Templos religiosos centenários já utilizam leis de fomento à cultura

A polêmica provocada pelo controverso Projeto de Lei do senador Marcelo Crivella [PRB-RJ] prossegue gerando indignação entre a classe artística e em grande parte do setor cultural. Uma petição virtual que reuniu na internet cerca de 25 mil assinaturas de pessoas contrárias à proposta deve ser entregue nesta semana ao deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ). Em trâmite no senado federal, a emenda propõe a inclusão de templos religiosos entre os beneficiários da Lei Rouanet de incentivo à cultura e ancora-se no argumento de que as religiões representam parte fundamental da cultura brasileira, e que, portanto, deveriam ser também contempladas na lei de fomento.

A defesa do senador, porém, sugere uma contradição, afinal, conservação e restauração do patrimônio histórico e cultural brasileiro, incluindo o de templos de qualquer religião, reconhecidos como patrimônio, já são atendidas não apenas por leis de fomento à cultura, mas também em fontes específicas de recursos, como o programa Monumenta, executado pelo MinC [Ministério da Cultura] com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID] e apoio da Unesco.

Desde 2000, o programa tem promovido obras de restauração e recuperação de bens tombados buscando conciliar ações estratégicas de desenvolvimento econômico e social que garantam a sustentabilidade do patrimônio. Atualmente 26 cidades participam do Programa, segundo o coordenador-adjunto do programa, Robson Almeida, “todas escolhidas de acordo com sua representatividade histórica e artística levando ainda em consideração a urgência das obras”.

“O Monumenta é implementado nas cidades a partir da assinatura de convênios firmados entre o MinC, prefeituras e Estados, nos quais se estabelecem as atribuições de cada uma das partes, valores a serem repassados e os prazos de execução das obras”, explica Almeida. De acordo com informações obtidas junto ao MinC e ao Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], o volume de recursos aplicado em 2006 foi de R$ 34,3 milhões e o montante previsto para 2007 é de R$ 70 milhões.

A coordenadora do programa em São Paulo, a arquiteta Edmeia Fioretti, informa que a cidade recebeu R$ 9,7 milhões, utilizados desde 2002 em diversas obras como o restauro de um coreto no Jardim da Luz e a reforma da capela do Mosteiro da Luz, ambos na região central da cidade. Embora não tenha uma opinião formada sobre a emenda do senador Crivella, observa que, no âmbito do programa Monumenta, “não há nenhuma restrição para templos religiosos”.

Marcio Oliveira, responsável pela Comissão de Bens Culturais da Igreja de São Paulo, também prefere não opinar sobre o projeto em trâmite no senado, mas defende que o debate deveria focar outras questões relacionadas à Lei Rouanet, como a burocracia em casos de patrimônio histórico. “Sei que é uma tramitação necessária, mas alguns órgãos demoram muito para dar um parecer”. Oliveira cita como exemplo o caso típico das igrejas em São Paulo. Em geral, são tombadas pelo Estado, mas algumas, por sua localização, precisam também de aprovação do município, gerando com isso, claro, mais lentidão.

Via crucis

Os imóveis tombados em São Paulo que podem ser inscritos na Lei Rouanet no segmento de patrimônio histórico, em sua maioria, são de igrejas católicas. “São preservados os edifícios centenários que tenham importância arquitetônica. Como a colonização foi católica, e o Império patrocinava as instituições da Igreja Católica, até a proclamação da República igrejas e capelas aparecem como quase a totalidade dos imóveis utilizados como local de culto”, explica Regina Célia Sasso Pereira, arquiteta responsável pelo projeto de restauro e reforma da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Santa Ifigênia, centro de São Paulo, aprovado na Lei Roaunet.

O exemplo da igreja de Santa Efigênia exibe a dimensão da via crucis burocrática que um projeto de restauração de patrimônio histórico enfrenta em certos casos. Localizada em uma região deteriorada da capital paulista, a igreja foi tombada em 1992, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo [CONPRESP] em nível total de proteção, ou seja, deve ser integralmente preservado. No entanto, segundo Regina, o calvário que enfrenta para viabilizar a restauração do templo já completou oito anos. “É tudo muito demorado, só na Secretaria da Habitação foram dois anos para a aprovação”, desabafa Regina.

Ela conta que, após muita labuta, o projeto foi aprovado pelo Minc em janeiro de 2006. Apesar de comemorar o resultado, foi só o início de mais um desafio: conseguir junto à iniciativa privada os recursos para a obra orçada em R$ 8 milhões. Conhecedora dos desafios da cultura no Brasil, em especial do patrimônio histórico, adverte para os riscos da proposta do senador Crivella. “É preciso tomar cuidado para não confundirmos o escopo das leis de fomento à cultura, afinal, se o templo religioso, seja ele de qualquer religião, tiver valor histórico e cultural, já pode utilizar a lei”.

A arquiteta explica que apesar de São Paulo contar com um grande número de templos de outras religiões devido à presença dos imigrantes, ainda não houve destaque desses prédios religiosos para abertura de processos de tombamento. No entanto, os órgãos de preservação [CONPRESP, CONDEPHAAT e IPHAN] também se voltam para o tombamento da cultura imaterial, que inclui tradições, folclore e memória, abrangendo alguns cultos, como o candomblé.

Em São Paulo, existem diversas edificações tombadas, ligadas a cultos. Entre eles, Igreja de São Cristóvão, Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, Mosteiro e Igreja de São Bento, Capela dos Aflitos, Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Igreja Evangélica Luterana de São Paulo, edifício da Congregação Israelita Templo Beth-El, Terreiro de Candomblé Aché Ilê Oba, Colégio Batista Brasileiro, Círculo Esotérico e o Instituto Mackenzie.

 

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