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Crônica de uma morte anunciada: cobertura da guerra às favelas no Rio

Falta de aprofundamento, mito da exceção e tom policial marcam matérias sobre o tema nos jornais cariocas

Por Camila Nobrega e Iara Moura*

Até o dia 30 de março de 2017, Maria Eduarda Alves Ferreira era só mais uma aluna de uma escola municipal no Rio de Janeiro. Naquele dia, ela foi atingida por quatro tiros enquanto fazia aula de Educação Física, na quadra da Escola Municipal Jornalista Daniel Piza. Da noite para o dia, a menina de 13 anos tornou-se assunto principal dos jornais da cidade e do país.

A partir daí, as selfies sorridentes ao lado das amigas dividiam espaço com as imagens da mãe desconsolada, carregando as medalhas da filha penduradas no peito, do corpo já inerte estendido na quadra da escola, do caixão atropelando a vida.

Agora, todos sabiam que a menina sonhava em ser atleta de basquete. Sabiam também o exato percurso que tinha feito até a escola e as últimas palavras que disse à mãe. Nas páginas de jornais, Maria Eduarda ganhou uma biografia no momento em que perdeu a vida. A história parecera começar pelo fim, como na prosa de García Marquez, em Crônica de uma Morte Anunciada.

E, ao contrário do que contam a maior parte das reportagens, a história é exatamente isso, uma tragédia mais do que anunciada, no mínimo alardeada pelos dados, pelas circunstâncias. Por outro lado, absolutamente silenciada.

Como a maioria de seus colegas de escola, Maria Eduarda convivia com a intensa violência cotidiana no bairro onde morava, Acari. O local concentra 20% das mortes decorrentes de ações policiais registradas apenas nos meses de janeiro e fevereiro deste ano. Isso quer dizer que houve cerca de 36 mortes na área, sob cobertura do 41o Batalhão de Polícia Militar, em apenas dois meses.

No total, foram 182 mortes decorrentes de operações policiais no Estado do Rio de Janeiro, segundo dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP). Todas sem nome estampado em jornal, a esmagadora maioria sem direito à investigação ou até mesmo a uma mínima perícia, identificadas com um mesmo “sobrenome” nos boletins de ocorrência – “autos de resistência”, expressão que, desde a ditadura militar, é usada pela Polícia Militar para justificar morte em legítima defesa de policiais, sem necessidade de mais explicações. Todas traduzidas em, no máximo, estatísticas frias que mantêm a cidade funcionando alienada. Todas só mais um Silva.

No entanto, a história de Maria Eduarda percorreu um outro caminho. No jornal “O Globo” de 31 de março, a interrupção violenta da saga de Eduarda foi reportada como uma “tragédia com desdobramento aterrorizante”. Mesmo assim, ainda que contando detalhes sobre o caso, a reportagem segue, logo referindo-se à reação das moradoras e dos moradores: “A Avenida Brasil foi tomada por um protesto violento.”

Muitos manifestantes eram da Fazenda Botafogo, vizinha à escola, onde Maria Eduarda morava. O trânsito foi interrompido nas duas pistas. Grupos ateavam fogo a caçambas de lixo ao longo da via, uma das principais da cidade, assustando motoristas”, destaca um trecho, sem qualquer menção a um contexto cotidiano enfrentando por esses e essas moradoras.

Em uma só frase, o protesto em função da morte da jovem se torna problema. Problema de trânsito, problema que invade a vida de quem estava passando e só queria chegar em casa. Em uma frase, mais uma forma de individualização e desconexão, em uma sucessão absurda de narrativa dos fatos.

Depois das reações nas redes sociais e da comoção que o caso trouxe, no dia 1º de abril, o enquadramento e o espaço destinado ao tema mudaram. A notícia que antes ocupava uma página deu espaço a uma de quatro páginas, com fotos e infográficos destacando o número de mortes resultantes de operações policiais nas favelas e comunidades empobrecidas da cidade.

A cobertura, antes marcada por impessoalidade e por uma estrutura cara às páginas policiais com ênfase na ideia de “confronto” e nos desdobramentos das “operações” com apreensão de armamentos e drogas, modificou-se. Ali detalhes sobre a vida da menina ganharam sentido, com imagens, informações, humanidade.

Por um lado, pode-se celebrar que o caso foi amplamente divulgado. Por outro, trouxe um risco imenso de refazer um ciclo interminável, imerso à falta de aprofundamento sobre o que significa a política de Segurança Pública no Rio de Janeiro. Uma rápida análise da cobertura dos principais jornais mostra que o caso de Maria Eduarda foi alçado a um patamar de excepcionalidade. Pinçado no meio da realidade diária dos moradores de Acari e das favelas da cidade, que tem enfrentado o agravamento da violência nas operações policiais, especialmente no último mês, o quadro dramático ganhou o perigoso e falso contorno de exceção.

No Extra, também do Grupo Globo, a cobertura do caso foi para a editoria que recebe os assuntos relacionados à Segurança Pública: “Polícia”. A jovem de Acari se tornou capa do jornal, sob a manchete: “Maria Eduarda, a nova vítima da Velha Guerra”. No dia seguinte, mais uma capa seguiu acompanhando o caso, sob o título de “Qual mãe vai chorar hoje?”. Em determinado trecho da matéria, a mãe de Maria Eduarda diz: “A gente morava, sim, em comunidade, mas ela sempre foi tratada com muito carinho”.

A frase não é desligada de contexto. Em um cenário em que 182 mortes ocorrem em dois meses como consequência de operações policiais e as notícias se empilham de forma burocrática nos jornais, como se meros e frios boletins de ocorrência fossem, ela sabe como a morte de sua filha poderia ter ido seguido o mesmo caminho, caso não fosse a impossibilidade de atentar para as características da morte da menina.

Ela, como todas as mães moradoras de favelas, sabe que suas filhas e filhos são normalmente julgados e condenados pela opinião pública, sem chance de defesa ou de apuração do crime.

No mesmo dia da morte de Maria Eduarda, o mesmo jornal Extra circulava com uma única pequena matéria que fazia referência às mortes que estavam ocorrendo em favelas do Rio. A situação já era gritante e estava sendo denunciada há semanas por movimentos de favelas. Mas o chamado colunão, no jargão jornalístico, dizia apenas: “Um confronto entre policiais militares e traficantes, no Morro da Formiga, na Tijuca, assustou moradores e motoristas na Rua Conde de Bonfim, que teve o trânsito interrompido.

De acordo com a UPP da comunidade, homens armados atacaram a base da unidade e montaram barricadas. Um homem morreu baleado. Revoltados com a morte do homem, que seria mototaxista, pessoas foram para a Rua Conde de Bonfim e fizeram um protesto, impedindo a passagem dos veículos”. Mais uma vez, estava ali um homem morto anônimo, nenhum estranhamento sobre a escalada de violência nas favelas, a revolta dos moradores qualificada como exagerada, a preocupação com o trânsito, a divisão de duas cidades em uma.

O mesmo sentido, em curtas frases, repete-se em diversos textos, reportando mortes na Providência, na favela da Maré, entre outras. Com vocabulário de guerra completamente naturalizado, os jornais cariocas falam em “confronto”, dão número de balas, de mortos e usam jargões policiais.

Aliás, são eles também as principais fontes nas matérias, que não vão muito além disso. “Segundo a UPP”, “o comandante”, “números da Polícia Militar”, “no front” são expressões que se repetem diariamente, na maioria dos casos sem complemento de outras vozes.

Precisou que uma morte ocorresse dentro de uma escola, que fossem quatro balas “perdidas” acertando uma só jovem, em horário de aula, com várias testemunhas, dezenas de crianças desesperadas e fotos de turmas inteiras abaixadas dentro de sala de aula, além da necessidade de o Estado responder, pois a jovem estava, naquele momento, sob sua própria responsabilidade.

Precisou tudo isso junto para que não atirassem primeiro uma pedra sobre o caso e para que a explicação “auto de resistência” não fosse o bastante. Foram necessárias todas essas condições para que a opinião pública não repetisse o mesmo feito de sempre e julgasse a menina como culpada pela própria morte, como acontece na maioria dos casos.

E só assim as palavras que todos os dias são naturalizadas nas reportagens causaram estranhamento dessa vez. “Dano colateral dos mais absurdos”, disse o porta-voz da Polícia Militar, major Ivan Blaz, sobre a morte de Maria Eduarda. Disse, simplesmente seguindo o rumo ao qual está acostumado. É assim que a polícia fala sobre as mortes em favelas. Não é exceção, essa é a regra.

Depois disso, a mídia seguiu. O jornal O Dia também acompanhou de perto o caso de Maria Eduarda, com pelo menos quatro matérias detalhadas. A Folha de S. Paulo trouxe uma reportagem que relata o histórico de violência em Acari, mostrando, entre outros, o dado de 89 tiroteios registrados em Acari em um ano, segundo o site colaborativo Fogo Cruzado.

A situação, porém, faz pensar o papel dos meios de comunicação na situação, muito além de apenas reportar os fatos. A mídia é também parte da construção do Rio de Janeiro, essa cidade que convive com uma violência que atinge moradores e moradoras de favelas mais do que qualquer outra, negros e negras mais do que brancos e brancas. A comunicação é parte ativa nessa compreensão das pessoas sobre o lugar onde vivem. E, afinal, o que está sendo construído pela mídia tradicional que se encontra disponível?

Uma nota da ONG Justiça Global enviada à Organização das Nações Unidas chama atenção para o silenciamento da violência institucional contra a população jovem e negra, moradora de favelas e periferias. O documento, enviado à Relatoria de Execuções Extrajudiciais Sumárias e Arbitrárias da ONU, relaciona as 182 mortes causadas por agentes do Estado e chama atenção para o falho papel da Justiça brasileira, uma vez que grande parte dos casos são simplesmente arquivados.

Segundo afirmou a pesquisadora da Justiça Global na área de Violência Institucional, Monique Cruz, em entrevista à EBC, “a denúncia internacional é uma forma de dar mais visibilidade internamente, porque, quando acessamos um organismo internacional, estamos chamando também atenção da imprensa brasileira para um outro ponto de vista”. Ela se referia à política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro.

Em complemento para este artigo do Intervozes, Monique Cruz ressaltou ainda que, da forma como a política de repressão do Estado nas favelas é pensada, ela só tem o que a Polícia tem definido como “danos colaterais” que, na verdade, são mortes que nunca são investigadas, fruto de um enfrentamento ineficaz à anunciada guerra às drogas e que só está gerando mais violência na cidade. Nessa “guerra”, policiais são algozes e também vítimas de uma engrenagem da morte.

Porém, em número bem menor: para cada policial assassinado no Rio em 2016, 23 outras pessoas morreram, o que derruba a tese de que as mortes de moradores sempre ocorrem em confrontos. Os dados são de levantamento feito pelo Uol com base em números do ISP.

Em meio a essa situação e despossuídos de espaço nos meios privados para informar-se e expressar-se sobre a realidade de suas comunidades, moradores/as de favelas há muito têm se organizado para produzir eles próprios comunicação e fazer reverberar denúncias da violência com a qual convivem diariamente.

Nesse caso, o direito à comunicação está diretamente ligado ao direito à vida. Em grupos de mensagens instantâneas ou em páginas em redes sociais, moradores de favelas e comunidades invadidas por forças policiais trocam informações vitais sobre que ruas evitar em caso de confronto ou troca de tiros. A produção e troca de informações, no entanto, não é encarada como direito dessa população. Ameaças anônimas e criação de perfis fakes que buscam expor e criminalizar quem faz comunicação popular é a regra geral nas favelas.

Segundo a ONG internacional Repórteres sem Fronteiras, o Brasil é o segundo país com mais comunicadores assassinados na América Latina. Foram 22 mortes registradas desde 2012. O cenário configura uma grave violação do direito à comunicação, que causa consequências para a sociedade de uma forma geral. Violação esta que dificulta a abordagem do assunto até mesmo dentro dos grandes veículos e ainda mais em veículos de comunicação alternativa, popular ou comunitária, sem a proteção que deveriam ter.

É o silêncio forçado, o toque de recolher da comunicação, que leva a cidade do Rio de Janeiro a pensar que um número como o e 1275 vítimas fatais da intervenção policial entre 2010 e 2013, a maioria sem qualquer tipo de investigação, mesmo em casos de mortes de crianças e até idosos, confunda-se com exceção.

É o silêncio que as favelas procuram combater, com ações como a criação do aplicativo Nós por Nós, que recebeu mais de 300 denúncias de violações de direitos cometidas por policiais em apenas um ano. Maria Eduarda não foi apenas uma tragédia, ela se tornou uma brecha de anúncio do caminho que a cidade está tomando.

*Camila Nobrega e Iara Moura são jornalistas e integram o Coletivo Intervozes. Colaborou Gizele Martins, jornalista e comunicadora popular da Maré.

Emissora de rádio firma acordo e promete acabar com discurso de ódio na programação

Rádio Difusora Vale do Paraíba acordou com MPF/RJ que irá veicular, durante seis semanas, programação de uma hora voltada à defesa dos direitos humanos

Desde o dia 27 de março, a Rádio Difusora Vale do Paraíba, sediada no município de Barra do Piraí (RJ) e retransmitida na cidade de Volta Redonda, está veiculando uma hora de programação voltada à defesa dos direitos humanos, após acordo firmado com o Ministério Público Federal (MPF) em Volta Redonda.

O acordo deveu-se a uma ação de novembro de 2016, quando o MPF fez uma recomendação à emissora para que deixasse de veicular, em seus programas, expressões discriminatórias contra grupos minoritários e discursos de ódio, o que, na avaliação do PMF, poderia caracterizar exercício abusivo da liberdade de expressão. A Promotoria se manifestou após receber do Ministério Público Estadual (MPE-RJ) representação contra a rádio contendo cópias de gravações com transcrições de programas com conteúdo com “visão discriminatória acerca de determinados grupos minoritários”.

O MPE-RJ expôs o motivo de sua atuação, lembrando que as transmissões realizadas por uma rádio se dão mediante concessão federal: “A atuação do MPF se justifica em razão de a rádio se tratar de uma concessão pública federal. O objetivo é evitar violações de direitos humanos. A recomendação não se refere apenas à população LGBT, mas também a pessoas que eventualmente são investigadas, presas, sendo que determinadas maneiras de colocação são de certa forma inferiorizantes, por isso a recomendação aponta para a necessidade de abstenção do radialista e da rádio. Um programa de rádio de sucesso, popular, tem toda uma condição de trazer uma questão de outra forma. O que nos aflige é que uma rádio popular ajude a estigmatizar determinados grupos”.

Nas gravações, é possível ouvir que o locutor Willians Renato dos Anjos “utiliza termos pejorativos, estigmatizantes e discriminatórios contra homossexuais, além de incitar a violência contra adolescentes que cometem atos infracionais, disseminando também termos preconceituosos”.

A rádio aceitou abolir o uso de expressões preconceituosas e discriminatórias contra grupos minoritários e disponibilizará, por seis semanas, programação de uma hora voltada à defesa dos direitos humanos. A veiculação destes programas deve se estender até maio. Estão previstas a inserção de entrevistas de 30 minutos no programa “Gato Preto” e de outros 30 minutos de conteúdo espalhados ao longo da programação, por meio de “spots” e notícias relacionadas ao tema. As entrevistas serão realizadas com representantes de movimentos sociais e de instituições voltadas à defesa dos direitos humanos, sobretudo ligadas à defesa dos direitos dos presos, dos negros e da população LGBT, movimentos religiosos, movimentos pela ética na política, entre outros.

A articulação foi feita pelo procurador da República de Volta Redonda, Júlio José Araújo Junior, que priorizou no processo dialogar e negociar com a emissora. “Era importante abrir espaço na programação de uma rádio que antes atacava essas minorias, para a defesa das mesmas e, principalmente, para a bandeira da necessidade de tolerância e respeito ao diferente”, afirma o procurador.

O texto divulgado pelo MPF destaca que, “em casos como esse, sem prejuízos das medidas de reparação que podem ser adotadas em caso de ofensas a minorias estigmatizadas, o MPF requer a adoção de estímulos a visões plurais, de forma a conter o discurso de ódio. As medidas recomendadas devem provocar a garantia, pelo meio da comunicação, de uma programação voltada à concretização de direitos humanos e da abstenção de nova veiculação de discurso de ódio em momento futuro”.

A Rádio Difusora Vale do Paraíba acatou a recomendação em janeiro deste ano. Desde então, o MPF vinha realizando tratativas para dar viabilidade a um acordo que garantisse a elaboração de uma programação especial em defesa dos direitos humanos.

Confira aqui a Recomendação Nº 38/2016, que estabeleceu o acordo.

O procurador, Júlio José Araújo Junior ainda reforçou que a ideia é combater os silenciamentos das minorias e que foi inspirado pela solução adotada contra a Rede TV alguns anos atrás, onde a emissora foi retirada do ar e depois ela foi obrigada a colocar programas de direitos humanos.

Direitos de Resposta – A sociedade ocupa a TV

Em 2005, uma ação civil pública movida contra a Rede TV! e o programa Tardes Quentes, do apresentador João Kléber, por violações de direitos humanos obteve um resultado inédito na Justiça brasileira. Durante 30 dias, a emissora foi obrigada a exibir um direito de resposta coletivo dos grupos ofendidos pela programação. Assim, nasceu o programa “Direitos de Resposta”, produzido de forma independente por organizações da sociedade civil em torno da defesa dos direitos humanos.

Na época, a Justiça Federal concedeu liminar exigindo a suspensão do programa Tardes Quentes por 60 dias e a exibição em seu lugar do direito de resposta. A Rede TV! descumpriu a ordem judicial e teve seu sinal cortado por 25 horas ininterruptas.

Pressionada principalmente por anunciantes, a emissora voltou atrás e aceitou assinar um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal e as organizações da sociedade civil coautoras da ação. Assim, financiou a produção e exibiu os 30 programas, além de pagar uma multa de R$ 400 mil para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos pelos danos causados à sociedade. O movimento resultou em mais de 400 produções independentes enviadas por cerca de 150 organizações de todo o Brasil para exibição na emissora.

Confira dois dos programas exibidos que estão disponíveis on-line:

Direitos de Resposta – Direitos Humanos

Direitos de Resposta –  Pobreza e desigualdade no Brasil

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Comunicação como direito humano é tema de livro lançado na UnB

Após 30 anos da publicação do seu primeiro volume, a série “O Direito Achado na Rua” chega agora à oitava edição com o tema Introdução Crítica ao Direito à Comunicação e à Informação

Lançado no último dia 29, o livro “O Direito Achado na Rua, v.8: Introdução Crítica ao Direito à Comunicação e à Informação” traz o atualíssimo debate sobre o direito à comunicação e à informação enquanto direito humano, 30 anos após a edição do primeiro volume da série.

O debate a respeito desta temática vem sendo travado há muitos anos pelos movimentos sociais e pelas entidades que atuam em defesa da democratização da comunicação como essencial para a existência real de uma democracia. A concepção de direito à comunicação para além da liberdade de informação e de imprensa já aparecia de forma mais sistêmica no Relatório MacBride, de 1983, intensificando a necessidade de reconhecimento do direito humano à comunicação como princípio jurídico.

Nesse sentido, o livro idealizado pelo grupo de pesquisa O Direito Achado na Rua e pelo Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom) da Universidade de Brasília (UnB) embarca no desafio de compreender o direito à comunicação e à informação como um direito humano “achado na rua”, ou seja, como sendo fruto da luta dos movimentos sociais e dos sujeitos coletivos de direito. “Essa obra deve servir para contribuir com que mais pessoas tenham entendimento sobre a democratização da comunicação”, frisa Fernando Paulino, professor de Comunicação na UnB.

Segundo a professora coordenadora do LaPCom, Elen Cristina Geraldes, o trabalho serviu para integrar os temas comunicação e direitos, que muitas vezes não dialogam entre si mesmo tendo muitas convergências. Marcos Urupá, jornalista e doutorando de Comunicação, concorda com essa tese. “É muito difícil encontrar publicações que tenham como objetos comunicação e direito”, afirma o jornalista, também formado em Direito.

O professor José Geraldo de Sousa Junior, ex-reitor da UnB, destaca a publicação como um marco. “Essa obra registra os 30 anos da primeira publicação de “O Direito Achado na Rua”, em um momento em que lutamos para construir uma democracia pós ditadura, e agora nos vemos envolvidos por interesses de uma mídia controversa em que novamente temos que lutar pelo básico em uma democracia, como no caso dos direitos à comunicação e informação, de forma plural”, pondera ele.

A obra envolveu cerca de 60 pessoas, entre organizadores, autores, ilustradores e colaboradores, entre os quais Boaventura Santos e Nita Freire. A publicação tem organização dos professores José Geraldo de Sousa Junior, Murilo César Ramos, Elen Cristina Geraldes, Fernando Oliveira Paulino, Janara Sousa, Helga Martins de Paula, Talita Rampin e Vanessa Negrini.

Conheça o livro “O Direito Achado na Rua – v.8: Introdução Crítica ao Direito à Comunicação e à Informação”

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

 

31 de Março, dia de Luta: Levante Popular da Juventude convoca para ocupação da Globo

O grupo ocupou a calçada em frente a uma das sedes das Organizações Globo no RJ e fez escracho em frente às sedes da empresa em Brasília e São Paulo

Dia 31 de Março é dia de luta! No Rio de Janeiro, o Levante Popular da Juventude começou o dia montando acampamento na sede da Rede Globo, localizada na Rua Jardim Botânico, e também realizou um escracho em frente às sedes da empresa em Brasília e São Paulo.

A ação faz parte das mobilizações desencadeadas por movimentos sociais e populares e por centrais sindicais previstas para esta sexta-feira, dia 31, contra as reformas que exterminam com os direitos dos trabalhadores e que estão sendo conduzidas pelo governo de Michel Temer. Os atos em frente às sedes da Globo também lembram o passado de apoio da emissora ao golpe de 1964 e à ditadura militar que se seguiu a ele.

O Levante ainda destaca que a Rede Globo também foi uma das avalistas do golpe parlamentar de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff, que comprometeu a economia nacional e manchou a imagem do Brasil no mundo. A empresa é responsável por articular junto aos setores da extrema direita uma suposta crise econômico-política vivida então pelo país. O que se viu desde o golpe parlamentar é que a crise se instaurou de fato no Brasil.

No RJ, os manifestantes montaram dezenas de barracas e ergueram faixas com os dizeres “Golpe, a gente vê por aqui” e “Se a Juventude se unir, a Globo vai cair”, além de gritarem palavras de ordem contra a imprensa golpista.

As organizações Globo apoiaram o golpe militar de 1964 e só pediram desculpas 50 anos depois, para logo em seguida apoiar um novo golpe, o de 2016, que levou Michel Temer ao poder. Um projeto reprovado por 90% dos brasileiros, segundo a última pesquisa divulgada pelo IBOPE.

Em nota divulgada, o Levante destaca o caso de sonegação de impostos durante transação pelos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002. “O DARF (Documento de Arrecadação de Receitas Federais”, a ser recolhido pela emissora, era de R$ 358 milhões. Em 2013, base de cálculo junto aos juros era de R$ 732,5 milhões. Até hoje não há notícias sobre o pagamento e os novos valores desta dívida”, afirma um trecho da nota.

O escracho do Levante pretende denunciar o objetivo central da Globo neste momento, que vai no sentido de consolidar o golpe e fazer o povo aceitar a retirada de direitos e o ajuste fiscal. Temer e a sua base aliada, na grande novela que se constituiu o noticiário da Globo sobre o golpe, foram sempre apontados como os protagonistas da reconstrução econômica e social do país. Eles estão protegidos pela organização de comunicação para fazer reformas que só beneficiam uma elite no Brasil. Enquanto isso, o trabalhador é mantido mal informado. E a cada dia perde mais direitos.

O Levante apelidou o ato de “Golpe, a gente vê por aqui”, e está convocando toda a sociedade a ocupar a Globo neste sábado, dia 1°. “O Levante convoca agora a população do Rio de Janeiro a se somar à ocupação na Rua Jardim Botânico e toda a sociedade a participar dos atos do 1º de abril, em todas as capitais, nas sedes da Globo ou suas afiliadas, para ocupar a Globo, constranger a emissora e ver até onde consegue [ela] esconder a denúncia”.

Confira a nota divulgada pelo Levante Popular da Juventude:

Levante faz escracho em sede da Globo para denunciar apoio da emissora nos golpes de 1964 e 2016

Na tarde desta sexta-feira (31), em Brasília, o Levante Popular da Juventude realiza um escracho em frente à sede da Rede Globo, localizada na Quadra 701 do Conjunto A, Asa Norte. Na véspera do aniversário de 53 anos do golpe militar de 1964, jovens do Levante denunciam a participação da Rede Globo no golpe contra a Presidente Dilma Rousseff, em 2016.

Junto ao judiciário, a Rede Globo é uma das forças que até ao momento tem conseguido sair ilesa. Com o aprofundamento da crise, a Globo cobra de Michel Temer a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência, a Reforma Tributária, entre outras, e tenta desvincular-se de Temer, fazendo críticas ao sucessor ilegítimo de Dilma.

O escracho realizado pelo Levante pretende denunciar a verdadeira ação da Globo, que vai no sentido de consolidar o golpe e fazer o povo aceitar a retirada de direitos e o ajuste fiscal. Temer e a sua base aliada, na grande novela do golpe na Globo, foram sempre apontados como os protagonistas da reconstrução econômica e social do país. Enquanto a Globo defende golpistas, o trabalhador perde direitos.

A Rede Globo sonega 

Segundo a Receita Federal, a Rede Globo usou onze empresas em paraísos fiscais para sonegar impostos pela compra dos direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002. O DARF, a ser recolhido pela emissora, era de R$358 milhões, Em 2013, base de cálculo junto aos juros era de 732,5 milhões. Até hoje não há notícias sobre o pagamento e os novos valores desta dívida.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Partidos e entidades se mobilizam em defesa do caráter público da EBC

“A comunicação pública existe para tratar dos interesses públicos de forma a dar voz à pluralidade e diversidade de ideias, o que normalmente não é de interesse nas empresas comerciais”, enfatizou Bia Barbosa, secretária-geral do FNDC

Em entrevista concedida ao programa O Povo no Rádio, da CBN de Fortaleza (CE) nesta segunda-feira, dia 6, Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), falou sobre os principais problemas da Lei 13.417/2017. Sancionada por Michel Temer na semana passada, a lei desmonta o caráter público da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a transforma numa espécie de empresa de comunicação governamental.

Bia explicou que a EBC é hoje a única empresa nacional de comunicação pública. Há outras rádios e TVs públicas, mas de abrangência estadual. A EBC foi criada em 2008 para fazer cumprir o disposto no artigo 223 da Constituição, que estabelece a complementaridade entre os sistemas de comunicação no Brasil. “A comunicação pública existe para tratar dos interesses públicos de forma a dar voz à pluralidade e diversidade de ideias, o que normalmente não é de interesse nas empresas comerciais”, enfatizou Bia. A EBC preencheu um espaço que necessitava ser ocupado na organização da rede pública de comunicação. A empresa se transformou numa “cabeça de rede” que reuniu e organizou rádios e TVs públicas nos estados.

Infelizmente, o Brasil tem um histórico muito recente de comunicação pública. “Nossa comunicação, que vem dos anos 1940/1950, nasceu essencialmente comercial. Se olharmos para fora, veremos que vários países, principalmente os europeus, possuem uma comunicação pública consolidada. Olhando esses países, vemos que existem mecanismos reconhecidos internacionalmente como fundamentais para garantir o caráter público da comunicação”, destacou Bia, levantando duas questões primordiais: a autonomia em relação ao governo e a existência de conselhos que priorizem a participação social na gestão.

Bia Barbosa também falou sobre a ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) que entidades e movimentos em defesa da democratização da comunicação, entre elas o FNDC, estão articulando para tentar reverter os retrocessos impostos pelo atual governo à comunicação pública no país. A ADIN deverá ser protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) por PT, PCdoB e PSOL em breve.

Desmonte da comunicação pública

A Presidência da República sancionou na quinta-feira, dia 2, a Lei 13.417/2017, originada da Medida Provisória 744/2016 – lei que altera a estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) que enfraquece seu caráter público e reforça a decisão do governo de transformá-la em uma emissora dedicada meramente à reprodução de conteúdo de assessoria governamental.

A lei extingue o Conselho Curador, põe fim à independência do mandato do presidente da empresa, que poderá ser substituído a qualquer momento pelo governo.

Michel Temer ainda apresentou vetos que retiram da lei a prerrogativa do Comitê Editorial e de Programação de deliberar sobre planos editoriais propostos pela diretoria-executiva para os veículos da EBC, de deliberar sobre alterações na linha editorial da programação veiculada pela EBC e de convocar audiências e consultas públicas sobre os conteúdos produzidos. Ou seja, da nova lei resulta a existência de um comitê figurativo, sem força para atuar como representante da sociedade civil na empresa.

No texto que saiu do Legislativo, caberia ao Comitê deliberar sobre questões relativas aos planos editoriais propostos pela diretoria, “na perspectiva da observância dos princípios da radiodifusão pública”, e também “deliberar sobre alterações na linha editorial da programação veiculada pela empresa”. Agora, tais deliberações são exclusivas da diretoria-executiva, cuja gestão estará subordinada completamente aos interesses do governo. Do que resulta a transformação da EBC em uma empresa dedicada à comunicação estatal, e não mais à comunicação pública.

Temer ainda vetou o dispositivo que previa mandato máximo de quatro anos para os membros da diretoria-executiva da EBC e rejeitou um outro que determinava a nomeação do diretor-presidente da estatal somente após aprovação de sua indicação pelo Senado Federal. Portanto, na versão final da lei, caberá ao ocupante do cargo de presidente da República a decisão soberana sobre quem comandará a empresa de comunicação e por quanto tempo permanecerá no cargo.

Por: Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação