Multiprogramação e interatividade devem ser utilizadas para comércio eletrônico

No dia 2 de dezembro, estreou na Grande São Paulo a TV digital, em solenidade com pompa e circunstância. A festa, organizada pelas TVs Globo, Record, SBT, Bandeirantes e Rede TV! – a TV Cultura apareceu como convidada – não contou com a presença da TV Gazeta de São Paulo, que também já transmite digitalmente. Até uma carta de protesto foi enviada pela emissora ao presidente Lula.

Há algum tempo, a Gazeta faz planos para a TV digital e deve investir cerca de US$ 20 milhões em sua implantação. “A inauguração do transmissor digital ocorreu no dia 21 de novembro. Desde então, a emissora transmite em caráter experimental. Nosso transmissor é totalmente nacional e é o maior já produzido no Brasil”, conta Silvio Alimari, superintendente da TV Gazeta.

Diferentemente da maioria das emissoras, o foco da TV Gazeta de São Paulo não será a transmissão em alta definição. A emissora aguarda apenas a autorização do governo para explorar a multiprogramação (transmissão de mais de uma programação no mesmo canal de 6 MHz) e já criou, inclusive, uma nova unidade de negócios, a Link Interativa, para estudar as possibilidades de exploração de recursos interativos. Além da Gazeta de SP, apenas a TV Cultura revela interesse em aproveitar a digitalização para exibir programações diferentes simultaneamente.

Multiprogramação com tele-vendas

A opção pela multiprogramação, no entanto, não é necessariamente melhor. No caso da TV Gazeta, o recurso já tem sua função definida. Segundo o jornalista Daniel Castro, da Folha de S. Paulo, a TV Gazeta pretende usar a multiprogramação para criar um canal de vendas, ampliando para a TV digital o que já faz na analógica. O canal veicula atualmente programas de comércio eletrônico como o “Super Ofertas”, “Feiras & Negócios” e especialmente o “Best Shop TV”, que ocupa parte substancial da programação. A opção da emissora é explicitada em seu site: “a produção da Rede Gazeta conta com uma experiente equipe de apresentadores que com muita simpatia e eficiência oferece diariamente ao telespectador uma ampla variedade de produtos a preços extremamente competitivos”.

Outras emissoras de TV aberta que tem seu modelo de negócios baseado no comércio eletrônico estão sendo questionadas por meio de uma Ação Civil Pública, por exceder o limite máximo de 25% do total da programação para publicidade comercial estabelecido no Código Brasileiro de Telecomunicações. “A TV digital aberta terá que respeitar toda a regulamentação já existente para a TV aberta analógica” explica o advogado Bráulio Araújo. “Assim como terão que respeitar o artigo 221 da Constituição, que estabelece que a programação das emissoras de rádio e televisão deverá atender finalidades educativas, culturais, artísticas e informativas, privilegiar produções regionais, entre outros princípios”.

De acordo com o site do Best Shop TV, a empresa foi criada no final de 2006, “com total apoio da Fundação Cásper Líbero”, entidade mantenedora da TV Gazeta e “cumpre objetivos patrióticos, culturais e jornalísticos” e não tem “qualquer finalidade lucrativa”.  O programa de televendas é exibido por duas horas na parte da manhã e durante toda a madrugada. A Gazeta ainda transmite uma hora diária do “Super Ofertas” e meia hora de “Feiras & Negócios”.

Silvio Alimari não confirma a intenção de utilizar o canal digital apenas para comércio eletrônico, mas declara que “se houver respaldo legal, a Gazeta tem interesse, sim, em disponibilizar um canal adicional com conteúdo produzido pelos alunos e professores da Faculdade Cásper Líbero [também mantida pela Fundação]. E pensamos em utilizar o BestShop TV como patrocinador dos programas”, revela o superintendente da TV Gazeta.

Entretanto, a possibilidade de alocação de mais de uma programação no mesmo canal não é ponto pacífico e ainda está sob análise do Supremo Tribunal Federal. O próprio governo não se entende sobre o assunto: enquanto o secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Roberto Pinto Martins, afirma que a multiprogramação já é permitida com a legislação em vigor, o próprio ministro Hélio Costa, que anteriormente afirmou ser a multiprogramação juridicamente legal, hoje não demonstra tanta confiança na possibilidade do fracionamento do canal de 6 MHz em diversas programações.

Segundo José Antonio Milagre, advogado e presidente da Comissão de Propriedade Intelectual e Segurança da Informação da OAB, o decreto presidencial que estabeleceu a TV digital é omisso quanto à questão da multiprogramação. “Se o padrão permite a multiprogramação, fraciona o espectro quem quiser”, diz. Outros especialistas, no entanto, interpretam de outra forma: que uma concessão equivale à uma programação, e que o sinal digital, por ser uma consignação da concessão analógica, deve ser exatamente a reprodução do conteúdo do que é transmitido no sistema atual, analógico.

Interatividade e potencialidades não exploradas

Outro recurso possibilitado pela TV digital é a interatividade. Apesar de ainda não estar num horizonte próximo, a Gazeta já tem planos para quando o recurso estiver disponível, inclusive para o comércio eletrônico. “Pensamos já em recursos como a participação dos telespectadores em votações e enquetes, a disponibilização de informações sobre o conteúdo dos programas e serviços de comércio eletrônico nos programas de televendas”, conta Alimari.

Considerando toda a infinidade de recursos prometidos pelo governo para o Sistema Brasileiro de TV Digital, pouco de fato se concretizará ou será utilizado para fins não comerciais. No início da discussão sobre a sua implantação, a digitalização trazia a expectativa de ampliação da quantidade de emissoras, democratizando o espectro e garantindo a diversidade. Pelos próximos dez anos, porém, o atual modelo de ocupação do espectro analógico estará preservado. Para a maioria da população, a televisão continuará a mesma por muito tempo, tanto na forma quanto no conteúdo. E os supermercados eletrônicos, tudo indica, continuarão a fazer parte dela, agora em versão digital.

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