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Internet.org não é acesso à web

Embora metade dos brasileiros ainda não tenha acesso à internet (IBGE 2015), iniciativas como o Internet.org, liderado pelo Facebook, estão longe de ser uma solução adequada para garantir a entrada dessa parcela da população na rede mundial de computadores. O alerta foi dado por representantes de entidades da sociedade civil durante audiência pública realizada esta semana (30/6), na Câmara dos Deputados, para discutir o possível acordo entre o governo brasileiro e a corporação. Para os ativistas, o desafio da conexão à internet no Brasil deve ser enfrentado a partir da presença e da responsabilidade do poder público, com a complementaridade do setor privado, mas observando as legislações em vigor e a garantia de neutralidade da rede e da livre circulação de ideias e informações, o que o Internet.org não possibilita.

Coube a Bruno Magrani, gerente de Relações Governamentais do Facebook no Brasil, defender o projeto liderado pela companhia. Segundo ele, o aplicativo Internet.org é uma das três iniciativas do Facebook para eliminar as barreiras de acesso à internet e consiste em oferecer serviços gratuitos básicos através de parcerias com operadoras. “Isso resolveria o paradoxo que é 90% da população global residir em áreas com cobertura celular mas somente um terço ter acesso à internet”, afirmou, explicando que o objetivo maior da iniciativa é mostrar pra essas pessoas os benefícios da conectividade. “E quando essas pessoas puderem arcar com os custos comprarem seu próprio pacote de dados”, arrematou.

O serviço gratuito básico oferecido pelo Internet.org, na verdade, é o acesso à rede social Facebook e a outros aplicativos desenvolvidos por parceiros, ou seja, não significa acesso à internet, mas a um conteúdo pré-definido e não escolhido pelo usuário. Até o momento, a iniciativa foi lançada em 15 países: Colômbia, Guatemala, Bolívia, Zâmbia, Tanzânia, Kenia, Gana, Malawi, Angola, Senegal, Índia, Bangladesh, Paquistão, Filipinas e Indonésia. Ainda segundo Magrani, o Facebook tem incentivado desenvolvedores locais a disponibilizar aplicações, já que o foco do projeto será oferecer conteúdo local e em português, desenvolvido por programadores brasileiros. O executivo informou que a iniciativa não gera receita e nem promove publicidade.

Iniciativa não permite acesso à internet, mas ao Facebook

Coube a representantes de entidades que militam pela democratização da comunicação fazer o contraponto ao discurso do Facebook. A principal preocupação dos movimentos sociais, que deram voz à sociedade civil durante a elaboração do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), é que o Internet.org não representa, de fato, acesso à rede, mas acesso ao Facebook. “Entendemos que o acesso restrito a determinadas aplicações e conteúdos contraria a neutralidade de rede e viola direitos do consumidor”, refirmou a advogada Flávia Lefèvre Guimarães, conselheira jurídica da Proteste e representante do Terceiro Setor no Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br).

Para Lefèvre, o real objetivo do Facebook é “fisgar usuários para a plataforma do Facebook e para as empresas parceiras que atuam em infraestrutura e desenvolvem conteúdos e aplicações, ampliando seu poder de comercializar publicidade no mundo inteiro”.  Renata Mielli, secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), afirmou que a discussão sobre acesso à internet no Brasil não pode acontecer de forma isolada, mas como uma continuidade dos debates que culminaram no Marco Civil da Internet. “Defendemos universalização da internet, e não universalização do Facebook”, provocou. Mielli também ressaltou que os movimentos sociais não se opõem a modelos de negócio do Facebook ou de qualquer outra empresa, mas à possibilidade de que a conexão à internet seja prestada apenas pelo mercado privado e de forma precária e enganosa.

A ativista afirma que a disputa política e econômica em torno da internet hoje está justamente assentada no conceito de acesso integral e livre. “É preciso adotar políticas públicas e investir na expansão da infraestrutura, garantir que as pessoas possam ter livre acesso a informação e serviços públicos, produzir e compartilhar conteúdos, decidir que aplicativos usar. Enfim, exercer sua cidadania e ter direito ao mesmo tipo de conexão que a parcela conectada já tem. A aprovação do Marco Civil não encerrou essa disputa”.

Enclausuramento da internet

Para as ativistas, o Internet.org não é internet, porque não oferece acesso gratuito à rede. “O que ele faz na prática é enclausurar a internet na timeline no Facebook, da qual o usuário não poderá sair, já que a parceria da rede social com as teles não inclui esse acesso livre”, alertou Renata Mielli.

Veridiana Alimonti, representante do Coletivo Intervozes, lembrou que a disciplina do uso da internet no Brasil tem como principal objetivo promover o direito de acesso à rede para todos, o que não é possível por meio do aplicativo Internet.org. “Quando a gente discute isso é necessário ter duas imagens na cabeça: a primeira, de uma rede mundial de dispositivos e pessoas conectadas, trocando informações, criando e publicando vídeos, por exemplo. A outra imagem é de uma fração ínfima disso tudo, com texto e imagens de baixa resolução, sem vídeos, sem voz sobre IP e sem a possibilidade de acessar conteúdo externo ao Facebook, exceto aquele produzido por seus parceiros”.

Governo ainda estuda parceria

Miriam Wimmer, diretora do Departamento de Serviços e de Universalização de Telecomunicações do Ministério das Comunicações (MiniCom), reafirmou o que o governo vem divulgando desde abril, quando a possibilidade do acordo foi anunciada na imprensa: que não firmou nenhum acordo com o Facebook, e que a iniciativa está sendo estudada pelo grupo de trabalho formado no início de junho pelos Ministérios da Comunicação, da Ciência e Tecnologia e da Justiça.

A audiência pública foi realizada pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), por requerimento da deputada Luciana Santos (PCdoB-PE) e do deputado Luiz Lauro Filho (PSB-SP). Representantes da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), do Ministério da Justiça, do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) e da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) também participaram do debate.

O vice-presidente da Anatel, Marcelo Bechara, afirmou que a obsessão do governo deve ser levar a internet aos cem milhões de brasileiros que ainda estão desconectados, independentemente do tipo de acesso. “A preocupação não deve ser a discussão de modelos de negócios”, afirmou. Ressaltando que a Agência ainda não tem posição formal e oficial sobre o assunto, ele afirmou que o governo pode exigir que o Facebook ou o Google contribuam decisivamente com a ampliação da capacidade de inovação no país e que não adianta discutir se o programa irá trazer “internet de pobre”, mas pensar que metade da população não tem nenhum acesso à rede.

Escrito por Elizângela Araújo
para o FNDC

Juca Ferreira: “A TV aberta no Brasil é de uma pobreza absoluta”

O ministro da Cultura Juca Ferreira faz uma avaliação bastante crítica quando o assunto é a atuação da grande mídia no país. Na segunda parte da entrevista concedida à Fórum, ele afirma que a concentração de poder dos meios de comunicação gera um monopólio de opiniões bastante nocivo à democracia. Segundo Ferreira, a baixa qualidade da programação televisiva seria outro problema e isso pode ser percebido pelo afastamento dos espectadores, sobretudo os mais jovens.

O ministro fala ainda sobre a necessidade de enfrentar a corrupção no Brasil, disseminada em diferentes áreas e partidos políticos. Para ele, a imprensa deveria ter, nesse caso, uma participação mais efetiva e menos “oportunista”. “A sociedade brasileira está precisando de uma comunicação que retrate essa complexidade do país e possibilite que a gente dê um passo adiante”, sentencia.

As manifestações pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff também foram debatidas durante a conversa, que abordou, entre outros assuntos, os próximos passos do ministério, os direitos autorais em tempos de internet e o movimento pernambucano Ocupe Estelita.

Confira abaixo.

Fórum – O senhor é simpático à ideia de incorporar, nesse novo momento do ministério, a mídia independente. Poderia falar um pouco sobre isso?

Juca Ferreira – Apoio plenamente. Acho que a gente precisa ampliar. Não simpatizo com a ideia de “controle social”. Acho que são palavras dúbias que podem ter uma conotação muito negativa. Acho que é democratizar a mídia, colocar possibilidade de muitas opiniões em torno de todas as questões que são relevantes para a sociedade. Sou a favor de qualificação do ambiente da comunicação, que é pobre.

A TV aberta no Brasil é de uma pobreza absoluta. E as novas gerações, inclusive, a estão abandonando. Eu vejo pelos meus filhos. Tenho um de quatro anos e um de catorze. Eles quase não veem televisão. O de catorze só liga quando o Real Madrid está jogando ou quando o Corinthians está jogando, que são os dois times da afetividade dele. Ele vai do Netflix em diante. Não se interessa, não tem mais conexão, não tem o que oferecer. O pequeno só assiste TV a cabo e Netflix. Na TV a cabo, é [o desenho] “Peppa Pig” e outros, “Peixonauta”…

Fórum – Sobre a questão do midialivrismo, que é uma quebra de paradigmas muito forte, até porque no Brasil nós temos uma concentração total dos meios de comunicação tradicionais…

Ferreira – E um monopólio de opiniões impressionante! Editorializam a notícia de uma forma tão grande…

Fórum – Que acaba virando uma verdade absoluta.

Ferreira – É. Uma vez, eu tive vontade de escrever para aquele jornalista que conduz o Observatório da Imprensa, Alberto Dines, que é uma pessoa inteligente, íntegra. Queria que ele acrescentasse um elemento naquele programa dele, que seria “os que são entrevistados”. Tem o público leitor e os que fazem a comunicação. Mas pessoas como eu têm muito a dizer porque [jornalistas] mentem, sobredeterminam nossas opiniões, esquartejam trechos de uma opinião para poder dar um significado diferente, editorializam. Vêm apenas na conversa coletar aspas para confirmar uma tese anterior, acrescentam palavras tipo “admite”, criando um clima de suspeição em relação ao que a gente faz. É um desastre.

Eu, inclusive, não tenho grandes estímulos para conversar com a grande mídia. Vou dar um exemplo. Quando eu percebi que havia a possibilidade de a Dilma me chamar para ser ministro da Cultura, mesmo sem saber se seria… Eu fui chamado no dia 29 de dezembro, mas havia a possibilidade, à medida em que me chamou para coordenar a parte da cultura da campanha. Eu comecei a preparar o meu discurso.
Era um discurso programático.

Aí, um dos grandes jornais, um dos que mais vendem no Brasil, pediu uma entrevista à tarde. Eu fiz o discurso de manhã. Eu pensei que iam questionar, criticar. Ignoraram o discurso e fizeram duas perguntas sobre futricas: por que eu tinha trazido dois – depois passaram a três – jovens do Fora do Eixo, que é uma rede social, uma organização que eles querem execrar porque são muito críticos e tinha participado de um programa na TV Cultura que teve uma grande repercussão de críticas aos limites da comunicação no Brasil. E a possível futrica entre eu e Marta [Suplicy]. Não tinha interesse nenhum pelo destino da cultura brasileira. Tinha uma oportunidade enorme. Então, quer dizer, isso é decepcionante.

Eu perguntei à jornalista: “A senhora não tem interesse por nenhum tema cultural?”. Isso é imprensa marrom. É o que antigamente chamavam de imprensa marrom, uma imprensa que não lida com a realidade, não procura construir. Façam uma crítica. Criem a possibilidade de eu responder à crítica, mas o interesse é futrica. E isso é para quê? Para emoldurar negativamente algo que cresceu com a expectativa social alta, que é, no caso, a minha gestão aqui. É muito ruim para a sociedade em um momento em que o Brasil está diante de perplexidades. A democracia mostra limites.

Produziram essa grande distribuição de renda no Brasil que, por mais precária que seja, é uma mudança de paradigmas na sociedade brasileira porque, até então, a desigualdade, uma das maiores do mundo, era considerada natural. Cometeram erros, erros que estão evidentes. Então, é preciso discutir tudo isso.

É preciso abrir o leque para compreender o fenômeno da corrupção, que não é o fenômeno de uma família política ou de um partido, mas na verdade é o modus operandi da sociedade brasileira, que vai desde o indivíduo, o cidadão individual diante do guarda de trânsito, até a CBF. Na verdade, a sociedade brasileira incorporou a corrupção quase como um mecanismo legítimo e é exercitado praticamente…

Fórum – Por todas as áreas.

Ferreira – Por todas as áreas. Dentro da política, por todas as famílias políticas. E já há muito tempo. Então, o tratamento parcial impede de a gente chegar a uma solução. Quantos “carnavais éticos” a gente já viveu nos últimos anos? Eu me lembro em torno dos “anões do orçamento”, que deu a impressão que a gente ia dar um salto. Mas o tratamento é sempre com um foco muito restrito. E os demais se aproveitam para execrar aqueles que foram pegos com a boca na botija.

E também para manterem seu modus operandi como é. Depois veio o Collor, depois veio… Eu até me esqueço, mas tiveram uns dez “carnavais éticos” que passam essa sensação para a sociedade de que há, de fato, uma tentativa de superar esse nível de corrupção. Mas, na verdade, é um manuseio da corrupção para fins políticos menores. A verdade é essa. Não há, de fato, um compromisso.

E a mídia teria uma responsabilidade grande, se abrisse o leque e mostrasse exatamente que é um modo de operar as coisas públicas generalizado. Eu sinto que a mídia está devendo ao país. A mídia participou como apoio ao regime militar. Hoje, os editoriais fingem que foram contra. Fazem uma correção de rumos que tem uma dose de oportunismo porque não assumem os erros que cometeram. Vá em uma dessas emissoras e peça para ver editoriais de seus jornais no dia do Ato Institucional Nº 5.

Fórum – Na internet, inclusive, já circulam alguns desses editoriais.

Ferreira – É só ver os seus editoriais. E, depois, estão corroendo a democracia diariamente, desconstruindo o país. A negatividade é o tônus desses meios de comunicação. Então, os jornalistas que se rebelam e buscam construir – mesmo que de uma forma ainda romântica, sem perspectiva de afirmação – certamente vão encontrar o caminho porque, quando as coisas têm que acontecer, nada impede que aconteçam. E a sociedade brasileira está precisando de uma comunicação que retrate essa complexidade do país e possibilite que a gente dê um passo adiante.

Fórum – O senhor vê, por exemplo, a influência dessa mídia tradicional nos protestos a favor do impeachment?

Ferreira – Claro. Eles são força auxiliar. Eles mobilizam, constroem legitimidade, eles dizem quem pode governar e quem não pode governar. Eles transformam em heróis pessoas que, quando você bota a lupa, percebe que é mais corrupto que os que estão sendo criticados. Esse negócio da CBF, se o Romário levar às últimas consequências a CPI que está montando, isso vai dar o que falar. Isso vai até a dimensão política do manuseio do futebol, que é um dos patrimônios imateriais da sociedade brasileira, e que é manipulado até a última gota.

Manipulado para enriquecimento e que impede que, no país do futebol, floresça um futebol profissional e de qualidade.

Depois que eu saí do ministério, fui trabalhar na Espanha. Morei dois anos lá. E a Espanha não era um país do futebol. Eu não vou dizer que a Espanha era um país de pernas de pau, mas era um país de segundo nível na constelação. E eles começaram, prenderam os corruptos, desenvolveram uma política para o futebol de base, profissionalizaram no sentido completo da palavra, possibilitando que, de fato, florescessem times com estruturas mais profissionais. Qualificaram os jogadores, os contratos. Não adianta três ou quatro virarem estrelas e ganharem fortuna e o resto rapidamente se tornar peças obsoletas, sem nenhuma condição de sobrevivência.

O Brasil precisa fazer algo, mas vai ter que destampar completamente. Romário está se propondo a isso, mas acho que ele tem que ter apoio da sociedade no sentido de levar às últimas consequências e não repetir esse tipo de “carnaval ético” que a gente tem feito com outros temas.

Fórum – E, voltando à imprensa, não é só, especificamente, a questão das manifestações, mas toda uma onda conservadora que está vindo com força.

Ferreira – E foi aí que se mostrou a maior fragilidade porque foram com muita sede ao pote. Tentaram desconstruir a relevância do que foi construído pelo presidente Lula e, ao fazer isso, se associaram imediatamente a setores golpistas da sociedade, que querem a ditadura militar de volta, setores racistas, setores que execram a emancipação da mulher, setores que pregam a violência, o extermínio, a justiça pelas próprias mãos, a intolerância religiosa.

Quer dizer, o que esse movimento conservador – que a imprensa manipula e manuseia diariamente – revelou para o país é o que é inaceitável. É inaceitável pelas mulheres, é inaceitável pelos negros, é inaceitável pela juventude, já que querem rebaixar a maioridade penal para culpabilizar a juventude pelo nível de violência do país.

É inaceitável sob o ponto de vista das conquistas dos direitos individuais. Eles são contra até bicicletas nas cidades! Então, quer dizer, esse Brasil que eles querem, foi bom até que tenha vindo à tona porque está possibilitando que as pessoas reajam. E, mesmo tendo críticas aos erros que foram cometidos nesses 12 anos, erros de política econômica, erros na área da corrupção, erros na área de não ter desenvolvido políticas para qualificar o Estado e seus serviços…

Mas, mesmo assim, a grande maioria do país não quer retroceder, não quer ir para a Idade Média, nem para o período da ditadura militar. Não quer jogar na lata do lixo as conquistas pela igualdade das mulheres, nem do combate ao racismo. Pelo contrário, a sociedade quer ir adiante. E aí é que eles revelaram a debilidade deles. Por trás de todo o discurso moralista, na verdade vem uma ameaça a todas as conquistas do povo brasileiro e isso, em algum momento, a sociedade já começou a reagir. E acho que o ponto de reversão virá por aí, com ou sem os partidos.

Fórum – E essa questão acaba fortalecendo a formação de um Congresso que já é muito conservador. Aliás, o mais conservador desde 1964. E pudemos ver isso na discussão em torno da reforma política.

Ferreira – A reforma política é um aspecto importante do momento em que a gente está vivendo. A redemocratização no Brasil já tem uma experiência que é preciso ser analisada e ser criticada; que as forças políticas criem mecanismos para que a sociedade produza a superação dos limites e produza uma democracia mais densa, com um nível maior de representatividade, com a qualidade melhor do sistema representativo, com níveis de participação mais ampla.

Acho que quem defende e quem compreende a importância do Estado para uma sociedade democrática e para o Brasil avançar, não pode usar o Estado como motivo de guerra. O Estado precisa ser valorizado. Precisamos construir um Estado democrático no Brasil com mecanismos, com instituições fortes. Não é militarmente forte. Forte é com alto grau de legitimidade, com capacidade de oferecer serviços de qualidade, saúde de qualidade, educação de qualidade. Incrementar políticas culturais importantes. Então, a gente está diante, está em um momento de perplexidade, mas está em um momento de muita possibilidade de construir o futuro do Brasil.

O Brasil é a sétima economia do mundo. É um país que tem recursos naturais, que tem uma infraestrutura econômica instalada, temos uma capacidade criativa reconhecida no mundo inteiro. Então, não há porque ficar pessimista. A gente está enfrentando um problema, foram cometidos erros, é preciso que se assuma diante da sociedade com toda a transparência. E que a gente consiga alavancar um programa de continuidade das transformações na sociedade brasileira.

Esse programa reacionário que está aí tem que ser execrado. Estão molestando pessoas que estão lendo Carta Capital, por exemplo, no avião.

Fórum – Ou porque estão usando qualquer camisa vermelha.

Ferreira – Correram atrás de um cachorro porque tinha um coletezinho de cor vermelha. Isso se assemelha muito aos momentos que antecederam o Fascismo e o Nazismo. São irracionalidades sociais, são os medos, o ódio; a intolerância religiosa faz parte desse pacote reacionário.

É preciso que o Brasil transforme em valor fundamental essa liberdade de crença ou de não crença. É um país reconhecido no mundo inteiro com essas possibilidades de convivência de credos diferentes, e há uma construção de um ódio, uma intolerância, uma demonização de certas religiões, principalmente as de matriz africana. Então, é preciso que a sociedade reaja. E todo cidadão tem que se engajar na construção desse Brasil que a gente quer.

Fórum – Ministro, nós abrimos a entrevista para sugestões de alguns leitores e blogueiros. E a titular do blogue Voz em Rede, Lidiane de Souza Monteiro, do Recife, quer saber a sua opinião sobre o movimento e a luta pelo tombamento do cais José Estelita.

Ferreira – Olha, eu fui procurado pelo movimento, pelo prefeito, e eu vou ampliar o meu diálogo porque é o seguinte… O cais Estelita, a área em questão, não é relevante sob o ponto de vista de patrimônio histórico-cultural. E não é relevante do ponto de vista do patrimônio ferroviário.

Por mais simpatia que eu tenha com a luta, eu não me proponho a colocar, a vulgarizar o IPHAN [Instituto Patrimônio Histórico Artístico Nacional], para dar um parecer que não seja correto dentro do que a legislação prevê. Agora, ali é relevante sob o ponto de vista de reserva para a cidade retomar um processo de planejamento e de contenção da especulação imobiliária. Isso a legislação prevê. Aquela área também é importante como patrimônio paisagístico.

Mas o ordenamento e o uso do solo é uma questão de âmbito local. E é preciso que as instituições locais ouçam a população. A cidadania está indignada com a possibilidade de aprovação daquele projeto e o que eles demandam, em última instância, é de que aquilo é uma área estratégica, talvez uma das últimas. Não uma área restrita, onde vai ser levado o projeto, mas uma área mais ampla, que já tem outros projetos imobiliários.

Então, o ministério está fazendo estudos técnicos. Dentro de pouco tempo, nós vamos nos posicionar. Agora, minha posição pessoal é de muita simpatia pelo movimento. No Brasil inteiro estão explodindo manifestações. Já tivemos um nível de manifestação sobre a mobilidade urbana, que é produto desse crescimento desordenado e pela opção do carro individual como meio de transporte. Temos manifestações contra a baixa qualidade dos serviços de saúde. Temos uma consciência social e acredito que precisamos melhorar o padrão, hoje, da educação no Brasil. Então, as políticas públicas estão sendo criticadas pela população e há uma demanda pela melhor qualidade.

Agora, nós estamos vivendo uma demanda de políticas urbanas. Com maior profundidade, enfrentando os problemas da cidade. Tem décadas. Se não me engano, no primeiro censo da década de 1960, só 20% da população brasileira viviam em algum tipo de cidade. Houve uma migração e hoje nós temos mais de 80% vivendo em cidades. E esse crescimento, esse inchaço da sociedade brasileira, não foi acompanhado de políticas públicas no sentido de minorar os impactos ambientais, sociais e urbanísticos, com raras exceções. A especulação imobiliária e a ocupação desordenada do solo se instalou.

Então, temos quase uma inviabilidade dessas cidades brasileiras. São Paulo, Rio, Recife, quase todas as cidades. Até cidades planejadas como Brasília e Belo Horizonte sofrem o impacto desse crescimento desordenado, acompanhado às vezes de falta absoluta de presença do poder público, no sentido de regular e de racionalizar esse crescimento em um nível do possível, pelo menos.

E esses movimentos por uma correção de rumos, sob o ponto de vista das cidades, é fundamental para o futuro do Brasil. Eu tenho muita simpatia não só por ele, mas por outros movimentos urbanos que estão se produzindo nas grandes cidades brasileiras e que, de alguma maneira, as instituições democráticas têm que ouvir, dialogar, não pode ignorar. A tendência em Recife é que as instituições ignoram essa demanda. Tratam como se fosse algo exótico, esdrúxulo e externo às suas funções.

É bom lembrar que, na democracia, o poder é exercido em nome do povo, pelo povo e para o povo. Então, não há como escapar de se relacionar. É importante que se considere a força desses movimentos, antes que a gente gere um impasse e uma descrença absoluta na democracia por parte da população brasileira. Eu, pessoalmente, vejo com muito bons olhos.

Eu não posso é transferir para cá a decisão porque existe o pacto federativo, existe a responsabilidade do município. A Constituição de 1988 nivelou a responsabilidade e a importância das três instâncias: federal, estadual e municipal. E essa instância do ordenamento e uso do solo é do âmbito dos poderes locais, da prefeitura, da câmara de vereadores, de outras instituições que compõem a estrutura do Estado.
E acho que é preciso assumir a responsabilidade de dialogar e de dar uma resposta à demanda do movimento em torno do cais Estelita.

Fórum – Para encerrar, qual sua avaliação desses primeiros meses de gestão?

Ferreira – Eu encontrei um ministério enfraquecido. Um medo de assinar, por exemplo. Então, a transferência para os artistas e para a área cultural de responsabilidades onde não há uma clareza aritmética, em que se pede a devolução de dinheiro, misturando quem fez corretamente as coisas com quem não fez. Eu disse à presidenta, na primeira reunião que eu tive com ela, que tinha encontrado um ministério enfraquecido e que ia fazer todo o esforço para recuperar padrões de qualidade no exercício do trabalho aqui dentro das nossas funções. Mas acreditava que em três meses e meio ou quatro a gente teria recuperado.

Estamos construindo isso, a realidade interna já é outra. Nós estamos requalificando as políticas porque o significado da minha volta, em parte, é para retomar políticas, programas e projetos que foram enfraquecidos ou abandonados. Mas em parte eu tenho que reconstituir porque a realidade anda, o Brasil anda muito rápido. Muita coisa já não é a mesma da minha época. Por exemplo, quando nós chegamos ao ministério, pouco mais de 1 milhão de brasileiros tinham acesso a internet. Hoje, mais de 53% dos brasileiros estão conectados.

Então, só isso aí já mostra. Os próprios Pontos de Cultura já exigiam da gente uma modernização. Contamos hoje com a lei do Cultura Viva, que nós regulamentamos. Em todos os aspectos, nós temos que trabalhar daqui para a frente. Recuperar o que de positivo foi abandonado, mas principalmente formular. Nós estamos formulando as políticas. Acabamos de fechar o primeiro ciclo do planejamento estratégico para os próximos dez anos. Estamos detalhando agora o Plano Plurianual e mecanismos de planejamento. Estamos nos preparando para o orçamento para o ano para formular os projetos porque, no primeiro ano, você herda um orçamento e um planejamento feito no governo anterior. Eu sou muito insatisfeito com o que eu herdei, mas isso não é uma discussão relevante. Na verdade, relevante é o que a gente está fazendo.

Fórum – É possível adiantar para nós o que vem pela frente?

Ferreira – Assim, de novidades, primeiro é a política para as artes. Eu já fiz a autocrítica no próprio discurso de posse. Nós conseguimos ampliar o conceito de cultura, dar um atendimento a uma área sociocultural importante no país. Chegamos até os povos indígenas, que, estranhamente no Brasil, a cultura dos povos indígenas não era considerada como parte do trabalho do Ministério da Cultura. Então, constituímos um alargamento do conceito e da dimensão da intervenção do ministério, mas as artes ficaram secundarizadas.

A gente quer recuperar a Funarte e as políticas para as artes. Que políticas para a música são importantes? Qual o papel do Estado junto à música? Na área da economia da música, que está destroçada pela crise da indústria fonográfica, pelo próprio desenvolvimento tecnológico.

Precisamos regular a internet para que eles paguem direito autoral. Na área da música, temos muitas tarefas. Na área do teatro também; na área da dança, na área do circo. Vamos revitalizar as políticas. Vamos fazer um processo aberto. Estou prevendo que, de julho até o fim do ano, nós vamos estar concentrados nisso. Essa vai ser uma das novidades. Sair com um programa e com uma perspectiva de trabalhar as artes e o papel do Estado dentro disso, que dê conta dos desafios do século XXI nessa área.

Na área de cultura digital, vamos retomar o papel que nós temos. Inclusive, já estamos planejando intervenções nos fóruns mundiais, na OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), na Unesco, defendendo que a Convenção de Proteção da Diversidade, que nós fomos quando éramos daqui. Gilberto Gil foi o principal articulador para viabilizar essa convenção porque ela já era uma proposta de muitos anos e o governo americano conseguia impedir a sua aprovação. E nós fizemos uma articulação com a África, com os países latinoamericanos, com os países asiáticos, e esse reconhecimento é internacional. Gil vai ser homenageado nas celebrações dos dez anos da Convenção. Nós vamos retomar, atualizando a convenção.

Se nós não regulamentarmos democraticamente a internet, garantindo a sua neutralidade, garantindo regras para a intervenção, essas megaempresas que a operam… Vai se estabelecer uma ordem colonial aí de novo tipo, uma ordem colonial digital. Nós tivemos um incidente agora porque o Facebook censurou uma foto do Estado brasileiro. E eu achei que era um erro, podia ter sido uma questão de automaticidade nessa censura. Liguei e eles disseram: “Não, nós estamos submetidos ao tribunal da Califórnia. Nós não nos submetemos à legislação local.

Depois, publicamente, ele corrigiu um pouco o que disse para mim, mas na verdade eles se comportam de uma maneira imperial. Eles é que dizem o que pode e o que não pode, trazendo para o Brasil o puritanismo americano. Não pode aparecer os seios de uma pessoa. Ele chegou a me dizer que se for um seio canceroso, em uma campanha contra o câncer, se for corpo mutilado por uma violência, pode. Quer dizer, a gente já tem muito problema no Brasil para importar o puritanismo americano. Basta.

Então, a diversidade cultural demanda um olhar sobre a internet que possibilite que os povos sejam protagonistas das opções e que a internet expresse isso. Foi um desrespeito aos indígenas. Se para o indígena aparecer na internet precisa se travestir de não-indígena, isso é um etnocídio simbólico de dimensões importantes. É um desafio. Tem uma parte da nossa pauta que eu chamo de “a pauta do século XXI”. O século XXI traz uma série de questões na área da Cultura.

Essa da proteção da diversidade, de exercício dessa diversidade fundamental para a soberania, para o desenvolvimento, e inclusive porque em alguns aspectos nós somos superiores, por exemplo, à sociedade americana. Lá, o moralismo chega a tal ponto que tem criança de nove anos processada criminalmente porque encostou na fila da merenda na menina à frente dele. Isso é um caso real.

Então, quer dizer, a gente não pode importar as mazelas e as dificuldades de outro povo, em uma mentalidade, como dizia Nelson Rodrigues, de vira-lata. A gente tem que ter consciência da importância de nós construirmos e termos uma determinação. Isso não é com xenofobia, nem com isolamento, mas, pelo contrário, com regras civilizadas das relações culturais no mundo. E o Brasil tem uma importância.

O Marco Civil repercute no mundo inteiro. O Marco Civil da Internet. É preciso desdobrá-lo, garantindo essa neutralidade, garantir que não haja privatização de estruturas. Eu não vejo com bons olhos a proposta que o Facebook fez para o governo brasileiro. Aquilo ali é um bombom que eles dão para garantir essa privatização dentro da estrutura da internet. A gente não pode cair nessa cilada.

Nós somos vistos coma admiração e respeito inclusive pelos países europeus que deflagraram processos semelhantes a partir do Marco Civil e do discurso da presidenta Dilma na ONU sobre a espionagem, sobre a necessidade de preservar a internet como um espaço público importante da humanidade. A gente não pode retroceder e aceitar espelhinho que venham nos oferecer aqui para manter uma ordem colonial digital. Então, eu não vejo com bons olhos a proposta.

Acho que a gente tem que avançar em outra direção, na direção da afirmação de algo que o Brasil está preparado para fazer. Nós somos um dos países mais conectados do mundo. E já com uma experiência, um discernimento da importância pública dessa esfera, que é preciso tratar.

E, nas áreas das artes, os pontos de cultura vão ser revalorizados. Estamos dando um novo tratamento, mais amplo. Vamos regulamentar o que é Pontão de Cultura, que estava meio solto o conceito. Ou seja, em todas as áreas, nós estamos construindo. O planejamento estratégico nós estamos fechando agora. Não sei se você reparou, nós revitalizamos a comunicação no ministério. A gente não pode ficar dependendo da honestidade de um jornalista ou de outro na relação com a sociedade.

A gente precisa criar mecanismos também de relação direta. Então, aí entra a mídia livre, os jornalistas que estão buscando criar o embrião de uma nova comunicação no Brasil, mas nós também temos que ter uma inteligência, uma leveza, uma agilidade na área da comunicação. E a gente está construindo isso. Já dá para sentir que a gente trata a comunicação como uma das políticas culturais e não como algo auxiliar, como uma linha auxiliar.

Fórum – E sobre os direitos autorais?

Sobre os direitos autorais, estamos numa luta para garantir os direitos em um ambiente criado pela internet, pela digitalização. Ninguém quer pagar os direitos autorais para os artistas brasileiros. Proporcionalmente, é o maior desequilíbrio da balança de pagamentos. O Brasil paga todos os direitos autorais estrangeiros e não recebe quase nenhum. Os artistas estão sendo prejudicados e a maior economia, a maior escala de direito autoral é no mundo digital.

E aí não há direito autoral no ambiente digital e no século XXI sem o Estado regulador que obrigue que se realize. Nós vamos falar com os artistas. Eu já fiz reunião com o Procure Saber e com o GAP (Grupo de Apoio Parlamentar), são as duas maiores estruturas representativas dos músicos. A gente quer ampliar isso para que possa ir, inclusive, para os fóruns internacionais fundamentados numa legislação brasileira. Eu tenho procurado trabalhar com o Congresso – o Senado e a Câmara – e vamos avançar. E a mudança na Lei Rouanet também, que é fundamental.

Entrevista concedida a Maíra Streit, publicada no Portal Fórum – www.revistaforum.com.br

“Só com regulamentação política vamos acabar com os monopólios na internet”

A CryptoRave reuniu hackers, ativistas e estudiosos da internet em uma maratona de atividades em 24h seguidas, na cidade de São Paulo, nos dias 24 e 25 de abril. Foram 37 espaços que debateram segurança, criptografia, vigilância de agências de segurança – como a estadunidense NSA -, liberdade de expressão e privacidade, além dos monopólios da internet.

O sueco Peter Sunden, cofundador do The Pirate Bay, um dos maiores sites de busca, download e envio de arquivos – muitos dos quais “piratas”, como o nome sugere – foi um dos participantes da Rave.

O site e seus fundadores são alvos de constante perseguição. Em 2008, Sunden e mais três fundadores do Pirate Bay foram levados a julgamento pela Justiça sueca, acusados de “ajudar (outros) a infrigir leis de copyright”. Em 2009, ele foi condenado a um ano de prisão.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Sunden analisa como a internet se tornou centralizada e cheia de monopólios. Ele também aponta as consequências da coleta de dados pelas agências de vigilância e questiona a parceria que o governo brasileiro está fazendo com o Facebook.

Brasil de Fato – Qual sua opinião sobre o funcionamento da internet hoje?

Peter Sunden – A internet vai contra todos os ideais sob os quais ela foi fundada. Basicamente, criamos um sistema descentralizado, mas toda a informação foi centralizada por grandes empresas. É como dar ao mundo uma geladeira, mas usar um único compartimento gigante para armazenar tudo, o que é muito estúpido.

Devemos começar a perceber que com essa centralização vamos perder em termos de informação, cultura, comunicação e, também, infraestrutura, porque tudo depende mais e mais da internet. Somos ingênuos, deixamos chegar a este ponto porque utilizamos essa tecnologia por muito tempo sem pensar no que ela significava.

O que você diria para alguém que fala que a internet é um espaço livre e democrático?

P.S. – O capitalismo promete várias coisas, mas nunca te diz o custo. Na internet, você pode ficar no seu canto, criar uma rede social livre, mas os usuários não vão vir, porque eles estão nesse shopping chamado Facebook. Você pode ter sua lojinha, mas nunca terá clientes. Por isso, do jeito que usamos a internet hoje, a internet não é realmente “livre”.

O principal problema é que não há regulação. Não criamos leis que protegessem nossa privacidade, nossos direitos, porque a rede é vista como um “mercado aberto”, que todos poderiam usar. Mas não devemos tratar a internet como um mercado. Ela é uma infraestrutura, e temos que discutir quem a controla e as leis para seu funcionamento.

Como o The Pirate Bay foi criado?

P.S. – Eu queria dizer que tínhamos um grande plano, mas não era o caso. Começamos o Pirate Bay porque queríamos brincar com tecnologia nova.

Como você enxerga a pirataria, tanto no mundo real como no virtual?

P.S. – A pirataria no mundo real, se falarmos de informação, como filmes que são gravados num cd, tem um custo de produção. A pirataria online não tem esse custo, pois não há o objeto físico que deve ser produzido. Se você é contra as pessoas que lucram com a pirataria, a pirataria online resolve isso, tirando o dinheiro da equação.

Fora isso, elas são similares, pois dão a pessoas que não teriam condições de obter um certo produto ou informação a chance de tê-lo.

Qual o impacto que as leis de copyright causam na cultura?

P.S. – Essas leis são uma doença e estão se espalhando rapidamente. O Brasil tentou, com [o ex-ministro] Gilberto Gil e outras pessoas visionárias, fazer algo sobre isso e trabalhar com Creative Commons e outras alternativas ao copyright.

O copyright não é feito para pessoas, é feito para companhias, empresários que já dominam o mercado e podem comprar copyright dos artistas para controlar o mercado. E então os consumidores são obrigados a pagar o preço que essas pessoas querem. Isso que é o copyright é: um monopólio para empresas e pessoas ricas.

Como você avalia o trabalho do Wikileaks? Há formas de melhorar a plataforma e permitir que mais documentos vazem?

P.S. – Com o Wikileaks temos novamente o problema de centralizar a comunicação na rede. Independente de sua importância, o Wikileaks não é a única plataforma de vazamento de arquivos; há outras, mas estas não recebem atenção. A maior coisa que devíamos fazer em relação à internet é descentralizar, e isso vale para todas as áreas.

Não deveríamos ter só um sistema de compartihamento de arquivos, devemos ter vários; não devemos ter só uma plataforma para vazar aquivos, precisamos de várias. Há outros grupos como o Intercept, do Glenn Greenwald, que tenta fazer o mesmo que o Wikileaks faz, mas com um viés mais jornalístico.

Quando Edward Snowden entregou os documentos ao Greenwald, eles tiveram uma forma de vazar os arquivos interessante, liberando documentos de pouco em pouco, deixando que eles causassem impacto. É uma alternativa melhor ao que o Wikileaks faz, de despejar centenas de milhares de documentos de uma vez sobre um tema, como fizeram com a Guerra do Afeganistão.

Como é possível descentralizar a internet, dado esse panorama de monopólios?

P.S. – Infelizmente, com regulação política. Passamos da época em que a tecnologia sozinha resolveria o problema. Podemos criar a melhor rede social possível, aberta, mas ela não teria usuários, pois os usuários estão no Facebook.

A regulação deveria funcionar para proteger os usuários e impedir que as companhias utilizem os dados deles à vontade. Por exemplo, se o Facebook quer ter usuários brasileiros, ele deveria assinar um acordo no qual os dados são do usuário, não da empresa. Se criarmos regras e padrões assim, alguma coisa pode mudar.

Agora, não importa se você tem a tecnologia sem os usuários. E discutir esses assuntos no Facebook é difícil, porque eles censuram muitas coisas que você escreve e posta, muitas vezes sem que você saiba.

O Facebook é a maior ditadura que existe no mundo. Com uma população maior que a da China, e tem um ditador totalitário. É um “país” assustador que emerge, e precisamos de regulação para combater isso.

Qual o objetivo da coleta massiva de informações da internet, por agências como a NSA?

P.S. – Você pode usar informação, mesmo se não souber para o quê ainda. Um exemplo clássico é que na Suécia o governo começou um programa chamado PKU. A ideia era que cada criança recém-nascida que faria parte do programa doaria uma amostra de sangue. Com tantas amostras, era possível resgatar as árvores genealógicas e fazer estudos sobre doenças genéticas. É um ótimo sistema, que ajudou muitas pessoas e curou doenças, além de avançar na pesquisa contra o câncer.

Em 2003, a ministra de assuntos internacionais da Suécia, Anna Lindh, foi assassinada, e a polícia, que tinha amostras de DNA do assassino, mas não sabia quem era, foi até o laboratório do PKU, que tinha o registro de todo mundo nascido desde 1979, e descobriu quem era o assassino. A partir daí, o registro ao PKU foi obrigatório e as pessoas não podem sair mais do projeto.

De fato, isso pode ajudar a resolver crimes, mas nós concordamos com isso como sociedade? Não, nunca discutimos. E isso é o que ocorre hoje na internet: a NSA pode não ter necessidade ou saber o uso que essas informações terão hoje, mas um uso vai existir no futuro. E será muito bom para o governo estadunidense ter guardado tudo isso.

E costumamos esquecer a história rapidamente. Os nazistas usaram arquivos com os nomes e endereços dos judeus para encontrá-los e realizar assassinatos. Então, o objetivo das agências de inteligência não é só guardar uma coisa sem ter motivo; num futuro essas informações podem ter uso, e isso vai ser problemático para nós.

Como uma pessoa normal pode proteger seus dados na internet?

P.S. – Existem ferramentas, mas o problema é que essas ferramentas são separadas dos sistemas que as pessoas usam. Mesmo se criarmos um ótimo sistema de chat, as pessoas vão continuar conversando pelo Facebook. A criptografia, por mais segura que seja ao impedir que o conteúdo da mensagem seja visto, não impede que as agências de vigilância saibam quem fala com quem.

Você pode se proteger usando encriptação, e é importante, mas isso é basicamente uma camisinha. Você está protegendo você e a outra pessoa contra a doença, mas não está protegendo a todos, nem curando a doença. E acho que precisamos fazer ambos. Temos que nos proteger e ensinar mais pessoas a utilizarem essas “camisinhas da internet”, como criptografia e plataformas alternativas de comunicação, mas também precisamos evitar o avanço da doença.

Só vamos fazer isso pressionando os políticos, os governos e fazendo com que eles entendam os problemas que essa vigilância causa a um país e criem formas de regulamentação. Está na hora de colocar os pés no chão e impedir que isso continue, antes que seja tarde demais.

Qual a sua opinião sobre a parceria que o governo brasileiro fez com o Facebook para levar internet a regiões mais remotas?

P.S. – Acho estúpido o governo brasileiro ir a apenas uma companhia para fazer um projeto assim. Deveriam trabalhar com todos. Não tenho certeza quais os termos do acordo, mas para o Facebook isso é uma manobra de relações públicas. E não entendo o porquê dessa parceria agora.

O Facebook não tem nenhum interesse com a privacidade, eles querem o oposto. E um projeto assim permite que se domine a infraestrutura, o que facilita controlar os usuários e ter certeza que eles não deixem a rede.

O Governo Lula apoiava softwares livres e soluções mais democráticas para a rede. Não sei porque o interesse de começar a trabalhar com alguém que é o inimigo neste caso. O Facebook não vai ajudar a manter a privacidade das pessoas intacta.

Entrevista concedida a José Coutinho Júnior, publicada em Brasil de Fato – www.brasildefato.com.br

2º ENDC repudia possibilidade de acordo com Facebook

Além da Carta de Belo Horizonte, a plenária final do 2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (ENDC) aprovou moção de repúdio à possibilidade de parceria entre o governo federal e o Facebook. A notícia do possível acordo foi dada na semana passada (10/4) e pegou as entidades sociais organizadas de surpresa. O objetivo seria ampliar o acesso à internet e a serviços públicos no país e o Facebook entraria com a infraestrutura tecnológica.

A conversa entre a presidenta e Mark Zuckerberg, criador e gestor da maior rede social do mundo, aconteceu na Cidade do Panamá, durante reunião paralela à 7ª Cúpula das Américas. Em entrevista ao E-Fórum ainda na manhã do dia 12 de abril (domingo), Flávia Lefèvre, da campanha “Banda Larga é um Direito Seu!”, destacou como o principal ponto negativo da possível parceria a quebra do princípio da neutralidade da rede, um dos principais avanços do Marco Civil da Internet. “Esperamos que a presidenta esteja sensível a isso, pois ela aprovou o Marco Civil da Internet e não pode fragilizar a lei dessa maneira”.

O possível acordo, aliás, vem sendo alvo de críticas durante toda a semana por outros motivos além da quebra da neutralidade. Um deles é o fato de que o Facebook, ao lado de outras gigantes como Google, Yahoo, Apple, Microsoft e Skype, ser um dos principais fornecedores de dados para o programa de espionagem internacional da norte-americana Agência Nacional de Segurança (NSA), como lembra a secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Renata Mielli (foto ao lado).

Flávia Lefèvre lembra que a principal característica do acordo é levar banda larga para os mais pobres por meio da rede móvel e de parceiros comerciais que não têm nada a ver com os interesses governamentais nem públicos. “Ou seja, ferindo as leis de concorrência e o Direito do Consumidor, pois o acordo possibilitaria que as pessoas atingidas tivessem acesso somente a alguns conteúdos e não a toda a rede”, completa.

A ativista lembra que o acordo também é mal avaliado do ponto de vista do estímulo à inovação. “As grandes empresas de telecomunicações geralmente se associam com esses provedores de conteúdo e de aplicações numa base de consumidores muito grande. Então para uma pequena empresa conseguir concorrer nesse nível é muito difícil. Consequentemente, startups e outros pequenos empreendedores ficarim à margem desse processo”, problematiza.

Para Lefèvre, se o governo de fato firmar o acordo estará fazendo uma escolha muito equivocada. “Vai viabilizar a criação de castas de consumidores: os que terão uma banda larga de qualidade, via rede fixa, e os pobres que terão uma banda larga na rede móvel, restrita a determinados sites”.

A representante da campanha Banda Larga é um Direito Seu ainda ressalta o fato de que o Brasil certamente tem condições de ampliar o acesso à banda larga por meio de recursos próprios, como o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). “O Fust poderia ser aplicado na implantação da infraestrutura necessária para a banda larga, mas infelizmente o governo se nega a cumprir o que está na lei. Por isso que nossa campanha existe há mais de quatro anos lutando pela inclusão da banda larga no serviço público”, finaliza.

Fonte: FNDC

Dilma propõe lei para universalizar acesso à internet

Por Bia Barbosa, Marina Cardoso e Pedro Ekman*

A Presidenta da República e candidata à reeleição Dilma Rousseff participou nesta terça-feira (9) da primeira edição do Diálogos Conectados – Um papo sobre Direitos e Internet, promovido pela Campanha Banda Larga é um Direito Seu! Para um auditório cheio de ativistas e especialistas no tema, Dilma propôs a criação de uma lei para garantir a universalização do acesso à banda larga no país, com qualidade e boa velocidade por meio da instalação de fibra óptica em 80% dos municípios. “Temos que universalizar via lei, senão não teremos força política para obrigar as empresas a cumprirem as metas estabelecidas”, defendeu a candidata à reeleição.

Discordamos da Presidenta, pois entendemos que um decreto presidencial bastaria para garantir a universalização, ao colocar a prestação do serviço de acesso à banda larga em regime público. Neste regime de prestação de serviços, seria possível, por exemplo, que os recursos do FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações –, hoje congelados e usados pelo governo para fazer superávit primário, passassem a ser utilizados em investimentos em infraestrutura para o cumprimento de metas de universalização do acesso à internet. Metas de qualidade, continuidade e modicidade tarifária também seriam impostas no regime público.

Além disso, duas leis que definem que o acesso à banda larga deveria se dar em regime público. A Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). A LGT estabelece que todo serviço essencial deve ser prestado em regime público, enquanto o Marco Civil da Internet reconhece a essencialidade do acesso à internet para o exercício da cidadania. A LGT também define que é por decreto presidencial que se define a qual regime pertence cada serviço de telecomunicação.

Ou seja, seria necessário só um pouco de vontade política. Mas Dilma insistiu na aprovação de uma lei sobre o tema, para evitar inclusive a judicialização de um eventual decreto presidencial. Uma lei de universalização não é um instrumento ruim, mas apresenta riscos que devem ser considerados, entre eles a demora para sua aprovação e o de que uma alteração da LGT no Congresso pode acabar piorando a lei em seus outros aspectos, a depender da correlação de forças que se estabeleça.

Telebras

Outra promessa da candidata Dilma foi retomar a expansão da Telebras, congelada durante seu mandato, depois do impulso dado à estatal na segunda gestão de Lula. Dilma reconheceu que não será possível fazer a universalização do acesso sem ela, “que tem condições de trabalhar com pequenos e médios provedores e forçar a competição em mais de 800 municípios”, e sem recursos do orçamento geral da União.

Mas explicitou também que não há como o governo garantir sozinho um investimento deste porte no setor. “Não temos como fazer isso sozinhos. Achar que só o Estado dará conta desta tarefa é uma temeridade. Vamos fazer a universalização em quatro anos em parceria com as empresas, mas colocando metas e o que vier de investimento público como bens reversíveis”, declarou, defendendo então o regime misto para o serviço. Para atrair o interesse das empresas, Dilma prometeu juros subsidiados ao setor, com maior prazo e carência para pagamento dos empréstimos.

Mas, de novo aí, o problema da prestação do serviço apenas em regime privado persiste. Ao pretender universalizar o serviço de internet sem mudança para o regime público, a candidatura do PT bate pé em um modelo que apenas oferecerá recursos às empresas do setor sem exigir qualquer contrapartida. Isso seria fazer justamente o que a Presidenta não quer, ou seja, financiar a expansão da rede apenas com dinheiro público. O regime público garante, ao contrário, que haja de fato investimento privado e que o dinheiro público investido volte depois para o Estado, e não fique pra sempre como infraestrutura das empresas privadas.

O Brasil conhece bem essa história de transferência de recursos públicos para a iniciativa privada no campo da internet. Foi exatamente isso o que aconteceu com o Programa Nacional de Banda Larga, lançado em 2010, sobre o qual Dilma não falou. O PNBL definia metas importantes para interiorizar e ampliar a infraestrutura para a conexão em localidades não atendidas pelo setor privado, mas a pressão das operadoras de telecomunicações levou ao seu esvaziamento pelo governo, e poucas ações do programa estão em andamento.

“Com isso, o Brasil continua sem redes suficientes para atender a demanda crescente do país, principalmente onde não há interesse de mercado, do que decorrem as baixas velocidades de provimento do serviço de acesso à Internet, com preços elevados, de péssima qualidade e ainda para poucos”, diz o documento da Campanha da Banda Larga, que critica ainda o fato de as políticas para o setor terem sido construídas no governo Dilma de forma fragmentada e “sem diálogo efetivo com a sociedade, alinhando-se mais aos interesses das empresas privadas”.

Direitos e cultura digital

Os segundo e terceiro blocos de perguntas feitos à Presidenta trataram de direitos dos usuários na rede, cultura e políticas de inclusão digital.

Os ativistas da campanha lembraram que a conquista da aprovação do Marco Civil da Internet (MCI) não conseguiu evitar a imposição, por parte de setores vigilantistas, do artigo 15 do texto, que obriga a guarda massiva de dados pessoais para fins de investigação policial. E que, apesar da lei já estar em vigor, as empresas de telecomunicação, que por muito tempo tentaram barrar o Marco Civil por serem contra a neutralidade de rede, seguem violando tal princípio cotidianamente. As entidades debatedoras perguntaram que instrumentos o governo pretende criar para não transformar uma lei que garante direitos civis em um instrumento que aponta para a construção de uma sociedade vigiada, e o que a candidata pretende fazer para impedir que as empresas continuem quebrando a neutralidade de rede.

Dilma foi genérica. Acompanhada na atividade do deputado Alessandro Molon (PT/RJ), relator do Marco Civil na Câmara, ela lembrou que a aprovação do projeto dependeu de um acordo no Congresso que incluiu a inclusão do Artigo 15, e voltou a afirmar que acordos políticos não serão quebrados. Ficou claro, neste sentido, que o governo não espera operar durante a regulamentação da lei para reduzir os impactos do vigilantismo ali presente. Por outro lado, Dilma se comprometeu a dar atenção à lei de proteção de dados pessoais, cujo anteprojeto, formulado pelo Ministério da Justiça, está parado na pasta.

Sobre a quebra da neutralidade, Dilma se limitou a dizer que, após a regulamentação do Marco Civil, será preciso “fiscalizar e punir as empresas que estão desrespeitando a lei”. A candidata afirmou que a consulta pela regulamentação do MCI, esperada desde junho, será lançada logo após o período eleitoral, no início de novembro. “Temos que regulamentar o Marco Civil imediatamente. E fiscalizar e punir quem desrespeitar a neutralidade”, declarou.

Por fim, sobre cultura digital e modelo de desenvolvimento, a Campanha queria saber se o governo continuará gastando anualmente mais de R$ 2 bilhões em licenças e serviços de softwares proprietários enquanto aloca um recurso irrisório no desenvolvimento, manutenção e suporte de softwares livres e no apoio a comunidades de desenvolvedores. Ainda, interpelou a candidata à reeleição a respeito da retomada políticas mais amplas de inclusão cultural e digital, como os Pontos de Cultura e Pontos de Mídia Livre.

A candidata disse que pretende retomar a política dos Pontos de Cultura e que, no campo do software livre, é preciso encontrar mecanismos jurídicos e políticos para apoiar as comunidades de desenvolvedores. Dilma propôs o uso da ferramenta das compras governamentais para incentivar o desenvolvimento de softwares não proprietários e disse que apoiará a abertura de startups.

A avaliação das entidades que fazem parte da Campanha Banda Larga é Um Direito Seu, incluindo o Intervozes, é a de que o debate foi importante e positivo, na medida em que a candidata teve que se posicionar sobre tais temas, em alguns casos pela primeira vez.

A campanha reúne diversos coletivos e organizações da sociedade civil que atuam no campo da internet, e lançou, em agosto, uma carta às candidaturas com propostas de políticas públicas para o setor. Agora, espera dos candidatos/as que assumam compromissos em torno de temas como a infraestrutura e universalização do acesso à banda larga, promoção da cidadania e cultura digitais e regulamentação do Marco Civil da Internet ao longo do processo eleitoral. Dilma foi a primeira a atender ao convite da campanha. Agora começa a pressão para que os candidatos Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB) também apresentem suas propostas.

* Bia Barbosa, Marina Cardoso e Pedro Ekman são integrantes do Intervozes e participam da Campanha Banda Larga é Um Direito Seu!

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.