As lições do caso Cisco

No ano passado, na comemoração dos resultados do exercício, na sede da Cisco Systems, em São Francisco (EUA), um quadro luminoso classificava o desempenho das subsidiárias da corporação. O Brasil estava no topo em matéria de expansão, ainda que respondendo apenas por 1% das vendas globais da companhia, cujo faturamento líquido foi de US$ 34,9 bilhões. Contudo, tanto a subsidiária brasileira da Cisco, como as de algumas dezenas de outras grandes corporações que atuam no país não divulgam os resultados de suas operações locais. Elas são, na esmagadora maioria, empresas de capital aberto, com papéis negociados em bolsas de valores, em seus países de origem.

Porém, aqui, a maioria dessas subsidiárias funciona como sociedade limitada, não anônima e, assim, não precisam divulgar seus balanços. Uma situação incômoda porque a falta de resultados auditados não só compromete a veracidade das informações prestadas, como a própria transparência da atuação das companhias em questão. Sem esquecer que as brasileiras que abrem seus dados reclamam do tratamento desigual.

No Brasil, houve tempo em que se falava na possibilidade de a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passar a exigir – pelo menos das mega-empresas – a divulgação de seus resultados no mercado local. Não deu em nada, para desespero de analistas e mídia especializada que, até hoje, lida com informações virtuais: “crescemos 100, 200, 300%”, percentuais que acabam por ser aplicados a valores “estimados pelo mercado”. E fica por isso mesmo. A prática é a mesma de companhias estrangeiras, com ou sem produção local.

Nesta semana, veio a público a operação Persona, encetada por Polícia e Receita Federal, que flagrou sonegação fiscal de R$ 1,5 bilhão perpetrada por empresas daqui e do exterior. Um bom momento, este, para avaliar, de novo, a possibilidade de exigir das empresas aqui instaladas – pelo menos daquelas de capital aberto, mas não exclusivamente – que prestem conta das suas operações locais. Mesmo que só 1% de um faturamento de US$ 34,5 bilhões seja quase nada, como disse a matriz da Cisco, quando se abateu sobre a sua subsidiária brasileira e outras tantas empresas locais e americanas um dilúvio de informações e contra-informações cujas provas ainda não foram devidamente apresentadas ao distinto público.

Faça o que eu digo…

Nos EUA, a Cisco System, como outras mega-corporações com ações negociadas em bolsas de valores, além das obrigações de transparência (tantas vezes desrespeitadas, aliás) estão enquadradas em várias leis anti-corrupção. Em tese tão estritas como a Lei Sarbanes-Oxley (SOX), criada em 2002 como resposta aos escândalos empresariais nos EUA e com objetivo explícito de dirimir fraudes e aumentar o rigor na fiscalização e controle de suas atividades e de seus funcionários. Contudo, ora a lei, como se vê!

Mas, se, até agora, praticamente não houve repercussão internacional do caso Cisco, o quadro certamente seria outro se a Securities and Exchange Commission (SEC), o xerife do mercado acionário americano, entrasse em cena para investigar se alguma de suas regras teria sido descumprida pela Cisco, que também está sujeita à lei Foreign Corrupt Practice Act (FCPA), mais uma destinada a acabar com práticas de corrupção.

O momento Persona também pode ser uma ótima oportunidade para avaliar os benefícios e malefícios de corredores de importação como Ilhéus, pelo visto, um propício caldo de cultura para a sonegação e a corrupção, tamanho o volume de benefícios concedidos. Sem fiscalização de contrapartidas, pelo visto. Bem ao contrário, com a ajuda e o beneplácito de fiscais da própria Receita. Igualmente merece ser olhada a legislação que passou a permitir a importação por conta e ordem de terceiros – mecanismo que, reconhecem fiscais da Receita, dificulta ainda mais o acompanhamento dos procedimentos que acobertam sub ou superfaturamento, conseqüentemente, sonegação, prejuízos nem sempre recuperáveis aos cofres públicos.

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