Democracia da Rede Globo não resiste à menor análise

A defesa da democracia feita a todo o momento pela Rede Globo é na verdade uma grande mentira – e uma hipocrisia. Na prática, os diretores da Vênus Platinada não adotam esta postura, como demonstra um fato ocorrido nestes dias. Integrantes da chapa 2, Luta Fenaj, que se opõem à atual diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) nas próximas eleições da entidade (16 a 18 de julho), foram à sede da emissora para apresentar aos jornalistas que lá trabalham a plataforma desta corrente, que, por sinal, passa pela defesa intransigente da democratização da comunicação. 

Na entrada da emissora, na rua Von Martius, no Jardim Botânico, os integrantes, entre os quais o candidato a presidente da chapa, Dorgil Marinho, dirigente do Clube de Imprensa de Brasília, não receberam autorização para entrar. Os jornalistas queriam aproveitar a passagem de Dorgil pelo Rio para ir à Rede Globo, como foram em outras empresas jornalísticas para exercer o prosaico direito de divulgar entre seus pares as suas propostas.

Depois disso, os jornalistas do Luta Fenaj protocolaram uma carta para o diretor geral da Rede Globo, Calos Henrique Schroeder, com o pedido formal de autorização para o ingresso nas redações da empresa. Foi lembrado no pedido que faz parte da democracia o contato de candidatos de uma chapa sindical com a sua base.

Schroeder simplesmente não deu nenhum tipo de resposta, a forma que a Rede Globo encontra para negar pedidos que não agradam a empresa. Este mesmo Schroeder agiu do mesmo modo quando do trágico episódio que resultou no assassinato do jornalista Tim Lopes. Nenhum tipo de resposta foi dado aos jornalistas que quiseram aprofundar a questão e não aceitaram a versão oficial da Rede Globo sobre o caso do repórter. Isto é democracia? Isto é liberdade de imprensa? A Rede Globo deu toda a cobertura às homenagens pelo quinto ano da morte de Tim Lopes, inclusive divulgando com maior estardalhaço outdoors em vários bairros do Rio, uma realização da Fenaj e do Sindicato dos jornalistas cariocas. E quem teria bancado a campanha publicitária?

Em outros tristes episódios em que jornalistas foram assassinados, a Fenaj não teve o mesmo tipo de procedimento como no caso de Tim Lopes. Recentemente, até lançou uma nota condenando o assassinato do jornalista Luiz Carlos Barbom Filho, de 37 anos, mas colocou em dúvida sua condição de jornalista. Luiz Carlos foi morto a tiros por denunciar, em reportagens, a pedofilia praticada por vereadores de uma cidade no interior de São Paulo. Esquizofrenicamente, a diretoria da Fenaj chegou a dizer textualmente que "Luiz Carlos Barbom Filho, apesar de se auto-intitular, não era jornalista de fato e de direito" e que "o jornal de sua propriedade, Realidade, foi fechado pois nunca esteve regularizado". Se dependesse da diretoria da Fenaj, a opinião pública não saberia o motivo pelo qual o jornalista fora assassinado.

Quando jornalistas da própria Rede Globo questionam a emissora, como aconteceu recentemente com o repórter Rodrigo Viana, que denunciou a cobertura facciosa das últimas eleições presidenciais, a direção obriga seus funcionários a assinarem uma nota de defesa da empresa, nota esta que acabou sendo firmada pela atual diretora da Fenaj, Beth Costa, uma das editoras do Jornal Nacional.

Quando uma sindicalista adota esse procedimento, compromete a própria diretoria sindical da entidade a que pertence, até porque para assinar um documento dessa natureza a sindicalista provavelmente consultou a direção da Fenaj.

Bombardeio midiático conservador

É importante a opinião pública ser informada sobre o fato, sobretudo neste momento em que a TV Globo quase diariamente faz uma verdadeira lavagem cerebral para induzi-la a acreditar que a não renovação do canal da RCTV, na Venezuela, é um ato arbitrário contra a democracia e a liberdade de imprensa. A Rede Globo não é imparcial; defende interesses econômicos poderosos, os seus em particular. Querem os diretores, como Schroeder ou Ali Kamel, evitar que o público brasileiro seja informado de que vários canais de televisão nacionais, alguns deles afiliados à Globo, terão que ter renovadas as suas licenças para continuar ocupando o espectro eletro-eletrônico, as tais ondas hertezianas, como preferem alguns.

Diferentemente da legislação venezuelana, aqui no Brasil a renovação passa pelo Congresso, cujos integrantes evitam também colocar o tema em discussão. Se por acaso alguém lembrar ou questionar a necessidade de ao menos se discutir a matéria, os barões da mídia conservadora colocarão esta figura fora do circuito informativo. Em outras palavras, quem exigir algum tipo de debate sobre o tema vai cair no ostracismo, sobretudo na Rede Globo. Querem um exemplo concreto? O ex-senador Saturnino Braga, quando era deputado, nos anos 60, presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o grupo Time-Life, o tal que favoreceu ilegalmente a Globo, ajudando a emissora da família Marinho a dar a sua arrancada. A consolidação, vale sempre lembrar, aconteceu no período ditatorial em que a Vênus Platinada tornou-se na prática um órgão oficial dos generais de plantão que comandavam o país a ferro e fogo. Saturnino deixou de aparecer na tela da Globo durante mais de 30 anos, mesmo no período em que foi prefeito da cidade do Rio de Janeiro. Foi a vingança.

Debate que não pode ser evitado

Diante destes e muitos outros fatos, que passam pela manipulação da informação mais recente e em outros períodos, como o caso Proconsult (eleição no Estado do Rio de Leonel Brizola em 1982), a eleição presidencial de 1989 e a de 2007, a constante criminalização do movimento social, em particular do MST, a cobertura sobre a não renovação do canal da RCTV na Venezuela e os espaços concedidos a figuras que demonstram seu ódio contra o Presidente Hugo Chávez, com mentiras e meias verdades, podemos afirmar, sem medo de cometer injustiça, que a Rede Globo não é democrática. Seu jornalismo se caracteriza pela manipulação da informação e pela adoção do esquema do pensamento único. De vez em quando, numa tentativa de demonstrar que dá espaço para o outro lado, apresenta uma ou outra opinião contrária a um determinado fato, mas que basicamente não afeta no computo geral.

Esta é uma realidade que políticos e alguns sindicatos de jornalistas e mesmo a atual diretoria da Fenaj não enfrentam. Preferem silenciar ou, de vez em quando, também lançar notas oficiais que não passam de retórica. Na prática, como no caso Tim Lopes, por exemplo, vestiram até a camisa da Rede Globo, a empregadora do repórter assassinado.

Outras Globos existem no Brasil e na América Latina, como a RCTV, que não foi fechada, como afirmam a todo o momento articulistas notórios, mas apenas não teve o canal aberto renovado, mas continua com direito de funcionar como TV a cabo, via satélite ou na Internet.
Este patronato está preocupado, isto sim, com a quebra do monopólio exercido por algumas famílias na área midiática aqui no Brasil e ainda pelo fato de que, apesar das restrições do conservadorismo, a questão da democratização da comunicação está ganhando a cada dia novos espaços de discussão e de apoio. Ou seja, parte considerável da opinião pública começa a entender que não se pode aprofundar o processo democrático sem a democratização da comunicação, para evitar que versões sobre determinados fatos virem verdades absolutas.

O processo de discussão seguirá adiante, independente da vontade dos big-shots midiáticos. O ódio a Chávez, um dos poucos governantes latino-americanos que enfrenta o poder do monopólio midiático, vai aumentar. Porém, quer queiram ou não Condoleezza Rice e os papagaios de pirata do Departamento de Estado norte-americano, a história não acabou, muito menos a discussão sobre a democratização da mídia pode ser detida.

É por aí que se explica a postura da Rede Globo de Televisão e de figuras menos votadas nos mais diversos setores.   

* Mário Augusto Jakobskind é jornalista e escritor. Foi colaborador dos jornais alternativos Pasquim e Versus, repórter da Folha de S. Paulo (1975 a 1981) e correspondente da Rádio Centenária de Montevideo, além de editor de Internacional da Tribuna da Imprensa (1989 a 2004) e editor em português da revista cubana Prisma (1988 a 1989). Atualmente é correspondente do semanário uruguaio Brecha e membro do conselho editorial do Brasil de Fato. É autor, entre outros, dos livros América Que Não Está na Mídia (Adia, 2006), Dossiê Tim Lopes – Fantástico/Ibope (Europa, 2004), A Hora do Terceiro Mundo (Achiamê, 1982), América Latina – Histórias de Dominação e Libertação (Papirus, 1985) e Cuba – apesar do bloqueio, um repórter carioca em Cuba (Ato Editorial, 1986).

 


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