Mulheres discutem intervenção nas políticas de comunicação

A luta das mulheres pelo direito à comunicação ultrapassou a fronteira das críticas à representação feminina nos conteúdos. Com a mesma força que marca a atuação do movimento feminista no controle público dos meios (especialmente em relação ao  rádio e à televisão), as mulheres começam a construir a sua participação nos processos de tomada de decisão sobre as políticas de comunicação.

Reunidas em São Paulo nos últimos dias 6 e 7 de dezembro, em encontro promovido pelo Instituto Patrícia Galvão [www.patriciagalvao.org.br], organizações, redes e movimentos de mulheres de todo o Brasil discutiram propostas de intervenção nos debates sobre questões como a nova TV pública, o marco regulatório do setor e a Conferência Nacional de Comunicação.

Reivindicação histórica do movimento de comunicação, a Conferência é consenso no movimento feminista enquanto espaço legítimo para discutir questões centrais que afetam a vida das mulheres. “Será uma conferência diferente de tudo que já vimos, que vai ter que se debruçar sobre o marco regulatório da comunicação, único setor em que não se avançou no campo democrático”, afirma Jacira Mello, diretora do Instituto Patrícia Galvão.

A expectativa das mulheres é de que a Conferência seja um espaço amplo, democrático e plural, em que a sociedade possa afirmar o direito à comunicação e discutir as principais questões relativas à propriedade dos meios e de seus reflexos na inibição da diversidade e em conteúdos discriminatórios.

“Não temos dúvida em relação ao quanto a atual estrutura e a organização dos meios de comunicação é responsável pela manutenção de uma hegemonia e dos pensamentos conservadores. Precisamos pensar na Conferência como um momento de disputar esta hegemonia por um pensamento emancipatório”, afirma Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres. “Temos a responsabilidade política de fazer este debate chegar pra todo mundo. E a importância das conferências para além dos encontros é a mobilização que elas têm em potencial”, acrescenta Nilza Iraci, da Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras.

Na avaliação da presidente da Empresa Brasileira de Comunicação, gestora da recém-inaugurada TV Brasil, ainda há um grande caminho a se percorrer na construção de uma concepção de conferência que dê conta de discutir a reestruturação do sistema de comunicações no país. “Um sistema que está todo consolidado em bases privadas, regulado pelo mercado e cuja cultura está enraizada nas mentes da população, que não está acostumada a tratar da comunicação como um direito”, disse Tereza Cruvinel.

Teme-se, por exemplo, que as discussões técnicas “engulam” os embates políticos e excluam a sociedade das definições sobre o setor. A tática de camuflar decisões políticas de técnicas justamente para afastar a sociedade dos processos decisórios, no entanto, é conhecida.

“No processo da TV digital, todos sabiam que, por trás da questão técnica do padrão a ser escolhido, havia uma escolha política do governo brasileiro. Essa “justificativa” pode se repetir em outros debates da comunicação, dentro do processo de construção da Conferência. Mas a sociedade civil e os movimentos populares sabem o que é central nas decisões de uma conferência: a defesa de uma comunicação baseada no interesse público, e não nos interesses do mercado, plural e representativa da diversidade da sociedade brasileira, que não promova o preconceito e que tenha uma estrutura regulada e controlada pela sociedade, com participação popular”, afirma Bia Barbosa, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Para Bia, no decorrer das mobilizações pró-conferência, é preciso aglutinar forças em torno das diversas lutas travadas no campo da comunicação. É a partir do debate de temas como concessões, TV pública, TV digital e controle social que a população se apropriará de temas que podem vir a fazer parte dos debates na Conferência. “No caso do movimento feminista, o tema que mais chama a atenção das mulheres é o da representação de sua imagem nos meios de comunicação. É a partir dele, portanto, que conseguiremos mostrar como a comunicação monopolista influencia as demais lutas e o cotidiano da população e como a luta por uma comunicação mais democrática é uma luta por uma sociedade mais democrática”, explica.

Há, por exemplo, comissões de acompanhamento de programação e monitoramento da propriedade sendo criadas em âmbito estadual no bojo da Campanha por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV [www.quemmandaevoce.org.br]; há debates acontecendo em redes locais; audiências públicas e debates em andamento. “Estes espaços devem começar a pautar a questão da Conferência para que, até lá, tenhamos construído alguns princípios norteadores ao redor de questões que estão sendo trabalhadas como temas”, explica a representante do Intervozes.

Para Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a chave da transformação está justamente em pensar a comunicação como eixo articulador de uma mudança maior, que diz respeito ao formato de democracia no qual vivemos. “Precisamos trabalhar, na comunicação, com um conceito de participação que extrapole o da representação simbólica celebratória e não conflituosa da inclusão social. Precisamos assumir que estamos vivendo um esgotamento do modelo de democracia representativa e que a comunicação tem um papel central na construção de uma democracia participativa, que traz uma série de desafios que estão postos na construção de uma conferência nacional e para além dela”, diz.

Saiba como estão as mobilizações em prol da realização da Conferência Nacional de Comunicação na página www.proconferencia.com.br.

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