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O desafio da TV pública

Na segunda-feira 7 de maio, o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta escolheu o novo presidente da diretoria executiva, ratificando o nome do jornalista Paulo Markun para o cargo. O Fórum de TVs Públicas começou na terça-feira, 8 de maio. As emissoras comerciais começam a receber as linhas de crédito do BNDES, vedadas às públicas, para a digitalização de sua produção. A respeito desses e outros assuntos, conversamos com Jorge da Cunha Lima, presidente e membro vitalício do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da Rádio e TV Cultura. Leia os melhores trechos da conversa:  

Quais os motivos da escolha do Markun? Sabemos de sua ligação com a TV Cultura, mas como surgiu seu nome no processo de escolha. Por que foi candidato único?
JCL -Todas as eleições para presidente na história da Fundação foram a partir de candidaturas de consenso. Como é sabido, o governo manifestou o desejo de sugerir nomes, porque eles têm membros no conselho e são responsáveis por boa parte do aporte financeiro da fundação. Assim houve várias rodadas de apresentação de nomes e sucessivas discussões, até que, deste processo, surgiu o nome do Markun, com um perfil bastante aceitável por todos, o que acabou por revelá-lo como um nome que poderia apontar para um consenso entre os membros eletivos, os natos, os representantes do governo etc. Além disso, a candidatura única foi possível porque o Marcos Mendonça não quis se candidatar à reeleição. 

Como o Marcos Mendonça sai deste processo? Ele que recebeu tantas críticas por ter encampado o projeto de ter transformado a Cultura numa TV comercial? Ele sai desgastado?
JCL – Eu penso que ele sai fortalecido, pois ele deixa a televisão em situação financeira boa, capacidade de produção grande, principalmente de programação infantil e educacional, e sentimos o grande reconhecimento do conselho pelo trabalho que ele executou. As coisas que criticaram nele, e criticaram em mim já, foi a transição para um modelo comercial de televisão com publicidade institucional. Mas, com a diminuição de recursos públicos, caso não se buscasse recursos da sociedade, fecharíamos a Fundação. 

Com a entrada do Markun, um jornalista, como fica o cargo de ombudsman da TV Cultura que está vago?
JCL – O Oswaldo Martins saiu em junho de 2006, antes de acabar o mandato. Até hoje, estamos definindo qual é o papel de um ombudsman de televisão. Como um ombudsman poderia ficar 24 horas acordado na frente do aparelho de televisão para dar cabo da análise de toda a programação? O cargo está em aberto e a função em discussão. 

Além da questão publicitária, houve críticas a respeito do sucateamento da programação. Podemos citar a referência feita pelo Secretário da Diversidade Cultural, em entrevista à Carta Maior, de que há falta de qualidade, “a marca registrada da Cultura” e de que a diversidade cultural e as culturas populares são tratadas insuficientemente em toda a programação da Cultura.
JCL – É muito difícil aceitar, como é muito difícil rebater, porque esta questão é muito subjetiva. Ninguém pode criticar, por exemplo, o Café Filosófico por tratar de uma temática elevada. Pelo contrário, penso que precisamos parar de colocar baixa cultura para o povo. Então, acho que estas críticas são complicadas porque não correspondem. O que é preciso verificar é se houve má qualidade cultural ou desvio das finalidades educativo-culturais. E isso não houve. 

E a questão da TV digital? Como a TV Cultura está se preparando para esta transição. Acabamos de ver que o BNDES liberou recursos para o SBT, como a Fundação está se preparando?
JCL – O Marcos Mendonça conseguiu fazer uma boa aquisição de equipamentos para a produção de programação digital. Agora, o que está em questão é a transmissão digital que evidentemente não se resolverá com o dinheiro destes orçamentos magros que temos. Precisaremos de algum financiamento externo que será feito ou a fundo perdido pelo Governo Federal para todas as emissoras públicas ou, então, com financiamentos de fontes privadas. Este financiamento do BNDES, por enquanto, é destinado apenas às emissoras comerciais. Não se criou um mecanismo ainda de tomada de financiamento pelas tvs públicas que dependeriam do aval dos governos estaduais que, muitas vezes, já estão com os limites de endividamento esgotados, assim, mesmo que o BNDES quisesse dar o dinheiro, os estados não poderiam tomar. Estas questões serão discutidas no Fórum de TVs Públicas, que acontece agora em maio em Brasília. 

A respeito do Fórum, tendo em vista a propositura do Franklin Martins pela formação de uma Rede Pública de Televisão – e até onde conseguimos apurar a Fundação Padre Anchieta se alinha a este propósito-, quais são as perspectivas para o debate que se aproxima.
JCL – Olha, este alinhamento aí é o seguinte: nós estamos de acordo que exista uma programação nacional de televisão feita pelas televisões públicas. Uma programação que seja o reflexo do Brasil. Concordamos com isso, mas precisamos discutir em que formato se dará este acordo. O fórum tem que discutir o formato e as condições de adesão de todos os membros de uma rede pública. A principal condição é que haja dinheiro para fazer produto, por que rede não se cria por decreto. Quando houver condições de se produzir conteúdos, a rede surge! 

Isso significa que o Governo Federal terá que dar uma grande injeção de verba para a concretização desta proposta?
JCL – Sim, um aporte de verba para que as produções regionais possam ser realizadas pelas Tvs estaduais e pelos produtores independentes regionais. 

Então, sem dinheiro não há rede pública de televisão?

JCL – Não há condições de haver rede sem produção de conteúdos e produção depende de verbas. Não dá para se fazer rede só a partir de uma vontade, ou de um decreto.

 

 

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A nova cara da Radiobrás

Publicada originalmente pelo e-forum. CLique aqui para ter acesso ao link original.

O jornalista José Roberto Garcez, novo presidente da Radiobrás, acredita que, passados quase 20 anos da luta por uma Constituição democrática, o país possui “maturidade” para, através da sociedade, apropriar-se de um sistema de comunicação público e fazê-lo o seu porta-voz. Em tempo de transição dos sistemas para a tecnologia digital, o dirigente assume a empresa respaldado por um período de preparação estrutural, quando a Radiobrás se atualizou tanto em máquinas quanto em capital humano. Garcez foi entrevistado pelo e-Fórum.

O jornalista José Roberto Garcez assumiu no último dia 20 a presidência da Radiobrás, da qual era diretor de Jornalismo. Gaúcho, 54 anos, iniciou sua carreira em 1974, quando entrou no curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e logo começou a trabalhar em um jornal da região metropolitana de Porto Alegre. No final do primeiro semestre de faculdade, Garcez já atuava num dos principais grupos de comunicação do RS. Atuou em jornal, rádio e TV. Foi dirigente do sindicato dos jornalistas gaúchos.

Na prefeitura de Porto Alegre, na primeira gestão de Tarso Genro como prefeito (entre 1993 e 1996), Garcez teve a primeira experiência com a comunicação para o fortalecimento de um projeto político. Em seguida, foi secretário de Comunicação no governo Raul Pont, na capital gaúcha, e em 1998 se tornou diretor da Fundação Piratini (TVE RS).

No cargo atual, Garcez tem o desafio de chefiar todo o sistema Radiobrás — que compreende uma agência de notícias, uma rádio-agência, duas emissoras de televisão e cinco emissoras de rádio — fazendo com que esta empresa pública de comunicação cumpra sua missão de "universalizar o acesso à informação".

O que mudou na Radiobrás, na última gestão, como o senhor a recebe?
Garcez
– Acho que a principal mudança nos quatro anos da gestão em que o Eugênio Bucci foi presidente e eu fui diretor de jornalismo é o aprofundamento do caráter público da Radiobrás. Nesse período, nós aprofundamos o serviço que a Radiobrás oferece à população brasileira como um serviço que atende um direito do cidadão e não a uma necessidade do governo de expressar a sua versão dos fatos.

A Radiobrás passou a ser muito mais uma empresa voltada para atender o direito do cidadão de ter uma informação sobre o governo, sobre o Estado, sobre as políticas públicas que são aplicadas pelo governo. O nosso foco passou a ser o cidadão e não o governante. Se tivesse que escolher uma mudança fundamental, seria essa.

Nós, hoje, produzimos muito mais do que produzíamos há quatro anos, temos mais veículos, nos atualizamos nas questões tecnológicas, profissionalizamos cada vez mais o corpo de funcionários. Hoje temos mais funcionários concursados e menos funcionários contratados por regime de confiança. Todas as mudanças sempre buscaram que a Radiobrás seja, cada vez mais, uma prestadora de serviço público.

Quais as virtudes e limitações na estrutura da Radiobrás hoje?
Garcez – Eu acho que a grande virtude da Radiobrás hoje é que seu corpo funcional está consciente da importância do nosso trabalho. Nosso trabalho não é apenas veicular notícias de interesse do governo, e sim prestar um serviço. Essa eu acho que á a grande virtude; é uma empresa madura na sua relação com a sociedade.

As limitações são de ordem mais material. É um momento em que vivemos uma fase de transição para a tecnologia digital, é preciso ter recursos adequados para fazer a migração. Temos processos internos que ainda não estão suficientemente abertos à sociedade, e nós entendemos que a sociedade deve ter uma participação mais intensa no dia-a-dia da empresa. Eu diria que hoje a Radiobrás está preparada para a evolução que teremos a seguir na área da comunicação pública do Brasil.

Qual sua compreensão sobre comunicação estatal e pública?
Garcez – Se tivesse que escolher uma diferença entre comunicação pública e comunicação estatal, seria onde está o controle. Esse é um objetivo a atingir ainda. “Onde está o controle” significa se o controle é da sociedade ou do estado; na comunicação estatal, o controle é do estado e na comunicação pública, o controle é da sociedade. Nós ainda temos que percorrer um caminho para que a gente consiga ter efetivamente veículos públicos sob o controle da sociedade.

O que temos hoje, não apenas no governo federal, mas também em muitos estados, é a consciência de que o Estado existe para atender ao público e, portanto, os veículos que ele opera devem estar voltados para esse interesse, para o interesse público e não para o interesse do governante. Eu acho que nós estamos percorrendo este caminho.

Pela primeira vez, passados quase 20 anos da construção da Constituição, estamos atingindo alguma maturidade para que a sociedade realmente se aproprie de um sistema de comunicação, que deve ser na verdade seu porta-voz. Mas os veículos de comunicação estatal, na minha opinião, são fundamentais dentro de um sistema de equilíbrio entre a iniciativa privada, a sociedade e os governos.

Como a Radiobrás vem se preparando para a digitalização?
Garcez – Esse é o desafio do momento, junto com esse processo de definição do que seria a comunicação pública no Brasil, uma oportunidade para que ela realize plenamente a sua vocação. A revolução tecnológica que estamos vivendo cria oportunidades para que nossos veículos ofereçam possibilidades de acesso da população à produção, a mais fontes de informação. Portanto, o caráter que a comunicação deve ter de pluralidade e de expressão da diversidade, vai se concretizar. É nessa perspectiva que a Radiobrás se coloca, de ser o agente que dará maiores condições ao cidadão de se expressar, de ter veículos e canais onde ele possa viver a sua realidade cotidiana.

Militantes ligados à radiodifusão comunitária consideram que a Radiobrás, no governo Lula, não abriu espaço para as radicom. Qual o relacionamento cabível com as comunitárias, na estrutura legal e administrativa da empresa, e qual o relacionamento ideal?
Garcez – Acho que aí tem uma pequena imprecisão. A Radiobrás não existe para definir uma política pública para a radiodifusão comunitária. Não é nosso papel, mas de outras estruturas do governo.

Dentro do que nos cabe, de ter um relacionamento efetivo com os canais comunitários, por exemplo, temos convênios com a Abccom (Associação Brasileira de Canais Comunitários) para troca de programação, temos também muito intercâmbio com rádios comunitárias, desde troca de conteúdo até formação e capacitação de pessoal.

A Radiobrás tem um grande interesse e uma necessidade profunda, inclusive, de ter uma relação com a radiodifusão comunitária, mas entendemos que nós, de maneira alguma, devemos avançar sobre a autonomia que a radiodifusão comunitária deve ter. A Radcom no Brasil é um dos exemplos mais acabados do que deve ser uma comunicação pública. O que a Radiobrás tem que fazer é estabelecer laços para a troca de conteúdo, de experiências, mas jamais absorver a radiodifusão comunitária. A Racom deve continuar absolutamente autônoma em relação às estruturas de governo.

Qual sua expectativa sobre o I Fórum de TVs Públicas?
Garcez – Em primeiro lugar, o Fórum já é um grande sucesso só pelo fato de nós termos hoje uma plataforma comum das entidades ligadas ao assunto. Todas elas discutindo e apresentando ao governo suas propostas já é um grande avanço, pois nós não tínhamos um ambiente único para discutir qual é o futuro da TV Pública no Brasil.

Na próxima semana, eu acho que nós conseguiremos atingir um nível bastante profundo de consenso entre as várias áreas do público, onde deveremos esquecer pequenas divergências e buscar as grandes convergências.

 

Active Image autorizada a publicação, desde que citada a fonte original.

O que segura o avanço das TICs no Brasil

A terceira edição do Índice de Tecnologia da Informação traz boas notícias para a América Latina, onde diferentes países, entre os 122 pesquisados, subiram várias posições. Mas o Brasil mantém-se estagnado (chegou a perder uma posição), abaixo dos 50 países que melhor fazem uso das TICs.  Irene Mia, economista sênior do World Economic Forum, detalha, nesta entrevista, os principais acertos e erros do país. 

Por que essa pesquisa?
Irene Mia – O World Economic Forum faz, desde 79,  estudos sobre a competitividade dos países, cujos relatórios são lançados anualmente. A partir de  2001, passou a elaborar um estudo sobre o desenvolvimento da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) . Esta edição do Índice de Tecnologia da Informação 2006/2007 recolheu informações de 122 países.  

As TiCs fazem parte do dia a dia das pessoas. Essa pesquisa retrata a acessibilidade das TICs em cada país, tanto sob a ótica dos ambientes governamentais e empresariais, como o seu uso pela população. O índice mede a capacidade dos países em aproveitar as oportunidades da tecnologia para alavancar o seu desenvolvimento e competitividade.  

O que vocês pesquisam?
Apuramos indicadores com base em três princípios. O primeiro deles é o ambiente de cada país no que se refere ao mercado, investimentos, questões regulatórias, facilidades para estimular o “venture capital”, além da infra-estrutura física e humana. O segundo princípio busca apurar de que forma os três atores – governo, empresas e indivíduos –  estão preparados para   aplicarem as tecnologias da informação. Os Tigres Asiáticos, que estão bem colocados no ranking da pesquisa, demonstram, por exemplo, que  as ações dos governos foram fundamentais para atingirem os patamares atuais. Por fim, pesquisamos também o uso dessas tecnologias pelos diferentes atores. Além de usarmos as base de dados econômicas, recolhemos a percepção dos diferentes agentes frente à realidade de cada país. No Brasil, a pesquisa de opinião é feita em parceria com a Fundação Dom Cabral e o Movimento Brasil de Competitividade. 

E qual é o objetivo final do estudo?
Acreditamos que o trabalho possa servir de ferramenta para o planejamento e atuação dos agentes públicos e privados de cada país. Com os benchmarks, é possível construir novos patamares para o desenvolvimento das TICs. Se não é possível fazer comparação entre as diferentes nações – na lista dos 20 melhores, estão, obviamente, as economias mais ricas -,  cada país pode fazer estudos comparativos entre seus iguais, ou mesmo analisar o próprio desempenho de anos anteriores para projetar o futuro. Nesta edição, constatamos, por exemplo, que os Estados Unidos, que estavam em primeiro lugar, caíram cinco posições, ficando em sexto lugar. Os cinco países melhores pontuados foram: Dinamarca, Suécia, Cingapura, Finlândia, Holanda.   

Como estão a América Latina e o Brasil?
A América Latina e Caribe estão passando por um momento muito importante. Embora tenham iniciado tarde o seu processo, (só começaram a lidar com programas mais agressivos no final da década de 90), bem depois dos Estados Unidos, Europa ou Ásia, o importante é que, agora, a TIC entrou na agenda da maioria dos países.
 O Chile continua a ser o país mais bem classificado, em 31ª colocação no ranking geral e em primeiro no ranking da América Latina e Caribe. Mas diferentes países subiram várias posições, como o México – que está em 49º lugar – ou a República Dominicana, que passou a ocupar a 66ª colocação.   

E o Brasil?
O Brasil é interessante, com números bastante intrigantes. Embora tenha começado mais cedo, em relação a outros países latino-americanos, o movimento pelo desenvolvimento das tecnologias da informação, sua posição global não é muito confortável. Embora tenha caído uma posição em relação à pesquisa anterior, essa queda não é importante. O significativo é que, apesar de todo seu potencial, mantém-se abaixo dos 50 melhores países. Este ano, está em 53º lugar, contra 52ª posição do ano passado.
 

Quais são os pontos positivos do país?
O Brasil tem um setor privado forte e competitivo. A taxa de penetração, mesmo da internet, embora menor do que dos serviços de telecomunicações, é significativa, se comparada com outros países da região. O e-government  merece destaque. O país tem muitos bons exemplos na oferta de serviços digitais de governo para a sua população. Nesses quesitos, o Brasil se classifica na 18ª posição, quando se analisa a e-participação e 19ª posição no uso eficiente da TIC pelo governo.

Há outros quesitos que merecem destaques positivos?
Outro aspecto bastante importante são as universidades de qualidade e suas pesquisa e desenvolvimento,  gerando produtos inovadores. A capacidade brasileira para a inovação o coloca em 29ª posição entre os países pesquisados e em 31ª posição entre os países que exportam tecnologia high-tech. Os institutos de pesquisa brasileiros são qualificados, situando-se entre os 36 melhores.   

E os negativos?
Dois são os maiores problemas do Brasil. A exclusão educacional é o mais grave. Apesar de o país contar com centros de excelência em pesquisa, poucos são os brasileiros que têm acesso à boa qualidade acadêmica. A estrutura educacional é insuficiente e frágil a partir do sistema básico. O país figura na 98ª posição na qualidade da educação de matemática e ciências; na 112ª posição na qualidade do sistema educacional e na 111ª posição na qualidade das escolas públicas. O segundo problema é o ambiente legal. O país tem excesso de regulação, intervenção e burocracia. O tempo para se abrir uma empresa o coloca na 115ª posição. O número de procedimentos necessários para iniciar um negócio o situa  no 115º lugar. Os efeitos dos impostos, em 122º; e o excesso de regulação, em 121º. 

O governo lançou um programa de qualificação da educação brasileira, que inclui levar a banda larga e a internet para todas as escolas públicas.
É claro que tudo o que for feito para ampliar o acesso à tecnologia da informação será bem-vindo e trará efeitos muito importantes. Mas todos sabemos que melhorar o sistema educacional é um trabalho de longo prazo. A atuação mais fácil, que irá repercutir imediatamente nos indicadores do ranking brasileiro seria, é claro, cortar a burocracia e melhorar a eficiência do ambiente estatal  brasileiro.  

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A influência da TV no universo indígena

Autor de mais de 20 livros que abordam a temática indígena, Daniel Munduruku é o diretor-presidente do Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi), ONG voltada para a proteção dos conhecimentos tradicionais das aldeias. Em entrevista ao RIO MÍDIA, Daniel analisou de que forma a mídia impacta a realidade dos índios brasileiros. Segundo ele, a televisão está presente em muitas comunidades, trazendo novos padrões de comportamento e influenciando os modos de ser e de viver.

De que forma a mídia pode contribuir para a promoção da cultura do povo indígena?
Daniel Munduruku
– Penso que a mídia, tal como se apresenta nos dias de hoje, pode contribuir muito na criação de uma consciência social de respeito à diversidade, sem homogeneizar as diferentes tradições, sem tratar os povos como se fossem únicos e iguais. Somos cerca de 230 povos indígenas que falam mais de 180 línguas. Essa riqueza e diversidade precisam ser mostradas na sua originalidade. Do contrário, a mídia continuará tratando os índios de uma forma, talvez, desonesta, sem dar aos povos o verdadeiro papel que eles têm. Reduzir a cultura indígena a uma só cultura é uma redução perigosa que compromete nosso passado, presente e futuro. Acho que todo tipo de mídia tem um dever cívico de promover as diversas culturas. Os povos indígenas têm muito a ensinar, mas estão sendo esquecidos e mal compreendidos nos lugares onde vivem.

De que forma a mídia vem influenciando a cultura e o cotidiano dos índios?
Daniel Munduruku
– A influencia da TV é tão forte na aldeia quanto na casa de qualquer outro cidadão. Nas tribos, os padrões de comportamento veiculados pela TV afetam, muitas vezes, o modelo de ser dos índios, principalmente dos jovens que acabam questionando suas tradições e identidades. A mídia traz desejos e anseios que, na prática, não fazem parte do nosso cotidiano. Ela traz também o barulho da cidade. Quem vive da tradição oral, quem tem na tradição oral sua base, a base de sua vida e cultura, convive muito com o silêncio. A TV traz, portanto, uma outra linguagem, mais rápida e ágil, cheia de luzes, vozes e falas. Isso cria um outro barulho que, aos poucos, repercute no silêncio das aldeias, enfraquecendo as tradições.

De que forma as crianças e os jovens assimilam estas informações?
Daniel Munduruku
– As crianças e os jovens indígenas têm muita dificuldade de entender este mundo. Muitos jovens se perguntam: devemos ficar na aldeia ou devemos viver na cidade? Os padrões de comportamento que chegam até eles, via televisão, rádio e internet, geram conflitos internos, questionamentos e incertezas. Por sua vez, as crianças não querem mais sentar em torno da fogueira para ouvir nossas histórias. Elas preferem o brilho, a fogueira da televisão. Elegeram a TV como a nova contadora de histórias. Isto faz com que os velhos percam o papel de narradores da tradição indígena, jogando por terra toda a identidade que vem sendo constituída ao longo de, pelo menos, 10 mil anos.

Neste sentido, o que está sendo feito para interromper este processo?
Daniel Munduruku
– Acredito que seja necessário preparar os índios para trabalhar com a linguagem da mídia. Isto já vem sendo feito. Jovens indígenas estão trabalhando como operadores da mídia. Atualmente, existem rádios e emissoras de TV indígenas, como a do Parque Nacional do Xingu. Há também um trabalho muito interessante sendo realizado por uma ONG (Vídeo nas Aldeias) que capacita nossos povos no uso dos equipamentos midiáticos. São tecnologias que não conhecemos, mas que precisamos dominar. É preciso tomar posse dessa tecnologia, produzindo coisas que sejam interessantes para a nossa cultura, a partir do nosso ponto de vista. Os jovens produtores estão tentando criar uma linguagem própria da nossa gente para que toda a sociedade tenha uma visão real sobre quem somos. Por meio da mídia, podemos promover um encontro de culturas. A narrativa indígena é importantíssima para a sociedade brasileira, assim como a narrativa da sociedade brasileira, da qual também fazemos parte, é importante para os povos indígenas se enxergarem dentro do contexto nacional. Os indígenas querem interagir, mas querem que a sociedade diga que eles são bem-vindos. As duas narrativas são ricas e belas. Todos têm a ganhar.

 

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A tecnologia como ferramenta de inclusão

Numa conversa elucidativa, Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia da Fundação Getúlio Vargas e do Creative Commons no Brasil, além de sócio-fundador do inovador portal Overmundo, faz uma radiografia completa da nova revolução da informação e explica por que ela não será televisionada.  

Por Daniel Benevides
 

O que é o Creative Commons?
O Creative Commons é um modelo de licenciamento, um jeito de um criador intelectual, na internet ou fora dela, de qualquer tipo de obra – filme, foto, vídeo – dizer para a sociedade que ele não se importa com alguns usos da obra. Cabe a cada um escolher quais são esses usos. Um aspecto importante do CC é ser voluntário, só o utiliza quem vê sentido nisso. Nesses quatro anos de projeto há mais de 145 milhões de obras licenciadas em CC. O site www.soundclick.com, por exemplo, tem 300 mil músicas licenciadas em CC. Podem distribuí-las à vontade, colocar em rede pier to pier, site, com graus de autorização que permitem remixar, reconstruir, colocar num filme e até vendê-las. Um músico, para lançar um disco, tem de ceder a música a um intermediário. Doar todos os seus direitos a uma gravadora. Em troca, ela paga um adiantamento e dá um percentual sobre a gravação do CD. A empresa investe em marketing e vende o produto. Mas a propriedade intelectual fica na mão do intermediário. O CC elimina o intermediário. É errôneo pensar que o direito autoral favorece o artista. 

Quando Surgiu o CC?
A partir de 2001, nos EUA. No final da década de 90, mudou-se a lei americana para proteger o Mickey Mouse. A lei do direito autoral protege qualquer obra por prazo limitado e depois cai em domínio público. Mickey Mouse caiu em domínio público em 1998. Por pressão da Disney e de outras empresas, a lei americana foi mudada, aumentando o prazo de proteção de direito autoral por mais vinte anos. A lei foi então questionada na Justiça dos EUA por Lawrence Lessing e um grupo de advogados como inconstitucional. Perderam, mas, diante da derrota, um número expressivo de criadores passou a querer jogar com outras regras, e Lessing elaborou a idéia do CC, que no início era um projeto pequeno, apenas nos EUA. O Brasil foi o terceiro país a aderir, depois do Japão e da Finlândia. Ao final do primeiro ano comemoramos 1 milhão de obras licenciadas no CC. Atualmente, o CC está em cinqüenta países e tem 145 milhões de obras. 

O site dominiopublico.gov.br tem a ver com esse movimento?
Tem. O Domínio Público do Ministério da Educação e vários sites governamentais usam o CC. A Agência Brasil, por exemplo, usa a licença mais abrangente possível. A única exigência é o crédito. 

O que ganha o autor que utiliza a licença CC? Além da veiculação, visibilidade, como ele pode viver da arte se não a vende?
A transformação do modelo dos negócios que envolve a cultura passa pelo modelo CC. Fala-se em web colaborativa, Web 2.0, que é só uma ponta do iceberg de uma transformação muito mais profunda, em que teremos novos modelos de negócio. Por exemplo, em música está cada vez mais claro que o artista não ganha dinheiro com a venda de CD. Seja Gilberto Gil, Caetano ou um artista independente. Os independentes gravam um CD, imprimem 5 mil cópias e não vendem nada porque não conseguem distribuir. Marcelo Camelo (Los Hermanos) disse que o primeiro álbum do grupo (Ana Júlia) vendeu 250 mil cópias, quando a banda não era ninguém, e o segundo vendeu absurdamente menos. Eles continuam com muito sucesso e a venda de CDs nunca foi tão pequena. Um sintoma claro disso é o fechamento das lojas de CDs. Para sobreviver, qualquer artista precisa construir uma relação com o público. Para isso, tem de ser visto, ouvido, tem de divulgar seu trabalho. O americano Tim O’Reilly (criador do conceito Web 2.0) diz que a pirataria é melhor que o anonimato. E ele tem razão. Uma vez que o modelo de negócios definitivo ainda não surgiu, fica a constatação de que é preciso construir uma relação com o público para ser viável  economicamente. A verdadeira música brasileira, que está sendo ouvida no país, não é mais distribuída pela Sony, BMG, Warner e Universal, está sendo distribuída autonomamente. Como é o caso da Banda Calypso, que vende os CDs em camelôs e, com isso, atinge o Brasil inteiro. 

E qual é o retorno que eles têm?
O camelô é um meio de divulgação, não rende um tostão, mas, em compensação, em qualquer lugar que fizerem show ganham dinheiro. Hoje acontece a multiplicação de modelos de negócios, os ringtones de celular, os DVDs, licenciamentos, shows, DJ sets. A mistura desses modelos é o que dá sustentabilidade econômica para os artistas. E o compartilhamento da obra não afeta praticamente nenhum desses novos modelos de negócios. 

Isso em relação à música e em relação a outras mídias?
O mercado de audiovisual tem pluralidade de visões. Como competir com Hollywood, que detém 85% do mercado mundial de cinema? Poucos países tem produção local para competir, China, Coréia, Índia e Nigéria – maior produtor de filmes do mundo. O cinema nigeriano surgiu na periferia, é distribuído pelo camelô e produz 1.200 filmes por ano, enquanto os EUA produzem cerca de 600 e a Índia 900. São filmes de histórias e atores locais, vendidos em DVDs. Não existe cinema na Nigéria, mas as pessoas têm aparelhos de DVD como na periferia do Brasil – na Cidade de Deus, na Rocinha… No final da década de 90, quando o mercado estava numa fase pré-evolutiva, os filmes eram vendidos em cestos no sinal de trânsito. Eram de vinte a trinta lançamentos por semana. Há quatro feiras de audiovisual semanalmente na Nigéria em que lançam os filmes novos. 

A indústria cinematográfica compete com a televisão na Nigéria?
Compete. As pessoas perguntam como fazer isso no Brasil, se temos a Globo e seu padrão de qualidade? A Nigéria compra as novelas da Globo e também exibe no horário nobre; e a qualidade técnica dos filmes nigerianos está subindo de forma impressionante, porque a tecnologia se barateia, filmam em alta definição. Os nigerianos nos disseram que Hollywood usa uma tecnologia obsoleta, que é o celulóide, e não consegue se livrar dele porque tem de obedecer às regras dos lobbies. As telas do futuro serão cada vez menores, vamos assistir a filmes num dispositivo portátil; o cinema vai continuar existindo, mas será o lugar em que o menor número de pessoas verá filmes. E, quando sua tela é pequena, não interessa se seu filme foi filmado por uma Panavision 90mm ou câmera de celular, a qualidade e a definição de imagem são as mesmas. 

Mas continua sendo cinema?
É uma grande questão. Falei do cinema nigeriano para um conhecido documentarista brasileiro e ele me disse: “Não é cinema, é outra coisa”. Em um texto de 1969, Henri Langlois, fundador da Cinemateca Francesa, escreve que o verdadeiro cinema só vai surgir quando as periferias descobrirem o acesso técnico aos meios de produção cinematográfico e começarem a contar as próprias histórias. Então, a definição do que é  cinema é política. Quando se diz que o nigeriano não é cinema se está favorecendo o modelo que precisa de US$ 7 milhões para ser produzido, com celulóide, com distribuição em sala, DVD e televisão, mantendo o estado de coisas da indústria do audiovisual. 

Com as afirmações de Langlois, o exemplo da Nigéria e a força da periferia no Brasil, é  possível uma mudança?
Esperamos. Estamos investigando modelos de produção nigeriano para trazer ao Brasil. O pessoal da Cidade de Deus produz audiovisual, tem seus filmes vistos por cem, duzentas pessoas, com três, quatro cópias em DVD e apenas passavam em festivais. Não tinham pensando em uma parceria com um pirateiro. Estavam fazendo filmes aos quais a própria comunidade não tinha acesso porque passavam em Ipanema. 

E o que tudo isso tem a ver com o CC?
Cacá Diegues disse que é importante para qualquer país possuir uma filmografia permanente, documentando espaços históricos, geográficos, arquitetônicos. Se a justificativa que legitima o sistema atual de cinema não é fomentar uma indústria, mas realizar uma filmografia permanente, então a questão do acesso é fundamental. Se o filme já nasce pago, com dinheiro público, o que justifica ser restrito e explorado num regime comercial que pouquíssimas pessoas vêem? Por que não criar um regime em que, por exemplo, o filme tenha um tempo de exploração comercial e depois seja licenciado em CC, fique disponível online, fomentando mídias novas? 

Como no Brasil pouca gente ainda tem acesso à internet, esse não é um trabalho que deveria ser feito junto com a inclusão digital?
Tem de cuidar da inclusão digital e do acesso ao conteúdo ao mesmo tempo. A inclusão digital vai acabar acontecendo. No ano passado pela primeira vez se vendeu computador tanto quanto televisão no Brasil, 10 milhões. Também foi o primeiro na história do Brasil em que se venderam mais computadores legais do que ilegais, graças ao programa PC Conectado. O grande risco é o regime de acesso ao conteúdo não avançar em nada. Há quatro requisitos para que a tecnologia seja efetivamente uma ferramenta de transformação social: conteúdo livre, que é o objetivo do CC; o software livre; espectro livre, que é o espectro radioelétrico; e hardware livre que são aparelhos que obedecem às ordens do usuário. Por exemplo: o projeto de TV digital do Brasil está discutindo a implementação de um sistema automático de proteção à cópia do conteúdo. Na prática significa acabar com a tecla REC do videocassete. A TV digital vai criptografar o sinal de modo que quem quiser gravar a programação vai precisar pedir uma permissão especial e até pagar. A experiência mais importante de inclusão digital no Brasil não veio do Estado, mas da sociedade. O lugar onde as pessoas acessam computador é na lan house. Na Rocinha hoje há pelo menos cinqüenta; na Cidade de Deus, vinte; em Copacabana, quarenta. É um fenômeno que nasce de baixo para cima graças ao  empreendedorismo isolado. Nelas, uma hora de acesso à internet ou a jogos custa de R$ 0,50 a R$ 1,50 e, mesmo pagas, são mais cheias do que os locais dos programas do governo de acesso à internet. Porque na lan house pode acessar Orkut, Flogão, Fotolog, e no telecentro, não. A última pesquisa do Ibope com a NetRatings constatou que dos 6 milhões de pessoas que acessam a Internet de lugares públicos no Brasil, 1,6milhão são de lugares governamentais, 4,4 milhões são das lan houses. 

A periferia está on-line?
No Orkut há a comunidade do Complexo do Alemão. O fotolog do pessoal pobre é o Flogão. Eles têm email, MP3 player e carregam as músicas na lan house. Falta alguém aproveitar o potencial que isso tem para a cidadania, serviços públicos… 

O governo?
Governo, ONGs, de forma não “intrusiva”, é claro. Nas lan houses da Rocinha, por exemplo, muita gente da comunidade procura por curso para aprender a mexer em computador. Por que não aproveitar para a cidadania, curso, reunião de bairro etc? O Commons é a ferramenta jurídica para reconstruir o que essas mudanças da propriedade intelectual nos últimos quinze anos desconstruíram, o aspecto colaborativo da cultura. E há esse outro tipo de Commons que já existe na sociedade, pronto e operando em regime de compartilhamento, que são a música que emerge das periferias, o cinema nigeriano, os fenômenos de empreendedorismo solidário, como as lan houses. É uma discussão única, em que o jurídico e o social são indissociáveis, com o objetivo de dar autonomia para a sociedade se tornar produtora de cultura, informação. Esse tipo de atividade abre um novo tipo de sociedade, na qual a barreira entre produção e recepção de cultura foi por terra, e isso tem conseqüências brutais para a democracia, para a idéia de governabilidade, de Estado. Tudo isso está sendo posto em xeque e, do meu ponto de vista, de uma forma transformadora positiva. Meu discurso parece otimista, mas vejo toda essa  possibilidade ser abortada, pois os interesses que serão abalados nesse processo estão atacando com toda a força. Tenho a impressão de que a tecnologia vence quando dá lucro aos grandes meios de produção. Até os anos 80, a tecnologia vencia os detentores de conteúdo, a partir da década de 90 a situação se inverte. O caso Napster versus indústria musical – Napster perde. O caso dos DRMs da Apple – por enquanto a Apple está ganhando. E por aí vai.  Uma das formas de controlar o conteúdo é usar tecnologia que diz às pessoas o que elas podem ou não fazer. Um arquivo de música comprado na loja da Apple só toca no iPod, que é da Apple. Se o tocador for da Microsoft ou genérico, não toca. Então existe um problema que chama interoperabilidade. Se comprar uma música no UOL, não consegue ouvi-la no iPod, porque ela só toca no player compatível com a Microsoft. É uma compartimentalização de mercados. Você pode dizer: “Quebro essa medida tecnológica, transformo a música em MP3 e toco onde quiser”. Em 1999 foi aprovada uma lei nos EUA que criminaliza a quebra dessa medida de proteção tecnológica. Mais uma derrota. A Associação Brasileira da Propriedade Intelectual quer que o Brasil faça o mesmo. 

Estaríamos vivendo sob uma espécie de tirania das grandes corporações?
Trata-se de um lobby bem organizado e histórico. Hollywood e a indústria musical estão entre os maiores lobbies americanos, provavelmente comparáveis aos das armas e do tabaco. E não há instituição organizada que represente os interesses coletivos. 

Você não vê esse movimento do CC ou similares quebrando essa barreira?

Não. O próprio movimento CC corre perigo. A Organização Mundial da Propriedade Intelectual está  discutindo o Tratado de Radiodifusão, que cria um meta direito autoral, que é dado ao transmissor da informação. Isso é de interesse das cadeias de televisão, por exemplo, e destrói o CC. Imagine que lhe envio uma obra licenciada em CC. Se ela for transmitida, de alguma forma, o transmissor adquire o direito sobre ela, reprivatiza. Tudo isso sugere que a economia da cultura política tem um poder transformador…A dimensão econômica da cultura sempre foi menosprezada. Há quatro ou cinco anos a idéia de economia da cultura começou a se manifestar com mais força e talvez seja a que tem maior potencial de transformação social.A cultura leva ao colaborativismo, fomenta outros tipos de relação social e econômica e a educação. Ao fomentar atividades que envolvem economia da cultura, fomenta-se autonomia informacional, autodidatismo. Qualquer programa de inclusão digital mostra que as crianças aprendem a usar o computador em menos de dez minutos. A ligação entre a economia da cultura, colaborativismo, mais revolução educacional pela autonomia informacional é o coquetel transformador. Se fosse responsável por políticas públicas, faria uma revolução pela informação. A única possibilidade econômica que o Brasil tem de se inserir no mercado global de forma competitiva é por meio da revolução informacional. O país hoje tem condições de competir no mercado de novas mídias. 

E o programa de Pontos de Cultura?
É um dos poucos programas públicos no mundo que conjuga essa idéia da tecnologia digital como forma de emancipação de comunidades locais. O CC está dentro dos princípios que criaram o Ponto de Cultura. A maioria das pessoas nos Pontos de Cultura ouve falar no CC antes de ouvir falar em direito autoral. As produções dos Pontos de Cultura estão sendo licenciadas em CC. Em Salvador eles gravam os jovens músicos locais, todos CC, e vendem o CD no sinal, igual na Nigéria, “Eletrocooperativa – CC”.  

E a experiência de Olinda, que é tida como um exemplo?
Olinda é um caso muito bacana, mas foi submetido a uma intempérie política, o secretário de Cultura saiu e o projeto morreu, embora a base social do projeto permaneça. A idéia era ressaltar cinco áreas de cultura – festas populares, teatro popular, música, patrimônio histórico e artes plásticas – e bombardear esse conteúdo on-line a partir de licenças livres, criar lugares e produtos culturais que pudessem ser compartilhados, dando visibilidade para a cidade. Olinda e Recife ainda são os pontos mais fortes do país em se tratando de colaborativismo. Há bandas licenciando músicas, pessoas criando conteúdos livres e colocando on-line. 

Como é o diálogo com o governo federal, com o ministro da Cultura?
Com o Ministério da Cultura, o melhor dos diálogos. No New York Times saiu uma matéria em março com o título “Gilberto Gil vê o futuro e ele é CC”. A reportagem mostra a aliança dele com o CC e como ele enxerga a indústria cultural e a propriedade intelectual. A relação com o ministério é a melhor possível, mas ainda há o que fazer. Há várias iniciativas e áreas em que o governo federal vem trabalhando que não são ligadas especificamente ao Ministério da Cultura e têm potencial de desenvolvimento de políticas públicas que estimulam a autonomia cultural. 

E em termos educacionais?
Hoje a escola enfrenta o desafio de integrar o sistema educacional de origem greco-germânica às tecnologias digitais novas, que põem tudo à prova. É fundamental, possível e barato ligar a escola. É só querer. 

Gostaria que você explicasse o 2.0, que tem a ver com a Wikipedia, e apresentasse o projeto Overmundo.
A Wikipedia é um exemplo de que é possível milhares de pessoas descentralizadas, colaborando  individualmente, conceberem um trabalho gigantesco. A Wikipedia empata com a Enciclopédia Britânica em número de erros. A vantagem da Wikipedia é que toda página é atrelada a uma lista de discussão. A crítica vem do americano Jeroen Wijering, que diz que ela empobrece a informação na medida em que retira a autoria, pois “a autoria é informação”. Um artigo da Britânica assinado por um Prêmio Nobel dá uma respeitabilidade quanto à origem. Isso realmente é um problema. A Web 2.0, que é uma fórmula inventada pelo americano Tim O’Reilly, são ferramentas que possibilitam que o cidadão se torne um repórter, o moleque se torne um fotógrafo, um músico se torne um jornalista musical, e por aí vai. O Overmundo é um projeto de Web 2.0 que tem a missão de funcionar como ferramenta para a emergência da cultura brasileira em todos os seus aspectos geográficos, em toda a sua complexidade e diversidade. É uma missão ambiciosa, mas específica. 

E quem controla? Como funciona na prática?
É a própria comunidade do Overmundo quem decide o que é publicado ou não. Cem por cento do conteúdo é gerado pelos usuários. Eles têm todos os recursos para publicar, por exemplo, um texto jornalístico, podendo ilustrá-lo com música, foto, áudio, filme… Criamos um sistema de votação em que a comunidade vota no que deve ser publicado. Todo conteúdo que entra no Overmundo vai para a “fila de edição”, onde por 48 horas recebe sugestões. Passadas as 48 horas, o conteúdo vai para a “fila de votação” e, por mais 48 horas, fica à espera de receber votos de quem gostou. 

Há iniciativas semelhantes em outros países?
Não. O Overmundo tem um aspecto simbólico muito importante e resolve o problema de a cultura brasileira estar muito centrada em Rio e São Paulo. Para esses estados a cultura do resto do Brasil não interessa. O que é de fora do eixo é exótico, diferente ou irrelevante. O Overmundo põe em igualdade de condições quem está publicando em São Paulo e no Acre. E o número de colaborações fora do eixo Rio–São Paulo é muito maior. Chego a suspeitar que a idéia colaborativa funciona melhor nos lugares em que as circunstâncias socioeconômicas são mais difíceis. Hoje, com um ano de projeto, há 12 mil usuários ativos, que contribuem com artigos. Os que lêem o Overmundo chegam a 17 mil por dia e temos notado um crescimento consistente, desde o primeiro mês, de 20%. É uma nova forma de se relacionar com a cultura jovem. O Overmundo faz o seu papel.  

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