa. Novos mais surgirão. A síntese que fica desta conquista, no entanto, ao menos para a sociedade civil, é a de que se organizar para garantir seus direitos pode, sim, fazer toda a diferença.

* Bia Barbosa e Jonas Valente são jornalistas e integrantes do Conselho Diretor do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Crianças e redes sociais: estudo indica novas relações e desafios

A professora Nélia Mara defendeu, em fevereiro deste ano, sua tese de doutorado, em Educação, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Com o título Você tem face?, o estudo pesquisou as experiências infantis com as redes sociais online, tendo como plataformas de investigação o Orkut e o Facebook.

“Em 2009, meus alunos de seis anos, na classe alfabetização, perguntavam frequentemente se eu tinha Orkut e revelavam, com frequência, novidades sobre seus perfis. Enquanto isso, o grupo de pesquisa do qual faço parte desde 2005, Grupo de Pesquisa Infância e Cultura Contemporânea, coordenado pela professora Rita Ribes, na UERJ, voltava seu foco de estudos para a relação das crianças com as mídias digitais, oportunizando a sistematização teórica e metodológica das minhas questões nascidas na escola. Buscava entender porque as crianças estavam no Orkut, como acessavam e o que gostavam de fazer nas redes sociais online. Dois anos depois, as crianças migraram para o Facebook e, em pouco tempo, muitas tinham suas primeiras experiências com as redes sociais nele. Por isso, os dois sites foram as principais plataformas de análise”, conta.

Segundo Nélia, o grande desafio foi conseguir construir uma metodologia que não desprezasse a dimensão técnica do fenômeno que pretendia estudar e que conseguisse captar, de alguma forma, a fugacidade das relações online e, em última instância, a dinâmica da cultura contemporânea. “Foi assim que nasceu uma pesquisa online, em que eu conversei com crianças entre oito e onze anos através dos chats, além de observar constantemente todas as atualizações nos perfis infantis”, destaca.

Em entrevista à revistapontocom, Nélia conta detalhes do estudo e suas principais conclusões sobre a relação das crianças com as redes sociais online. “Desejo que a entrevista seja o começo de uma conversa com quem se interesse pelo tema e que traduza também num convite para a leitura da tese”, afirma.

O que leva as crianças a participarem, cada vez mais, das redes sociais?

Nélia Mara – As redes sociais despontam na fase atual da cibercultura como uma potência que inaugura novas experiências nas formas de se relacionar, aprender, conviver, se expressar… Quando me interessei pelo tema, busquei selecionar os sites que as crianças mais acessavam, como forma de conhecer suas experiências e preferências na internet. Queria ir onde elas estivessem. E apesar de, em 2009, época em que surgiram os primeiros movimentos da pesquisa, eu ter conhecido alguns sites de rede social voltados especialmente para crianças, estes não eram sequer citados pelas crianças quando as indagava sobre o que faziam na internet. Talvez esse seja um bom exemplo para pensar que as crianças não vivem num mundo apartado dos adultos, mas estão inseridas na cultura e dela participam ativamente. As crianças querem estar onde todos estão.

Como podemos definir as crianças que participam das redes sociais?

N.M. – São crianças que inauguram experiências que situam a infância em um lugar social inédito na cultura. A pesquisa me permite afirmar que a presença e a participação das crianças nas redes sociais online possibilitam que as vozes das crianças habitem o ciberespaço numa relação de horizontalidade com as vozes dos adultos. Estão todos lá, convivendo, interagindo, comunicando. Isto quer dizer que a possibilidade de as crianças serem emissoras de conteúdo guarda uma potência que liberta a infância dos estatutos modernos calcados na ideia de menoridade e inferiorização em relação ao adulto. São crianças que burlam os protocolos dos sites – que é bom lembrar, ostentam uma proibição hipócrita, visto que atraem as crianças de forma velada –, criam e se apropriam cada vez mais de novas linguagens, novas formas de ser criança e de viver a infância. Para essas crianças, as redes sociais representam hoje, sobretudo, novas formas de interação e sociabilização. Elas jogam, brincam, conversam, assistem a vídeos, produzem vídeos, se informam, aprendem coisas novas, consomem. No entanto, é importante não perder de vista que a cibercultura, essa cultura em rede que vivemos hoje, nos afeta não só materialmente, mas, sobretudo, simbolicamente. Está em jogo a produção de novas linguagens, subjetividades, de novas formas de aprender, de se relacionar, novas relações com o tempo e com o espaço, o que é também vivido por quem não tem, necessariamente, um perfil no Facebook.

São grandes as diferenças de formação, oportunidade, experiência e conhecimento entre crianças que acessam e as que não acessam as redes?

N.M. – Pesquisas oficiais de cunho quantitativo sobre crianças e internet, como as realizadas pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC) em todo o território nacional, têm demonstrado o quanto a condição socioeconômica é fator que determina o acesso à internet, a frequência com que ocorre, bem como a posse de aparatos técnicos. Renda familiar, classe social e região do país – dada desigualdade no investimento das condições técnicas para a distribuição da conexão, se compararmos os dados da região norte com a sudeste, por exemplo – são elementos que interferem de maneira decisiva para a participação das crianças nas redes sociais. No caso específico da pesquisa que realizei, é importante dizer que não se adotou um recorte de classe, pois se buscou, inicialmente, dialogar com crianças que já possuíam perfis em sites de redes sociais e, num segundo momento, crianças que fizessem parte da minha rede de contatos. Dito isto, a pesquisa que realizei não se debruçou sobre um estudo comparativo entre as crianças que têm acesso e as que não têm. No entanto, se aceitamos a ideia de que a cibercultura nos afeta simbolicamente, a questão se complexifica e exige aprofundamento. Mas é inegável que a oportunidade de entrar em contato com o mundo através do seu próprio celular posiciona a criança no mundo de maneira diferente daquela que, sequer, tem o que comer. São, sem dúvida, experiências de infância distintas qualitativamente. Penso que autonomia e criatividade estão no centro da participação nas redes sociais online. Inclusive, as crianças precisam, muitas vezes, criar datas de nascimento fictícias para terem acesso a uma conta no site. Precisam criar um perfil com inúmeras informações sobre si. O próprio ato de apenas “curtir”, no Facebook, alguma postagem, já evidencia uma expressão. Solidariedade e ética são noções por demais subjetivas para serem definidas aqui como algo propiciado pelas redes sociais. As crianças que estão nas redes sociais estão em diálogo com o mundo – elas têm acesso à informação, são encorajadas a se mostrar, a emitir opiniões, a compartilhar o que gostam, a conversar. Mas a formação se dá a todo momento: para a leitura, para a escrita, para a relação com o outro, para a construção da própria identidade, para a construção das noções de privacidade, formação para o consumo… Por isso, ao mesmo tempo em que é indiscutível reconhecer a centralidade que ocupam hoje as redes sociais na vida de muitas crianças, é indispensável pensar em formas articuladas de oferecer uma mediação que possam amplificar e qualificar todas estas fontes de in(formação).

Quando falamos de mediação pensamos no papel dos adultos. As crianças estão sozinhas na rede?

N.M. – Não, elas não estão sozinhas, ainda que acessem a internet sem ninguém por perto fisicamente. Penso que o grande desafio, hoje, para pais, professores e pesquisadores é pensar em novas formas de mediação online. Dado o caráter diferenciado das tecnologias digitais, a mediação não pode ser pensada sobre as mesmas bases, já consolidadas, das mídias eletrônicas. A mobilidade, por exemplo, é uma realidade e uma tendência também entre as crianças, já que a miniaturização dos aparelhos produz também condições para um uso mais individualizado. Se, por um lado, a impossibilidade de acompanhar fisicamente os acessos das crianças à rede pode sugerir menos possibilidade de acompanhamento dos adultos ao que as crianças acessam, há que se compreender que, online, as crianças nunca estão sozinhas. Estar nas redes sociais pressupõe estar em diálogo com alguém, seja um amigo, um familiar, um estranho ou mesmo uma empresa. O “estar com” é a essência do “estar em rede”. Por isso, friso, nosso papel enquanto adultos é buscar o diálogo com as crianças também online, fazendo-se presente também nas redes sociais. Há responsáveis que, sim, marcam sua presença de diferentes formas nos perfis de seus filhos; outros não. Há uma diversidade nas formas como a permissão do acesso às redes sociais acontece nas casas das crianças: há pais que criam os perfis dos filhos, incentivando que coexistam em rede; também há filhos que criam contas para seus pais, em busca de “atualizá-los”. Há famílias, por exemplo, que impõem uma idade mínima para que a criança conquiste o direito de estar numa rede social online, entendendo que é preciso crescer para ganhar novas responsabilidades, mesmo que não seja uma idade inferior à recomendada por sites como o Facebook ou o Orkut. Há pais que usam seus perfis com os filhos, um uso compartilhado. Em outros casos, e aqui já me posiciono como forma de dizer que penso ser a postura mais interessante, cada indivíduo da família possui um perfil, mas os pais e demais adultos interagem online com a criança frequentemente, além de conversarem em casa sobre o assunto. É uma forma de estar junto em rede, de acompanhar o que a criança faz, com quem interage, o que comunica, mas permitindo que ela tenha seu espaço, que ela construa seu perfil com suas características, preferências, fotos que gosta, podendo expressar a singularidade da sua identidade na internet.

E quanto à escola?

N.M. – A escola, de maneira geral, ainda não consegue ocupar o espaço de quem pode e deve colocar esse assunto como questão curricular porque ainda se baseia na lógica da vigilância, da proibição ou mesmo da didatização das tecnologias sob um viés, algumas vezes, empobrecedor e distante dos usos que as crianças fazem fora das salas de aula. Há instituições que, inclusive, proíbem o uso de aparelhos em suas dependências, parecendo fechar-se a uma realidade que está posta. Em paralelo, crianças postam, em seus perfis, fotos na escola em tempo real, o que denuncia que, a despeito de normas meramente burocráticas, as crianças estão em rede, se conectam de seus dispositivos móveis e, na maioria das vezes, a escola não se oferece para o diálogo.

E ao contrário do que se pensa, as crianças têm conhecimento dos perigos da internet, não é isso?

N.M. – As crianças demonstram ter muita informação sobre os perigos a que, possivelmente, estamos todos expostos na internet e nas redes sociais. Essas informações e ressalvas chegam de variadas fontes: a família conversa e instrui, a televisão noticia casos variados sobre o assunto e, mais timidamente, mas progressivamente, a escola também vai se envolvendo neste debate, ainda que o uso de sites de redes sociais seja comumente proibido em seus espaços. As crianças mostraram que elegem critérios para aceitar ou recusar pedidos de amizade e eu fui, inclusive, recusada por muitas quando busquei realizar a pesquisa com crianças indicadas por amigos, desconhecidas para mim. As recusas me obrigaram a redesenhar os critérios de escolha dos interlocutores e foram fundamentais no percurso da pesquisa. Ao longo do processo, também me dei conta, em diálogo com outras pesquisas a que fui tendo acesso, que as redes sociais são espaços de encontro entre pessoas que têm ou já tiveram algum tipo de relação face a face. Assim, sob esta lógica, as recomendações dos pais aos filhos sobre os perigos de dar atenção a pessoas estranhas é incorporada também para a vida online. É possível que esta constatação na minha tese, que nem sempre emerge em outros estudos, tenha a ver com a abordagem teórico-metodológica que adotei na pesquisa. A minha premissa foi de que as crianças estão de forma ativa e autônoma nos sites de redes sociais e me interessou ver o que fazem, como usam, por que usam e, em última instância, o que comunicam sobre suas experiências quando estão em rede, enquanto sujeitos criativos e produtores de cultura que são. Há outros estudos que, embora se detenham em temática similar, se fundamentam em concepções de infância que remetem aos pilares modernos de vulnerabilidade, inabilidade e menoridade, já elencando como premissa que há perigos, há uma proibição burocrática e, portanto, as crianças não deveriam estar lá. Penso que falamos, portanto, de lugares distintos; logo, nos posicionamos de formas diferentes em relação às crianças e às experiências de infância, conduzindo as pesquisas por caminhos que, nem sempre, se encontram. É preciso enfatizar aqui que reconhecer que as crianças entendem os perigos a que estamos expostos na internet não representa ignorar a importância do adulto no que diz respeito ao seu papel de proteção da criança. Friso que é fundamental que o adulto assuma o seu lugar de quem se oferece ao diálogo e aponta o caminho seguro. No entanto, me preocupa observar como essa relação se traveste, muitas vezes, em controle e vigilância por parte dos pais. Se é certo admitir que estamos todos, adultos e crianças, aprendendo a viver em rede, também é preciso compreender que a produção compartilhada de sentidos sobre o que nos desafia é um processo que se dá em diálogo.

A participação de crianças e adultos no ambiente online vem estabelecendo um novo tipo de relacionamento?

N.M. – Essa pergunta conduz ao debate pertinente em torno da questão geracional que marca os estudos sobre crianças e tecnologias digitais. Quando nos espantamos com a intimidade dos bebês com um tablet nas mãos, evidenciamos que a questão geracional está posta. Mas é importante não perder de vista que a relação com as mídias sempre esteve atravessada por essa tensão. O que parece complexificar a questão no contexto cibercultura é que a velocidade das transformações e a obsolescência como marca dessa era nos coloca, enquanto adultos, num lugar frágil de quem também se vê inseguro e rendido pelas constantes novidades, tão bem recebidas e incorporadas pelas crianças. Elas lidam com os aparatos de forma lúdica, criativa e desbravadora, enquanto o adulto, com um olhar mais cristalizado para a realidade, se relaciona de forma menos espontânea. Mas, se as redes sociais podem ser concebidas como lugares de encontro, podemos percebê-las na potência do encontro entre adultos e crianças, e não como algo que produz algum tipo de impacto negativo, ou que gera um abismo geracional.

Entrevista concedida a Marcus Tavares, publicada na revistapontocom e reproduzida do Observatório da Imprensa – www.observatoriodaimprensa.com.br

Vitória do Marco Civil da Internet deve promover canais de discussão

Por Décio Júnior*

Na terça-feira passada o Brasil conquistou uma grande vitória com a aprovação do Marco Civil da Internet na Câmara dos deputados. E o que pouca gente sabe é que desde o início dos debates – que começaram em 2009 a partir de uma iniciativa da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV/RJ – o texto que deu origem ao Projeto de Lei chegou ao Congresso Nacional com milhares de contribuições livres de cidadãos brasileiros. Um verdadeiro processo democrático que ganhou força com uma petição apresentada por um grupo de ativistas ao presidente da Câmara, com mais de 340 mil assinaturas a favor da aprovação.

Diferentemente do que parte da imprensa e opositores ao projeto divulgaram no decorrer da semana, um dos principais pontos assegurados pela aprovação da “Constituinte da Internet” é a garantia de um ambiente autônomo, com privacidade respeitada, espaço de livre criatividade e expressão sem censura, protegidos principalmente pela neutralidade da rede. Ou seja, no Brasil, as pessoas continuarão a acessar a internet de forma independente de qualquer restrição.

O Marco Civil garante ainda que o internauta brasileiro, ao contratar um serviço de internet, possa acessar diferentes conteúdos como redes sociais, portais de notícias, e-mails, blogs e fazer download de músicas e programas livres, sem limitação por parte das operadoras que, por sua vez, se opuseram à aprovação do projeto, visando o interesse de comercialização de diferentes pacotes, como acontece, por exemplo, com as empresas de TVs por assinatura. Além disso, o projeto garante o sigilo de informações e comunicações pessoais, impedindo que elas sejam utilizadas por provedores e comercializadas para empresas de marketing e e-businnes.

Outras provas da liberdade de expressão na internet com a aprovação do Marco Civil estão garantidas pelos artigos 20, 21 e 22 do Projeto de Lei, que não responsabilizam os provedores pelos conteúdos postados livremente pelos internautas, ficando autorizadas a retirar do ar apenas se forem notificadas judicialmente; que garante ao internauta o comunicado da retirada de seu conteúdo; e a punição ao provedor, caso não retire do ar conteúdos privados, postados sem autorização, após intervenção judicial. Se o projeto passar pelo Senado da maneira que foi enviado, estará assegurada a não existências de uma censura privada, aquela em que as empresas decidem por si, o que deve ou não ficar disponível na rede.

Talvez o único senão tenha sido a retirada do texto da obrigatoriedade de as empresas estrangerias manterem no Brasil os seus data-centers, o que dificultaria, por sua vez, o acesso aos dados por serviços de inteligência estrangeria, como fora revelado por meio das denúncias de Edward Snoden.

Essa vitória serviu de start para um processo que vai abrir vários canais de discussão. O Marco Civil é apenas um “guarda-chuva” de novas regulamentações que poderão se originar a partir dele. Mas o fato é que o Brasil, com a aprovação do Projeto de Lei, eleva o nível do debate acerca do assunto a nível internacional, reordenando as ações de neutralidade e direitos.

O projeto que segue agora para o Senado deve ser acompanhado de perto por ativistas, parlamentares, grupos da sociedade civil organizada e todos os brasileiros que defendem o acesso sem restrição, censura, ou controle mercadológicos das grandes operadoras, provedores e empresas de telecomunicações.

*Décio Junior é jornalista, especialista em Produção Executiva e Gestão de Televisão e pós-graduando em Gestão e Políticas Públicas pela FESPSP.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Marco Civil aprovado: dia histórico para a liberdade de expressão

Por Pedro Ekman e Bia Barbosa*

Guardem o dia 25 de março de 2014 na memória. Este dia será lembrado como o dia do Marco Civil da Internet em todo o mundo. Neste dia, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que tem todas as características de um projeto impossível de ser aprovado numa Casa como essa. A principal delas: o fato de contrariar interesses econômicos poderosos ao garantir direitos dos cidadãos e cidadãs. O Marco Civil da Internet aprovado aponta claramente para o tratamento da comunicação como um direito fundamental e não apenas como um negócio comercial. Trata-se de algo inédito na história brasileira, que só foi possível por um conjunto de fatores.

Em primeiro lugar, a intensa participação e mobilizações de organizações da sociedade civil e ativistas da liberdade na internet, que estiveram envolvidos com o Marco Civil desde sua primeira redação até a vitória obtida nesta terça-feira na Câmara. O fato de ser um texto elaborado com ampla participação popular garantiu ao Marco Civil uma legitimidade conferida a poucas matérias que tramitam pelo Congresso Nacional.

Em segundo lugar, o relatório substitutivo do texto ficou a cargo do deputado Alessandro Molon (PT/RJ), que se mostrou um persistente articulador e negociador, ouvindo os mais diferentes interesses em jogo e buscando acomodá-los sem comprometer os três pilares centrais do texto: a neutralidade de rede, a liberdade de expressão e a privacidade dos usuários.

Em terceiro, o governo, que já se mostrava adepto do Marco Civil, comprou a briga em sua defesa após as denúncias de espionagem da Presidenta Dilma feitas por Eduard Snowden. Sem isso, talvez o Marco Civil da internet não tivesse sido colocado em urgência constitucional na Câmara, e poderia estar ainda na longa fila de projetos estratégicos para o país à espera de entrada na pauta do plenário.

Mesmo assim, há duas semanas, ninguém – nem o governo, nem o relator, nem a sociedade civil – seria capaz de prever uma votação como a deste dia 25 de março, feita simbolicamente, porque apenas um partido, o PPS de Roberto Freire, orientou voto contrário.

De lá pra cá, muitos se perguntam, o que precisou acontecer para o jogo virar a favor dos direitos dos internautas? Em primeiro lugar, o governo conseguiu reacomodar a maior parcela insatisfeita de sua base. Dilma fez uma reforma ministerial, distribuiu cargos em autarquias, liberou emendas no Congresso. Trazendo a base de volta, ficaram “do lado de lá” o PMDB e os partidos de oposição de direita. Mas DEM e PSDB se mostraram inteligentes nesta jogada, e se distanciaram de Eduardo Cunha, líder do PMDB e general do exército contra o Marco Civil. Em sua briga contra o governo por poder no Congresso, Cunha, apelidado pela revista IstoÉ de “sabotador da República”, esticou demais a corda – e saiu queimado. Nem a direita clássica quis abraçá-lo na reta final.

Os sinais de derrota começaram a se avizinhar e ficou mais fácil para o governo comprar o passe do PMDB. A conta ninguém conhece ao certo, mas certamente envolve acordos em torno da MP 627/2013, sobre tributação do lucro de empresas brasileiras no exterior, da qual Cunha é relator. Em paralelo, o governo abriu mão da obrigatoriedade da manutenção de data-centers no Brasil – o que fez bem – e incluiu uma consulta à Anatel e ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) na regulamentação das exceções à neutralidade de rede.

Neste contexto, a permanente pressão da sociedade civil nas redes, em defesa da aprovação do texto, surtiu efeito pra lá de positivo. Cerca de 350 mil pessoas assinaram a petição online puxada por Gilberto Gil; tuitaços com as hashtags #VaiTerMarcoCivil e #EuQueroMarcoCivil atingiram os trend topics brasileiro e mundial por semanas seguidas; artistas e o fundador da Web Tim Berners-Lee declararam apoio ao texto; e defensores da liberdade de expressão marcaram presença nos corredores da Câmara por semanas a fio. Nesta terça, o clima de “aprovou” era tal que o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves, chegou a anunciar, em tom de brincadeira com os ativistas, uma cerveja de celebração para o fim da noite.

Que partido então escolheria não sair bem na foto e perder a oportunidade de dizer que votou em favor de uma lei tão importante para o povo brasileiro?

Os avanços do Marco Civil

O ineditismo do Marco Civil da Internet está também em ser uma das raras legislações do mundo no campo da internet que cria mecanismos de proteção do usuário, e não o contrário. Será uma lei que servirá de modelo para todas as democracias que buscam reforçar a liberdade nas redes e os direitos humanos.

Entre tantas garantias importantes trazidas pelo texto, as mais significativas talvez estejam expressas nos artigos 9, 19 e 7 do projeto.

O artigo 9, visto como o coração do projeto, protege a neutralidade de rede. Ou seja, o tratamento isonômico de quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação. Isso significa que quem controla a infraestrutura da rede tem que ser neutro em relação aos conteúdos que passam em seus cabos. Isso impede, por exemplo, que acordos econômicos entre corporações definam quais conteúdos têm prioridade em relação a outros. A medida é a alma da manutenção da internet como um ambiente em que todos se equivalem independentemente de seu poder econômico. Afinal, ninguém – nem mesmo empresas como a Globo – quer que a operadora do cabo decida sozinha que conteúdos terão forte presença e quais ficarão escondidos na rede. Isso levaria a uma “concentração de conteúdo”, semelhante à que existe no mercado de TV, também na internet. Só que a Globo não seria a monopolista da vez.

Já o artigo 19 delega ao sistema judicial a decisão da retirada de conteúdos na internet, debelando boa parte da censura privada automática, preventiva, existente hoje na rede. Atualmente, inúmeros provedores de conteúdo, a partir de simples notificações, derrubam textos, imagens, vídeos etc de páginas que hospedam. Ao desresponsabilizar os provedores por conteúdos postados por terceiros, o Marco Civil da Internet cria uma segurança jurídica ao provedor e deixa o caminho aberto para a livre expressão do usuário. Afinal, ao contrário do que muitos pensam, não é a ausência de regras que torna a internet um ambiente livre, mas sim a existência de normas que defendam a livre manifestação de ataques arbitrários e autoritários.

Por fim, o artigo 7 assegura a inviolabilidade da intimidade e da vida privada e o sigilo do fluxo e das comunicações privadas armazenadas na rede. Isso fará com que as empresas desenvolvam mecanismos para permitir, por exemplo, que o que escrevemos nos e-mails só será lido por nós e pelo destinatário da mensagem. Assim, uma vantagem privativa das cartas de papel começa a ser estendida para os correios eletrônicos. O mesmo artigo assegura o não fornecimento a terceiros de nossos dados pessoais, registros de conexão e de aplicação sem o nosso consentimento, colocando na ilegalidade a cooperação das empresas de internet com departamentos de espionagem de Estado como a NSA.

Essas e outras medidas de proteção da privacidade são fragilizadas pelo único problema significativo de todo o Marco Civil: o artigo 15, que compromete seriamente nossa privacidade ao obrigar que empresas guardem por seis meses, para fins de investigação, todos os dados de aplicação (frutos da navegação) que gerarmos na rede. Isso inverte o princípio constitucional da presunção de inocência ao aplicar um tipo de grampo em todos os internautas. A obrigação da guarda de dados também gera a necessidade de manutenção de todos esses dados em condições de segurança, sobrecarregando sites e provedores de encargos econômicos. O alto custo poderá levar à comercialização desses dados, criando uma corrida pelo uso da privacidade como mercadoria.

Infelizmente, as movimentações que destravaram o processo de votação do texto na Câmara não foram capazes de desconstruir tal imposição feita pelas instituições policiais ao projeto. Organizações da sociedade civil que se posicionaram contra este aspecto do texto buscarão sua alteração no Senado ou, se necessário, através do veto presidencial. Afinal, se Dilma Rousseff foi às Nações Unidas exigir soberania e privacidade para suas comunicações, não pode repetir uma brecha deste tamanho para a vigilância dos internautas brasileiros.

Por fim, os lobbies econômicos e pressões políticas que se movimentaram na Câmara não estão mortos. Apesar da declaração do presidente do Senado, Renan Calheiros, de que o Marco Civil será votado com rapidez na Casa revisora, nada garante que o jogo será fácil. Há uma longa jornada pela frente até a sanção presidencial. E, depois de sancionada a lei, caberá à sociedade civil defender os direitos dos internautas nos termos de regulamentação do Marco Civil, assim como em sua implementação. Não à toa, a entidade representativa das operadoras de telecomunicações já se pronunciou publicamente, afirmando que o Marco Civil “assegura a oferta de serviços diferenciados”. É a disputa pela interpretação do texto entrando em campo.

Democracia não é um sistema em que as coisas se resolvem facilmente. A batalha ganha em 25 de março não resolve toda a questão, mas cria condições para a construção de um caminho no qual finalmente podemos seguir livres. E isso não é pouca coisa.

* Pedro Ekman e Bia Barbosa são integrantes da Coordenação Executiva do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.