Cade impõe restrições à compra da Chinaglia pelo Grupo Abril

A aquisição da distribuidora Fernando Chinaglia pelo Grupo Abril sofreu o primeiro golpe na última quinta-feira, 29 de outubro, com a adoção de Medida Cautelar pelo conselheiro do Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Paulo Furquim de Azevedo. A Medida Cautelar tem como finalidade preservar as condições de reversibilidade da operação em análise pelo conselho (caso ela seja considerada prejudicial à ordem econômica) e evitar a prática de atos danosos à concorrência.

Dentre as obrigações impostas pelo conselheiro estão o veto à realização de qualquer alteração de natureza societária que envolva as empresas, a designação de gestores independentes para administrar a Fernando Chinaglia e a Treelog (empresa criada pela Abril para prestas serviços à Fernando Chinaglia e à Dinap, distribuidora líder de mercado de propriedade do Grupo Abril), e a obrigação de submeter quaisquer alterações no padrão de negócios dessas empresas à apreciação do conselheiro, que deverá aprovar ou não a mudança.

A Medida Cautelar vem ao encontro à solicitação do Idec – Instituto de Defesa do Consumidor e do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, que no mesmo dia protocolaram no Cade um pedido conjunto de impugnação do Ato de Concentração enviado pelo Grupo Abril ao órgão de defesa econômica. Segundo as entidades, a confirmação da fusão das empresas concentrará 100% do mercado de distribuição de revistas nas mãos do Grupo Abril, que passará a ter, além dos 70% já pertencentes à Dinap, também os 30% restantes do mercado que até então pertenciam à Fernando Chinaglia.

Segundo o Idec, caso a aquisição da Chinaglia pela Abril se concretize, podem haver prejuízos ao consumidor. “Sem competição, existe grande chance de que os preços de distribuição aumentem e sejam repassados ao consumidor final”, afirma Luiz Moncau, advogado da instituição. Moncau diz que o monopólio na distribuição pode diminuir os conteúdos disponíveis ao cidadão. “Tão importante quanto a questão dos preços é a possibilidade de que haja redução no número de publicações, já que a única distribuidora, agora de controle do Grupo Abril,  pode não ter interesse no conteúdo veiculado por outra editora e passa a contar com os instrumentos para interferir de maneira a lesar concorrentes. Com isso, perde o consumidor, que não terá acesso à toda diversidade de conteúdos que estaria disponível caso houvesse concorrência”.

O monopólio da distribuição de revistas se torna ainda mais problemático pelo fato da Abril ser também a líder do mercado editorial, configurando assim o que o Direito Econômico classifica como concentração vertical. Nesse sentido, afirmam as organizações, o poder econômico resultante da fusão terá a capacidade de impor unilateralmente as condições de mercado e, em última instância, determinar preços e quantidades ou excluir competidores. 

"Com o monopólio sobre esse mercado, o Grupo Abril poderá exercer seu poder econômico para limitar a circulação de publicações de editoras concorrentes, seja pelo interesse econômico, ou pelo interesse ideológico, o que oferece um grande perigo à liberdade de expressão e à livre circulação de idéias", afirma Bráulio Araújo, advogado do Intervozes. "Em uma democracia, deve haver a garantia da liberdade de expressão não apenas pela não restrição direta de conteúdos, mas também pela existência de uma estrutura de mercado que permita a ampla e livre divulgação das informações", diz.

De acordo com Ribeiro, "discutir os aspectos concorrenciais dessa concentração implica em considerarmos que não estamos falando de um produto qualquer, substituível, que pode deixar de estar nas prateleiras, mas sim de publicações que divulgam informações dirigidas à coletividade e que devem ter um caminho aberto para chegarem até os cidadãos. Nossa Constituição é bem clara ao estabelecer a proibição de qualquer tipo de monopólio, seja direta ou indireto, nos meios de comunicação". 

A Medida Cautelar imposta pelo conselheiro Paulo Furquim de Azevedo agora irá ao plenário do Cade, que pode ou não manter as restrições iniciais à aquisição da Fernando Chinaglia Distribuidora pelo Grupo Abril.

Editoras preocupadas

Tão logo foi anunciada publicamente, a compra da Chinaglia pela Dinap despertou preocupação naqueles que trabalham no mercado editorial. “A concentração de distribuição em um único grupo é preocupante, pois os outros editores acabam por se tornar reféns e não há pluralidade”, afirma Hercílio de Lourenzi, presidente da Editora Escala, que edita cerca de 150 publicações por mês, distribuídas atualmente pela Fernando Chinaglia. 

“Essa compra vai matar uma série de editoras que concorrem com a Abril em algum nível, vai eliminar do mercado as pequenas editoras”, avalia Renato Rovai, publisher da Revista Fórum. Para ele, a justificativa das empresas para não distribuir uma revista “nunca foi política ou editorial: vem travestida de argumentos técnicos”. Quando da criação da Fórum, ele procurou a Dinap, que exigiu um reparte mínimo para venda em banca. “A tiragem mínima exigida por eles é proibitiva para revistas que não são de caráter comercial. Eles criam uma linha de corte para quem eles não consideram conveniente distribuir, por motivos comerciais ou político-editoriais”. Ainda segundo o publisher da Fórum, “a distribuição é uma parte estratégica do negócio, e não há qualquer fiscalização. A Abril vai estabelecer uma ditadura das bancas”.

Insatisfeitas com a monopolização do mercado de distribuição, as pequenas editoras se organizam para intervir no processo. “Nós vamos nos somar a outras entidades e publicações independentes para discutir formas de garantir que essas publicações consigam disputar espaço nas bancas”, afirma Nilton Viana, editor do Jornal Brasil de Fato. De acordo com ele, os primeiros efeitos da fusão entre Dinap e Chinaglia, ainda que difusos, já são perceptíveis. “Por ‘coincidência’, há um mês a Chinaglia começou a colocar uma série de exigências que não existiam antes e que fariam parte da nova gestão, como o cumprimento de metas de vendas, que tendem a inviabilizar o nosso jornal”.

Vale lembrar que, atualmente, as principais revistas semanais – como a “Época” e a “Carta Capital”, que disputam mercado com a “Veja”, da Abril – são distribuídas pela Chinaglia.

Congresso Nacional

Membros do parlamento brasileiro também demonstram preocupação com a possível monopolização do setor de distribuição de revistas. Por sugestão dos deputados Devanir Ribeiro (PT-SP) e Celso Russomanno (PP-SP) , as comissões de Defesa do Consumidor e de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara aprovaram  a realização de audiência pública conjunta para debater a aquisição.

Ribeiro alerta para a gravidade do caso, que poderá criar problemas para as revistas concorrentes do Grupo Abril. “Cria-se praticamente um monopólio e isto interfere na liberdade de concorrência, prejudicando as empresas do segmento editorial, o consumidor e até mesmo a liberdade de imprensa.”, afirmou o parlamentar petista.

"Esse monopólio é preocupante. Trata-se de uma grande empresa editora exercer o monopólio de distribuição de publicações em todo o território brasileiro, inclusive todas as publicações de seus concorrentes", diz Russomanno.

A audiência, que estava marcada para a última quarta-feira, foi adiada devido ao cancelamento da presença dos representantes do Grupo Abril. Nova audiência está agendada para esta quarta, dia 5 de dezembro, às 11h.

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