Um não ao “bolsa-STFC”

O Senado aprovou projeto de Aloísio Mercadante (PT-SP) que visa modificar a lei do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), arrecadação de 1% da receita bruta das operadoras. O FUST foi previsto na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), criado por lei ordinária em 2000 e até hoje não teve um único centavo gasto. Estima-se que o governo já tenha arrecadado mais de R$ 6 bilhões com esse imposto.

O projeto do senador Mercadante está tramitando atualmente em uma comissão especial da Câmara dos Deputados e seu relator, deputado Paulo Lustosa (PMDB-SP), já anunciou mudanças na proposta inicial. Com isso, o projeto terá que voltar ao Senado depois de aprovado pela Câmara.

Mas, tanto a versão inicial de Mercadante quanto o relatório de Lustosa mantêm um equívoco gigantesco, que atende apenas aos interesses das operadoras de telefonia fixa (Brasil Telecom, Oi, Telefônica, CTBC e Sercomtel). Trata-se do trecho contigo no inciso I do caput do artigo 2° e no inciso I do parágrafo 1° deste mesmo artigo da lei original do FUST.

Os acertos

Quase a totalidade do projeto visa garantir que o Estado poderá apoiar projetos de universalização da banda larga, através de suas próprias iniciativas, de governos estaduais, prefeituras, ONGs e empresas privadas. Acertadamente dá destaque para a meta de disponibilizar banda larga em todas as escolas públicas brasileiras e reserva pelo menos 30% dos recursos para as regiões Norte e Nordeste.

O projeto prevê também a necessidade de prestação de contas e a obrigação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) outorgar licenças e frequências para que o poder público local possa prover o acesso gratuíto a Internet banda larga.

O equívoco

Contudo, logo em seu artigo 2° o projeto mantém, da lei original, um outro uso dos recursos do FUST, em total desacordo com o restante do próprio projeto. Trata-se da possibilidade da criação de um “bolsa telefonia fixa” (único serviço atualmente prestado em regime público), nos dizeres do presidente da Associação Brasileira das Concessionárias do Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), José Pauletti, em recente entrevista à Telesíntese. Com estes dois incisos, o projeto permite que o governo federal pague as contas de telefone fixo daquelas pessoas que não tiverem recursos para tal.

A Anatel prevê apenas para 2010 o modelo incremental de custos que lhe permitirá definir um limite para a cobrança de interconexão. Atualmente, cada empresa cobra o que quer e não é possível saber até que ponto estes valores são justificáveis ou não. E na mesma Câmara dos Deputados tramitam projetos de lei que visam acabar com a assinatura da telefonia fixa.

Enquanto isso, a proposta de Mercadante e o relatório de Lustosa simplesmente desconsideram todo esse processo e determinam que o governo pague, sem discutir, o preço cobrado pelas teles. Para as teles é um negócio fantástico.

Para a enorme maioria da população, as concessionárias de STFC surgem como a única opção para o acesso ao telefone fixo (portanto, um monopólio desprovido da concorrência). E agora, as teles ainda poderão usufruir de recursos públicos para lhes remunerar não o custo, mas o preço final.

Na prática, as teles continarão oferecendo o mesmo serviço, no mesmo valor atual. Se José puder pagar a conta, ótimo. Se João não puder, o Estado paga. De uma forma ou de outra, a tele recebe.

Como as teles vêm perdendo a cada dia que passa assinantes do telefone fixo (expulsos por conta dos valores excorchantes), as propostas tanto do senador quanto do deputado permitem conter a sangria do monopólio privado utilizando recursos públicos.

Ao invés disso, o projeto deveria manter seus acertos e se destinar exclusivamente à garantia da universalização do acesso banda larga a Internet, que, graças aos serviços de VoIP, também permite levar a telefonia fixa (a custos reduzidos) ao conjunto da população brasileira.

Gustavo Gindre é integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, coordenador acadêmico do Nupef/RITS e membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGIbr)

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