Câmara Federal debate proliferação de grupos nas redes sociais com o tema “Baleia Azul”

Para especialista, “a internet não é culpada de nada, ela simplesmente age como termômetro da febre, nos mostrando que existem problemas a serem resolvidos” pela sociedade

Em seminário promovido nesta terça-feira, dia 16, por quatro comissões temáticas da Câmara dos Deputados, ganhou espaço para debates a séria questão dos possíveis casos de mortes de adolescentes provocadas por influência de jogos virtuais. Organizada pelas comissões de Seguridade Social e Família; de Legislação Participativa; de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, a atividade foi motivada pela proliferação, nas redes sociais, de grupos de jovens interessados no tema “Baleia Azul”, jogo apontado como incentivador de situações de risco de vida entre adolescentes.

Alguns deputados destacaram a “valorização da família” para evitar que ocorram novos casos de mortes por influência de jogos virtuais. Há casos relatados de suicídio e automutilação de jovens que estão sendo relacionados ao jogo Baleia Azul, surgido em redes sociais russas e caracterizado por uma série de desafios impostos ao jogador, que só consegue passar de fase se obedecer às orientações que vão desde o isolamento social até a automutilação. A comunicação com os jogadores é feita somente em comunidades fechadas. Nestas conversas, os participantes são instigados a cumprirem as etapas propostas pelos criadores do jogo. Há casos investigados de até mesmo suicídios entre estes participantes.

Para Demi Getschko, integrante do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI-BR), a internet é espelho da sociedade, nos mostrando ações, atividades e mazelas espalhadas pelo mundo. “A internet não é culpada de nada, ela simplesmente age como termômetro da febre, nos mostrando que existem problemas a serem resolvidos. Quebrar o termômetro não resolve nada”, avaliou. “Se temos muita chuva, podemos ter um desbarrancamento, e a solução não é impedir a chuva, e sim prevenir o desbarrancamento. Defendo o Marco Civil da Internet por ser um exemplo de equilíbrio entre os extremos e por proteger provedores de conteúdo, e não os autores. Há que se caçar quem cria o jogo, não quem hospeda”, ponderou ele, em seguida.

A terapeuta familiar Elisabete Comparini destacou que a adolescência é um período de muitas mudanças e dificuldades e que diversos fatores podem levar um jovem a sentir o desejo de “sumir”. Entre os casos de suicídio, ela ressalta que cerca de 90% envolvem alguma situação de transtorno mental, como depressão. “É um período de passagem, de crise, de transformação. O adolescente está na busca da pertença, para sentir que faz parte. Ele precisa ser ouvido, acolhido, direcionado”, enfatizou.

A psicóloga Marisa Lobo acredita que a maioria desses jovens sofrem bullying na escola e querem a aceitação dos colegas, além daqueles que enfrentam problemas em casa, como a separação dos pais, ou as cobranças em excesso. Para ela, a atenção dos pais é indispensável. Por isso, ela recomenda que escutem mais seus filhos e demonstrem afeto. “Vivemos a geração do menor digital abandonado. Crianças e adolescentes estão crescendo sob os cuidados da internet, sem a presença dos pais em suas vidas. Temos, nessa cultura vigente, a família como algo dispensável”, frisou.

A psiquiatra Fernanda Benquerer, representante da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps), apontou que a prevenção do suicídio deveria ser trabalhada também nas escolas, e de forma contínua. “É na escola que podemos identificar estudantes em risco e encaminhá-los a tratamento. Para isso, todo um trabalho deve ser feito também com os profissionais da educação”. Na sua avaliação, a mídia também pode ser um risco para quem apresenta vulnerabilidades a comportamento suicida. Neste sentido, os casos de suicídio não devem ser alardeados ou glamourizados. “Esse tema deve ser abordado de forma responsável e com indicação de onde buscar ajuda”, ponderou.

Em 2000, o tema do suicídio foi abordado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por meio de um guia, com recomendações para o tratamento da questão pela mídia e sugestões de formas de atuação em prol da prevenção. Uma das recomendações refere-se justamente ao perigo da veiculação de imagens, trechos de conversas, cartas e outros conteúdos que possam apontar caminhos e formas de cometer suicídio para pessoas que estão vulneráveis. A publicação conclui afirmando que a solução seria educar jovens e adultos para a mídia, e não apenas para o uso de recursos digitais.

Durante suas participações no seminário, os representantes do Google e do Facebook, Marcelo Lacerda e Bruno Magrani, respectivamente, demonstraram as ações que ambas as empresas para manter a segurança na internet e evitar a divulgação de conteúdos perigosos em plataformas como a da fanpage e o YouTube. Entre estas ações foram citadas a possibilidade de denúncia de conteúdo impróprio por parte dos usuários e o redirecionamento das pessoas afetadas para organizações de ajuda, como o Centro de Valorização da Vida (CVV), além de campanhas de conscientização.

Thiago Tavares, presidente da organização SaferNet, apoiou as propostas legislativas que promovam a efetiva implementação das Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio, propostas há mais de dez anos pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 1.876/06). A SaferNet também lançou recentemente uma campanha nas redes sociais que atingiu quatro milhões de usuários e, em parceria com o Centro de Valorização da Vida e o Facebook, preparou um guia com dicas sobre como identificar sinais de que um amigo pode estar enfrentando sofrimento emocional.

Para o deputado André Figueiredo (PDT-CE), um dos autores do requerimento para a realização do seminário, é necessário ter cautela no tratamento do assunto, a fim de que a Câmara dos Deputados não iniba por meio de leis o acesso à internet, “o meio mais democrático de expor opiniões”, segundo ele.

Projetos em tramitação
Durante o seminário, o deputado Aureo (SD-RJ) disse que é preciso aumentar as penas para quem induzir ao suicídio com uso de tecnologia da informação e de comunicação. Uma modificação nesse sentido, considerou, deveria ser feita no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40). Também os deputados Flávia Morais (PDT-GO), Josi Nunes (PMDB-TO) e Vitor Valim (PMDB-CE) apresentaram sugestões para alterar o Código Penal. Esses textos tramitam apensados ao PL 6989/2017, de autoria do deputado Odorico Monteiro (Pros-CE), que prevê alterações no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14).

Entidades de defesa dos direitos na internet criticam o Projeto de Lei 6989/2017. De acordo com Marina Pita, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Marco Civil da Internet garante que, em caso de divergência de análise – entre o denunciante e o moderador da empresa -, a rede social em questão terá a Justiça como mediadora para afirmar se deve derrubar o conteúdo, explica Pita.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

O caso Baleia Azul e o perigo de legislar por impulso

A vontade de proteger crianças e adolescentes, inflada por notícias alarmistas, pode levar legisladores a fragilizar a liberdade de expressão

Por Marina Pita*

Quando algo ameaça crianças e adolescentes, a resposta da sociedade é e precisa ser rápida. Essa população, como mais vulnerável, precisa de proteção especial, inclusive na legislação. E, no entanto, vale redobrar a cautela para não responder impulsivamente quando o assunto é ameaça a crianças na web, especialmente em termos legislativos.

Em momentos de pânico, que nos afastam da razão, e na tentativa de protegê-los, somos levados a tomar decisões que volta e meia colidem com direitos fundamentais socialmente estabelecidos, conforme bem definiu Thiago Tavares, diretor presidente da Safernet Brasil e representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

O caso Baleia Azul e a reação da sociedade – especialmente dos legisladores – é um desses exemplos importantes de serem analisados.

Primeiro: as pessoas de bem, nossos amigos e parentes, na maior boa intenção, replicam, sem checar, um alarme contra o jogo que levaria jovens e adolescentes ao suicídio. A vontade é proteger, o que move é o pânico.

Em seguida, há um legislador pronto para reagir, muitas vezes bem intencionado, mas sem conhecimento sobre o funcionamento da internet.

No caso do jogo Baleia Azul, o Projeto de Lei 6989/2017, do deputado Odorico Monteiro (PROS-CE), propõe alterar o Marco Civil da Internet (Lei 12.965) para exigir que provedores retirem do ar conteúdos que promovam lesão contra a própria pessoa, automutilação, exposição a situação de risco de vida ou tentativa de suicídio.

E esta proposta, que, como vamos mostrar, é muito problemática, ganhou um requerimento de urgência que está para ser aprovado. Há até um pedido de instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

Assim, caminha-se na direção contrária da verdadeira urgência, que deveria ser em desconstruir o PL proposto.

Cabe lembrar que os provedores já podem retirar de suas plataformas conteúdos que considerem inadequados.

O que o Marco Civil da Internet faz é garantir que, em caso de divergência de análise – entre o que pensa uma empresa ou mesmo um cidadão –, a plataforma em questão possa ter a Justiça como mediadora para afirmar se deve derrubar o conteúdo.

Ou seja, o Marco Civil estabelece que os provedores não são obrigados a retirar determinado teor do ar em reação a um pedido. E isto é bom, porque as denúncias não são sempre bem intencionadas ou razoáveis. Portanto, cabe à Justiça definir quando uma plataforma é obrigada a fazê-lo ou não.

Isso gera lentidão na retirada de conteúdo possivelmente nocivo para crianças e jovens?

Não. As maiores plataformas têm retirado conteúdo inadequado do ar independente de decisões judiciais, quando tal conteúdo fere seus termos de uso. A Alphabet, empresa controladora do Google e do YouTube, por exemplo, mantém uma política de retirada de vídeo sempre que contenha estímulo à automutilação.

Isso acontece de várias formas, por análise algorítmica, que tem limitações (em termos de acerto e de capacidade de identificação), por ações de funcionários dedicados a isto e, inclusive, pela denúncia dos usuários.

A possibilidade da sociedade reclamar sobre conteúdos é fundamental em plataformas com um volume de conteúdo gigantesco e que cresce exponencialmente a cada dia. E isto está acontecendo.

Vale ponderar, porém, que as empresas sozinhas não conseguem responder a problemas que vão além de seus limites cibernéticos.

E, neste sentido, lembramos, como destacou o presidente do Conselho Federal de Psicologia, Rogerio Giannini, em audiência pública na Câmara na semana passada: os jovens estão sob grande pressão para serem bem-sucedidos e é vendida a ideia de que, caso se esforcem e empreendam, alcançarão tal objetivo.

No entanto, a sociedade brasileira hoje é marcada pela falta de oportunidades para ascensão profissional e social, especialmente quando se fala da juventude pobre e negra.

Enquanto a sociedade não responder coletivamente ao contexto cultural, político e socioeconômico que abre espaço para que práticas de automutilação ganhem adeptos, não podemos colocar mais responsabilidade sobre as plataformas de internet do que elas têm de fato.

Mas se a proposta de alteração do Marco Civil para retirada de conteúdo relacionado ao Baleia Azul é inócua em termos de proteção à infância, pode ser desastrosa em termos de liberdade de expressão e acesso à informação.

Sem a mediação da Justiça, pessoas mal-intencionadas podem relacionar conteúdos ao Baleia Azul para que ele saia do ar – uma prática que acontece com notificação de infração de direito autoral.

Um usuário reclama direitos autorais de determinado conteúdo com o fim de retirá-lo do ar, mesmo que não exista infração à Lei de Direitos Autorais, como é o caso de uso justo de conteúdo para crítica e análise.

Agora, a cadeia de reação da sociedade ao jogo Baleia Azul é exemplar do que Julian Assange, no livro Cypherpunks, de 2012, chamava de os infocavaleiros do apocalipse: as ameaças que nos colocam em situação de temor e pânico de modo a abrir espaço para legislações controversas, que não resolvem os problemas que se propõem, mas causam danos a direitos fundamentais como liberdade de expressão e acesso à informação.

Os infocavaleiros do apocalipse são a pedofilia (e demais ameaças à infância), o tráfico de drogas e o terrorismo. A cada vez que alguém usa um desses argumentos, em seguida há uma desenrolar já bastante conhecido: as tentativas de aprovação de leis restritivas dos direitos de quem não comete crime algum.

Aos defensores de direitos humanos fundamentais, recomendamos cautela ao reagir a qualquer medida que vise responder a estas ameaças online e uma resposta firme a tentativas de legislar por impulso ou por autopromoção.

Importante estarem atentos que na terça 16 ocorreu mais uma audiência pública sobre o tema, chamada pela Comissão de Seguridade Social e Família.

Notícia falsa gera uma reação real

Mas um dos fatos mais interessantes sobre o jogo Baleia Azul é que pesquisadores no mundo inteiro apontam que ele surgiu de uma notícia falsa.

No Brasil, o alerta foi feito pela Safernet.

O Baleia Azul, aponta Thiago Tavares, tornou-se conhecido no Brasil após uma reportagem da TV Record no dia 1º de abril, ironicamente, o Dia da Mentira. O diretor presidente da Safernet mostrou a explosão de 1150% nas buscas a respeito do “desafio da Baleia Azul” após a veiculação da reportagem e destacou: os jornalistas não apuraram adequadamente.

Não tentaram, eles mesmos, jogar o Baleia Azul.

Mas a existência do suposto jogo já havia sido desmentida por centros de pesquisas e ONGs pelo mundo, como a britânica UK Safer Net.

Não há registro apurado de suicídio envolvendo o Baleia Azul, na Rússia ou no Brasil, apesar de diversas especulações neste sentido.

A divulgação da existência de um suposto jogo que levava jovens ao assassinato, de forma sensacionalista e alarmista, teria servido sim de gatilho para um efeito de imitação: a mentira se fez verdade a partir de sua veiculação e alguns grupos de jovens em situação vulnerável passaram a se dedicar a fazer bullying online.

O tema é muito delicado. Pensando nisso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) editou um guia com recomendações para o tratamento do tema pela mídia, sugerindo maneiras de como os meios podem atuar na prevenção do suicídio.

Uma das recomendações refere-se justamente ao perigo da veiculação de imagens, trechos de conversas, cartas e outros conteúdos que possam apontar caminhos e formas de cometer suicídio para pessoas que estão vulneráveis.

Segundo a publicação, isso pode gerar um indesejável efeito em cadeia, ao invés de enfrentar o tabu, informar a população e ajudar a prevenir.

Crianças e jovens em situação de vulnerabilidade podem, de fato, ser influenciados pela incitação de práticas de suicídio, mas responder a este problema apontando a mudança nas regras da web é inócuo e problemático, conforme apontado.

A solução é educar – jovens e adultos – para a mídia (e não apenas para o uso de recursos digitais), com compromisso da educação pública neste sentido. Ainda, responder aos anseios de jovens que querem encontrar espaço para se desenvolver nos mais diversos campos da vida.

Eles precisam de mais oportunidade e menos bombardeio de consumo e pressão por sucesso.

*Marina Pita é jornalista e integrante do Conselho Diretor do Coletivo Intervozes

Seminário debate leis de proteção de dados pessoais no mundo

Com o objetivo de aprofundar os debates sobre o tema no Brasil e discutir possíveis propostas de regulação, comissão organizou encontro com representantes de entidades de diferentes perfis

A privacidade é um direito garantido pela Constituição brasileira, e é tema também da Lei de Cadastro Positivo, da Lei de Acesso à Informação e do Marco Civil da Internet. Ainda assim, o Brasil é um dos poucos países no mundo que não tem uma lei específica para a proteção de dados pessoais. Com o objetivo de aprofundar esse assunto, a Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais – Projeto de Lei (PL) 4060/2012, apensado ao PL 5276/2016, do Executivo – realizou nesta quarta (dia 10) e quinta-feira (dia 11) um seminário sobre os marcos legais adotados em outros países para garantir a privacidade das informações.

No Brasil, a falta de uma legislação mais abrangente sobre a proteção de dados permite hoje que o que está registrado seja utilizado de qualquer forma, seja para atender a interesses econômicos privados ou até mesmo para discriminar. De acordo com o deputado federal André Figueiredo (PDT-CE), autor da iniciativa de realização do seminário, o encontro pretendeu oferecer espaços de diálogo “com outros países para que as medidas adotadas pelo Brasil não sejam divergentes a ponto de prejudicá-lo em suas relações internacionais”.

No primeiro dia de evento, especialistas destacaram a importância de serem implementados mecanismos para a proteção de dados pessoais e compararam os sistemas adotados com este fim pela União Europeia, Chile e Estados Unidos. O modelo europeu foi apresentado por Piedade Costa de Oliveira, membro do Serviço Jurídico da Comissão Europeia. Segundo ela, a privacidade é princípio fundamental determinado na carta de direitos europeia e na Declaração de Direitos Humanos da ONU, e isso também se aplica na proteção de dados. “A recente reforma [na legislação europeia] introduziu novos direitos, como portabilidade, direito ao esquecimento e também a lógica de fortalecimento do órgão regulador, com multas maiores em casos de violações à legislação de privacidade”, frisou.

A lei de proteção da União Europeia (UE) foi assinada em 1995 e proíbe o compartilhamento de dados pessoais com terceiros, podendo ser processados só em tarefas específicas. Além disso, o cidadão deve saber exatamente como serão usados. A União Europeia também estabeleceu regras sobre como os dados pessoais são usados no ambiente comercial, implementando novas ferramentas que colaboram para que as empresas sejam mais responsáveis. O General Data Protection Regulation (GDPR), sistema que regula a proteção de dados na UE, se aplica a todos, inclusive aos países de fora do grupo que quiserem fazer negócios com os países cobertos pela regulação. “Essas regulações serão trabalhadas com todas as autoridades e interlocutores em todos países. Estamos preparando ferramentas mais precisas de verificação de condutas das empresas para assim trabalhar com mais transparência juntos aos cidadãos”, destacou Piedade.

O modelo chileno é o mais recente entre os apresentados, possuindo duas agências: a da transparência e a de proteção de dados. Algo que em tese se aproxima da realidade brasileira, já que o país também possui uma Lei de Acesso à Informação e agora está em discussão no Legislativo e na sociedade civil a criação de uma estrutura que venha regular a proteção de dados. Segundo Alejandra Andrea Vallejos Morales, representante do Ministério da Economia do Chile, no país o “mercado é aberto e competitivo, mas os direitos do consumidor são protegidos”. A lei chilena acompanha a espanhola em alguns pontos, prevendo a proteção à criança e a dados sensíveis, como aqueles relacionados à saúde do usuário. “Estamos nos referindo a empresas que já têm os nossos dados. Precisamos assegurar o uso correto deles. Por exemplo, quando você compra um medicamento, seu plano de saúde fica sabendo. Precisamos garantir a proteção nesses casos”, reforçou Alejandra.

Como a União Europeia estabeleceu restrições quanto à transferência de dados para países que não se adequassem ao padrão europeu de proteção de dados pessoais, os Estados Unidos criaram uma certificação para as empresas garantindo o uso de medidas adequadas. Kara Sutton, representante do Centro de Cooperação Regulatória Global da Câmara dos Estados Unidos, apresentou o modelo do país, caracterizado por uma abordagem setorial e baseado em leis específicas, na regulação e na autorregulação. Kara destacou a necessidade de viabilizar fluxos internacionais de dados e afirmou que a lei brasileira precisa se adequar aos mecanismos existentes, entre eles o privacy shields e as próprias negociações bilaterais. “O Brasil é um sucesso em práticas digitais e pode ser exemplo para outros países na América do Sul quando produzir sua legislação. Por isso essa lei precisa dialogar com as práticas mundiais”, reforçou.

Lei deve conciliar proteção de dados com inovação

No segundo dia de evento, os debatedores defenderam que o marco regulatório sobre a proteção de dados deve conciliar a privacidade do usuário com a inovação tecnológica. Leticia Lewis, diretora de Políticas Públicas da The Software Alliance (BSA), sustentou que uma regulamentação equilibrada será crucial para beneficiar os brasileiros. Para ela, uma proteção de dados pessoais muito restritiva pode acarretar em problemas econômicos para o país, mas é importante garantir o bom uso dos dados pessoais para que o contrário não acarrete prejuízos aos cidadãos.

Natasha Jackson de Almeida , representante da GSM Association (entidade que representa as operadoras de telefone), defendeu um modelo pró-investimento e pró-inovação. Segundo ela, as boas práticas de governança passam também pelo diálogo com a indústria e não somente entre reguladores e legisladores.

Já o vice-presidente de Políticas Globais do Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação (ITIC), John Miller, declarou que o Brasil tem de aproveitar a oportunidade e criar uma lei moderna de privacidade, que servirá de modelo para outros países. Conforme ele, sem o fluxo internacional o comércio brasileiro não poderá crescer. Sendo assim, ele destacou a importância de que o país use das melhores experiências no mundo para proteger a privacidade de seus cidadãos, ao mesmo tempo em que deve encorajar a inovação e o investimento estrangeiro. “Não é sobre escolher entre privacidade e inovação, é sobre garantir que os dados não sejam utilizados de forma errada”, enfatizou John.

A voz da sociedade

Bruno Bioni, mestre em Direito e pesquisador do grupo GpoPAI, da Universidade de São Paulo (USP), o seminário representou um cenário positivo de convergência sobre o tema. “É preciso delimitar e prever o livre fluxo de dados. Não queremos destoar das regras internacionais, mas queremos garantir o direito à privacidade e a afirmação de consentimento dos usuários sobre seus dados”, sustentou. Enquanto Rafael Zanatta, do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), apontou que é preciso ainda pensar todo o período de transição para a nova lei e que papel vai assumir a Secretaria de Defesa do Consumidor durante este processo.

O que diz a Constituição

O direito à privacidade é garantido pela Constituição Federal de 1988 em seu Art. 5, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A privacidade é fundamental para a democracia, porque garante, por exemplo, a liberdade de organização política, a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa, entre tantas outras. Pessoas sob vigilância tendem a se comportar de acordo com o padrão de comportamento vigente e a não questionar regras.

Desafio para a democracia

Garantir o direito à privacidade, entretanto, é um desafio cada vez maior para as democracias modernas. O desenvolvimento tecnológico criou uma capacidade nunca antes vista de vigiar massivamente as comunicações entre pessoas e de interceptar e armazenar dados. A Comissão Especial sobre Tratamento e Proteção de Dados Pessoais analisa os Projetos de Lei 4060/2012, do deputado Milton Monti (PR-SP), e 5276/2016, do Executivo, que tramitam apensados e tratam, entre outros assuntos, da definição de “dados pessoais, sensíveis e anônimos”. O texto do PL 5276/2016 define dado pessoal como aquele que identifica ou pode vir a identificar alguém. A comissão é presidida pela deputada Bruna Furlan (PSDB-SP). O relator da comissão especial, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), comprometeu-se a apresentar seu parecer sobre um projeto definitivo até o mês de junho.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Radiodifusão como arma: o episódio do ataque aos indígenas no Maranhão

O ataque a indígenas no município de Viana nos releva o lado mais brutal do patrimonialismo, clientelismo e mandonismo na mídia brasileira

Por Suzy Santos*

No dia seguinte ao ataque sofrido pelos indígenas Gamela, em Viana, no Maranhão, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) postou uma gravação da Rádio Maracu que demonstrava claramente a orquestração do ato de violência. O que mais chamou atenção nacionalmente foi a participação do deputado federal Aluísio Guimarães Mendes Filho (PTN-MA), que reproduziu um discurso preconceituoso incitando à violência. Na maioria dos textos publicados a partir do episódio, a fala foi “em entrevista a uma rádio local, o deputado…”.

Mas de qual rádio local estamos falando?

A Rádio Maracu AM pode ser considerada uma rádio qualquer dentro de um espectro de milhares. Ela faz parte de um grupo diminuto numa cidade de pequeno porte, com cerca de 50 mil habitantes. O raio-x desta emissora é, no entanto, exemplar da lógica estrutural da radiodifusão brasileira, um sistema regido pelo patrimonialismo, clientelismo e mandonismo.

O grupo Maracu é composto pelas emissoras: Maracu AM/FM, Comunitária Sacoã FM e TV Maracu/Meio Norte. Isto significa 60% da radiodifusão local, dado que o município conta apenas com mais uma rádio FM e uma retransmissora de TV licenciadas. Mas as empresas do grupo não são oficialmente do mesmo dono. São duas razões sociais distintas: a Rádio Maracu Ltda e a Fundação da Integração Cultural Vianense.

Oficialmente, segundo os dados do Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (Siacco) da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Rádio Maracu Ltda tem os seguintes proprietários: Antônio Pinheiro Gaspar, ex-deputado federal e empresário do ramo farmacêutico; e Ângela das Graças Simões Gaspar, de quem os buscadores na internet nos falam apenas ser sócia de Antônio Pinheiro Gaspar em diversas empresas.

Patriarcado e compadrio político

Esta composição acionária é reproduzida em grande parte das razões sociais de empresas de comunicação no Brasil, das grandes emissoras nacionais como, por exemplo, a Rádio e Televisão Record SA, em nome de Edir Macedo Bezerra e Ester Eunice Rangel Bezerra, às pequenas, como a outra retransmissora de TV licenciada no município de Viana, a Viana Sistema de Televisão Ltda, de Antônio Bernardino Rabelo Filho e de Raimunda Socorro Mendonça dos Santos.

Se quisermos saber dos homens destas empresas, basta digitar o nome nos buscadores. Muita coisa aparecerá. Das mulheres, no entanto, apenas informações genéricas, superficiais. O imenso universo de mulheres proprietárias de meios de comunicação no País não se traduz em mulheres na condução das emissoras. São esposas, filhas, noras, cunhadas etc., que emprestam seus nomes aos verdadeiros donos. Muitas vezes, sem qualquer conhecimento de suas próprias posses. Trata-se, na verdade, da face patriarcal da elite nacional.

A fundação que dá nome à razão social por trás da Sacoã FM demonstra outra característica do sistema nacional: a invisibilidade e a instrumentalização privada da radiodifusão comunitária. Não se encontra nada nos dados do Siacco sobre os sócios e dirigentes da Fundação da Integração Cultural Vianense. Pra quê transparência, né? Buscando um pouco mais descobre-se que seu representante legal é José Ribamar Costa Filho, ex-prefeito do município de Dom Pedro. Embora tenha uma concessão de serviço comunitário, a rádio é parte de um grupo comercial.

Seguindo as fontes oficiais, estamos falando de emissoras distintas. Mas ao observar atentamente o site da Rádio Maracu descobrimos mais: é uma rede e está sob a direção de Benito Filho. Quem?

Fuçando um pouco mais no site da Maracu AM, descobre-se que o ex-prefeito de Viana, Benito Coelho Filho, arrendou a emissora e a dirige em parceria com Ezequiel Pinheiro Gomes, advogado, ex-vereador, ex-presidente da Câmara de Viana, também segundo o site da emissora.

Se buscarmos um pouco mais as informações, com os nomes de Benito Filho e Ezequiel Gomes no Diário Oficial do Maranhão, descobriremos uma rede de associações entre prefeituras, como as de Lago da Pedra, Matinhas, Pedreiras e Presidente Dutra, para as quais os sócios da Rádio Maracu prestaram serviços de consultoria nos últimos 10 anos.

A rede de compadrio é capilarizada e pode ser também observada se buscarmos nos portais de transparência federais pelo dono da Rádio e TV Maracu, Antônio Gaspar. Veremos que ele aluga imóveis com frequência ao governo federal e ao senador Roberto Rocha (PSB-MA), a quem ele ajudou a eleger. Suas empresas farmacêuticas também têm diversos contratos com a máquina pública, retroalimentando a estrutura patrimonial-política.

Interesse público?

Vamos agora voltar ao dia 28 de abril, aos índios Gamela e à gravação da Rádio Maracu. O programa se anuncia como um serviço de utilidade pública: representantes da comunidade e o advogado da associação de moradores vão à rádio convocar para um encontro que acontecerá no dia seguinte, na pracinha do Santeiro, localidade de Viana, onde os conflitos sobre a posse de terras estão ocorrendo.

O apresentador Gilvan Ferreira dá a voz à dona Maria do Socorro: “Viemos fazer uma reclamação ao grupo de pessoas que dizem serem índios que chegam num lugar e invadem a casa das pessoas. Eles invadem e não respeitam os idosos. Esses invasores não são índios. Eu moro lá e não conhecemos eles. Eles não são índios. Eles vão dando uma lavagem cerebral […]. Você trabalha pra ter a sua propriedade, seu gadozinho e eles invadem. Nós queremos dizer que não vamos permitir e vamos acabar com esta palhaçada. Eu agradeço a oportunidade.”

A seguir, fala o irmão Juca: “Nessa região não tem fazendeiro, tem criador. As pessoas não estão mais tendo prazer de botar um peixe no seu açude”.Aluísio Mendes Filho

Logo a seguir vem a já conhecida fala do deputado Aluísio Mendes. Nela, ele dá a entender que a proteção está garantida, tanto pela polícia – “Estarei amanhã nessa região […] com a Polícia Federal” – quanto pelo Ministério da Justiça – “Nós temos a grata surpresa de ter um ministro que entende dessa problemática e viveu isso no estado do Paraná”, diz, referindo-se ao ministro da Justiça, Osmar Serraglio.

Por diversas vezes se ouve “dizem que são índios”, “arruaceiros”, “pseudo-índios” e “precisamos acabar com isso”, “não vamos tolerar”. São 41 minutos. Dez deles deixados para a finalização feita por ninguém menos que um dos dirigentes da Rádio Maracu, o Dr. Ezequiel Gomes. Ele começa a sua fala elogiando a fala do deputado federal que o antecedeu:

Eu gostaria, Aluísio, eu gostaria de elogiar a sua participação eu reconheço o seu serviço. Eu não tinha dúvida que você encamparia esta causa. E você além de um grande político é um policial. E você sabe que este é o momento de tentar apaziguar pra não acontecerem coisas.

Logo a seguir, o advogado anuncia a quem ele representa:

O momento é oportuno […] eu tenho a oportunidade de presenciar algo louvável. Eu vejo que a maioria, aliás, todos aqui são cristãos […] aí eu lembrei das escrituras e é o tempo de eu prestar esclarecimento à população sobre a invasão e o saque que fizeram no sítio do meu amigo Benito, onde eu sou advogado, nós entramos com uma ação de reintegração de posse por perdas, porque o que houve lá foi saque, onde as pessoas que se intitulam – entre aspas – são índios de uma etnia gamela, invadiu a área, destruiu os açudes, deram prejuízo de mais de 100 mil reais ao proprietário, então este processo tem se arrastado e eu tenho cobrado insistentemente uma atitude da Justiça”.

O advogado refere-se ao seu amigo, sócio, companheiro da vida política, Benito Filho. Não coincidentemente, arrendatário da Rádio e da TV Maracu. E finaliza conclamando:

Então ninguém pode aceitar isso. Você está na sua casa […] Então nós estamos chegando a um ponto, se você tem um apartamento, se a sua família é composta de quatro pessoas e o teu apartamento tem três quartos, porque tem um quarto vazio a pessoa pode chegar e invadir o quarto que está vazio e dizer que é índio, que é quilombola, que não sei o quê e você fica inerte. A população tem que reagir, tá fazendo o correto e amanhã eu vou estar lá…”.

Dois dias depois de este programa ir ao ar ouvimos sobre o brutal ataque a dezenas de indígenas. A dúvida sobre a legitimidade das vítimas se reproduziu mesmo no discurso dos grandes veículos de comunicação. Discurso este que vai de encontro aos mitos que ecoam há muitas décadas, o mesmo discurso que diz “não são índios”, já disse e segue dizendo “não são sem-terras”, “não são trabalhadores”, “não são vítimas”.

Esta não é uma história isolada, pelo contrário, ela é um bom exemplo do papel da radiodifusão como instrumento da rede de clientelismo e interesses patrimoniais que liga municípios, estados e federação. É um pequeno retrato que se repete em milhares de emissoras de rádio e televisão que compõem este sistema midiático que temos chamado de coronelismo eletrônico, no qual pouco há de lei que se respeite, de interesse que seja social, de informação que seja plural e independente.

*Suzy dos Santos, professora da ECO/UFRJ, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Economia e Políticas da Informação e da Comunicação.

Sorria, você está sendo vigiado

Jornalista e escritor especialista em agências de inteligência estadunidenses, James Bamford mostrou na Cryptorave 2017 que o país monitora as comunicações em todo o mundo

Num mundo em que a espionagem eletrônica é cada vez mais divulgada, especialistas e ativistas se reuniram, em São Paulo, para conversar sobre proteção de dados e divulgar formas de defesa da privacidade na rede. A Cryptorave 2017 chegou neste ano à quarta edição e mais de mil pessoas participaram do evento. O encontro teve como um dos principais objetivos difundir os conceitos fundamentais e softwares básicos de criptografia, e assim educar sobre o seu uso e a segurança na internet.

Foram 24 horas de atividades initerruptas, iniciadas às 20 horas da sexta-feira, dia 6, e finalizadas às 20 horas do sábado, dia 7. James Bamford, jornalista e escritor especialista em agências de inteligência estadunidenses, foi o responsável pela abertura do encontro e era um de seus convidados mais esperados. Ele mostrou em sua palestra como uma suposta teoria da conspiração, segundo a qual os Estados Unidos monitoram as comunicações de todas as pessoas do mundo, se concretizou.

Durante sua apresentação, Bamford demonstrou, por meio de informações da Agência Nacional de Vigilância (NSA) dos Estados Unidos, vazadas por Edward Snowden e obtidas pelo painelista em viagem à Rússia para se encontrar o denunciante, que os EUA utilizam malwares para coletar informações em pontos específicos do globo, sendo o local mais importante desta coleta no âmbito da América Latina a cidade de São Paulo.

Bamford falou também sobre a iniciativa brasileira de construir um cabo submarino para que o tráfego de dados do país siga direto para a Europa sem ter que passar pelos Estados Unidos — a primeira obra deste tipo e sem contar com a participação estadunidense. Apesar de elogiar a iniciativa, o jornalista destacou que os EUA possuem um submarino que pode interceptar a captação de dados no meio do oceano, além de fazer acordos com outros países para obter tal interceptação em outra ponta. Com isso, ele quis frisar que o país deve fazer a inspeção do cabo de ponta a ponta, para tentar evitar espionagens.

Sobre o satélite brasileiro, ele reforçou a importância para a soberania nacional da construção e operação sem a participação da indústria estadunidense, e lembrou que empresas de telecomunicação muitas vezes cooperam com a espionagem. “Fui procurado pela então presidenta Dilma Rousseff, que estava preocupada com a soberania do país e a espionagem que podia estar acontecendo. Expliquei a ela que todos os cabos que saíam daqui iam primeiro para Miami [nos EUA], e não só os cabos, mas também os satélites, pois a NSA consegue captar as comunicações dos satélites estrangeiros que passem perto da Flórida. Foi dessa conversa que surgiram os primeiros passos para a construção do satélite e também dos cabos ligando o país diretamente à Europa”, relatou.

Bamford afirmou aos presentes que atualmente a grande fortaleza para a proteção das informações e dados pessoais está na utilização da criptografia de ponta a ponta. Por isso, os EUA e as empresas que usam a coleta de dados em benefício próprio querem afastar qualquer possibilidade de criptografia.

Satélite

O Satélite Geoestacionário Brasileiro  foi lançado ao espaço no dia 4 de maio, na teoria o satélite permitirá o aumento da cobertura de banda larga no território nacional.  Porém, a realidade não é tão bonita como faz parecer o governo federal. O projeto, que recebeu investimento de 2,7 bilhões de reais e cujo objetivo era levar banda larga às escolas, postos de saúde, hospitais, postos de fronteira, etc., deve ser leiloado pelo Governo Federal para grandes operadoras de telecomunicação que não têm interesse em levar conexão a locais de baixa densidade demográfica ou de baixa renda.

No projeto original do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), 70% da capacidade do satélite estaria vinculada à implementação de políticas públicas. Mas, após as mudanças implementadas pela gestão atual, 80% da capacidade do satélite destinada para uso civil será privatizada.

O edital de venda não exige das empresas nenhuma meta de cobertura, universalização ou preço mínimo do serviço prestado. Exige apenas “cumprir as metas do PNBL”. Aliás, o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) já foi considerado um fracasso exatamente porque as operadoras não cumpriram com sua parte no acordo de oferecer velocidade mínima por um preço mínimo, permitindo assim o acesso da população com baixa renda.

Navegação com mais privacidade

A Cryptorave não é um evento dirigido apenas a pessoas como conhecimento técnico em transmissão de dados e em redes. A programação diversificada do evento conseguiu atrair e agradar desde pessoas com conhecimento avançado no assunto até pessoas que não tinham até então nenhum contato com os temas da privacidade e da proteção de dados.

Uma das oficinas, intitulada Navegação com privacidade para iniciantes, apresentou o funcionamento da navegação na internet e quais são as ferramentas e técnicas que podem ser usadas para a navegação com mais privacidade. O desenvolvedor web, jornalista e pesquisador Leo Germani foi o oficineiro e trouxe para o debate com os participantes conceitos básicos de criptografia.

 

O que é criptografia

Cryptografia é o nome que se dá a técnicas que transformam informação inteligível em algo que um agente externo seja incapaz de compreender. De forma mais simples, a criptografia funciona como um código: sem ela, uma pessoa ou máquina poderia interceptar, por exemplo, a senha de e-mail durante o login. Com a criptografia, caso a informação seja interceptada durante o acesso, mas sem a chave correta de leitura, será obtida pelo invasor apenas uma lista desordenada e aparentemente confusa de caracteres, sem interpretação lógica aparente.

Segundo Leo Germani, a criptografia é um método de proteção e privacidade de dados cada vez mais necessário. “As informações do navegador vão para o roteador e de lá para a nuvem. Na verdade, esse conceito de nuvem é um conceito comercial. O que eles chamam de nuvem está guardado em algum computador no mundo”, reforçou.

Germani explicou que toda conexão passa por um roteador e vai para o provedor de internet. Para estar conectado com a internet, tem que passar necessariamente por servidores. E aí começam as vulnerabilidades, pois os provedores “sabem quem você é e para onde você foi”. “Quando você acessa um provedor, ele sempre sabe o que você está fazendo. Esses dados estão sendo armazenados e são possíveis de serem acessados por outras pessoas? A resposta é sim!”, frisou.

Medidas básicas de privacidade

Leo Germani ainda destacou que muitas pessoas usam a mudança do proxy como medida para tentar barrar esses problemas, mas alertou para o fato de que estas pessoas podem ser enganadas e acabar desviadas para sites maliciosos. O pesquisador reforçou que existem medidas básicas para evitar algumas violações da privacidade. Confira algumas delas:

  • Não acesse páginas na web enquanto estiver logado em seu e-.mail ou em redes sociais.
  • Use senha forte no roteador do Wifi. Ela criptografa as mensagens do seu computador até o roteador.
  • Utilize sempre páginas https. Ela criptografa a mensagem desde o momento em que sai do computador até o servidor de aplicação, protegendo seu conteúdo.
  • O ideal é usar um sistema operacional livre e manter o antivírus sempre atualizado. (Você nunca vai estar seguro em um sistema proprietário).
  • A navegação anônima só dá proteção contra acessos no próprio computador. Ela não protege os dados de serem interceptados por agentes externos.
  • Para proteção contra malwares e a garantia de uma navegação segura na internet, o melhor é navegar pelo Tor Browser. Ele “anonimiza” a navegação completamente, não o identificando e o livrando de ser rastreado.
  • Use senhas fortes e não use a mesma senha para tudo. Nunca esqueça que o e-mail é a chave para todos os perfis. Use um gerenciador de senhas para facilitar.
  • Nas redes sociais, evite informar todos os dados. Não autorize aplicativos a acessar sua conta. Evite se expor demais, crie grupos e use sempre as configurações de privacidade para se proteger.

Marco Civil estabelece direitos do usuário

A internet permite aos usuários o exercício de direitos básicos e suas ferramentas tornam publicações em meio virtual acessíveis a qualquer público de forma rápida e prática, com todas as vantagens e também os riscos das relações sociais. Mas a aprovação do Marco Civil da Internet resguarda os cidadãos dos excessos praticados pelas empresas.

Os incisos VI a X do artigo 7º do Marco Civil estabelecem que a coleta de dados pessoais e o uso que se fará dos mesmos precisam ser informados previamente ao usuário. Determina ainda que os dados coletados só poderão ser utilizados para aquele fim e que não poderão ser repassados a terceiros sem o consentimento do usuário. Esses direitos são básicos e impedem que empresas coletem dados para fins outros que não o da prestação do serviço ou da apresentação de publicidade. O artigo ainda reserva ao usuário o direito de solicitar a destruição dos dados quando deixar de usar um serviço.

Já o artigo 16 proíbe que um serviço monitore o acesso a outros serviços sem o consentimento do usuário — por exemplo, que uma vez conectado ao Facebook ou ao Google, o acesso a outros sites parceiros dessas empresas seja monitorado e os dados enviados para elas sem o consentimento do usuário. Por outro lado, a regulação adicional como a que dispõe sobre a interconexão de bancos de dados foi deixada para a tão aguardada Lei de Proteção de Dados Pessoais, que está em discussão em comissão especial da Câmara dos Deputados.

Sobre a CryptoRave

Inspirada no movimento das CryptoParties – eventos para a troca de chaves de criptografia –, a CryptoRave surgiu no Brasil como um esforço coletivo para difundir os conceitos, a cultura e as ferramentas relacionadas à privacidade e liberdade na internet. O evento se consolidou como o maior encontro aberto e gratuito deste tipo no mundo e visa aprofundar e qualificar o debate sobre proteção da privacidade na internet como um direito e um dos fundamentos à democracia.

É um evento organizado de forma voluntária, encabeçado pelos coletivos Actantes, Escola de Ativismo, Encripta Tudo, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e Saravá, e realizado colaborativamente por muitos indivíduos. Para o sociólogo, doutor em Ciência Política e militante do Actantes Sérgio Amadeu, a Cryptorave cumpre um papel fundamental ao reunir movimentos sociais, ativistas e outras pessoas interessadas “em tomar contato com as tecnologias disponíveis e que possam defender sua privacidade na internet”.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação