PL-29 volta ao texto original e confirma viés predominante em negócios

A mudança de rumo na tramitação do Projeto de Lei 29/2007 poderá descartar os avanços alcançados na CCTCI. O anúncio da transferência da proposta para a Comissão de Defesa do Consumidor – por decisão do presidente da Câmara Federal, deputado Arlindo Chinaglia (PT) – pode até ter pego de modo imprevisto a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara, onde o texto tramitava até o último dia 27, mas não chegou a surpreender quem já tinha o entendimento de que a proposição visa especialmente formalizar um mercado que se impõe, que é a entrada das empresas de telecomunicações no setor audiovisual.

De acordo com a cineasta Berenice Mendes, membro da Coordenação Executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o PL-29 – por mais que tenham tentado “travesti-lo” de benefícios à produção independente ou de abertura de espaço televisivo para a produção audiovisual brasileira – tem uma única função primordial, que é abrir o nicho do mercado da radiodifusão para as empresas de telecomunicação. “É isso que está sendo negociado, é nesse sentido que os lobbies estão atuando dentro do Congresso”, afirma Berenice, justificando por que não estranhou a reviravolta nos trâmites do projeto.

A proposta unifica a regulamentação da TV por assinatura e permite a entrada das empresas de telecomunicações como players nesse serviço. No estágio em que se encontrava, na CCTCI, tendo como relator o deputado Jorge Bittar (PT), o PL-29 já havia conseguido um largo avanço sobre a proposição original apresentada pelo deputado Paulo Bornhausen (DEM), em fevereiro de 2007. O texto ganhou 37 emendas, 146 substitutivos e três outros PLs foram apensados a ele, além de outras contribuições dos parlamentares e da sociedade civil que acompanha o processo (leia aqui o texto) .

Com a nova orientação de Chinaglia (leia matéria do Tele Síntese ), o texto passa a tramitar a partir de agora na Comissão de Defesa do Consumidor é novamente a proposta original de Bornhausen (visto que as alterações propostas na CCTCI não foram votadas). “Essa ação do Chinaglia, na verdade, vai matar todo o esforço que o Bittar fez”, destaca o jornalista Celso Schröder, coordenador-geral do FNDC.

O Fórum, desde o início dos debates acerca do PL-29, tem expressado críticas e oferecido contribuições à proposta (leia aqui ). “As críticas que temos em relação ao texto é que ele ainda não consegue ter uma dimensão final. Mas, sem dúvida, era um enorme avanço sobre o texto do Bornhausen, que simplesmente coloca as teles no negócio sem nenhum tipo de contraponto. É um retrocesso que o Congresso faz”, avalia Schröder.

Conteúdo cai do texto

No período em que tramitou na CCTCI, o texto do PL-29 avançou no sentido de proteção ao conteúdo nacional e independente (leia aqui ). Berenice Mendes considera, porém, uma “grande ilusão” dos produtores independentes acharem que vão ter avanços concretos, que esse negócio (previsto no projeto) é uma proposta democratizante de espaço. “Não é nada disso. É, sim, a formalização da entrada das teles no business da radiodifusão, coisa que, aliás, já está acontecendo”, afirma.

A cineasta julga ainda que o PL-29 não será votado este ano. “Penso que isso só acontecerá depois da união da Oi com a Brasil Telecom, que é o grande empreendimento, o negócio da vez para as teles, na sua perspectiva de convergência. Quando isso se resolver, então, rapidinho esse PL, como um acessório necessário para a operacionalização desse business, vai acontecer”, prevê.

Para o FNDC, por melhores que sejam as intenções de Bittar – e da classe artística também – a entrada das empresas de telecomunicações no mercado de TV por assinatura é um grande negócio, que já estava anunciado desde o projeto inicial. “Era o que o mercado – os grandes players – queriam, e é isso que eles vão obter. E nós temos um Congresso subserviente que vai fazer o que eles querem”, reclama Berenice. Ela lembra que o próprio ministro Hélio Costa disse ao FNDC, em outra ocasião, que o governo “via com muito bons olhos” a fusão das duas telefônicas e a criação de uma grande tele brasileira, com condições de competir no mercado globalizado. “Nesse sentido, com este retrocesso à proposta original, agora, até dá para pensar que há uma ação coordenada de política de comunicação”, reflete.

Frente às evidências, que demonstram de uma forma cada vez mais cabal que o mercado está situado antes do cidadão, do conteúdo, da educação e da cultura; para a sociedade só cabe então – de acordo com a integrante do FNDC – insistir numa Conferência Nacional de Comunicação Social. “Porque a gente está esgotado de só receber decisões impostas. Porque elas têm sempre o viés tecnológico ou de mercado e nunca da promoção humana. O que nos resta – se não somos governo, nem mercado, não temos o poder do dinheiro, e também não queremos ser tratados apenas como consumidores – é pleitear políticas públicas que garantam os nossos direitos de cidadão”, define a cineasta.

O FNDC destaca que, neste momento, na área da comunicação social, com tantas mudanças por fazer e a necessidade de se construir um marco regulatório, somente a Conferência Nacional de Comunicação poderá colocar todos os setores envolvidos a discutir o que é bom para o governo, o que é bom para o mercado e para a sociedade também.

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