A opinião do Observatório sobre a disputa entre Record e Globo

Desde a semana passada, vieram à tona, por denúncia deste Observatório, irregularidades cometidas pela Record no uso da outorga da Rede Mulher, usada para transmitir a programação da Record News. O uso ilegal da concessão por parte da Record é apenas mais um exemplo do conjunto de ilegalidades praticadas por diversos grupos que operam emissoras de rádio e TV no Brasil.

Recebemos neste período vários questionamentos em relação a essa denúncia, por leitores que entendem que a entrada da Record News no mercado é um importante contraponto ao domínio da Globo, que conta com mais de 50% da audiência nacional, contra cerca de 16% da emissora que ocupa o segundo lugar, o SBT.

O Observatório do Direito à Comunicação tem sua curta história marcada por um trabalho permanente de defesa do interesse público nas comunicações. São notórias as constantes denúncias deste Observatório e de sua entidade mantenedora, o Intervozes, sobre as irregularidades de todas as emissoras, inclusive as das Organizações Globo, como comprova a própria matéria de capa veiculada entre terça e quarta-feira desta semana.

Acreditamos que a concorrência entre emissoras de TV tem efeitos positivos, tanto para o público quanto para o próprio mercado. Não é por outro motivo que temos feito questionamentos permanentes à ausência de regulamentação da proibição a monopólios e oligopólios, determinada no artigo 220 da Constituição Federal. No entanto, garantir a concorrência fazendo vistas grossas às poucas regras de controle de propriedade do setor significa abrir espaço para a barbárie generalizada.

Essa hipótese se comprova ao observar as notícias da Folha de S. Paulo desta quarta-feira, que divulgou que, “inconformada” com a abertura do sinal da Record News, “a Globo estuda abrir o sinal do canal pago Globo News”, e que “a emissora formalizou uma consulta ao Ministério das Comunicações sobre a legalidade de um mesmo grupo operar dois canais abertos numa mesma cidade, como fazem Record/Record News e Band/PlayTV”. A propriedade de dois canais para o serviço de radiodifusão de sons e imagens (televisão) na mesma localidade é atualmente proibida por lei e assim deve seguir sendo. A flexibilização dessa regra seria extremamente nociva para o setor.

Temos clareza dos efeitos benéficos da concorrência, mas também de seus limites e não acreditamos que a democratização da comunicação virá pelo simples fortalecimento do grupo que hoje disputa o segundo lugar na preferência dos telespectadores. Vale lembrar, inclusive, que trata-se de um grupo ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. A real democratização das comunicações depende de uma série de medidas, como o fortalecimento de um sistema público de comunicação, o endurecimento dos limites de propriedade, o estímulo aos meios comunitários e uma série de outros pontos, que devem ser discutidos numa Conferência Nacional de Comunicação ampla e democrática.

As irregularidades cometidas pela Record são apenas a ponta de um iceberg que  precisa ser desvendado por inteiro. Sua parte invisível guarda ilegalidades de quase todos os grandes grupos de comunicação no Brasil, entre eles a Globo e a Bandeirantes. Acreditamos estar cumprindo nosso papel ao trazer à luz aquelas irregularidades que conseguimos apurar. Entretanto, de nada adianta a denúncia pública se o Ministério das Comunicações e a Anatel não têm cumprido o papel de fiscalização do setor, a não ser para reprimir rádios comunitárias. É dessas instituições que devem ser cobradas medidas efetivas para garantir o respeito às poucas regras hoje existentes. Esperamos deles a ação imediata contra todas as irregularidades do setor.

 

Diogo Moyses e Michelle Prazeres, editores do Observatório do Direito à Comunicação.

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