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Avanço do PL 3453 pode minar ampliação da inclusão digital

Por Marina Pita*

Não foi fácil acordar na quarta-feira 9. A mensagem com a notícia da confirmação da tragédia apitou no celular ainda de madrugada: Trump eleito presidente dos Estados Unidos. Logo as análises, opiniões e muitos, muitos lamentos tomaram as redes.

Agora, por favor, respire um pouquinho.Se o seu 9 de novembro foi assim, ou parecido com isso, saiba: você é um privilegiado. Na sua residência, há acesso à internet, certo?

Pois 50% dos brasileiros não têm acesso à web – tampouco às notícias, análises, opiniões ou direito a lamentos – no Brasil.

E os parlamentares brasileiros estão prestes a destruir a chance de incluirmos digitalmente todos os brasileiros, com o avanço do Projeto de Lei 3453/15 na Câmara dos Deputados – o presente de papai Noel para as teles.

Na quarta-feira 9, o PL 3453/15 foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania por 36 votos favoráveis e 11 contrários. A boa notícia é que partidos da base do governo, tais como DEM, PSC e PSB votaram ao lado dos que defendem os direitos dos consumidores e cidadãos, mesmo o PL representando o avanço de uma agenda prioritária para o governo Temer.

Agora, para ampliar o debate, já há organização de recurso e coleta de assinaturas de deputados para que a votação do PL vá para plenário, mais uma boa notícia, uma vez que as discussões públicas têm constrangido alguns parlamentares e virado o voto de outros.

Fonte: Coalizão Direitos na Rede
Campanha defende direitos de usuários da internet. Fonte: Coalizão Direitos na Rede

A audiência pública sobre o PL – realizada por pressão da sociedade civil, que entende que uma mudança na Lei Geral de Telecomunicações não pode ocorrer sem um mínimo de debate – abriu os olhos de parte dos parlamentares.

Na CCJ, vários se manifestaram sobre o PL no sentido de que permite uma entrega absurda de patrimônio público e reduz a capacidade de regulação do Estado justamente em um setor conhecido por ser um dos piores prestadores de serviço do país.

A entrega de patrimônio

Para começo de conversa, em momento de avanço do Projeto de Emenda Constitucional chamado “teto dos gastos públicos”, de apelido PEC 241, o governo Temer pretende abrir mão de R$ 100 bilhões em bens.

Este dinheirão, em forma de infraestrutura, é público, ou seja, da população brasileira, uma vez que foram construídos com uma série de isenções e suporte do Estado brasileiro – leia-se, com impostos que nós pagamos.

De acordo com o contrato de concessão das telecomunicações, realizado em 1998 por meio da privatização do sistema Telebras, findado o prazo de outorga, o Estado retomaria a posse dos bens necessários para oferta do serviço (por isso são chamados de bens reversíveis) e iniciaria um novo processo de concessão da prestação do serviço, por determinado valor, incluindo obrigações de preço, continuidade do serviço e universalização.

Agora, com a aprovação do PL 3453/15, esses bens, que fazem parte da outorga de telefonia fixa, não voltam mais para o Estado. E não tem mais concessão, não tem infraestrutura pública – e estratégica.

O mais importante: não tem modicidade tarifaria e obrigação de universalização do serviço. Isso significa que os instrumentos públicos para universalizar um serviço de telecomunicações no Brasil serão destruídos sem que nada os substitua, a não ser que a gente comece a acreditar na boa vontade das empresas.

As concessionárias argumentam que descaracterizar a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) é melhor para o país, porque o sistema de telefonia fixa não interessa mais a ninguém. Mas estão confundindo os serviços com os bens que o suportam.

Por mais que muita gente já tenha deixado de usar a telefonia fixa, há toda uma infraestrutura de suporte do serviço que pode ser fundamental para a inclusão digital.

É preciso descontruir a ideia de que todo o cabo de cobre instalado não vale nada, que é tecnologia ultrapassada. Na verdade, hoje, mais de 50% do provimento de banda larga fixa se dá sobre estas redes.

Em vez se discutir qual o nível de flexibilização nas obrigações de oferta de telefonia fixa – com menos orelhões, por exemplo – e incluir obrigações de oferta de infraestrutura para a internet com preço acessível e serviço de qualidade, o PL 3453 joga tudo por água abaixo.

Veja bem, os cabos de cobre usados na telefonia fixa podem entregar, por meio do padrão VDSLs, 100 Mbps. Isso é uma velocidade absurda se observarmos o padrão das conexões no Brasil.

De acordo com a última pesquisa TICs Domicílios, de 2015, 22% dos domicílios brasileiros tinham conexão de até 2 Mbps. Apenas 12% dos domicílios brasileiros têm velocidade acima de 10 Mbps.

E, ainda, um novo padrão para uso na infraestrutura de telefonia fixa, o G.fast, desenvolvido pela União Internacional de Telecomunicações (UIT, na sigla em inglês), combinado com fibra óptica, pode oferecer 500Mbps – até 1Gbps, em teoria.

Não se avalia, como faria um gestor sério, a infraestrutura de telefonia legada do país para ter parâmetros objetivos de análise se a adoção de um desses padrões ou algum outro pode ajudar a acelerar, a menor custo, a universalização da banda larga.

Com os olhos voltados apenas aos interesses das empresas, e não do cidadão, o governo – não diretamente eleito, por coincidência – está entregando toda essa infraestrutura para a iniciativa privada.

O PL 3453 permite que as empresas usem os valores das redes associadas – cerca de R$ 74 bilhões – para construção de infraestrutura privada, só para elas – onde quiserem e para cobrar o preço que quiserem.

O pior cego é o que não quer ver

Não bastasse o PL 3453 querer entregar uma infraestrutura da União para a iniciativa privada sem garantias de investimento conforme as necessidades de custo e geografia do país hoje, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ainda está jogando o preço dos ativos para baixo.

Com isso, o montante que as concessionárias teriam que investir em rede de fibra óptica em troca dos bens reversíveis será pequeno em comparação com o valor real da rede.

Em 2013, o Tribunal de Contas da União estimou em R$ 105 bilhões os bens reversíveis. Atualmente, o governo fala que estes mesmos bens reversíveis valeriam menos de R$ 20 bilhões. O pior cego é aquele que não quer ver, já diria o ditado.

Mas nestes tempos sombrios, quem tem um olho, e uma conexão, pode ser rei.

Precisamos nos mobilizar. A sociedade civil está unindo forças na Coalizão Diretos na Rede, que atualmente realiza a Campanha Internet Sob Ataque, que conta com site e página nas redes sociais onde demais materiais sobre o tema podem ser encontrados. Junte-se a nós. Ainda há o debate no plenário da Câmara dos Deputados antes de o projeto ir para análise pelo Senado Federal.

*Marina Pita é jornalista e integra o Conselho Diretor do Coletivo Intervozes

A internet livre sob ameaça no Brasil

Uma série de iniciativas de empresas e dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário pode mudar radicalmente a forma como os/as brasileiros/as usam a rede

Trabalhar, estudar, locomover-se, informar-se, comunicar- se. Os usos da internet em nosso cotidiano são tão diversos e tão essenciais que nos deixam a dúvida se seria possível hoje viver sem conexão. Mais além, especialistas há muito apontam a existência de dois universos onde convivemos concomitantemente: físico e virtual. Não, isso não é coisa da ficção inspirada na trama da trilogia Matrix ou da recente ‘série-febre’ Black Mirror. Mesmo quando estamos aparentemente desconectados, os rastros virtuais e nossos dados pessoais continuam com vida própria, em transações bancárias, perfis em redes sociais, cadastros em big datas (espécie de arquivo com grande capacidade de processamento de dados), entre outras ações que se dão concomitantemente na internet e fora dela. Parece óbvio defender a vida física e os direitos fundamentais que a garantem, mas e os da rede, quem cuida? E se uma não existe mais sem a outra? Em 2014, uma Resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) dispõe que os direitos humanos do mundo off-line também valem para o online.

No Brasil, a Lei 12.965 de 2014, conhecida como Marco Civil da Internet (MCI), estabelece um conjunto de princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no país, além de consagrá-la como um serviço essencial. Ao longo de 2016, infringindo os princípios do MCI, uma série de iniciativas de empresas privadas, do Judiciário e de parlamentares busca alterar a lógica de funcionamento da internet da maneira como se conhece atualmente. Segundo o relatório Freedom on the Net da organização Freedom House, divulgado em novembro de 2016, o status da internet no Brasil perdeu três pontos e passou de “livre” a “parcialmente livre”.

Os motivos para a queda foram os constantes bloqueios judiciais ao aplicativo WhatsApp, a decisão de operadoras de implantar franquias na banda larga fixa e o Projeto de Lei 215/2015, conhecido como “PL espião”, que estabelece medidas polêmicas como a quebra do anonimato de internautas. Em declaração recente, Maximiliano Martinhão, secretário de políticas de informática do Ministério de Ciência Tecnologia Inovações e Comunicações (MTIC), defendeu a flexibilização da legislação vigente tanto no que diz respeito a alguns pontos colocados no Marco Civil da Internet quando na proposta que tramita de revisão da Lei Geral de Telecomunicações (LGT). Questões como a neutralidade de rede, o manejo e a guarda de dados pessoais, a revisão de contratos de prestação de serviços de telefonia e internet, o bloqueio de aplicativos, entre outros temas, estão atualmente em pauta no congresso e no judiciário e podem alterar radicalmente a maneira como os/as brasileiros/as utilizam a internet no dia a dia. Analisamos a seguir algumas destas ameaças.

Acesso

No último dia 9 de novembro, o Projeto de Lei 3453/15, de autoria do deputado Daniel Vilela (PMDB-Go) foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) por 36 votos favoráveis e 11 contrários. A aprovação foi questionada por vários deputados que alertaram que o PL representa uma entrega de patrimônio público e reduz a capacidade de regulação do Estado em um setor conhecido por ser um dos piores prestadores de serviço do país. O projeto impacta também o acesso à internet fixa que, no caso brasileiro, compartilha a infraestrutura com a telefonia. Rafael Zanatta, pesquisador em telecomunicações do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), alerta que, se aprovado, o PL pode piorar a qualidade de serviços essenciais como telefonia e internet além de abrir caminhos para o aumento do preço. Isso porque o projeto pretende mudar o regime de prestação de serviço de telefonia de regime público, que se dá atualmente por meio de contratos de concessão, para regime privado, mais flexível. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações e Defesa do Consumidor (Sindec), de 1º de janeiro de 2015 a 31 de dezembro do mesmo ano, as empresas Claro/ Embratel/Net, OI Fixo/Celular e Vivo Telefônica/GVT aparecem respectivamente em primeiro, segundo e terceiro lugar entre as 50 que mais receberam queixas nos Procons no último ano.

Dados divulgados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em 2016 sobre os serviços de telefonia e internet mostram que o setor com a pior avaliação em relação à satisfação dos consumidores é o de banda larga fixa, que obteve nota 6,58 em nível nacional, em uma escala de zero a 10. “No regime privado, deixa de existir a modicidade tarifária, ou seja, o consumidor pode se deparar com preços ainda mais elevados, ainda mais num mercado extremamente oligopolizado como o nosso que tem atualmente três grandes players”, explica.

Além disso, segundo o especialista, há um interesse das empresas de telefonia e dos parlamentares que encampam o projeto de rever metas de universalização (que significa acesso para todas as pessoas) direto com a Agência regulatória, a Anatel. Atualmente, pouco mais de metade dos domicílios brasileiros têm acesso à banda larga fixa. O modelo de mercado concentra a distribuição do serviço em áreas urbanas e de maior Produto Interno Bruto (PIB). Enquanto isso, áreas rurais, principalmente do norte e nordeste do País são verdadeiros “desertos digitais”. Mas não só. Enquanto o mundo assistia aos jogos olímpicos sediados no Rio de Janeiro, moradores do Morro da Conceição, na região portuária da cidade olímpica há poucos metros de onde a tocha ficou aberta à visitação, denunciavam a falta de acesso à internet banda larga fixa. Outro ponto polêmico do PL é a busca das telefônicas por não devolver ao Estado brasileiro os chamados bens reversíveis. Segundo apuração do Ministério Público Federal (MPF), estes bens somam cerca de 100 bilhões em infraestrutura montada para prestação de serviços essenciais de telefonia.

O contrato de concessão das telecomunicações, realizado em 1998 por meio da privatização do sistema Telebrás, estabelece que, findado o prazo de outorga, o Estado retomaria a posse dos bens necessários para oferta do serviço e iniciaria um novo processo de concessão da prestação do serviço, incluindo obrigações de preço, continuidade e universalização. Com a aprovação do PL 3453/15, esses bens, que fazem parte da outorga de telefonia fixa, não voltam mais para o Estado e não há mais garantias de que essa soma seja revertida para ampliação do acesso aos serviços. Após aprovação na CCJC, a votação segue para o Senado. Enquanto a proposta avança, outras iniciativas no Congresso e no Judiciário também vêm causando preocupação entre internautas, especialistas e ativistas.

Bloqueio de aplicativos

Ao longo de 2016, várias decisões judiciais, com base em investigações criminais, têm resultado no bloqueio de alguns aplicativos usados por um amplo público, como o WhatsApp. Mais recentemente, o lobby da indústria de direitos autorais também tem investido pesado na tentativa de alterar o Projeto de Lei 5204/16 (baseado no PL 5204/16, apensado ao primeiro) que visa justamente proibir esse tipo de decisões arbitrárias da justiça. Os bloqueios também foram pontos determinantes na queda do Brasil no ranking de liberdade na internet da Freedom House. Também com o intuito de evitar que casos similares voltassem a ocorrer, o Partido da República (PR), ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5.527 (ADI). Para especialistas, há uma distorção na interpretação do MCI pelo poder Judiciário, o que abre precedentes perigosos para a liberdade de escolha do consumidor/ usuário. A legislação aponta a possibilidade de bloqueio de aplicativos somente no caso destes descumprirem a proteção da privacidade dos dados do usuário. Em Amicus curiae que endossa a ADI citada, o Instituto Beta para Democracia e Internet argumenta:

“Não parece plausível e muito menos proporcional que o descumprimento de uma medida judicial de quebra de sigilo bancário ou telefônico, por exemplo, atinja todos os demais correntistas de uma instituição financeira ou os usuários de uma operadora de telefonia. O Marco Civil constitui um importante patamar regulatório de proteção dos direitos do usuário da internet, porém ainda requer uma cautelosa compreensão de suas premissas e a das formas de implementação das suas sanções”.

Zero Rating

Outra prática que vem sendo questionada por especialistas é a das operadoras de telecomunicações de ofertar “gratuitamente” o acesso a determinados aplicativos após o fim da franquia de internet móvel. Detentoras das infraestruturas por onde trafegam os dados de navegação, as operadoras têm trabalhado para criar mecanismos que favorecem alguns aplicativos e conteúdos em detrimentos de outros, o chamado zero rating. É como se a empresa concessionária do serviço de pedágio de uma rodovia tivesse também o poder de escolher quais carros trafegam ou não naquele trecho e com que qualidade de estrada ou limite de velocidade determinados motoristas irão se deparar. A prática confronta o princípio da neutralidade de rede, consagrado no inciso IV, artigo 3º do Marco Civil da Internet (MCI), segundo o qual a rede deve ser igual para todos, sem diferença quanto ao tipo de uso. Assim, ao obter um plano de internet, o usuário paga pela velocidade contratada e não pelo tipo de página ou conteúdo que vai acessar ou usar.

Segundo Flávia Lefèvre, representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI – BR), a utilização de zero rating, sem regulação específica, também viola o princípio da neutralidade de rede e ameaça o modelo aberto da internet. “A prática do zero rating associada aos planos com limite de volume de dados e restrição de acesso à internet ao final da franquia cria condições para que a internet se torne um espaço voltado preponderantemente a interesses comerciais e contrários à verdadeira e efetiva inclusão digital”, defende.

Por outro lado, o governo demonstra abertura para a pressão das empresas em flexibilizar o princípio da neutralidade. “Para a gente poder avançar com a internet, e estou falando como secretário, e não como coordenador do CGI.br, não dá para pensar com tamanha rigidez o aspecto de neutralidade de rede, sem poder usar zero rating, até para vencer a insegurança jurídica que está posta”, declarou Maximiliano Martinhão, secretário de Políticas de Informática do MCTIC, em novembro de 2016.

Franquia de dados

O alerta feito por Flávia Lefèvre também se refere à tentativa das operadoras de implementar o modelo de franquia de dados na banda larga fixa. Este é o padrão de negócio utilizado na banda larga móvel, e consiste na forma de serviço em que o usuário, ao utilizar toda a capacidade contratada, tem a sua conexão interrompida e para voltar a navegar na web é incitado a comprar pacotes adicionais. O argumento das operadoras de telecomunicações é o de que o modelo de “internet ilimitada” é um modelo de negócio ultrapassado e que não contempla mais a atual fase de uso da rede, pois existem hoje muito mais dados trafegando do que há dez anos. À época, o presidente da Anatel, João Rezende, em entrevista ao G1, defendeu o limite de franquia e argumentou que obrigar as empresas a oferecer banda larga ilimitada pode elevar o preço do serviço ou reduzir a qualidade deste.

Rafael Zanatta, do Idec, argumenta que não há estudos específicos que comprovem que haja uma “escassez de rede”. O especialista aponta que, mesmo com a crise econômica, as telefônicas continuam com alta taxa de lucro que poderia ser revestido em investimento pra ampliar a infraestrutura. “No último balanço trimestral, por exemplo, os três players que dominam o mercado brasileiro apresentam uma margem de lucro superior a um milhão”. Rafael acrescenta que a internet no Brasil é um serviço caro, que chega a superar 2% da renda média familiar e, ainda assim, a velocidade está muito aquém dos padrões globais. “Existe a possibilidade de regular a franquia sem abusividade. Vendo se a empresa tem escassez temporária de infraestrutura, considerando as especificidades das pequenas operadoras, por exemplo. Não faz sentido isso nos casos onde há infraestrutura abundante”, defende. E completa: “A estratégia oculta [neste debate] é implementar a franquia e flexibilizar o Marco Civil da Internet para permitir o zero rating”, resume.

Durante audiência que discutiu a questão no Senado Federal em junho deste ano, Bia Barbosa, do Intervozes, argumentou que é possível que esta prática comercial crie um fosso entre aqueles que poderão ter a “liberdade” de navegar por quaisquer tipos de conteúdos e aqueles que, por questões financeiras, não poderão pagar um valor que garanta a navegação sem restrições. Isso sem falar nos prejuízos para a educação à distância, por exemplo, já que esta modalidade educacional exige várias horas na frente da tela do computador com aulas em vídeo de alta resolução.

Dados pessoais

Em 2014, a Oi, empresa de telefonia, foi condenada pelo Ministério da Justiça a pagar R$ 3,5 milhões por ser acusada de monitorar a navegação dos consumidores na internet para posterior comercialização de dados. Durante o processo administrativo, foi observado que a empresa violou direitos à informação, à proteção contra publicidade enganosa e o direito à privacidade e à intimidade. A porta de verificação do comportamento dos consumidores era o serviço Navegador, oferecido pelo Velox, o serviço de banda larga da Oi. Durante as investigações, verificou-se ainda que a parceria da empresa Oi com a britânica Phorm permitiu o desenvolvimento do software Navegador, que capturava e mapeava todo o tráfego de dados do usuário, permitindo a criação de um perfil de uso da internet.

Após a análise do episódio, o Ministério da Justiça entendeu que a empresa violou princípios contidos na Constituição Federal e no Marco Civil da Internet. De posse de todas as nossas informações, e com o uso de uma tecnologia que cada vez mais se aprimora por meio de algoritmos, Google, Facebook, Twitter, entre outras grandes corporações têm acesso a informações privilegiadas do dia a dia dos usuários. A localização exata, o percurso que fazemos ao nos deslocar de casa ao trabalho, os destinos de férias ou as pesquisas nas ferramentas de busca, os problemas de saúde, entre outras questões estritamente pessoais, são dados valiosos que estão sendo manipulados e negociados por essas grandes empresas.

Mas não só por elas. Há também os casos de dados pessoais de órgãos públicos que são vazados para empresas privadas. No início de 2016, aposentados do Espírito Santo que haviam pedido aposentadoria pelo INSS caíram nas mãos de bancos e agências financeiras. Segundo o Ministério Público do Estado, as pessoas que haviam requerido o benefício ao INSS receberam ligações de agências financeiras oferecendo empréstimos consignados antes mesmos dos pedidos serem aceitos. A investigação está apurando como essas agências tiveram acesso a esses dados pessoais. À época, o INSS informou que os dados dos segurados são mantidos em sigilo e que não fornece qualquer dado pessoal a outras instituições que não sejam as responsáveis pelo pagamento da aposentadoria.

“Cada vez mais, em todo e qualquer momento, todas as nossas relações sociais estão apoiadas em coletas ou tratamentos de dados. Basta pensar nas relações que a gente tem com o governo, com o setor estatal de uma maneira geral. É impossível você aderir a um programa social, pensar, por exemplo, num bolsa família ou financiamento estudantil, sem que você troque os seus dados pessoais para poder aderir a aquele determinado benefício social”, explica Bruno Bioni, advogado do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e pesquisador do Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP (GPoPAI/USP). O pesquisador defende que é urgente pensar uma política de proteção de privacidade e uso de dados pessoais na rede, uma vez que grande parte dos modelos de negócios online e as próprias políticas públicas, como as apontadas, se baseiam no tratamento de nossos dados.

Até o momento, o Brasil não tem sancionada uma lei que regule a coleta, armazenamento, processamento e divulgação de dados pessoais. O PL 5276/2016, que trata do assunto, atualmente tramita na Câmara dos Deputados. A legislação protege os dados pessoais tanto no que diz respeito ao uso por entes privados quanto públicos e ainda impede a transferência internacional de dados para países com leis de proteção menos rigorosas do que a nossa.

Joana Varon, integrante da Coding Rights, organização liderada por mulheres que promove direitos no mundo digital, explica que vivemos atualmente num contexto de capitalismo de dados. “Tudo o que a gente faz na rede é registrado. E esses dados são utilizados como modelos de negócios das empresas que a gente usa pra navegar na rede e que a gente usa nos serviços digitais”, resume. Enquanto isso, também avançam na Câmara e no Senado algumas iniciativas de Projetos de Lei que caminham na direção contrária da promoção da privacidade e da liberdade de expressão na web, como o PL 2390/15 que propõe a criação de um “Cadastro Nacional de Acesso à Internet”. O cadastro incluiria informações como endereço e CPF do usuário e teria como função combater práticas de pedofilia na internet. Segundo o PL, a cada nova conexão, o usuário teria de fornecer todos os dados pessoais para que a conexão seja liberada.

O cadastro obrigatório põe em xeque não só direitos individuais mas também coletivos e ameaça organizações e movimentos sociais que trabalham com a defesa e promoção de direitos humanos e que têm o anonimato como retaguarda para resistir à perseguição ou retaliação. É o caso do aplicativo Nós por Nós. Lançado em março de 2016, o aplicativo, voltado para denúncias de violações de direitos cometidas por policiais no Rio de Janeiro, recebeu em quase um ano de funcionamento 250 denúncias. Segundo relatório “Você matou meu filho”, publicado pela Anistia Internacional, de 2005 a 2014 foram registrados 8.466 casos de homicídio decorrentes de intervenção policial no estado do Rio de Janeiro; 5.132 casos apenas na capital.

Ao checar o andamento de todas as 220 investigações de homicídios decorrentes de intervenção policial no ano de 2011 na cidade, a Anistia descobriu que foi apresentada denúncia em apenas um caso. Até abril de 2015 (mais de três anos depois), 183 investigações seguiam em aberto. O medo e a descrença no sistema judicial são os principais fatores apontados para a falta de denúncia.

Um dos idealizadores do aplicativo, Fransérgio Goulart, afirma que a ideia da ferramenta é justamente facilitar a reação da população atingida pela violência de Estado. “Tinha já algo se iniciando, mas o aplicativo Nós por Nós facilitou e potencializou essas denúncias. E a grande novidade é que temos para onde encaminhar a denúncia (rede de apoio) defensoria, Ministério Público, ONGs de direitos humanos de forma articulada”, contou.

Para fazer uma denúncia por meio de vídeo, foto, áudio ou texto no Nós por Nós, o usuário não precisa fazer nenhum cadastro anterior que permita sua identificação, o que no caso do teor da ferramenta, é um detalhe vital para o funcionamento.

Além do PL 2390/15, uma série de inciativas decorrentes dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito de Crimes Cibernéticos, conhecida como CPI Ciber, afetam a privacidade e a liberdade de expressão na rede. O relatório final da comissão apresentado em março deste ano, reúne oito propostas de projetos de leis que, segundo a própria comissão, objetivam combater os crimes cometidos na internet.

Direitos na rede

Diante deste cenário, entidades da sociedade civil brasileira criaram em julho de 2016 a Coalizão Direitos na Rede, como uma forma de combater as crescentes tentativas de retirada de direitos. Em manifesto lançado durante o VI Fórum da internet, ocorrido em julho de 2016, as entidades afirmam que o objetivo da coalizão é defender princípios fundamentais para a garantia de acesso universal à Internet: respeito à neutralidade da rede, liberdade de informação e de expressão, segurança e respeito à privacidade e aos dados pessoais, assim como assegurar mecanismos democráticos e multiparticipativos de governança.

Segundo a Coalizão, além de atacar a privacidade, a liberdade de expressão e comunicação e o direito à informação de cidadãos conectados, este conjunto de propostas legislativas não leva em conta as características da rede e instaura uma espécie de “censura preventiva”. Os níveis de vigilância massiva da série Black Mirror vêm causando furor em discussões e tentativas de prognósticos que se multiplicam nas redes sociais. Se as iniciativas analisadas avançarem, trabalhar, estudar, locomover- se, informar-se, comunicar-se, organizar protestos, denunciar violações de direitos, entre outras ações essenciais para democracia, devem ficar bem comprometidas. Se depender da pressão das empresas e de alguns entes do Estado, a realidade fictícia da série está mais próxima do que podemos imaginar.

Entidades denunciam PL que não garante Banda Larga para a população e entrega o patrimônio público para o setor privado

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados realizou nesta terça-feira, dia 25, uma audiência pública para discutir o Projeto de Lei (PL) 3453/2015, que prevê a prestação do serviço de telefonia fixa por autorização. O projeto altera a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997), tornando mais flexíveis as regras sobre as modalidades de outorga de serviços de telecomunicações. Na prática, isso significará que determinados serviços hoje outorgados na forma de concessão poderão no futuro ser outorgados na modalidade de autorização. Esta mudança fará com que as empresas tenham menos deveres e mais privilégios.

O PL 3453, que está em análise na CCJC, gera divergências entre os deputados, mas também é alvo de duras críticas de entidades ligadas à democratização da comunicação e de órgãos de defesa do consumidor. Segundo Renata Mielli, coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o projeto de lei “atenta contra o direito das pessoas de terem acesso à comunicação”. Mielli lembra que a Constituição Federal dá ao Estado o dever de garantir os serviços essenciais para a população. “Hoje o serviço essencial é o serviço de banda larga, que deve ser atendido pelo poder público. Esse projeto (PL 3453) não apresenta exigências regulatórias e não garante a universalização do acesso com tarifas justas”, apontou.

Por outro lado, Juarez Quadros do Nascimento, presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), e André Müller Borges, secretário de Telecomunicações do Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), consideram que a diminuição na presença de usuários na telefonia fixa e o crescimento do uso de dados para internet justificam a proposta em análise. Segundo eles, o PL garante o dinheiro necessário paraa realização de investimentos na ampliação da Banda Larga. Os dois também se juntam para criticar a legislação atual no que diz respeito à obrigatoriedade das empresas de devolverem a infraestrutura em uso ao poder público, ou seja, ao cidadão. Nascimento diz que os “bens reversíveis atrapalham a captação de recursos e investimentos”. Borges vai ainda mais longe, afirmando que o “bem reversível sempre pertenceu às redes de telecomunicações”.

O representante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social na audiência, Jonas Valente, rebateu enfaticamente as afirmações. “Ter zelo pela coisa pública não é entregar R$ 100 bilhões em bens públicos quase de graça para empresas privadas. Esse é um patrimônio da população brasileira’, protestou. Valente enfatizou que esta não é uma questão “telefonia fixa X banda larga”, destacando que o serviço essencial hoje para a populaçãobrasileira é o acesso à internet. Sendo assim, o Estado deve garantir a universalização da banda larga. “A questão aqui é que o Poder Público promova a modernização dos setores, construa planos de banda larga de forma a garantir que as empresas invistam e que o serviço chegue com valor acessível a toda a população. Esse projeto queestá aqui não contribui para isso”, ponderou.

Além disso, o Projeto de Lei 3453 apresenta conflitos com a Constituição Federal. “Há dúvidas se a migração da concessão para a autorização, com entrega dos bens reversíveis, não viola o artigo 37 da Constituição, que trata dos princípios que devem orientar as licitações. Em 1998, quando foi feita a concessão, o termo dizia que os bens deveriam ser devolvidos para a União. O princípio da impessoalidade está sendo ferido”, lembrou Flávia Lefèvre, representante da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), no debate.

Sobre as argumentações do governo de que não há recursos públicos para investimentos em banda larga, Lefèvre destacou que apenas 1% do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) está sendo aplicado com este fim. Ela ainda ressaltou que o modelo privado de prestação do serviço vigente no Brasil penaliza o usuário com uma das maiores tarifas do mundo, além de concentrar sua oferta nas mãos de poucas empresas. Ou seja, a população paga a conta, que é alta, e a riqueza fica concentrada nas mãos de um pequeníssimo grupo de companhias privadas.

Por Ramênia Vieira – Repórter do Observatório do Direito à Comunicação

Brasileiro está desprotegido diante do Estado que vende dados pessoais

Envio de informações de aposentados do INSS a empresa de crédito consignado demonstra a barbárie em que se encontra o direito à privacidade

Por Marina Pita*

Boa parte das pessoas respondem com um simples “eu não tenho nada a esconder” quando questionadas sobre suas necessidades de privacidade. Em geral, as pessoas pensam que quem não faz nada errado não precisa ter seus dados salvaguardados e acessíveis apenas a quem tiver autorização. Mas não é bem assim, e um caso recente pode nos ajudar a mostrar como são grandes os riscos da falta de privacidade.

No final de setembro, o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) ajuizou uma ação civil pública contra o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) por ter permitido acesso aos dados dos aposentados e demais beneficiários da Previdência Social à Tifim Recuperadora de Crédito e Cobranças Ltda. A Tifim usa os dados para oferecer crédito consignado a aposentados por correspondência.

De acordo com o MPF-SP, os dados foram obtidos ilegalmente. Ao final do processo, a Procuradoria quer que a Justiça condene o INSS e a empresa ao pagamento de indenizações por danos morais individuais e coletivos.

Este não é um caso isolado de desrespeito do Estado no uso de dados dos cidadãos. Em 2013, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) repassou informações cadastrais de 141 milhões de brasileiros para a Serasa, empresa privada que gerencia um banco de dados sobre a situação de crédito dos consumidores do País.

Em nenhum momento foi perguntado aos cidadãos se eles queriam ou autorizavam a entrega de suas informações para empresas privadas de crédito ou de qualquer outro ramo econômico. Aliás, a ausência de acordo entre Estado e cidadãos sobre como seus dados serão utilizados é notória nas esferas federal, estadual, municipal, além de autarquias públicas.

Por fim, diante do assombro público e indignação causados pela divulgação do acordo do TSE com a Serasa, o contrato foi cancelado. Mas ninguém está seguro.

Ambos os casos provam que não é apenas para esconder ilegalidades que serve e privacidade, mas também para proteger os cidadãos nas relações de consumo e garantir que não haja vantagem justamente da parte economicamente mais forte.

Demonstram, ainda, a total falta de respeito, bom senso e ética do Estado brasileiro com os dados dos cidadãos, sem falar no desrespeito à Constituição, e, em consequência, a urgência de aprovação de uma lei de proteção de dados pessoais.

A entrega dos dados dos cidadãos pelo Estado é uma das formas mais absurdas de violação da privacidade, porque os cidadãos não têm a opção de não entrega das informações. É obrigado a entregar o Imposto de Renda todos os anos, por exemplo, e quem garante que estes dados serão mantidos em segurança dentro dos órgãos do governo?

Que não haverá repasse entre pastas e que uma delas chegará a formalizar acordo com empresa privada? As guardas legais para isso são frágeis, uma vez que o Brasil é um dos poucos países do mundo que até hoje não têm uma lei de proteção de dados pessoais.

Enquanto isso, permanece o impasse pela votação do PL 5276/16, que segue em tramitação na Câmara dos Deputados, relegado a segundo plano após o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

O PL, formulado e reformulado a partir de uma série de debates e negociações com os diversos atores interessados, estabelece que o tratamento de dados pessoais pela administração pública requer que o responsável informe ao titular as hipóteses em que será admitido o tratamento de seus dados.

O PL conta com uma seção específica para regular o tratamento de dados pessoais pelo poder público, em que deve ser realizado para atendimento de sua finalidade pública, na perseguição de interesses públicos.

De acordo com o texto, os órgãos do poder público devem informar as hipóteses em que realizam o tratamento de dados pessoais, com fácil acesso e atualizado constantemente – de preferência em seus sítios na web. O uso compartilhado de dados pessoais pelo poder público também deve atender a finalidades específicas de execução de políticas públicas. E, finalmente, o PL veda ao poder público transferir dados pessoais a entidades privadas.

Mais uma vez, insistimos: é urgente a aprovação de uma lei de dados pessoais no Brasil porque, entre várias outras razões, o agravamento da crise econômica eleva o grau de risco de ampliação da promiscuidade entre poder público e entidades de crédito privadas. Quem perde são todos os cidadãos.

*Marina Pita é jornalista e integrante do Conselho Diretor do Intervozes

Projeto de lei privatiza infraestrutura de acesso à rede; entenda

Texto apoiado pelo governo acaba com obrigações das operadoras de telefonia e deixa a internet nas mãos do mercado, inviabilizando a universalização

Por Marina Pita

Em meio ao tsunami para acabar com os direitos sociais que varre o País, também avança na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei (PL 3453/2015) que autoriza a Anatel a transformar as concessões do regime público de telefonia em autorizações de serviço em regime privado.

O projeto do deputado Daniel Vilela (PMDB-GO) altera a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997 – LGT) e concretiza a revisão do modelo regulatório das telecomunicações no País.

Tudo isso – prestem atenção – sem debate com a sociedade e sem aprofundamento na análise do impacto socioeconômico de tamanha alteração. O resultado pode ser desastroso em termos de garantia de acesso à internet a todos os brasileiros.

Na prática, o PL 3453 é a tradução dos interesses das operadoras em acabar com o modelo de concessão de serviços em regime público – adotado para os serviços identificados como essenciais para a sociedade.

O regime público faz com que as operadoras tenham de cumprir obrigações de universalização (possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público ao serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição socioeconômica); de continuidade (possibilitar aos usuários dos serviços sua fruição de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, devendo os serviços estar à disposição dos usuários, em condições adequadas de uso), qualidade e modicidade tarifaria (controle das tarifas).

Atualmente, apenas a telefonia fixa é prestada em regime público. Diversas organizações da sociedade civil defendem e atuam para que o acesso à internet também seja considerado serviço essencial – como preveem o Marco Civil da Internet e a própria LGT – e que passe a ser prestado no regime público com as obrigações decorrentes de universalização, continuidade e modicidade tarifaria. Esta é a real necessidade do País, como lembra a Campanha Banda Larga.

E, no entanto, o que o PL faz é justamente acabar com o único serviço prestado em regime público, o serviço de telefonia fixa e, ainda, sem incluir a banda larga no hall de serviços essenciais.

E mais, a mudança proposta no PL 3453 permite às empresas transformarem o valor dos bens reversíveis à União ao fim do período de concessão (cerca de 20 bilhões de reais, estimados pelo Tribunal de Contas da União) em investimentos privados.

Ou seja, os bens públicos que deveriam pertencer à União pelo seu caráter estratégico aos serviços de telecomunicação podem ser revertidos para construção de redes de banda larga privadas das quais usufruem apenas as operadoras sem quaisquer obrigações com os cidadãos ou com o Estado brasileiro.

A opção é extremamente preocupante. Só para ter uma ideia, de 2015 para 2016 o acesso residencial à internet ficou estagnado – em 2016, apenas 51% dos lares brasileiros têm acesso à rede, contra 50% no ano anterior, de acordo com dados da pesquisa TIC Domicílios do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), órgão ligado ao NIC.br.

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Regime privado é um empecilho para a democratização do acesso à internet

Ao todo, 32,8 milhões de domicílios estão desconectados no Brasil – destes, aproximadamente 30 milhões são de famílias das classes C, D e E, segundo aponta a pesquisa. A desigualdade econômica e a concentração urbana aparecem aqui como fatores de exclusão digital – na classe D e E, apenas 16% dos lares estão conectados à internet. Na área rural, somente 22% dos lares têm acesso à rede – bem abaixo dos 56% das residências em áreas urbanas.

O País pode ter chegado ao limite de acessos sob os atuais preços da banda larga fixa e, sem instrumentos eficazes para garantir infraestrutura em locais remotos ou de baixa atratividade econômica, ampliar a competição e garantir preços mais baixos.

Assim, é provável que a internet – o principal meio de acesso a informação, comunicação, entretenimento e pelo qual já depende grande parte da economia – se mantenha acessível apenas para a metade mais rica do País, aprofundando o fosso de desigualdade.

Diversos estudos apontam que o regime privado é altamente benéfico para as operadoras de serviço, porém, é extremamente limitador para o poder regulatório por parte do Poder Público e um empecilho para a democratização das telecomunicações, especialmente nos serviços de dados.

A revisão do modelo regulatório das telecomunicações vai definir em muito o modelo de desenvolvimento brasileiro nos próximos anos e, por isso, requer cautela e debate. Não é o que estamos observando neste momento, em que a tramitação do PL 3453 está sendo feita rapidamente, como uma prioridade do governo Temer.

No começo de outubro, o projeto só não foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados porque os deputados do PT e do PSOL se uniram para derrubar a sessão com pedido verificação de quórum e apresentação de requerimento de audiência pública – que deve acontecer nas próximas semanas, para organização dos diversos atores sociais interessados. A ideia é garantir ao menos um espaço de debate sobre o projeto antes de sua votação.

O projeto tramita em caráter conclusivo na Câmara do Deputados – o que acelera o processo de votação – depois que a mesa diretora negou o requerimento do PSOL para que a proposta passasse pela Comissão de Defesa do Consumidor. Agora, cabe à sociedade civil se mobilizar contra o rolo compressor que pode atropelar o frágil direito de acesso aos serviços de telecomunicações no Brasil.