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Nova versão deve ser votada em agosto

[Título original: Democratização da cultura: Nova Lei Rouanet será votada em agosto]

A Lei Rouanet completa 18 anos com um acúmulo significativo de distorções. Os benefícios da legislação se distribuem desigualmente pelo país, com hegemonia da região Sudeste, ou seja, centrados no eixo Rio de Janeiro e São Paulo. O projeto, que é chamado de nova Lei Rouanet, deve chegar ao Congresso apenas depois do recesso de julho. A previsão é de que a votação ocorra em agosto.

Os recursos da Lei Rouanet, principal mecanismo para o financiamento da cultura no país, concentram-se nas mãos de poucos e isso não é novidade. Metade de todo o dinheiro que a lei torna disponível é captado por apenas 3% das empresas e entidades que apresentam projetos culturais em busca de patrocínio. O Ministério da Cultura e parte do setor cultural concordam que tal concentração distorce a real função da Lei e que projetos de grande porte e maior apelo de marketing levam vantagem. A nova lei quer justamente alterar o modelo usado atualmente e corrigir a distribuição desigual de recursos, além de acabar com a cobrança elevada dos ingressos para espetáculos culturais no País.

A consulta pública ao projeto de lei que o governo federal propõe encerrou em maio deste ano com cerca de 2 mil sugestões. Representantes do MinC participaram de debates em 14 capitais, que reuniram cerca de 7 mil pessoas: Porto Alegre, Brasília, Recife, Campo Grande, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Macapá, Manaus, Rio Branco, Maceió, Goiânia. Artistas como Alceu Valença, Beth Carvalho, Carlinhos Brown, Ivaldo Bertazzo, Chico César e Lula Queiroga apóiam as mudanças e diversos produtores culturais criaram um abaixo assinado em favor da nova lei, na internet (que pode ser acessado em http://www.petitiononline.com/rouanet/petition.html).

Quem critica o projeto, aponta principalmente as linhas do documento que fazem referência aos direitos autorais. Produtores culturais afirmam que o texto deixaria brechas para que o governo federal fosse o detentor dos direitos sobre as obras. Segundo o ministro da Cultura, Juca Ferreira, “o direito autoral é extremamente respeitado, mas é um absurdo que o estado tenha que pagar para publicar livros que serão utilizados em escolas públicas, por exemplo. Esgotado o valor comercial, a obra poderá ser usada em bibliotecas e escolas. A polêmica foi gerada por um problema de má redação, que já está resolvido”.

A principal mudança em relação à versão da Lei Rouanet que está em vigor é a ampliação da faixa de isenção de Imposto de Renda para as empresas que optarem por financiar projetos culturais. Hoje existem apenas duas faixas de isenção: 30% e 100%. Se a nova lei for aprovada, serão incorporadas outras quatro: 60%, 70%, 80% e 90%. “O medo é um instrumento permanente para evitar ou retardar os processos importantes de mudança no país. Depois de dezoito anos, podemos ter um processo importante e inteligente, mas não a democratização da cultura. A mudança na Lei é um processo de democratização. As parcerias público-privadas são importantes, mas precisam ser saudáveis. É necessário mais rigor e transparência, porque é um escândalo que 80% dos projetos se concentrem em apenas dois estados”, resumiu o ministro durante debate aberto ao público sobre a Rouanet, em Porto Alegre.

Os critérios para o uso dos impostos serão estabelecidos por um conselho composto por governo e sociedade civil que poderá interferir na faixa de renúncia e verificar se a proposta de financiamento atende a projetos de diversas áreas culturais e com preços mais acessíveis à população. O projeto também prevê mudanças no Fundo Nacional de Cultura, que terá recursos do Tesouro Nacional. Outra proposta é a implementação de um “Vale Cultura” no valor de R$ 50 para ser utilizado em espetáculos de artes visuais, teatro, cinema, música e patrimônio cultural. “O Vale Cultura promete 16 milhões de brasileiros atuando no consumo cultural no Brasil em pouco tempo”, explica Juca Ferreira. A idéia é injetar mais de R$ 7 bilhões por ano na economia da cultura.

Os investimentos do governo federal na cultura se dão fundamentalmente de duas maneiras: por meio da Lei Rouanet (que regulamenta as doações de empresas para os projetos aprovados pelo MinC) e por meio do Fundo Nacional de Cultura, que são os investimentos diretos. As mudanças mais debatidas referem-se a esta proposta de maior valorização do Fundo (apenas 12% do estímulo à Cultura vem dele, enquanto mais de 70% sai da renúncia fiscal), que incluirá incentivos por meio de parcerias, empréstimos a juros baixos e sociedades entre produtores culturais e o próprio governo federal.

O blog de debates sobre a reforma da Lei Rouanet, hospedado na página eletrônica do Minc, já recebeu mais de 100 mil visitantes, desde outubro de 2008. Idealizado para ser um canal de diálogo entre o governo federal e a opinião pública, o espaço virtual conta com a participação de renomados artistas nacionais, produtores culturais e intelectuais. No período em que a legislação esteve sob consulta pública – de 23 de março a 6 de maio deste ano -, no endereço eletrônico da Casa Civil da Presidência da República, o Blog do MinC (http://blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet) serviu como importante instrumento de apoio às discussões. Para Juca Ferreira, o debate foi importante “porque a cultura tem que ter um pé no chão para poder voar”.

TEXTO DA PETIÇÃO ON LINE A FAVOR DA NOVA LEI

Vamos mudar a Rouanet – Arte por toda parte

A cantora Beth Carvalho, o coreógrafo e diretor Ivaldo Bertazzo e o compositor e cantor Lula Queiroga publicaram na Folha de S. Paulo uma defesa dos novos mecanismos de financiamento da cultura no Brasil. "AS ARTES são o oxigênio da cultura de um país. No caso do Brasil, refletem a grande diversidade de nosso povo. Refletem as vivências no campo, nas metrópoles, nos periferias, na floresta, na caatinga, no cerrado e no pantanal. São também um de nossos principais produtos de exportação e, com o futebol, o que nos identifica em todo o mundo como um povo original e único”, diz o texto.

E segue:

Um patrimônio dessa qualidade precisa de um incentivo econômico à altura de sua importância. Precisa também estar na ordem do dia do debate público nacional e das definições estratégicas de nosso país. E deve ser visto como um elemento vital para nosso desenvolvimento como nação num mundo em que a produção simbólica e de conteúdo ganha importância econômica. Principalmente em um momento de crise financeira como o que vivemos agora -em que a produção cultural pode ser um dos elementos para alavancar o crescimento do país.

Uma política de Estado para as artes deve levar em conta tudo isso e, mais, garantir a valorização dos nossos artistas consagrados ao mesmo tempo em que amplia as oportunidades para quem está começando. Nas periferias, nos centros urbanos e também no interior, em todos os cantos do Brasil surgem a cada dia novos talentos. E que, muitas vezes, não têm acesso aos recursos públicos de incentivo à cultura. Para dar oportunidade a todos esses artistas, chegou a hora de atualizar a Lei Rouanet. Precisamos de um instrumento legal que permita novas formas de fomento para a cultura, especialmente para as artes, que permitam uma gama maior de recursos para o setor.

A renúncia fiscal é um mecanismo importante, mas nitidamente insuficiente para dar conta da quantidade e diversidade de demandas culturais de nossos músicos, produtores, artesãos, dançarinos, atores, diretores, artistas circenses e de tantas formas de expressão de nossa diversidade de sermos brasileiros.

Em todo o país, o enorme volume de projetos aprovados no Ministério da Cultura e que não conseguem captar recursos é uma prova viva dessa insuficiência. É necessário, portanto, oferecer novas oportunidades de financiamento para todos os tipos de artista.

A proposta do governo federal para a reformulação da Lei Rouanet está aberta para consulta pública, numa grande e inédita convocação ao debate democrático.

O acesso aos recursos públicos precisa ser qualificado a partir de critérios de avaliação transparentes, específicos para cada setor e região de atividade cultural. Discutir esses critérios à luz do dia, como estão propondo o ministro Juca Ferreira e sua equipe em todas as suas aparições públicas, é um expediente democrático da maior importância para a saúde da República. E nós, artistas, estamos e continuaremos participando disso.

Outro avanço é a criação do Fundo Setorial das Artes, que deve fortalecer o financiamento de projetos de diferentes áreas, como música, dança, artes visuais, teatro e circo.

Assim como vem sendo feito pelo Fundo Setorial do Audiovisual. Mas esperamos que os projetos sejam avaliados por nós próprios, artistas, produtores e especialistas com vivência específica de cada linguagem artística.

Consideramos necessário, também, fortalecer o orçamento público da cultura no Brasil. Oxalá o Congresso Nacional seja sensível a essa necessidade e aprove a proposta de emenda constitucional 150, que exige dos governos federal, estaduais e municipais um mínimo de investimento em cultura.

A cultura sempre fez parte do dia a dia de todo cidadão brasileiro e vem ganhando cada vez mais peso na economia do país. Chegou finalmente a hora de colocá-la no centro do debate político e da discussão sobre qual país queremos construir. E essa conquista é uma missão de todos nós: artistas, público, produtores, trabalhadores da cultura, governo e patrocinadores.

A discussão da nova lei de fomento à cultura é a consagração desse esforço. Esperamos que a sua aprovação pelo Congresso Nacional também o seja”.

Grupo propõe mecanismo para garantir recursos ao FNC

Termina na próxima quarta-feira o prazo para consulta pública ao novo texto da Lei Rouanet. É quando o governo passa a incorporar as principais propostas de artistas, produtores e instituições recebidas em cerca de 40 dias e fazer alterações no anteprojeto de lei. Na sexta-feira, um movimento teatral de São Paulo apresentou aquela que está sendo considerada uma das melhores propostas até agora ao projeto, inclusive pelo governo. A sugestão tenta equacionar a aparente oposição entre renúncia fiscal e fundo de cultura. O autor da emenda ao Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Profic, base da lei) é o Movimento 27 de Março, o mesmo que liderou a ocupação da Funarte em março e reúne cerca de 100 grupos de artes cênicas.

A proposição é simplíssima. O texto atual não fixa porcentuais nem valores para renúncia fiscal e Fundo Nacional de Cultura. É muito vago. Ele então seria modificado para acomodar a seguinte redação: o que for destinado à renúncia fiscal também deverá ser colocado no fundo. O fundo nunca poderá ter recursos inferiores àqueles destinados à renúncia fiscal. No exercício de 2009, o valor destinado à renúncia fiscal é de R$ 1,3 bilhão. Pela nova redação, o novo fundo de cultura receberia também R$ 1,3 bilhão. O texto proposto não afronta a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), legislação federal que impede a fixação de valores e percentuais em novos textos legislativos, e também não esbarra na Lei de Responsabilidade Fiscal.

"Tudo ainda envolve uma discussão com a Receita Federal e a Casa Civil", diz Alfredo Manevy, secretário executivo do Ministério da Cultura. Mas ele saúda a proposta do Movimento 27 de Março como "superinteressante" e diz que vai na mesma direção das intenções do ministério. "É um mecanismo de Estado, fixo em lei, e que cria segurança. É uma ideia muito boa", afirmou Manevy. O produtor teatral Luiz Carlos Moreira, da comissão do Movimento 27 de Março que negocia com o governo, diz que o grupo é contra o mecanismo do incentivo fiscal e se recusa a discutir o incentivo ao mercado. "Não vamos legalizar a ação da raposa dentro do galinheiro."

Mas a proposta, diz ele, visa a garantir primeiramente os recursos para a cultura. "O governo diz que entende a cultura como necessidade, direito e dever do Estado. Nós também. O governo diz que isso está contemplado no Fundo Nacional de Cultura. Não está, porque não está no texto da lei. Do jeito que está, o governo põe quanto quiser e, nesse sentido, a lei é inócua."

Luiz Carlos Moreira diz que o movimento ainda reivindica outros pontos, como programas setoriais de artes, criados por leis específicas, e políticas públicas "para além do governante de plantão". Manevy, do MinC, diz que nesse período o governo recebeu centenas de contribuições à lei. Acha que vai chegar ainda mais coisa até o último dia, e considera que está havendo um "debate público fantástico" sobre cultura. Manevy estima que vai levar ainda entre 20 dias a um mês para "formatação do texto e interlocução com o campo cultural" até que o texto chegue ao Congresso.

Título original: "
Como resolver o impasse de uma lei"

Reforma não altera essência do modelo, afirmam produtores

O Ministério da Cultura (MinC) apresentou no último dia 23 de março suas propostas de revisão da Lei Federal de Incentivo à Cultura (8.313/91), conhecida como Lei Rouanet. Prometida há cinco anos, o projeto foi alvo de enorme expectativa, sobretudo pelos defensores de maior eqüidade nas políticas de financiamento da cultura no país. Como já era esperado, assim que foi divulgada, a proposta passou a ser alvo de críticas por alguns representantes do setor do "mainstream" artístico nacional.

A novidade agora é a origem dos questionamentos, oriundos não mais apenas dos tradicionais setores famosos por rotular qualquer qualificação da participação do Estado ou da sociedade na gestão dos recursos para a área como “dirigismo cultural”. Pensadores e ativistas comprometidos com a democratização do setor também avaliam que há fragilidades e limites no texto apresentado pelo MinC.

Na defesa do projeto, o ministro da cultura, Juca Ferreira, costuma atacar a concentração de recursos em grandes produtores e as disparidades regionais nos investimentos realizados via Lei Rouanet. Mas, para agentes do setor ouvidos pelo Observatório do Direito à Comunicação, o que é vendido como uma grande virada na política de financiamento cultural, na prática, não traz alterações radicais no modelo, embora tente moralizar os consagrados mecanismos de renúncia fiscal.

A proposta do MinC prevê a substituição dos percentuais fixos de renúncia, de 30% e de 100%, para índices variáveis de 30%, 60%, 70%, 80%, 90% e 100%, que serão definidos por uma comissão com participação de representantes da sociedade. Contudo, não altera a predominância da lógica consagrada pela Lei Rouanet, na qual as empresas podem optar pelo investimento em iniciativas culturais em troca de isenção do pagamento de impostos.

Essência mantida

Alguns críticos questionam o modelo por ser baseado na gestão privada de recursos públicos, acabando por privilegiar os investimentos de empresas em projetos voltados à promoção de suas marcas, como grandes espetáculos. A conseqüência é a concentração dos recursos em produções de alto custo no eixo Rio-São Paulo, enquanto uma parcela reduzida das verbas incentivadas é disputada por projetos de médio porte em outras regiões, sem falar naquelas iniciativas que sequer conseguem acessar o mecanismo.

“Os ajustes que estão sendo feitos são sobre uma base errada, porque não mudam o principio básico”, afirma Sharon Hess, diretora-geral da agência Articultura. “Trata-se de repasse de dinheiro público com critérios privados, e isso fere qualquer princípio republicano”, emenda. A crítica é compartilhada pelo diretor de teatro Pedro Pires, da Companhia do Feijão. “Somos pela extinção desta política de renúncia fiscal”, diz. “Mas já sabemos por experiência própria que, se não houver políticas públicas, ficaremos nas mãos do governante de plantão.”

Para Leonardo Brant, editor do site especializado Cultura e Mercado, é preocupante a forma como a equipe do MinC conduziu o debate até a formulação da proposta. “Tudo bem começar do zero, se fosse um projeto que alterasse a lógica da predominância do financiamento privado à cultura”, diz. Mas, ao contrário, o texto “mantém a lógica e apenas transfere o poder [de definição sob o destino dos recursos] para o governo”, conclui.

A despeito das reticências, há um reconhecimento de que o texto consegue, ao menos, moralizar em alguma medida a distribuição desses recursos, mas nada que se compare às pretensões sugeridas anteriormente por dirigentes da pasta. Segundo Sharon Hess, já havia um diagnóstico correto na gestão de Gilberto Gil sobre os limites da Lei Rouanet. “Não mudou nada de lá para cá. Isso poderia ter sido enfrentado lá no começo”, lamenta.

Critérios públicos

Um dos limites apontados na proposta é a falta de clareza nos artigos que tratam dos novos critérios para a definição do índice de renúncia fiscal que um patrocinador pode se valer para financiar um projeto cultural. “É preciso saber quais são os critérios para distribuir o dinheiro. Eles não estão estabelecidos e devem estar regidos por uma política pública que não existe”, afirma Sharon. “Ainda não existe um plano estratégico, racional e detalhado. Tenho receio se ele vai funcionar sem regras.”

A grande novidade em relação aos critérios é a criação de uma Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, que decidiria sobre o destino dos recursos a fundo perdido e estabeleceria os critérios para a captação de recursos incentivados. O órgão é considerado um avanço, mas que ainda se ressente de uma definição mais objetiva e que isole as alegações de supostas tentativas de “dirigismo cultural”.

“Melhor que seja através de uma Comissão do que de um gabinete. Precisa haver critérios para a liberação de recursos” acredita Geraldo Moraes, diretor de cinema e membro da Coalizão Brasileira pela Diversidade Cultural. “Se houvesse recurso para todo mundo não seria necessário, mas existe um funil. Agora a questão é discutir a composições deste órgão”, justifica.

Mesmo assim, a Comissão proposta, de composição paritária entre poder público e sociedade civil, já vem sendo alvo de ataques por parte dos grandes produtores e de atores consagrados. Na avaliação de Sharon Hess, a crítica ao dirigismo é mais um jogo que os atuais beneficiados fazem contra o estabelecimento de critérios públicos de financiamento. “Claro que queremos que a cultura seja livre, que haja liberdade de expressão. A questão é que o é dinheiro é público e limitado, portanto, haver regras é fundamental e isso não pode ser chamado de dirigismo”, explica.

Fundo

Mantida a essência do investimento por meio de incentivo fiscal com critérios ainda incertos, a democratização do acesso ao financiamento para a cultura dependeria de uma ampliação do volume de recursos públicos não incentivados. A solução da proposta do MinC é a racionalização do Fundo Nacional de Cultura, com sua divisão em seis fundos setoriais, mas ainda com perspectivas reduzidas de novos recursos.

Geraldo Moraes acredita que a Lei Rouanet foi importante em certo momento devido à ausência de investimentos no governo Collor, mas não conseguiu, de fato, gerar uma política pública de investimento na cultura. “O empresário está mais interessado em que funcione o seu supermercado, o resultado cultural é secundário. Por isso acho que a idéia dos fundos é importante”, avalia. “É preciso criar um mecanismo que não seja tão dependente de departamentos de marketing e que não torne a arte um supérfluo de outra atividade”, defende.

Para Moraes, “é válida e necessária a proposta dos fundos, e também das faixas de renúncia. A partir daí a discussão passa a ser se eles são suficientes.” Para que o atual formato seja melhorado, é preciso que o Ministério e o Congresso Nacional, onde o projeto irá tramitar, estejam abertos à opinião dos interessados na questão. “A participação da sociedade é fundamental neste sentido. Cada setor passa ser importante e precisa ser ouvido”, diz.

Na opinião de Sharon Hess, o centro da reforma proposta pelo MinC deveria ser o fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura, que sofre com a escassez de recursos. “A pauta do discurso do governo está errada, porque se baseia na mudança da Lei Rouanet e não na valorização do Fundo”, afirma.

Manifestações menos privilegiadas

Pedro Pires é cético em relação às alterações propostas pelo MinC. Para ele, é preciso pensar as políticas culturais de maneira estrutural e como garantidora da continuidade do trabalho artístico, que não estaria contemplada pelo novo texto. “Da parte dos grupos, essa nova lei não traz nada de concreto. Não significa uma grande mudança”, pontua.

As companhias de teatro experimental estão entre os setores que não conseguem facilmente financiamento via Lei Rouanet. “O fato é que a maior parte dos recursos fica nas mãos de poucos, é uma política de exclusão. As empresas estão preocupadas com a divulgação das marcas, e o que dá mais retorno de imagem é ator da Globo, a indústria cultural. A questão é que a arte não cabe na lógica do mercado, ela pertence a outra esfera, ou então vira simplesmente linha de montagem”, analisa.

Ousadia para mudar

Se a gestão de Gilberto Gil à frente do ministério é elogiada por levantar debates importantes, muitas de suas aspirações não puderam ser efetivadas. Esperava-se, então, que seu sucessor levasse a cabo as agendas inconclusas da política defendida pelo ex-ministro. Na avaliação de Sharon Hess, faltou habilidade política por parte dos dirigentes da pasta. “Toda vez que o ministério propõe mudanças, os atuais beneficiados chiam”, comenta.

“Precisamos consolidar o programa Cultura Viva, as políticas audiovisuais. A Política de Gil é muito ousada. Parece que tudo está perdido, mas não está. Ainda há tempo de consolidar alguma coisa” espera Leonardo Brant. “Precisamos recolher e preparar o contra-ataque, que se dará na sociedade civil e não no governo”, defende.

Governo quer incentivar abertura de salas de cinema em cidades pequenas

Brasília – A modificação na Lei Rouanet (Lei 8.313/91) que estende o benefício da dedução do Imposto de Renda (IR) para empresários que construírem salas de cinema e teatro em cidades com menos de 100 mil habitantes visa a reverter o atual quadro de concentração de salas de exibição em grandes centros urbanos.

A lei que alterou a Rouanet (Lei 11.646) foi sancionada pelo presidente Lula no último dia 10 e prevê o incentivo tanto para projetos culturais de acesso gratuito para o público como para sessões pagas.

Antes, os contribuintes podiam deduzir do IR valor referente a doações e patrocínios somente para projetos de artes cênicas; livros de valor artístico, literário ou humanístico; música erudita e instrumental; exposições de artes visuais; doações de acervos para bibliotecas públicas, museus, arquivos públicos e cinematecas; produção de obras cinematográficas e de vídeo de curta e média metragem; e preservação do patrimônio cultural.

A Lei Rouanet prevê que o doador ou o patrocinador poderá deduzir, do imposto devido na declaração do IR, 80% do valore destinado ao projeto cultural no caso de pessoas físicas. No caso de pessoa jurídica, a dedução é de 40% do valore referente a doações e 30% se o apoio foi em forma de patrocínio. O valor a ser abatido não pode ultrapassar  4% do valor total do imposto devido no caso das pessoas jurídicas e 6% no caso de pessoas físicas.

Os projetos que podem ser patrocinados são aqueles aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC). 

Guilherme Fontes terá de devolver quase R$ 36 milhões

O governo federal determinou ontem que o ator Guilherme Fontes e sua sócia, Yolanda Machado Medina Coeli, devolvam R$ 35,9 milhões aos cofres públicos por irregularidades na produção do filme Chatô, O Rei do Brasil. Fontes recebeu os recursos federais para fazer o filme, mas não concluiu a obra.

A decisão é da Controladoria-geral da União (CGU), que analisou uma auditoria realizada na Agência Nacional de Cinema (Ancine) e ratificou as irregularidades. Em 1995, a Guilherme Fontes Filme Ltda, empresa de Fontes e Yolanda, captou R$ 8,6 milhões com base na Lei Rouanet para filmar a biografia de Assis Chateaubriand, escrita por Fernando Morais. Mas as filmagens de Chatô foram interrompidas em 1998, por falta de verba para custeá-lo.

Como até hoje a fita não foi entregue, a CGU determinou a devolução do dinheiro em valores atualizados pela inflação. O parecer da CGU será enviado ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, que deverá encaminhá-lo ao Tribunal de Contas da União (TCU), para nova análise.

Em 2002, a empresa de Fontes solicitou à Ancine novo prazo para a conclusão do filme, até 2005, mas o pedido foi negado. A agência justificou a negativa com o argumento de que a empresa queria transferir a execução para outra produtora.

Em 2006, ele foi condenado pelo TCU a devolver R$ 15 milhões pela não-entrega da série de 36 documentários 500 Anos de História do Brasil. O tribunal julgou irregulares as contas da Guilherme Fontes Filmes Ltda. Embora 13 episódios tenham sido produzidos e até mesmo exibidos no canal a cabo GNT, a série, um subproduto do projeto Chatô, não havia sido concluída. Em seu relatório, o ministro do TCU Marcos Bemquerer Costa disse que ficaram comprovados "dano ao erário e infração às normas legais".