Programas de TV da Bahia violam direitos humanos

O resultado dos primeiros seis meses no monitoramento a dois programas televisivos policialescos na Bahia foi apresentado pelo Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania (CCDC) e confirma a constância na violação aos direitos humanos entre o meio-dia e 14h em emissoras filiadas ao SBT e a Record: a TV Aratu e Itapoan, respectivamente.

Os programas analisados – Se Liga Bocão (Record) e Na Mira (SBT) – são alvo de recorrentes reclamações da sociedade civil na Bahia, que conta com a parceria do Ministério Público Estadual (MPE) para tentar, ao mínimo, amenizar a situação (Ministério Público coíbe abusos em programas na Bahia). Os dois ficaram entre os cinco programas mais denunciados à campanha Ética na TV em 2009.

Publicidade, merchandising e ações assistencialistas são mescladas com imagens de cadáveres, sentenciamento ilegal e exposição de crianças e adolescentes em situações constrangedoras nos bairros populares e espaços administrados pelo poder público, em especial no interior das delegacias e hospitais. Os jovens e adultos negros do sexo masculino são os maiores alvos dos programas, as mesmas vítimas majoritárias dos homicídios que assolam Salvador e sua região metropolitana.

O estudo foi apresentado em 26 de agosto durante Seminário de Mídia e Direitos Humanos organizado pelo CCDC, um órgão complementar da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), coordenado pelo diretor da unidade, Giovandro Ferreira, e atualmente sob as parcerias da Ong Cipó Comunicação Interativa e Intervozes-Coletivo Brasil de Comunicação Social.

O projeto de monitoramento do CCDC é financiado pela Fundação Ford, coordenado pela Cipó e auxiliado pelo Intervozes e professores da Facom/UFBA. Durante o desenvolvimento também foram colhidas contribuições da professora Tânia Cordeiro, adjunta da Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e outras organizações como o Instituto de Mídia Étnica e Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR).

Os dados apresentados são relativos aos meses de janeiro e junho de 2010. Em outubro será lançada uma publicação. Desde janeiro os dois programas são clipados diariamente, mas apenas uma semana de cada mês é escolhida para aprofundar a pesquisa. As análises também relevam as estratégias discursivas utilizadas pelas emissoras para fixar a atenção do público.

Propaganda e sangue

O acompanhamento dos programas incluiu o intervalo comercial. Durante quase uma hora de exibição diária o Na Mira costuma destinar 32% e o Se Liga Bocão 44% do tempo para publicidade. Já o merchandising fica atrás com 17% e 12% respectivamente. Segundo Daniella Rocha, coordenadora da Cipó, esses dados demonstram que ambos dão retorno financeiro e audiência. Alguns casos são emblemáticos como o merchandising do Danoninho no Se Liga Bocão. A marca de iogurte banca promoção para as crianças produzirem vídeos caseiros e veicularem no ar.

Os anunciantes mais comuns no período analisado no Se iga Bocão foram: Insinuante, Ricardo Elétrico, Governo da Bahia, Prefeitura Municipal de Salvador, Atacadão Atakarejo, Bom Preço, Calcittran B12, Novotempo, Extra e Traxx Motos. No Na Mira, a arrecadação com publicidade aparenta ser menor, a levar em conta a audiência da TV Itapoan e o tempo dos anúncios: G Barbosa, Novo Tempo, Calcittran B12, C&A, Varicell, Insinuante, Banco BMG e Governo Federal, estão entre os mais constantes. Nos dois nota-se presença significativa dos gastos públicos com publicidade .

 

Os quadros assistencialistas e que se reportam a assassinatos e ações policiais são os mais recorrentes após a parte destinada ao tempo comercial. No caso do acompanhamento a trabalhos da polícia é perceptível uma promiscuidade na relação entre setores da corporação e os programas. O setenciamento ilegal ou incitamento à violência são violações presentes em cerca de 5% das reportagens. Além disso, imagens internas de delegacia aparecem em 33% do quadros do Na Mira e 15% no Bocão.

 

Ministério Público

Presente no Seminário, a promotora da 1ª Vara Cível do Juri, Isabel Adelaide, lembra que na maioria dos casos que se transformam em matérias dos programas não são coletadas provas suficientes para condenação dos acusados, tornando os casos como infundados e falaciosos. A promotora também ressalta que o delegado chefe da Polícia Civil na Bahia já determinou que não se permitisse filmagens internas em delegacias. Isabel Adelaide também ficou entre 2006 e 2010 na coordenação do Grupo de Atuação Especial para o Controle Externo da Atividade Policial (GACEP), quando organizações sociais enviaram uma Moção de Apoio, Aplauso e Vigília ao MPE.

Em 2009, os programas firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) devido a constante exposição de imagens de crianças e adolescentes. Daniella Rocha destaca que formalmente estão cumprindo a situação, porém: "Em determinados casos, filmar ou não rosto da criança é o que menos importa, uma vez que o resto do seu corpo e de sua vida foram expostos. Teve um caso emblemático de adolescente de 13 anos vítima de abuso sexual que engravidou e fez aborto mal sucedido. Durante dez minutos o programa explorou o caso, contando detalhes da relação, do aborto e etc”

Os bairros populares são os espaços onde se passam a maioria das reportagens de ambos os programas, com homens negros ou pardos. Nas abordagens policialescas são comuns frases discriminatórias como essa: "Quando a gente pára pra abordar alguém é porque já conhece a fisionomia… a polícia não trabalha por adivinhação, já vai no elemento certo", proferida pela delegada Patrícia Nuno, titular da 1ª Delegacia em Salvador.

 

 

 

 

 

 

 

* Os gráficos são do Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania da UFBA.

 

Veja também: Poder político e religioso dá sustentação aos programas policiais na Bahia

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