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CADERNO LEGISLATIVO SOBRE PUBLICIDADE INFANTIL É LANÇADO NO CONGRESSO NACIONAL

Publicação do Projeto Criança e Consumo reúne projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal sobre o assunto

O caderno legislativo “Publicidade Infantil” foi lançado na quinta-feira (24), no Salão Nobre da Câmara dos Deputados. O caderno é uma realização do Instituto Alana, por meio do Projeto Criança e Consumo – que completou 10 anos em 2016. O evento teve o apoio da Frente Parlamentar de Promoção e Defesa da Criança e do Adolescente e da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom).

A criança precisa ser protegida da publicidade infantil. Até 8 anos de idade, a criança não consegue distinguir o que é publicidade do que é o conteúdo, seja na TV ou na internet. Por volta dos 8 aos 12 anos, ela não entende o caráter persuasivo da publicidade”, destacou Isabela Henriques, advocacy do projeto Criança e Consumo.

Isabela Henriques reconhece que é impossível levar à Justiça todos os casos de desrespeito aos direitos das crianças envolvendo publicidade infantil. Ainda assim, ela enfatiza a importância de que o Legislativo aprove uma lei sobre essa temática, já que a mesma simplesmente não está regulamentada no Brasil hoje.

O caderno legislativo apresenta os projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional que tratam sobre o tema. Noções de processo legislativo, contextualização do problema da publicidade na infância e a relação de entidades brasileiras e organismos internacionais que atuam pela regulação da publicidade e por uma infância livre do consumismo também compõem o conteúdo do caderno. Nas páginas finais, é possível ainda encontrar mitos e verdades sobre a regulação da publicidade infantil.

A produção desse caderno foi motivada por um desejo nosso de dar ainda mais transparência ao nosso trabalho de dez anos de atuação no Congresso Nacional e também difundir o nosso posicionamento sobre o tema da publicidade destinada à criança”, afirmou Renato Godoy, assessor de questões governamentais do Instituto Alana.

Coordenadora da Frente Parlamentar de Promoção e Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, a deputada federal Maria do Rosário (PT/RS) reiterou a responsabilidade que cada um e cada uma tem na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. “Nós sabemos que tudo que nós somos também depende da criança que nós vivenciamos. É preciso ter o direito de ser criança enquanto se é criança. E é preciso não ter sobre si a imposição das medidas apelativas da sociedade sobre as nossas vidas enquanto somos crianças. Ser criança é viver a infância”, ressaltou Rosário.

Para o deputado Luís Carlos Hauly (PSDB/SP), autor do Projeto de Lei 5921/2001, que proíbe a publicidade infantil e tramita há 15 anos no Congresso, “a televisão passou a ter um efeito devastador sobre a formação das nossas crianças, que são os adultos de hoje e serão os adultos de amanhã”.

O que os publicitários pensam e acham da formação educacional de um povo é um negócio, é um interesse comercial? O que os donos de televisão acham e pensam?”, questionou Hauly.

A deputada Benedita da Silva (PT/RJ) destacou a importância do trabalho conjunto de parlamentares de diversos partidos e de as entidades que atuam em defesa das crianças e dos adolescentes estarem sempre em contato com o parlamento. “Esse caderno legislativo nos traz a esperança de podermos nos comprometer cada dia mais em fazer avançar essa pluralidade partidária nesta Casa”, declarou a deputada.

Representante do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda) na atividade, Lucimara Cavalcanti lembrou que o existe uma resolução do órgão, a de número 163, de 13/03/2014, que dispõe sobre a abusividade de direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. Lucimara reiterou que o caderno legislativo deve ser usado em rodas de conversas com adolescentes, pelo seu modelo explicativo e de fácil entendimento.

Marcos Urupá, do conselho diretor do coletivo Intervozes, propôs reflexões sobre os impactos na vida das crianças submetidas à publicidade cotidianamente. “Hoje nós estamos vivendo em uma sociedade de consumo. As crianças passam seu tempo de distração em frente à televisão e agora também em frente aos tablets, porque as crianças já nascem conectadas nos tempos de hoje. É necessário ter um olhar muito atento sobre isso. É necessário acima de tudo olhar que adulto nós teremos daqui a 15, 20 anos, se não tivermos uma publicidade, uma propaganda mais responsáveis”, afirmou.

Urupá lembrou ainda que as televisões educativas e as públicas têm regulamento próprio sobre publicidade, bem como as rádios comunitárias. E finalizou com uma reflexão: “porque as concessões públicas [dadas a empresas privadas] não podem respeitar esses mesmos princípios? Porque deixar [a tarefa] para a autorregulação do mercado publicitário?”

Também estiveram presentes no evento outros representantes de entidades da sociedade civil, entre eles o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da ANDI – Comunicação e Direitos e da Fundação ABRINQ, além de outros parlamentares.

Por Júlia Lanz Monteiro – especial para o Observatório do Direito á Comunicação

Comissão define plano de trabalho para MP que acaba com caráter público da EBC

A comissão mista da Medida Provisória (MP) 744/16, que muda a estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), aprovou nesta quarta-feira, dia 22, o plano de trabalho da comissão. A medida acabou com o Conselho Curador e deu poder ao presidente da República para destituir o presidente da estatal.

A comissão é composta por 12 senadores e 12 deputados dos quais formam a mesa de trabalho como presidente: Deputado Ságuas Moraes, vice-presidente: Senador Paulo Rocha e o relator: Senador Lasier Martins e a Deputada Angela Albino: relatora-revisora.

Na reunião o relator da MP, senador Lasier Martins (PDT-RS), propôs a realização de três audiências públicas para instruir a matéria. A primeira já será na próxima quinta-feira (24) e, a segunda-feira (29), com representantes da EBC. A terceira audiência está prevista para o dia 30, com a presença do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha.

Segundo Lasier o motivo da pressa é com o curto prazo para análise da MP, cuja efetividade expira em fevereiro de 2017. O relator acredita que a votação ocorra no dia 6 de dezembro, com adiamento para o dia seguinte em caso de pedido de vista. Em seguida, a MP 744 segue para análise, pela Câmara dos Deputados, no dia 13 de dezembro. No Senado, a votação deverá ocorrer na primeira semana de fevereiro.

Histórico

A MP 744/2016 foi editada em setembro e trouxe como principais mudanças o fim do mandato fixo do diretor-presidente da empresa, a redução da diretoria executiva da EBC de oito para seis integrantes e a extinção do Conselho Curador. Já à época, os conselheiros da CCS consideraram a decisão do governo como “equivocada”, já que realizava as alterações por meio de uma MP – que tem força de lei desde a sua edição. Ou seja, a decisão foi unilateral, sem a oportunidade de debate prévio.

Empresa Brasil de Comunicação

A EBC é gestora dos canais TV Brasil, TV Brasil Internacional, Agência Brasil, Radioagência Nacional e do sistema público de rádio composto por oito emissoras.

Criada em 2008, por meio de uma medida provisória aprovada pelo Congresso, com apoio dos movimentos sociais e dos produtores independentes de audiovisual, a EBC nasceu a partir da Carta de Brasília, produzida pelo I Fórum de TVs Públicas, em 2007, e entregue ao então presidente Lula.

A MP 744 dissolve justamente o centro democrático da empresa e que garante a pluralidade, diversidades e participação social que é o Conselho Curador. A ausência do Conselho gera problemas e enfraquece o caráter público da empresa e a transformando em apenas mais uma estatal e neste momento, se alinha aos ideais da grande mídia privada e hegemônica. Um exemplo do uso indevido dos meios de comunicação públicos, numa tentativa de transformá-los em “chapa branca” foi a edição desse mês do programa Roda Viva exibida na segunda-feira, dia 14, em que Michel Temer foi o entrevistado do programa, e as perguntas foram todas apresentadas por jornalistas comprometidos com o discurso da “grande” mídia.

Complementaridade

O artigo 223 da Constituição Federal, prevê um modelo de disciplina dos serviços de televisão sendo prestado de forma pública privativo do Estado (sistema de radiodifusão estatal), pública não privativo (sistema de radiodifusão público) e de atividade econômica em sentido estrito (sistema de radiodifusão privado) e impõe a complementaridade entre os setores de televisão por radiodifusão privado, público e estatal. Em outras palavras, deveria se garantir o equilíbrio apropriado entre os campos de comunicação social com funções diferenciadas, porém, o que vem ocorrendo é justamente o contrário, o governo vem promovendo o desmonte da comunicação pública com respaldo e apoio do setor privado.

Uma outra questão levantada que vai contra a pluralidade e diversidade na comunicação foi o pronunciamento realizado no início do mês pelo atual presidente da EBC, Laerte Rimoli em que disse que a empresa pretendia estabelecer parcerias na produção de conteúdo com a Rede Globo. Essa afirmação fere qualquer possibilidade de fortalecimento da comunicação pública e ainda indica um favorecimento de uma empresa do setor privado.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

O Dia Nacional de Greve e o padrão invisível de jornalismo

Meios de comunicação tradicionais adotam estratégia da ocultação e criminalização na cobertura dos atos e paralisações da última sexta-feira

Por Pedro Rafael Vilela*

Não é a primeira vez, nem será a última, mas não deixa de ser simbólica a (não) cobertura da mídia brasileira sobre os protestos e paralisações de diversas categorias profissionais ocorridos em mais de 21 estados e no Distrito Federal, na última sexta-feira (11), no Dia Nacional de Greve.

Os atos, organizados por movimentos sociais e pelas principais centrais sindicais do País, contaram com a participação de dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras, além de estudantes, que interromperam suas atividades em setores como transporte público, limpeza urbana, bancos, escolas e indústria, e foram às ruas das maiores cidades brasileiras para protestar contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 55, em tramitação no Senado.

Se aprovada, essa PEC vai impor um congelamento nos gastos públicos, como saúde, educação, cultura e saneamento básico pelos próximos 20 anos, uma tragédia em termos de direitos sociais sem precedentes na história do Brasil.

Uma mudança constitucional tão drástica, num país que tivesse um sistema de comunicação plural e diverso, deveria gerar, para dizer o mínimo, um intenso debate na sociedade, com participação maciça da própria mídia na visibilidade e no esclarecimento das reais implicações da medida. Não é o que ocorre no Brasil.

A irrealidade da mídia

Em um de seus ensaios mais célebres, o jornalista e sociólogo Perseu Abramo descreveu com acuidade as múltiplas formas de manipulação da informação por parte da imprensa. Ao distinguir os quatro padrões básicos de distorção da realidade praticados pela mídia, Abramo chama a atenção para o padrão de ocultação, um dos mais recorrentes.

Em suas próprias palavras, “é o padrão que se refere à ausência e à presença dos fatos reais na produção da imprensa. Não se trata, evidentemente, de fruto do desconhecimento, e nem mesmo de mera omissão diante do real. É, ao contrário, um deliberado silêncio militante sobre os fatos da realidade”.

Um outro padrão concebido por Perseu Abramo, o da fragmentação, tem a ver com a forma como a mídia, ao noticiar um fato, decompõe a totalidade desse fato, operando um processo de seleção de alguns aspectos, em detrimento de outros.

É o que ocorre, por exemplo, quando a ênfase das matérias trata apenas das consequências dos bloqueios no trânsito e fechamento de rodovias, como que opondo os objetivos dos manifestantes ao do conjunto da população. Ao mesmo tempo que ressalta esse aspecto, silencia sobre as motivações das paralisações e se recusa até mesmo a dar voz aos envolvidos nas mobilizações para dialoguem com a sociedade. Trata-se de uma inversão rasteira dos fatos e da própria realidade, mas que é absolutamente corriqueira na cobertura da mídia.

Basicamente, esses dois padrões de manipulação, facilmente verificáveis, deram a tônica do noticiário na (não) repercussão das manifestações e paralisações no Dia Nacional de Greve.

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) acompanhou com atenção a cobertura das principais redes de televisão, jornais e portais de notícias ao longo da sexta-feira e no dia seguinte. O resultado? Um tapa na cara da democracia e um descompromisso brutal com o direito à comunicação e informação da população brasileira.

Televisão: a gente não se vê por aqui

Protesto no Rio de Janeiro

As principais emissoras de televisão aberta parecem ter disputado entre si o título de quem mais ignorou as expressivas mobilizações do Dia Nacional de Greve. O Jornal Nacional, da Globo, noticiário de maior audiência na tevê brasileira, decidiu simplesmente não exibir um segundo sequer dos atos que paralisaram algumas das maiores cidades do país, apostando forte na estratégia da ocultação.

Na opinião de Perseu Abramo, em seu ensaio sobre manipulação da grande imprensa, a mídia é mais perversa por aquilo que ela não veicula do que por aquilo que leva ao ar. É como se ela definisse os fatos sociais que merecem ser considerados fatos jornalísticos ou não.

“Todos os fatos, toda realidade pode ser jornalística, e o que vai tornar jornalístico um fato independe de suas características reais intrínsecas, mas depende, sim, das características do órgão de imprensa, de sua visão de mundo, de sua linha editorial”.

A Globo News, canal de notícias das Organizações Globo na televisão por assinatura, que, durante as manifestações pró-impeachment de Dilma Rousseff dedicava praticamente a totalidade de sua programação aos protestos, dessa vez apenas cumpriu um lamentável protocolo de cobrir com distanciamento e até desprezo os atos do Dia Nacional de Greve.

Exibindo notas curtas e panorâmicas ao longo de sua programação, sem sequer ouvir os porta-vozes dos atos, a emissora deu ênfase justamente às interrupções no trânsito e paralisação dos transportes públicos em cidades como São Paulo e Brasília.

No programa Estúdio I, que se define pela característica de noticiário com análise, e vai ao ar de segunda à sexta, às 14h, a cobertura dos protestos seguiu a lógica de relatar superficialmente os acontecimentos. No momento de analisar a notícia, os participantes do programa praticamente ignoraram as causas do protesto e logo mudaram de assunto.

Para se ter uma ideia, o programa dedicou mais tempo à matéria sobre o site de dicas econômicas de moda da filha do Donald Trump do que à repercussão da greve nacional, incluindo aí os comentários de estúdio.

No Jornal da Record, uma nota de 37 segundos, lida pelo apresentador, apenas mencionou protestos de estudantes e servidores do Rio de Janeiro contra atrasos nos salários por parte do governo estadual, com ênfase na repressão da Polícia Militar.

O Jornal da Band, levado ao ar na noite da sexta-feira (11), como que reconhecendo a dificuldade em ignorar as manifestações, optou por um caminho misto, entre a ocultação e a distorção com doses generosas de criminalização da manifestação política e do próprio direito de greve.

Na matéria de um minuto e 10 segundos, o telejornal enfocou imagens das manifestações pela ótica da paralisação do transporte público e bloqueio de ruas e rodovias, ressaltando a ideia de que os protestos “atrapalharam muita gente”. Os dois únicos entrevistados foram pessoas que criticaram as interrupções no trânsito, e não houve qualquer menção mais clara sobre os motivos do protesto.

Já o SBT Brasil, dentre os principais telejornais, foi o que exibiu a matéria mais equilibrada. Com 4min27 de duração, a reportagem seguiu a ênfase de relatar criticamente os bloqueios e paralisações de rodovias na primeira parte da matéria, mas foi a única a dar voz para lideranças dos movimentos (Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares e Rodrigo Rodrigues, secretário-geral da CUT Brasília).

Destacou passeatas e protestos de estudantes e professores no Rio Grande Sul, que resultaram em forte repressão da Brigada Militar. Bom lembrar que diversas categorias de servidores estaduais do RS sofrem com salários atrasados há meses. A própria Brigada Militar, que reprimiu os protestos, corre o risco de nem sequer receber o 13º salário em decorrência da política de austeridade do governo Ivo Sartori (PMDB-RS), que tem penalizado principalmente os serviços públicos no estado.

Ocultação nos jornais

Os três maiores jornais impressos do País, em suas edições publicadas no sábado (12), decidiram deliberadamente ignorar os atos ocorridos no dia anterior. Até mesmo a Folha de S. Paulo, que se vende como veículo aberto ao debate e que busca exibir diversos pontos de vista políticos diferentes, não dedicou uma linha sequer ao assunto.

No jornal O Globo, da família Marinho, idem. O Estadão, tido como o mais conservador entre os três, publicou uma nota pequena, na página interna B3, de economia, com cerca de 10 linhas, praticamente um registro dos protestos, e não uma cobertura.

Nos portais de notícias UOL e G1, foram publicadas matérias sobre os protestos, repetindo a fórmula panorâmica de descrição dos atos a partir do ângulo das interrupções no transporte e paralisação das rodovias. Nenhuma dessas matérias ganhou destaque na página principal desses portais. Para encontrá-las, os interessados teriam que buscar principalmente na página de últimas notícias ou no buscador do próprio site, o que diminui muito o potencial de audiência dessas notícias.

Censura privada na TV pública

Se o comportamento dos veículos privados de comunicação não chega a surpreender, foi lamentável constatar que as mesmas fórmulas de ocultação e cobertura superficial se aplicaram também à matéria exibida pela TV Brasil, emissora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), no seu principal telejornal, o Repórter Brasil, na noite de sexta-feira. Em menos de dois minutos, a “reportagem” exibiu trechos dos protestos e paralisações em diversos estados.

Novamente, destaque para os bloqueios de rodovias e paralisações no transporte público e nas escolas. Nenhum porta-voz dos trabalhadores foi ouvido para contextualizar o significado daqueles atos. Oferecer mecanismos para debate público acerca de temas de relevância nacional, como preconiza a lei de criação da EBC, mandou lembranças dessa vez.

Esse episódio não parece estar desconectado da grave intervenção promovida por Michel Temer sobre a EBC, que praticamente eliminou as garantias de autonomia e independência de sua programação frente ao governo, ao extinguir principalmente o Conselho Curador e os mandatos do diretor-presidente e do diretor-geral.

O contraponto

Coube aos meios de comunicação alternativos oferecer uma cobertura decente e proporcional ao tamanho das paralisações e mobilizações da última sexta-feira. Apenas para ficar em um dos exemplos mais expressivos, a Mídia Ninja utilizou seus canais nas redes sociais para distribuir, ao longo de toda a sexta-feira, um rico conteúdo das manifestações, que incluía, principalmente, vídeos e fotos, com registro de paralisações em mais de 20 cidades, incluindo diferentes categorias: metroviários, rodoviários, professores, estudantes, trabalhadores da limpeza urbana, e muito mais.

Vale destacar que, ao contrário da cobertura televisiva, onde as filmagens se deram com distanciamento, partir do topo de edifícios ou do alto dos helicópteros, a cobertura da Mídia Ninja se dá diretamente das manifestações, abrindo espaço para falas dos trabalhadores e capturando uma dimensão mais orgânica do significado desses atos. O portal Brasil de Fato também publicou dezenas de matérias e postagens destacando a abrangência das paralisações em todo o país.

Esse contraponto só reforça uma conclusão inevitável: a grande imprensa só não cobriu o Dia Nacional de Greve porque não quis. Ou melhor, porque tratou-se de uma deliberada decisão editorial de ignorá-lo e, com isso, alienar ainda mais o conjunto da sociedade sobre o debate do presente e do futuro do país.

Não há democracia sem mídia democrática. E, sem democracia, não se constrói um país justo. Re-existir sempre, calar jamais!

*Pedro Rafael é jornalista, mestre em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e secretário-executivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Colaboraram Bia Barbosa e Renata Mielli

Participação social é principal pilar da comunicação pública, defendem especialistas e ativistas

A comunicação no Brasil foi implementada com base em uma perspectiva privada. Somente em 2007, com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), foram dados os primeiros passos para a construção de uma rede de emissoras públicas no país. Porém, desde a sua criação, a empresa sofreu questionamentos quanto à sua atuação e relevância, principalmente por parte de empresários do setor privado de comunicações.

Com a consolidação do impeachment da presidenta Dilma Roussef, várias medidas foram tomadas para enfraquecer a EBC e acabar com seu caráter público. Para debater sobre esse assunto a União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC–Brasil) realizou na última quarta-feira, dia 10, a mesa A Comunicação Pública e seus percalços recentes no Brasil.

Rita Freire, presidenta do Conselho Curador da EBC – extinto com a publicação da Medida Provisória (MP) 744 -, relatou que as medidas que vêm sendo tomadas na empresa desde de que Michel Temer assumiu a Presidência visam não só enfraquecer a empresa, mas também acabar com qualquer possibilidade de fortalecimento da comunicação pública. “Para ser considerada pública, a emissora precisa ter participação social. As decisões que o governo vem tomando estão enfraquecendo todas as emissoras públicas do país”, afirma.

Para Bia Barbosa, coordenadora executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e secretária-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a experiência do Brasil com a comunicação pública é ainda “embrionária”, surgindo com um problema já em sua origem: a vinculação com a Secretaria de Comunicação do Governo (Secom). “Como pode uma empresa pública estar vinculada ao setor que é responsável por fazer a assessoria do governo”, questiona.

Apesar da crítica pontual, Barbosa afirma que a EBC é um “embrião é fundamental” para a consolidação de uma rede de comunicação pública. “A extinção do Conselho Curador transformou a EBC em uma empresa meramente governamental, algo que era interesse de muitos parlamentares e de grandes grupos de comunicação que estão tendo a conta paga por apoiar o golpe”, frisou. Ela destacou que, nos últimos dias, algumas pautas têm sido aprovadas a toque de caixa no Congresso Nacional, entre elas a anistia aos concessionários de rádio e TV com outorgas vencidas e a aprovação da “flexibilização” de veiculação da Voz do Brasil.

Ivonete Lopes, pesquisadora do Copráticas – Grupo de Pesquisa em Comunicação e Práticas Sociais daUniversidade Federal de Viçosa, apresentou duas hipóteses para as mudanças que vêm ocorrendo na EBC. Uma seria o potencial visto pelos gestores na sua promoção pessoal. A outra seria a reserva de mercado, buscando o benefício de algum grupo específico. “A compra de conteúdo da Rede Globo anunciada essa semana pela presidência da empresa evidencia essa segunda tese”, apontou ela.

Lopes afirmou que, durante todos os anos de existência da EBC, a Rede Globo sempre recebeu uma verba muito maior em publicidade do governo em relação à própria EBC. “A Empresa Brasil de Comunicação  abriu caminhos para uma programação diferenciada, que aborda a diversidade e pluralidade do país, e consegue produzir e inovar mesmo com o contingenciamento do governo”, destacou.

A professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) Nélia Del Bianco defende que a lei de criação da EBC nos aproximou dos princípios defendidos pela Unesco para uma comunicação pública. “Universalidade, Diversidade, Independência e Diferenciação são as balizas para cumprirmos o caráter público de uma empresa. Com a extinção do Conselho Curador, nos afastamos cada vez mais destes princípios”.

A professora apontou ainda que, no caminho para a democratização da comunicação no Brasil, ainda temos muito que avançar. Pois “o oligopólio irrestrito dos meios de comunicação de massa não fornece condições reais para a formação de uma opinião pública livre e autônoma”, relatou.

Empresa Brasil de Comunicação

A EBC é uma empresa pública criada em 2007 no contexto do sistema público de comunicação previsto na Constituição Federal em complementaridade aos sistemas privado e estatal. É gestora da TV Brasil, Agência Brasil, Radioagência Nacional, das rádios Nacional AM do Rio, Nacional AM e FM de Brasília, Nacional OC da Amazônia e Nacional AM e FM do Alto Solimões, bem como das rádios AM e FM MEC do Rio de Janeiro. É também responsável pela Voz do Brasil e pelo canal de TV NBR, que veicula os atos do governo federal.

A empresa divulga conteúdos jornalísticos, educativos, culturais, esportivos e de entretenimento, buscando expressar a diversidade e pluralidade brasileiras. A estrutura prevista no decreto de criação contava com: Assembleia Geral; órgãos da administração, que são o Conselho de Administração e a Diretoria-Executiva; e órgãos de fiscalização, que são o Conselho Curador e o Conselho Fiscal, mais Auditoria Interna.

Medida Provisória 744/2016

A MP 744, publicada no dia 2 de setembro no Diário Oficial da União (DOE), apresenta alterações que atacam a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a participação da sociedade civil nas decisões da empresa, acabando com seu Conselho Curador.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

A cobertura midiática das escolas ocupadas: silêncio e criminalização

Como em vários momentos da história, a imprensa, quando não invisibiliza a ação dos estudantes, criminaliza as ocupações e quem luta por direitos

Por Marina Pita*

O silêncio pode dizer mais do que mil palavras. A frase – dessas compartilhadas em grupos de WhatsApp pela manhã – significa muito na atual conjuntura do país.

Num contexto de mais de mil escolas ocupadas em todo o Brasil contra a PEC 241 e a Medida Provisória que reforma o Ensino Médio, o silêncio da imprensa sobre a mobilização dos estudantes é mais um capítulo sombrio do processo pelo qual passa o país, exemplar quando falamos de ausência de diversidade e garantia do acesso à informação no Brasil.

Muita gente só tomou conhecimento das ocupações no último final de semana, quando locais de votação no segundo turno das eleições municipais tiveram que ser trocados em função das escolas mobilizadas.

Até ali, as matérias – principalmente na televisão – foram raras. Agora seguem poucas, sem dar voz aos estudantes que ali estão, tampouco aos setores da sociedade que apoiam os protestos contra da PEC e a MP 746/2016.

Um dos maiores jornais do país, a Folha de S.Paulo ignorou a ascensão das ocupações. O tema aparece no impresso em matéria do dia 11 de outubro com o foco apenas no estado do Paraná: ”Estudantes ocupam cem escolas e professores aprovam greve no Paraná”.

Mais de uma semana depois, apenas em 19 de outubro, vem o segundo texto, com viés claramente criminalizador: “Ocupação em 181 escolas pode causar cancelamento de provas do Enem”. No dia 24 de outubro, o tema volta a aparecer por conta da morte de um estudante em Curitiba.

Entre o crescimento de 100 a 800 escolas ocupadas, vigorou o silêncio do jornal sobre o assunto. Nada se falou sobre as ocupações em outros estados.

Na sexta-feira 25, um novo texto intitulado “Protesto em escola ocupada do Paraná tem tensão, apitaço e xingamentos”. O movimento dos estudantes é apresentado como “baderna”.

Considerando a amplitude do movimento “Ocupa Paraná”, a opção da Folha foi cobrir desproporcionalmente uma manifestação contra a ocupação em uma das escolas.

Frases genéricas como “de um lado, pais, alunos e professores que querem a volta às aulas passaram a organizar protestos contrários. Em algumas cidades, chegaram a “ocupar” antes os colégios para evitar a tomada do local pelos manifestantes” demonstram a ausência de rígido critério de apuração.

Afinal, as ações contra as ocupações – apesar da violência que adotam, algo também não apontado pela imprensa – são minoritárias diante do crescimento da mobilização nacional.

A sequência de matérias como “Com escolas ocupadas, Paraná vai ter Força Nacional na eleição”, “Alunos são algemados após serem retirados de escola invadida no TO”, “Tumulto em Escola no Paraná”, “Com escolas ocupadas, até supermercado vira local de votação no Paraná”, “Escolas ocupadas poderão ter o Enem adiado, diz Ministério da Educação” mostra a facilidade como os jovens mobilizados por seus direitos são apresentados como baderneiros,irresponsáveis e que atrapalham a vida dos cidadãos que simplesmente querem estudar.

A tônica da Folha tem sido, assim, colocar em oposição o movimento que defende a educação universal, gratuita e de qualidade e os demais estudantes.

O próprio Ombudsman do jornal classificou a cobertura do jornal de protocolar:

“A Folha noticiou de forma tímida a movimentação. Para dar ideia da extensão, na sexta, segundo entidades estudantis, havia 123 universidades e 1.197 escolas ocupadas no país; cerca de 850 no Paraná”. Ainda, lembrou o silêncio da imprensa local quanto à marcante fala da estudante Ana Julia, que incendiou as redes sociais.

“Na quarta, 16, nenhum grande jornal noticiou a inusual presença de estudantes na tribuna. Na quinta, às 12h53, o site da revista econômica americana ‘Forbes’ captou a importância da fala da jovem. Só às 19h a Folha colocou no ar perfil de Ana Júlia, recuperando o discurso”.

O STF e a criminalização

No jornal carioca O Globo, a cobertura com viés crítico às ocupações também deu a linha. Se primeiro o foco era no “distúrbio” que a mobilização poderia trazer ao Exame Nacional do Ensino Médio (“Com mais de 640 escolas ocupadas governo do Paraná se diz preocupado com eleições e Enem” no dia 18).

Depois, os veículos do Grupo Globo fizeram questão de destacar a fala do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre os eventuais gastos que as ocupações geraram com a mudança dos locais de votação.

A declaração de Gilmar Mendes foi exibida à exaustão ao longo da noite do domingo 30 nos telejornais da GloboNews, chegando a irracionalidade de sugerir à AGU que estude cobrar os estudantes o “custo” das ocupações para as eleições. No site d’O Globo, a chamada era “Ocupação de escolas gerou gastos nas eleições, diz Gilmar Mendes”.

Antes disso, a opção do jornal carioca tinha sido entrevistar com destaque o Secretário estadual de Educação do Paraná e silenciar os estudantes. As aspas escolhidas para o título da matéria não são sobre soluções para o impasse, negociações, mas a simples ameaça: “Wagner Victer: ‘Quem diz que não prejudica é leviano’ “.

O Jornal Nacional do dia 27 apresentou reportagem sobre a bárbara apreensão de estudantes no Tocantins, que chegaram a ser algemados ilegalmente.

Mostraram o documento do Ministério Público que “justificava” a medida e deram um tempo irrisório para a opinião contrária da Defensoria Pública do estado, que criticou a apreensão dos alunos. A matéria sequer informou aos telespectadores por que aquela escola tinha sido ocupada.

Nesta terça, 1 de novembro, o Bom Dia Brasil preferiu dizer que o cerco da Polícia Militar para pressionar pela saída de estudantes de uma escola ocupada em Taguatinga, no Distrito Federal, atrapalhava a circulação de moradores.

Ocupações escolas no Jornal Hoje
Criminalização: estudantes retratados no Jornal Hoje como quem está praticando atos ilegais

 

O desequilíbrio no espaço dado – quando dado – aos estudante também caracteriza a cobertura na TV. Apenas a título de exemplo, no mesmo Bom Dia Brasil do dia 26 de outubro, em reportagem de 3 minutos e 40 segundos, apenas 13 segundos foram dedicados aos estudantes para explicarem por que ocupam as escolas.

Um exemplo contrário foi a matéria da Agência Estado, “Mais de mil escolas e universidades estão ocupadas no Brasil”, de 26 de outubro, que ouve não apenas a presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), Camila Lanes, mas cita nota da Associação dos Reitores das Universidades Federais (Andifes) e da Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais favoráveis ao movimento dos estudantes. Algo raro até agora na imprensa nacional.

O papel da comunicação pública e da internet

Foi na Agência Brasil – com todos os problemas que a EBC sofre depois do desmonte que tem sido implantado na empresa pública pelo governo Temer – que o cidadão pôde se informar minimamente sobre o contexto geral das ocupações Brasil afora.

Reportagens como “Mais de mil escolas do país estão ocupadas em protesto; entenda o movimento”, “Estudantes secundaristas e meio acadêmico debatem ocupação de escolas no Rio” e “Alunos do DF ocupam escolas para serem ouvidos sobre mudanças na educação” fizeram o que se espera da imprensa: jornalismo.

A batalha pela narrativa das ocupações, entretanto, segue travada mesmo na internet, em blogs, sites da imprensa alternativa e nas redes sociais. O discurso de Ana Julia – que ganhou a capa de CartaCapital essa semana – foi ouvido por todos no Youtube, Facebook e nos grupos de WhatsApp.

Ao participar de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado nesta segunda-feira 31, a estudante do Paraná fez questão de negar, veementemente, o papel de passividade atribuído aos estudantes por alguns e replicado por comentaristas e jornalistas da grande mídia. Não há doutrinadores e doutrinados neste jogo. Tampouco revoltados sem causa.

A jovem que fez milhares pararem para ouvir quem está vivendo as ocupações jogou luz a algo que se repete sistematicamente quando o país precisa debater temas centrais para o seu futuro: a dificuldade de entender o que está acontecendo quando se acompanhando o noticiário apenas pela mídia tradicional.

* Marina Pita é jornalista e integra o Conselho Diretor do Intervozes.