Regime público vira tema central de audiência na Câmara

O debate sobre o Plano Nacional de Banda Larga em audiência pública realizada na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (24) centrou-se na natureza da prestação do serviço de internet em banda larga. Atualmente, o serviço – denominado oficialmente Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) – é prestado em regime privado, o que significa a inexistência de cláusulas contratuais que prevejam a estabilidade do serviço, a modicidade tarifária e a universalização como exigências feitas às operadoras. Durante a audiência, a transferência do SCM para o regime público foi defendida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste) e o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Na opinião de Guilherme Varela, representante do Idec, a distribuição da banda larga é muito desigual e segue a lógica também desigual da distribuição de renda das famílias no Brasil, o que é incompatível com a sua condição de direito e serviço essencial. O representante do Idec diz que o Estado tem de ter competência de, no mínimo, trabalhar para a redução dessas distorções.

“Não queremos só a massificação, queremos a universalização do serviço”, afirmou Varela, em defesa da instituição do regime público. “Queremos também que seja a ele [o serviço da banda larga] aplicado o princípio da modicidade tarifária, que garante um preço acessível ao usuário. O consumidor não pode mais ficar refém de poucas empresas e não ter a quem recorrer porque não há fiscalização, que é o que acontece atualmente. Precisamos de um novo paradigma para a prestação dos serviços de Banda Larga no Brasil e para tanto defendemos que ele seja prestado no regime público.”

Jonas Valente, do Intervozes, a advogada Flávia Lefèvre, da ProTeste, e o deputado Ivan Valente também fizeram defesas em favor do regime público.

O representante do Intervozes, lembrou que a má distribuição do acesso à banda larga se manifesta em uma concentração da oferta do serviço condicionada à renda, mas também tem relação com às localidades – se urbana ou rural – e a região do país. Estes dados, segundo Jonas, são um retrato da “configuração de mercado que desde o início foi dada a este direito”. “Deve-se entender a internet e mais especificamente a banda larga como o serviço de telecomunicações do século XXI, visto a sua essencialidade”, afirmou.

Os convidados à audiência ressaltaram o caráter de direito essencial que a internet adquiriu. “O acesso à banda larga contribui para descentralizar a informação dos meios tradicionais e abre ainda espaço para a produção e distribuição de novos conteúdos. Garantir que isso se realize faz parte da busca por democracia não só nas comunicações como nas relações sociais”, enfatiza Jonas. Guilherme Varela ressaltou também que a banda larga deve ser entendida pelo Estado não só como um direito em si, mas também como uma forma de a população ter acesso a muitos outros direitos, como o da informação e da cultura, por exemplo.

Universalização

Eduardo Parajo, representante da Associação Brasileira de Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet (Abranet), diz duvidar que a prestação do serviço em regime público pudesse ser a solução para todos os problemas apresentados. Para Parajo, manter em regime público o Serviço de Telefonia Fixa Comutada (STFC) não garantiu que esta fosse universalizada. Ainda na opinião do representante dos pequenos provedores, a solução seria aumentar a possibilidade de novos prestadores disputarem determinadas fatias do mercado. Isso, para Parajo, ainda garantiria a neutralidade de rede e a diminuição dos preços pelo princípio da concorrência.

Contra a avaliação de Parajo, Flávia Lefèvre contestou que o problema da não universalização da telefonia fixa esteja na natureza da prestação do serviço, mas sim na forma como o sistema foi privatizado. “A gente não pode correr o risco de tornar parcial as coisas aqui. Não foi o regime público que não deu certo, mas o modelo que foi adotado. O que existe no STFC é uma ociosidade enorme na quantidade de linhas disponíveis porque eles ainda cobram uma assinatura básica impraticável e não há fiscalização sobre isso”, afirmou.

Lefèvre aponta ainda uma série de problemas advindos da privatização do sistema de telecomunicações que teria beneficiado “assustadoramente” as empresas de telecomunicações. Na opinião da advogada, estas operadoras prestam ilegalmente o serviço de transmissão de dados.

De acordo com a ProTeste, o valor pelo qual foram vendidos os ativos da antiga estatal que prestava os serviços de telecomunicações caiu em praticamente metade do valor inicialmente proposto quando a própria Câmara dos Deputados aprovou que as vencedoras dos leilões só poderiam prestar os serviços de telefonia. Tempos depois, conta Lefèvre, a Anatel editou uma regulamentação que criou o SCM, que nunca foi previsto na Lei Geral de Telecomunicações, e as empresas “pagaram R$ 9 mil reais para lucrar bilhões com internet”.

O deputado Ivan Valente reforçou que “uma das coisas mais criminosas” que ele viu no Brasil foi a privatização do sistema Telebrás. “Eu acompanhei todo o processo de investimento na rede durante o período de 1993 a 1998 para que, no final desse período, fosse feita a desvalorização e o serviço ser privatizado como foi”, relatou. Ainda na opinião do deputado, com relação ao PNBL o Estado tem, ao reativar a Telebrás e utilizar a rede de fibras óticas que foi construída com o dinheiro público, condições de garantir não só a estrutura, como também a chamada última milha, ou seja, fazer chegar o serviço diretamente às casas dos usuários.

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