Lan Houses ameaçadas pela ofensiva dos softwares proprietários

Sigo rumo à terceira zona residencial de Praia Grande, o lado de lá da pista para aqueles que desfrutam os jardins da orla dessa cidade do litoral paulista. O objetivo é encontrar um velho amigo, Ramiro, velho companheiro de campanhas passadas. Há mais de ano que não o vejo, e lembrei-me de ter dito ter aberto uma dessas casas de acesso à internet, uma lan house, na Vila do Sapo, área periférica de Praia Grande. 

Fato é que a lojinha de Ramiro cresceu. O que começou com três computadores usados já conta com 13 máquinas trabalhando em rede. Entre as histórias de maravilhas e tristezas de seu negócio, ele conta que o momento de maior dificuldade foi quando começou a comprar mais computadores e, por lá, apareceram dois funcionários da Microsoft. O aviso foi claro: ou ele comprava as licenças de uso dos softwares que ele havia adquirido como cópias não autorizadas ou a empresa, proprietária dos direitos de cópia dos softwares, entraria com uma ação contra o micro e informal empresário. 

O fenômeno comercial e de inclusão digital proporcionado pela disseminada presença de lan houses nas regiões periféricas brasileiras não é diferente desse pequeno caso de Praia Grande. No Rio de Janeiro, por exemplo, já passam de 50 casas de internet na Rocinha e 20 na Cidade de Deus. Esses centros de acesso público pago à rede já são considerados o principal meio de uso das classes C, D e E. Apenas os internautas das classes D e E são responsáveis por quase 50% dos acessos, conforme pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (leia mais). 

Segundo Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RIO, o fenômeno demonstra que esses espaços, onde é cobrado de R$ 0,50 a R$ 2,00 por hora de uso, mostram ser mais eficientes do que os telecentros. “Não que os telecentros sejam ruins. Pelos contrário, são essenciais. Mas são poucos e é caro mantê-los. Assim, as lan houses tornam-se uma grande alternativa nos lugares mais isolados e carentes”, aponta. 

Os caça-mukifos


O que aconteceu quando os donos do Windows, Word, MSN e Cia. descobriram o pequeno negócio em expansão de Ramiro em Praia Grande não se diferencia de toda a realidade das lan houses em todo o país. “As grandes empresas de software agem com seus agentes locais e estão fechando esses legítimos atores de inclusão digital”, destaca Lemos.
 

Victor Procópio, 27 anos, narra na comunidade da Associação Brasileira de Lan House (ABLH), no orkut, toda sua saga contra o que ele chama de mukifo (sic): “Denunciei e derrubei nove ‘mukifos’ em menos de um mês. Aqui na minha região (Belo Horizonte) tem uma portaria que regulariza a freqüência de menores em lan houses. Para adquirir um alvará judicial é necessário planta de incêndio, vistoria do corpo de bombeiros e inscrição estadual com visto da Receita Estadual. Como eu consegui tudo, fui lá no ministério público e denunciei todos para a promotoria. Disse que se não fosse tomada nenhuma atitude por parte dos órgãos, eu iria levar o caso até a corregedoria. Resultado: em menos de um mês, nove ‘mukifos’ fechados e aumento no meu rendimento”. 

O jovem empresário ainda clama: “Denuncie! ‘Mukifos’ não pagam impostos, aluguel, não são registrados, não têm gastos com contador, com advogado e muitas vezes nem têm gatos de energia. (…) Não aceite isso! (…) Aqui na minha horta, ‘mukifo’ roda pior que azeitona na boca de banguelo”. 

Conforme a descrição da comunidade da ABLH no orkut (leia aqui), “a Associação Brasileira de Lan House, é uma entidade não governamental sem fins lucrativos, que deseja organizar, normalizar, combater o "dumping" que está destruindo nossa classe em todo Brasil e lutar a favor dos empresários sérios deste setor que está perdendo o prestígio perante a sociedade e o governo. Lutamos pelo reconhecimento de nossa atividade a nível federal e a normalização correta perante a lei, evitando que sejam criadas as leis locais”. 

Alternativa livre

A pauta do software livre como alternativa circunda os tópicos de conversação, mas o maior problema enfrentado ainda é a incompatibilidade do GNU/LINUX com os jogos de mais sucesso. O gaúcho Carlos Henrique Ggüntzel, um dos organizadores da ABLH, diz em um desses debates abertos que “o que realmente existe é uma falta de informação, pois podemos jogar praticamente todos os jogos no Linux e suas distribuições”. 

Na página eletrônica sobre inclusão digital do governo federal (visite aqui), raras são as referências de pesquisas sobre lan houses, e não existe nenhum programa específico para esse meio de inclusão. Enquanto isso, o Ministério da Cultura já tem programa de incentivo para desenvolvimento de jogos abertos (conheça aqui), que podem vir a ser alternativos aos jogos quase sempre ilegais instalados nessas casas. 

O Sebrae ainda desenvolve algum pensamento e incentiva o empreendedorismo das lan houses. No entanto, as informações são direcionadas a uma empresa de consultoria que vende um guia de “como montar sua lan house” que usa softwares de gerenciamento de código fechado. Via Sebrae, ainda é possível garantir financiamento em bancos estatais para iniciar um negócio. 

“Essa boa notícia que se espalha pelo Brasil é um grande fenômeno de empreendedorismo. E o governo federal não faz nada com isso. Ao menos, deixem as lan houses em paz, porque são elas que estão fazendo uma verdadeira inclusão digital no país”, conclui Lemos. 

A matéria original pode ser acessada clicando aqui

Active Image

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *