Para especialista, “a internet não é culpada de nada, ela simplesmente age como termômetro da febre, nos mostrando que existem problemas a serem resolvidos” pela sociedade
Em seminário promovido nesta terça-feira, dia 16, por quatro comissões temáticas da Câmara dos Deputados, ganhou espaço para debates a séria questão dos possíveis casos de mortes de adolescentes provocadas por influência de jogos virtuais. Organizada pelas comissões de Seguridade Social e Família; de Legislação Participativa; de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, a atividade foi motivada pela proliferação, nas redes sociais, de grupos de jovens interessados no tema “Baleia Azul”, jogo apontado como incentivador de situações de risco de vida entre adolescentes.
Alguns deputados destacaram a “valorização da família” para evitar que ocorram novos casos de mortes por influência de jogos virtuais. Há casos relatados de suicídio e automutilação de jovens que estão sendo relacionados ao jogo Baleia Azul, surgido em redes sociais russas e caracterizado por uma série de desafios impostos ao jogador, que só consegue passar de fase se obedecer às orientações que vão desde o isolamento social até a automutilação. A comunicação com os jogadores é feita somente em comunidades fechadas. Nestas conversas, os participantes são instigados a cumprirem as etapas propostas pelos criadores do jogo. Há casos investigados de até mesmo suicídios entre estes participantes.
Para Demi Getschko, integrante do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI-BR), a internet é espelho da sociedade, nos mostrando ações, atividades e mazelas espalhadas pelo mundo. “A internet não é culpada de nada, ela simplesmente age como termômetro da febre, nos mostrando que existem problemas a serem resolvidos. Quebrar o termômetro não resolve nada”, avaliou. “Se temos muita chuva, podemos ter um desbarrancamento, e a solução não é impedir a chuva, e sim prevenir o desbarrancamento. Defendo o Marco Civil da Internet por ser um exemplo de equilíbrio entre os extremos e por proteger provedores de conteúdo, e não os autores. Há que se caçar quem cria o jogo, não quem hospeda”, ponderou ele, em seguida.
A terapeuta familiar Elisabete Comparini destacou que a adolescência é um período de muitas mudanças e dificuldades e que diversos fatores podem levar um jovem a sentir o desejo de “sumir”. Entre os casos de suicídio, ela ressalta que cerca de 90% envolvem alguma situação de transtorno mental, como depressão. “É um período de passagem, de crise, de transformação. O adolescente está na busca da pertença, para sentir que faz parte. Ele precisa ser ouvido, acolhido, direcionado”, enfatizou.
A psicóloga Marisa Lobo acredita que a maioria desses jovens sofrem bullying na escola e querem a aceitação dos colegas, além daqueles que enfrentam problemas em casa, como a separação dos pais, ou as cobranças em excesso. Para ela, a atenção dos pais é indispensável. Por isso, ela recomenda que escutem mais seus filhos e demonstrem afeto. “Vivemos a geração do menor digital abandonado. Crianças e adolescentes estão crescendo sob os cuidados da internet, sem a presença dos pais em suas vidas. Temos, nessa cultura vigente, a família como algo dispensável”, frisou.
A psiquiatra Fernanda Benquerer, representante da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps), apontou que a prevenção do suicídio deveria ser trabalhada também nas escolas, e de forma contínua. “É na escola que podemos identificar estudantes em risco e encaminhá-los a tratamento. Para isso, todo um trabalho deve ser feito também com os profissionais da educação”. Na sua avaliação, a mídia também pode ser um risco para quem apresenta vulnerabilidades a comportamento suicida. Neste sentido, os casos de suicídio não devem ser alardeados ou glamourizados. “Esse tema deve ser abordado de forma responsável e com indicação de onde buscar ajuda”, ponderou.
Em 2000, o tema do suicídio foi abordado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por meio de um guia, com recomendações para o tratamento da questão pela mídia e sugestões de formas de atuação em prol da prevenção. Uma das recomendações refere-se justamente ao perigo da veiculação de imagens, trechos de conversas, cartas e outros conteúdos que possam apontar caminhos e formas de cometer suicídio para pessoas que estão vulneráveis. A publicação conclui afirmando que a solução seria educar jovens e adultos para a mídia, e não apenas para o uso de recursos digitais.
Durante suas participações no seminário, os representantes do Google e do Facebook, Marcelo Lacerda e Bruno Magrani, respectivamente, demonstraram as ações que ambas as empresas para manter a segurança na internet e evitar a divulgação de conteúdos perigosos em plataformas como a da fanpage e o YouTube. Entre estas ações foram citadas a possibilidade de denúncia de conteúdo impróprio por parte dos usuários e o redirecionamento das pessoas afetadas para organizações de ajuda, como o Centro de Valorização da Vida (CVV), além de campanhas de conscientização.
Thiago Tavares, presidente da organização SaferNet, apoiou as propostas legislativas que promovam a efetiva implementação das Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio, propostas há mais de dez anos pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 1.876/06). A SaferNet também lançou recentemente uma campanha nas redes sociais que atingiu quatro milhões de usuários e, em parceria com o Centro de Valorização da Vida e o Facebook, preparou um guia com dicas sobre como identificar sinais de que um amigo pode estar enfrentando sofrimento emocional.
Para o deputado André Figueiredo (PDT-CE), um dos autores do requerimento para a realização do seminário, é necessário ter cautela no tratamento do assunto, a fim de que a Câmara dos Deputados não iniba por meio de leis o acesso à internet, “o meio mais democrático de expor opiniões”, segundo ele.
Projetos em tramitação
Durante o seminário, o deputado Aureo (SD-RJ) disse que é preciso aumentar as penas para quem induzir ao suicídio com uso de tecnologia da informação e de comunicação. Uma modificação nesse sentido, considerou, deveria ser feita no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40). Também os deputados Flávia Morais (PDT-GO), Josi Nunes (PMDB-TO) e Vitor Valim (PMDB-CE) apresentaram sugestões para alterar o Código Penal. Esses textos tramitam apensados ao PL 6989/2017, de autoria do deputado Odorico Monteiro (Pros-CE), que prevê alterações no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14).
Entidades de defesa dos direitos na internet criticam o Projeto de Lei 6989/2017. De acordo com Marina Pita, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Marco Civil da Internet garante que, em caso de divergência de análise – entre o denunciante e o moderador da empresa -, a rede social em questão terá a Justiça como mediadora para afirmar se deve derrubar o conteúdo, explica Pita.
Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação