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A luta das mulheres pela comunicação democrática

Rachel Moreno, do Observatório da Mulher, tem atuação destacada na defesa dos direitos da mulher. Recentemente, liderou a coleta de assinaturas para um pedido de direito de resposta às mulheres na televisão e participa ativamente de um movimento que tem pressionado às emissoras a reverem a forma como retratam as mulheres na tela. Nesta entrevista exclusiva ao Observatório do Direito à Comunicação, a ativista fala sobre a atuação do movimento feminista nas questões relacionadas à comunicação e sobre a representação distorcida da mulher na mídia.

 

 

Observatório do Direito à Comunicação – Há algumas semanas, o Observatório da Mulher liderou a coleta de assinaturas para solicitar, junto ao Ministério Público, um direito de resposta na TV. Quando o movimento percebeu a importância de discutir os temas relacionados à comunicação?
Rachel Moreno –  A questão da mulher é sempre transversal. Em qualquer ambiente, há um corte de gênero possível. E eu, como fiz parte do grupo TVer, não tinha como não ver o quanto a TV é discriminatória. Já fiz parte também do Fórum pela Ética na TV e da Campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania. Em ambos, a gente sempre tinha vontade de não tratar temas de maneira pontual e responder à reincidência de tratamentos pejorativos. Um acompanhamento mais sistemático da TV, por exemplo, nos permite ver que os movimentos sociais sempre são criminalizados pela grande mídia.  Em relação ao tema da mulher, de maneira mais pontual, os grupos feministas reagiram algumas vezes às propagandas que consideram depreciativas, em geral propagandas de cerveja e as que mercantilizam a mulher. No último Dia Internacional da Mulher, durante a preparação das manifestações que marcariam a data, colocamos a questão da representação que foi encampada por outras entidades. Aos poucos, fomos percebendo a importância de prestarmos mais atenção no direito a uma imagem fiel, no direito à comunicação, na importância de incidir no processo, fazendo controle social dos conteúdos e discutindo políticas, como as de concessão, por exemplo. Estas questões todas, daqui pra frente, estão em pauta entre as feministas envolvidas nesta luta.

Quando começaram a acontecer iniciativas como esta?
Esta foi a primeira ação que fizemos em conjunto. As demais foram pontuais ou conduzidas por duas ou três entidades. Estamos dialogando com as emissoras para discutir uma semana de direito de resposta patrocinada por elas e a instauração de uma mesa de diálogo permanente. De alguma forma, vamos discutir controle social. É o que parece fazer mais sentido na disputa pela forma que gostaríamos de ser retratadas. Estamos falando de mulher, mas programação infantil, por exemplo, nos diz muito respeito, assim como o debate sobre classificação indicativa. Lamentamos muito não termos conseguido ir ao debate sobre TV Pública, pois esta é uma questão central para nós na construção de uma comunicação mais democrática. Aliás, importante ressaltar que este debate sobre a TV Pública não deve substituir o debate sobre a programação na TV aberta. É importante que tenhamos os três sistemas – comercial, público e estatal – funcionando de forma complementar, e que o controle público e o interesse público sejam princípios de todos eles. 

Qual a importância de o movimento feminista discutir os temas relacionados à mídia e à representação das mulheres na cena pública?
Estamos mexendo com o aparelho ideológico do Estado. O controle acaba sendo gerado pela produção de imagens, valores, atitudes e modelos. E a TV produz e controla cabeças, corações, mentes e bolsos em todo mundo. Neste sentido, a TV acaba entrando definitivamente em todas as casas e em nossas vidas na construção da nossa subjetividade. A TV é a voz mais socialmente aceita a apresentar a imagem dos fatos e dos valores e isso nos preocupa. Este é um poder concedido à pessoas que o exercem com fins comerciais, sem parar pra pensar na responsabilidade social que este poder carrega. Não queremos mostrar simplesmente a nossa versão dos fatos, mas o mínimo que podemos esperar é que a TV retrate a diversidade da sociedade em todas as suas dimensões, e que todas as pessoas encontrem nela seu espaço, já que a comunicação é uma via de duas mãos. Não podemos só ler e assistir: a comunicação está inscrita entre os direitos humanos e todos devem ter o direito de participar.

Qual foi o resultado concreto da audiência realizada no Ministério Público e que conseqüências ele traz para a luta feminista?
A audiência foi sensacional. Teve gente que foi de curiosidade e saiu convencida de que aquilo era importante e fundamental. Estamos planejando uma programação de seminários e debates para estimular a discussão, porque quando esta proposta passar de direito de resposta pontual para uma possível mesa de diálogo, este controle tem que estar enraizado, capilarizado, potencializado e legitimado. Temos também entrevistas agendadas nos dias 23, 24 e 25 de maio com representantes das emissoras MTV, Globo, Bandeirantes e estamos dialogando com a Cultura que está em transição de diretoria. Está se abrindo um caminho com elas. Outro compromisso é um retorno da audiência marcado no Ministério Público para dizer se a questão foi resolvida a contento ou se achamos adequado partir para outro nível de ação. Mas se conseguirmos este enraizamento na sociedade e esta abertura por parte das emissoras se mantiver, avançaremos bastante. Queremos que esta ação se multiplique, que mais mulheres e outros segmentos se juntem a nós.

Que relação existe entre os direitos das mulheres e o direito à comunicação?
Para além da questão da representação, a mulher tem sido amplamente utilizada de forma enviesada, no sentido de que é mercantilizada e usada como chamariz para venda de produtos que muitas vezes não têm nada a ver com a mulher ou o feminino. É objeto de decoração, de escárnio, entre outras coisas. Quando afirmo que o direito à comunicação é um direito humano e que o respeito à pessoa humana também é um direito, aí esta a relação. É fundamental que tenhamos acesso, controle e discussão sobre esta imagem e sobre a participação da mulher na mídia. Se nós mulheres mudamos o mundo e começamos a acumular funções, e não temos direito de ver na TV a forma como vemos o mundo, que liberdade é essa? Isso passa pela necessidade de também produzirmos comunicação e desvendarmos, nesta produção, os problemas, conflitos, as dificuldades e contradições que vivemos na vida. Não somos brindes ou chamarizes, queremos uma representação fiel. Estamos fazendo historia e não conseguimos ver nosso pedaço da história.

Existe alguma relação entre a representação das mulheres na mídia e a representação das mulheres na política?
As mulheres são subrepresentadas em termos políticos também. Existem inclusive algumas iniciativas de afirmação e campanhas de cotas de mulheres na política. Na verdade, quando não se mexe na estrutura, no motivo pelo qual a mulher não tem participado, as coisas não mudam. Nos movimentos sociais e nas organizações, elas são maioria. Na disputa do poder institucional, são minoria. Isso não se dá somente por machismo ou por uma estrutura herdada, mas também porque temos jornada dupla, ganhamos menos, os recursos em partidos são distribuídos de forma que não nos privilegiam. Além disso, não somos educados midiaticamente para ver mulheres como lideranças. E aí começa o ciclo vicioso: quando vem um olhar da mídia sobre a mulher na política, descreve como se portou a candidata, como se vestiu a deputada, como se maquiou a ministra. Isso é o mais importante? Isso diminui a importância da atuação política da mulher.


Quais as consequências, para as mulheres, de uma mídia concentrada e pouco diversa e, nesse sentido, qual a importância de termos uma mídia mais democrática?
A visão que a sociedade tem de nós está limitada às definições de um número restrito de pessoas e que tendem a pensar da mesma forma. Por mais que haja diversos canais de TV, são os mesmos tipos de programas e com o mesmo conteúdo. O controle remoto não permite uma escolha de fato. Se queremos ter um retrato real da sociedade, e que a TV cumpra a vocação de janela pro mundo, é preciso que ela mostre o mundo tal qual ele é, com sua diversidade. E tudo isso vale não só para a TV, mas para toda mídia. Quando passamos em uma banca de jornal, temos uma idéia de como se vê a mulher e sobre o que se pensa que a mulher deseja: peito, bunda e cozinha. Vale pra impresso, rádio, TV e internet, mas sabemos que a TV ainda é o meio mais poderoso na formação das consciências.

 

 

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“A imprensa está sendo parcial em relação à emenda 3”

Por Iberê Thenório 

Na semana passada, representantes da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e dos maiores sindicatos da categoria no País se reuniram com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pedindo a manutenção do veto à "Emenda 3".

Os jornalistas podem ser uma das categorias profissionais mais prejudicadas caso a nova regra entre em vigor. Desde quando a emenda surgiu no Congresso, apresentada pelo senador Ney Suassuna (PMDB-PB), a assessoria do parlamentar já admitia: a mudança vinha a pedido das grandes empresas de comunicação.  

Muitos jornais, rádios e emissoras de TV contratam prestadores de serviços por meio de pessoas jurídicas. Para pagar menos impostos e encargos sociais e trabalhistas, elas fazem com que seus empregados abram uma empresa e trabalhem sem carteira assinada. Assim, impedir a ação dos auditores-fiscais federais seria uma forma de garantir juridicamente a manutenção dessa contratação irregular. 

Para saber como os jornalistas estão encarando a edição da polêmica emenda, a Repórter Brasil entrevistou o presidente da Fenaj, Sérgio Murillo de Andrade, que alerta para a contaminação das notícias pelo interesse dos grupos de comunicação.  

Repórter Brasil – A Fenaj assumiu abertamente uma posição contrária à emenda. O que representaria para a categoria dos jornalistas a aprovação da medida?
Sérgio Murillo de Andrade – Na prática, o que vai acontecer é que essas fraudes promovidas pelas grandes empresas de comunicação, com que a gente convive diariamente nas redações, vão ser legitimadas pelo Congresso. Sob todos os pontos de vista, é um absurdo. Se em algum momento esse tipo de contrato [de prestação de serviço por meio de pessoa jurídica] pode ser benéfico para as empresas e para alguns jornalistas que ganham salários acima de 20, 30 mil reais, com certeza não é para quem está ganhando um pouco mais do que o piso e é obrigado a constituir-se como prestador de serviços. Se em uma situação pode até favorecer os dois lados, o jornalista e o empresário, nesse outro quadro perde todo mundo: a Receita Federal, a Previdência, o sindicato, o trabalhador. E ganha o empresário. 

Hoje é bastante comum nas redações jornalistas serem contratados através da intermediação de pessoas jurídicas. Quando começou essa situação e por que ela chegou ao ponto em que está hoje?
Essa situação existe por causa da postura de uma parte da elite brasileira que se recusa a reconhecer os direitos trabalhistas elementares consolidados na legislação. O patronato da área da comunicação tem uma tradição latifundiária: vem dessa cultura de total desrespeito com o trabalho e levou esses costumes para a direção das empresas de comunicação. Boa parte disso também se deve à falta de condição do Estado de fiscalizar as relações de trabalho. Essa estrutura está sucateada, após anos e anos de recusa de investimento. Se hoje já se gerou essa situação absurda, imagine se o Estado ficar impedido de agir? Aí então estaremos entregues à sorte. Os sindicatos denunciam freqüentemente essa fraude, mas eles não têm papel de polícia. Quem tem esse poder é o Estado. Há, mais recentemente, uma preocupação do Ministério Público do Trabalho de coibir essas práticas, mas a gente ainda depende da ação fiscalizadora estatal. 

Como você avalia a cobertura que a grande imprensa está fazendo da Emenda 3? Está havendo equilíbrio entre as posições favoráveis e contrárias ao projeto?
A imprensa está sendo parcial, comprometida com esses interesses, completamente distante dos objetivos sociais que deveria ter a mídia nesse momento. É um clima de linchamento, da mesma forma que fizeram em relação à idéia do Conselho Federal de Jornalismo, de atualização da nossa regulamentação, da privatização dos serviços de telecomunicação. Eles não dão espaço ao contraditório. O que impera de maneira absoluta é a posição deles. Essa é a mídia moderna que nós temos no Brasil.  

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) manifestou-se a favor da Emenda e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) tem feito lobby aberto pela aprovação da emenda. Como você avalia essas posições das duas entidades?
São organizações que representam essa elite que não respeita os direitos trabalhistas, que fazem frente a diversos outros setores do empresariado querendo flexibilizar as regras do trabalho, dizendo que isso é modernidade. Se deixassem, eles voltariam à escravidão. Essa é a modernidade que eles pregam.    

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O desenvolvimento da economia da cultura

Por Guilherme Jeronymo 

Jornalista, na formação e nos períodos em que trabalhou na Folha de São Paulo, no Jornal do Brasil e no Jornal dos Sports, Sérgio Sá Leitão enveredou pelos caminhos da gestão em cultura, com pós-graduação em Políticas Públicas (USP) e Marketing (Ibmec). Desde então foi, entre 2003 e 2006, Chefe de Gabinete do Ministro da Cultura e Secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, onde coordenou programas como o Música do Brasil, CulturaPrev e os programas de Economia da Cultura. 

Hoje, aos 40 anos, é Assessor da Presidência do BNDES, cargo que ocupa desde maio de 2006, onde foi um dos responsáveis pela criação do Departamento de Economia da Cultura e do Programa de Apoio à Cadeia Produtiva do Audiovisual, atividades que divide com a cadeira de professor da Pós-Graduação em Gestão Cultural da Universidade Cândido Mendes e de membro do Conselho Consultivo dos Projetos Setoriais de Exportação de Artes Visuais e Produção Independente de TV, da Apex, além de produzir vídeos e de ter publicado cinco livros. 

Na entrevista que nos cedeu, o assessor apresenta os mecanismos de fomento e investimento do BNDES em cultura, fala sobre os programas e a estrutura do Departamento de Economia da Cultura, contextualiza as políticas públicas voltadas para a “economia da cultura” e a importância do setor no mundo e para o Brasil, dá direções de quais serão as posturas da gestão de Luciano Coutinho para a área, fala do potencial não explorado do Brasil nessa economia da criatividade e da inovação e dá pinceladas na participação do banco em programas de fomento à radiodifusão comercial e pública e à TV Digital. 

CulturaeMercado – Na conjuntura atual, o que podemos considerar “economia da cultura”?
Sérgio Sá Leitão – Do ponto de vista da economia, a expressão “economia da cultura” identifica o conjunto de atividades econômicas relacionadas à cultura, incluindo a criação e o fazer cultural. Do ponto de vista da cultura, o conjunto das atividades culturais que têm algum impacto econômico. Pode-se incluir neste conjunto qualquer prática direta ou indiretamente cultural que gere valor econômico, além do valor cultural. A economia é, portanto, uma das dimensões da cultura. E a “economia da cultura” constitui um campo da economia. As atividades geradoras de valor econômico deste “setor cultural e criativo” são as que constituem o campo da “economia da cultura” e influenciam outros setores, como os de ciência e tecnologia e de eletro-eletrônicos. 

Quais são as principais características deste “setor cultural e criativo”?
Pesquisas recentes indicam que a “economia da cultura” é, atualmente, o setor que mais cresce, gera renda, exporta e emprega, e o que melhor remunera. É ainda o que mais impacta outros setores igualmente vitais. E produz maior valor adicionado. Está baseado no uso de recursos inesgotáveis (como a criatividade) e consome cada vez menos recursos naturais esgotáveis. Apresenta um uso intenso de inovações e impacta o desenvolvimento de novas tecnologias. Finalmente, seus produtos geram bem-estar, estimulam a formação do capital humano e reforçam os vínculos sociais e a identidade. 

Este campo inclui apenas as indústrias culturais?
As indústrias culturais e seus serviços derivados são a vitrine deste campo. Refiro-me à indústria editorial, à indústria do audiovisual e à indústria da música, entre outras. Tais setores estruturam-se como cadeias produtivas. Basicamente, dizem respeito à criação, produção, distribuição e consumo de conteúdos e experiências culturais. Mas há também as atividades econômicas relacionadas à cultura que se estruturam como arranjos ou sistemas produtivos locais. E as de caráter individual, associativo e institucional. Além do setor industrial da cultura, que inclui os segmentos do audiovisual, da música e da publicação de livros, entre outros, o estudo inclui, no campo da “economia da cultura”, a indústria da mídia (imprensa, rádio e TV), o campo criativo (moda, arquitetura, publicidade, design gráfico, design de produtos e design de interiores), o turismo cultural e as expressões artísticas e instituições culturais (artes cênicas, artes visuais, cultura popular, patrimônio material, museus, arquivos, bibliotecas, eventos, festas e exposições).

Qual é o tamanho da “economia da cultura” no mundo?
Segundo o “Global Entertainment & Media Outlook 2006-2010”, da Price Waterhouse Coopers, o setor passará de US$ 1,3 tri em 2005 a US$ 1,8 tri em 2010, crescendo 6,6% ao ano, bem acima da média da economia mundial (5%). Na América Latina, espera-se um crescimento anual médio de 8,5%, com o mercado passando de US$ 40 bi em 2005 para US$ 60 bi em 2010.  

Qual é a importância da “economia da cultura” para a geração de renda no país atualmente?
O Brasil tem o maior potencial de crescimento no continente, por dois fatores: mercado interno expressivo e a riqueza e a diversidade da nossa cultura. Deve-se tratar de “economia da cultura” no Brasil pensando não apenas na situação existente, mas, sobretudo, no potencial não-realizado, assim como nas oportunidades que se colocam. De acordo com o “Sistema de Informações e Indicadores Culturais” (IBGE/MinC, 2006), o “setor cultural e criativo” respondia em 2003 por 5,7% dos empregos formais, 6,2% do número de empresas, 6% do valor adicionado geral e 4,4% das despesas médias das famílias. Estima-se que a participação no PIB seja de 5%. 

Por que a “economia da cultura” é um setor estratégico para o país?
A “economia da cultura” é um novo front de desenvolvimento, por sua grande capacidade de geração de renda e emprego, por seu impacto na formação do capital humano e no desenvolvimento de novas tecnologias, e por seus efeitos sociais positivos. O crescimento do setor no Brasil tem sido muito expressivo, mesmo que os valores absolutos ainda sejam modestos, se comparados aos que se verificam nos países desenvolvidos. Segundo a Price Waterhouse Coopers, a “economia da cultura” no Brasil passou de US$ 11,548 bi em 2001 para US$ 14,648 bi em 2005. O estudo projeta que o setor atingirá a marca de US$ 21,917 bi em 2010, com uma taxa de crescimento anual estimada em 8,4%, ou quase o dobro da estimativa de crescimento do PIB brasileiro. 

E como estimular o desenvolvimento da “economia da cultura” no Brasil?
O poder público já acordou para a “economia da cultura” e o que ela pode representar em termos de desenvolvimento. Em 2005, coordenei no MinC a formulação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Economia da Cultura (Prodec), que a partir de 2006 passou a integrar o Plano Plurianual e ganhou recursos próprios. Entre as ações desenvolvidas destaca-se o apoio aos Programas de Exportação de Música, Cinema e Produção Independente de TV, realizados em parceria com a Apex, o Sebrae e entidades setoriais. O ministro Gilberto Gil tem sido um apóstolo desta causa, e há cada vez mais adeptos. 

E o que o BNDES pode fazer nesta área?
O BNDES criou em junho de 2006 o Departamento de Economia da Cultura, a partir de uma proposta que apresentei quando fui convidado a trabalhar na Assessoria da Presidência. Cerca de cinco meses depois, lançamos o Programa de Apoio à Cadeia Produtiva do Audiovisual (Procult/Audiovisual), orçado em R$ 175 milhões. Antes, em 2004, o BNDES havia criado duas linhas de crédito, uma para salas de cinema e outra para edição de livros, a partir de um processo de diálogo com o MinC do qual tive a felicidade de participar, ao lado de Leopoldo Nunes, Mário Diamante e Galeno Amorim. Tais linhas foram fundamentais para produzir massa crítica interna e abrir caminho para o Decult. 

Quase um ano depois, pode-se dizer que o Departamento de Economia da Cultura esteja maduro para atender aos objetivos do BNDES e às demandas do setor?
Penso que o Decult apresenta um desempenho significativo, graças ao empenho e à qualidade de sua pequena equipe, e ao respaldo da Diretoria e da Presidência. O BNDES aprovou em fevereiro um financiamento de R$ 7 milhões para a construção, em São Paulo, de um complexo de estúdios e serviços voltado à produção de filmes, séries de TV e outros conteúdos audiovisuais. Foi a primeira operação do Decult. Na semana passada, aprovamos a segunda, no valor de R$ 2 milhões, para a construção de seis salas de cinema em Bangu, Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde há claramente uma reduzida oferta de lazer. Além do financiamento aos projetos da Quanta e da CineSystem, há mais 20 operações em análise. A performance inicial indica que o BNDES acertou ao apostar no potencial de expansão do setor e tomar medidas relativamente ousadas, como a criação de um departamento exclusivo e a adaptação de suas regras gerais às peculiaridades deste mercado. A tarefa não é simples, pois trata-se de uma iniciativa nova; e o setor, embora emergente, ainda demonstra elevada dependência de incentivos e baixa capacitação. 

Que mecanismos de financiamento foram criados a partir do Decult, e qual sua importância política para as cadeias produtivas da cultura?
Há dois programas em andamento: o Procult/Audiovisual e o Protvd/Conteúdo. O primeiro reúne linhas de crédito para empresas de produção, comercialização, exibição e infra-estrutura de audiovisual. O patamar para operações diretas é R$ 1 milhão; os juros variam de 1,8% a 3,8% ao ano + TJLP (hoje em 6,5% ao ano). O objetivo central do BNDES é fazer com que pequenas, médias e grandes empresas da cultura usem seus mecanismos de estímulo ao crescimento, já disponíveis para outros setores da economia. O Decult pode usar outros mecanismos? O BNDES lida basicamente com quatro mecanismos: crédito de longo prazo a juros baixos, participação no capital de empresas, investimento de risco através de fundos, como os Funcines, e crédito de curto e médio prazos para aquisição de bens de produção (Cartão BNDES). Este é o “arsenal” do Decult. Para usar este arsenal, o primeiro desafio do departamento era compreender as singularidades da “economia da cultura” e adaptar as regras da nossa política operacional para que os programas voltados ao “setor cultural e criativo” tivessem efetividade. O segundo era ter uma postura ativa, ir ao mercado divulgar as linhas e prospectar operações. Foi o que fizemos nos últimos meses, e os resultados estão aparecendo aos poucos. 

O Decult vai ficar apenas no segmento do audiovisual?
O Decult está atualmente analisando várias operações de crédito no âmbito do Procult, investirá em novos fundos devotados à indústria do audiovisual, como o Funcine RB 1, da Rio Bravo, e tem procurado estimular o uso do Cartão BNDES. Sua próxima tarefa será a formulação de um programa para a cadeia da música, com meta análoga à do audiovisual: apoiar a expansão das empresas do setor, elevando sua capacidade de gerar renda, emprego e inclusão ao consumo. O Procult/Audiovisual, por sua vez, será aperfeiçoado, em especial no que diz respeito à produção. É preciso flexibilizar ainda mais as garantias, incluindo a precificação de obras, e encarar o risco, desde que haja confiança no projeto e na empresa. A opção pelo audiovisual foi uma questão de estratégia. Vamos avançar. 

E o Protvd?
O Decult também é o responsável por analisar operações de conteúdo no âmbito do Programa de Apoio à Implementação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (Protvd), criado para apoiar, via financiamento ou participação acionária, a implantação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD-T). O Protvd contempla fornecedores de infra-estrutura e radiodifusores, que podem financiar hardware/software e produção de conteúdo e está orçado em R$ 1 bilhão. É importante frisar que o spread é menor caso a empresa de radiodifusão compre produção independente. 

Além do projeto do SBT, há outros empréstimos para radiodifusoras comerciais sendo avaliados?
O SBT foi a primeira empresa de radiodifusão a submeter um projeto no âmbito do Protvd. Mas este projeto, até agora, diz respeito à migração de infra-estrutura. Está, portanto, sob análise do Departamento de Telecomunicações. O Decult já recebeu uma consulta preliminar sobre o Protvd/Conteúdo. Espero que prospere. Penso, porém, que a TV digital vai além da radiodifusão. Vista sob um prisma mais amplo, ela abre um vasto horizonte para a produção e o consumo de conteúdos audiovisuais. Pode-se falar em TV na Internet e no celular. O Procult foi pensado para lidar com este novo cenário. 

Como é a estrutura do Decult?
O Decult tem duas gerências. Uma, que já existia previamente, ligada ao Departamento de Comunicação, lida com patrocínio a projetos culturais, através das leis de incentivo ou de recursos próprios. Esta gerência cuida do Programa de Apoio à Revitalização do Patrimônio Histórico e Arqueológico, do Programa de Apoio a Projetos de Preservação de Acervos, do Projeto Quintas no BNDES e do Programa de Apoio à Produção de Filmes de Longa-Metragem. A outra gerência, criada há pouco, é a de investimentos, que cuida do Procult, do Protvd/Conteúdo e dos Funcines, entre outros instrumentos. O Decult também apóia eventos setoriais focados em negócios, reflexão e capacitação. 

O Decult tem, como se vê, uma peculiaridade: a dupla função de patrocinador, ligado ao marketing, e de banco de fomento, através de diversas ferramentas como empréstimos a juros baixos. Por que tratar essas duas vertentes do financiamento à atividade cultural juntas?
Penso que as funções de patrocinador e financiador podem e devem ser complementares. Tanto que o Decult está estudando agora a possibilidade de combinar recursos reembolsáveis (próprios) e não-reembolsáveis (através das leis de incentivo), de modo a viabilizar operações que não comportem o uso exclusivo de financiamento. O principal papel que o BNDES pode desempenhar é o de apoiar o desenvolvimento da “economia da cultura”. E setor algum se desenvolve apenas com incentivo fiscal. De qualquer modo, é preciso dizer que a dimensão do marketing jamais foi prioritária para o BNDES. 

O patrocínio pode ser um fator de desenvolvimento?
A atuação do poder público na área da cultura baseou-se, historicamente, num sistema de financiamento que destina apenas recursos não-reembolsáveis, oriundos de orçamento ou de renúncia fiscal, a projetos culturais. Este sistema mostrou-se adequado para viabilizar uma parte da nossa produção cultural, mas insuficiente para estimular de modo sustentável o desenvolvimento das indústrias culturais brasileiras (e também a necessária expansão do consumo). Penso que o BNDES está ajudando a suprir uma lacuna. 

Como medir o retorno de um investimento em cultura? É possível pensar além dos ganhos intangíveis, como diversidade cultural, ou de ganhos em marketing?
O impacto de um empreendimento cultural pode ser medido de vários modos. Para o BNDES, a questão central é a do desenvolvimento, tanto do setor quanto do país. Além de aspectos próprios de um financiamento, como capacidade de pagamento e histórico de desempenho, o BNDES analisa o que o projeto significa em termos de geração de emprego, renda e inclusão ao consumo. Queremos saber ainda como o projeto contribui para a estruturação de sua cadeia produtiva e se estimula a produtividade e a inovação. 

Neste sentido, como vocês consideram a questão da inovação nas cadeias produtivas da cultura? Há alguma mudança com o início da gestão do Luciano Coutinho?
O novo presidente sinalizou claramente em seu discurso de posse a necessidade de o BNDES abordar o conjunto das cadeias produtivas da economia e seus vários elos. Também destacou que é preciso incentivar a internacionalização das empresas brasileiras e a elevação da produtividade, do grau de inovação, do uso de novas tecnologias e do valor adicionado. O crescimento do país ainda se apóia em atividades de baixa produtividade e baixo valor adicionado. É preciso mudar este quadro. A “economia da cultura” é um setor que se caracteriza pelo grande potencial de internacionalização, pela alta produtividade e influência na inovação, e pelo uso intenso de novas tecnologias. 

Como ficam as TVs públicas na atual situação? Elas também podem captar recursos nas novas linhas? Em seu discurso no encerramento do Fórum Nacional de TVs Públicas, o presidente Lula colocou a necessidade de participação do BNDES na formação da rede pública, através de um PAC da cultura. Como isso está sendo recebido pelo banco?
O caso da TV pública é diferente do caso da radiodifusão privada. Não creio que uma linha de crédito tradicional faça sentido. É preciso pensar outras formas. Representei o BNDES no Grupo de Financiamento do Fórum de TVs Públicas (leia mais sobre o fórum) e pude estudar o assunto em profundidade. A TV pública deve aproveitar o contexto da migração para rever sua estrutura e seu modelo de gestão, financiamento e programação. Deve abrir-se à produção independente e expandir-se para Internet e celular. A existência de uma TV pública eficiente e contemporânea é chave para a saúde da democracia brasileira. O BNDES está atento e participará do processo. Mas devemos buscar também outras fontes, como os fundos de telecomunicações. Penso que o Procult e o Protvd são um PAC da cultura. 

O BNDES tem aumentado sua participação em Funcines. Como funcionam estes mecanismos, e para que tipo de investidores pode ser rentável investir em cultura?
Acho que o momento não poderia ser mais adequado para o capital de risco descobrir a “economia da cultura” no Brasil. As chances de crescimento são claras. Os Funcines tendem a ser o melhor instrumento, no que diz respeito ao audiovisual. Para os investidores, a presença do incentivo fiscal mitiga o risco e potencializa o retorno. Para o setor, a busca do retorno e a gestão profissional são fatores estruturantes. O BNDES está feliz com o Funcine em que investiu e espera apoiar outros. O RB Cinema 1 (veja matéria de Carlos Minuano sobre o fundo) já investiu em oito filmes e na criação de uma distribuidora internacional de filmes brasileiros. Nosso objetivo é consolidar o instrumento e atrair investidores privados e gestores.

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Os desafios da convergência

Por Bráulio Ribeiro, especial para o Observatório do Direito à Comunicação.

 

O deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP) assumiu a presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara  dos Deputados nos primeiros meses do ano, quebrando uma tradição histórica da comissão: a de ter como presidente um radiodifusor ou aliado das emissoras comerciais de televisão. Atuando há mais 20 anos no setor de informática e telecomunicações, Semeghini está em  sua 3ª legislatura e, ao contrário de seus antecessores na presidência do órgão, parece disposto a estar na linha de frente do processo de construção de um novo marco regulatório para o campo das comunicações.

 

Em entrevista exclusiva concedida ao Observatório do Direito à Comunicação, o deputado discorre sobre os principais desafios da comissão, como a questão das concessões de rádio e TV, da inclusão digital e da própria lei geral de comunicações. E não tergiversa: é favorável à taxação das emissoras comerciais de radiodifusão. Confira os melhores trechos da entrevista. 


Observatório do Direito à Comunicação – O sr. assumiu este ano a presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia. Quais são os desafios e as pautas para a comissão em 2007?

Júlio Semeghini – Na área de comunicação, a questão principal é a revisão do conceito de convergência, sobretudo no que diz respeito ao conteúdo, nesse mundo integrado com telecomunicações, Internet e agora com as TVs e rádios digitais. O grande desafio é entender como será a convivência disso, assegurando os espaços de cada um, daqueles que já estão estruturados, mas permitindo que o avanço de novas oportunidades e parcerias dêem mais oportunidades para as pessoas no Brasil. Por exemplo, o impacto da introdução da TV digital está imediatamente fazendo com que se reveja toda a cadeia de comunicação de rádio e TV no Brasil. É necessário imaginar quais são as oportunidades, como criar o papel do operador de rede, como permitir e incentivar toda a geração de conteúdo nacional, sobretudo regional. Certamente teremos que definir o marco regulatório, mas não só isso: é preciso discutir com a sociedade o modelo que o Brasil quer e como isso será feito, e a partir disso como serão viabilizadas essas oportunidades, como serão constituídas as TVs públicas, como elas terão seus meios de financiamento, tanto o investimento para a digital como também para os novos produtos, da forma mais descentralizada possível. Por outro lado, é importante avançar em questões mais específicas, como a terceira geração de telefones celulares, porque o mercado e as indústrias estão ficando sem opção e, se não houver estrutura adequada, as empresas que se estabeleceram no Brasil podem desmontar parte do seu parque industrial e ir embora por falta do que produzir. É importante que seja definido também como faremos as licitações para o WiMax, para avançarmos na questão da banda larga. Agora, o mais importante é que o Brasil assegure a universalização dessas tecnologias. Não como foi feito no caso dos celulares, quando se permitiu seu avanço (hoje existem mais de 100 milhões de celulares no país) mas que fez com que 2.400 cidades ainda não tenham uma única torre; Ainda hoje existe uma série de comunidades rurais que precisam de um telefone.


E a questão da inclusão digital? O que fazer com o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações)?

Esse é outro ponto importante da pauta. Nós temos uma grande soma de recursos, mais de R$ 5 bilhões, e o governo sugere, entre outras coisas, que ele seja usado para as escolas, iniciativa que nós apoiamos. Mas em seguida diz que o dinheiro do Fust será usado para financiar a TV pública. Tudo agora depende do dinheiro do Fust e do Fistel, e eu acho que não deve ser assim. Quando se estrutura uma cadeia, é preciso gerar renda de quem a utiliza, e parte dessa renda tem que ser taxada. Então, como as telecomunicações irão se conectar com as TVs abertas e por assinatura ou com a rede de computadores, é claro que os recursos também terão que ser integrados, mas é muito importante que não percamos de vista o projeto de inclusão digital que existe no Brasil e que não está avançando. Avançamos em coisas pontuais, mas já há cinco anos este dinheiro está parado e, se você pensar bem, em cinco anos já passou uma geração pela escola pública que saiu sem ter contato com essas tecnologias. Portanto, o projeto de inclusão que cobramos é um projeto do tamanho do Brasil, que atenda a todas as escolas públicas, e outras coisas, como bibliotecas, os deficientes, as comunidades rurais, enfim, é necessário aplicar esses recursos num grande projeto de universalização.


E como ficará a questão das concessões?

Uma subcomissão já está fazendo o trabalho de avaliação dos procedimentos de concessões, outorgas e renovações de rádios e TVs. Queremos dar mais transparência e agilidade para que essas coisas fluam com menos interesses partidários ou locais, que o processo de escolha fique claro. É importante que aqueles que terão o direito de explorar os serviços tenham também a contrapartida da responsabilidade, e tenham representatividade nas comunidades. O que não podemos esquecer é que dentro do mundo da convergência, o que irá definir uma grande parte do modelo de negócios é a Lei de Comunicação Social Eletrônica. A pauta da comissão é extensa e é muito importante que o Brasil esteja atento para assegurar as coisas que sempre quisemos, como aumentar o número de rádios, melhorar a qualidade de canais e de programas, consolidar a mídia independente, incentivar a produção de conteúdos de forma localizada, fortalecer os canais universitários e comunitários que agora poderão se integrar com redes públicas mais amplas. Acredito que será um ano de muito debate e das primeiras tomadas de decisão. 

Na sua avaliação, quais os princípios que devem fazer parte de uma Lei Geral das Comunicações?
Ainda não temos claro todos os princípios, mas temos pontos importantes que devem ser tratados. Em uma lei de comunicação de massa, é preciso estabelecer formas de parcerias: como as entidades, através de seus canais, podem se associar com outras no mundo digital, permitindo uma conectividade mais ampla. Depois disso, é importante criar figuras que ainda não existem, como a que irá prover a estrutura: se haverá apenas uma grande rede e ela alugará o que for transmitido ou se construiremos uma rede independente, um gestor que permita que vários possam transmitir, criando algo que ainda não existe, que é a infra-estrutura que transporta esses conteúdos. Mas aí é importante que fique bem claro o papel de cada um, para que um não use a força de outro para fazer pressão.  


E a questão das TVs Públicas, não entra?

Essa é outra questão importante, pois sendo público, mais do que um conselho que dê transparência, é importante que exista uma forte participação da sociedade na definição de quem precisa ser ouvido, levantando as principais necessidades. Não adianta que esses conselhos fiquem às portas fechadas com especialistas definindo o que o Brasil tem que assistir. Nós esperamos que o conselho seja neutro, mas que tenha um canal de comunicação com a sociedade e traga esses anseios. É uma grande mudança para a democratização da mídia, mas é preciso também assegurar os recursos, para que o Brasil tenha uma mídia forte. O país já escolheu fortalecer os bancos e, depois, recuperar as indústrias. Agora é a vez da mídia, para que ela seja democrática, participativa e representativa dos anseios da sociedade.  


Como lidar com a entrada do capital estrangeiro em relação à proteção do conteúdo nacional?

Temos que discutir o que está sendo transmitido, assegurar a quantidade de conteúdo nacional, inclusive nos horários de maior valor, o horário nobre. Tudo isso tem que ser regulamentado para garantir não só a produção e o desenvolvimento, mas também a distribuição, as prioridades do conteúdo nacional. Em relação ao capital, só tem um jeito: é preciso definir o que o Brasil quer. Se na geração de conteúdo é necessário que a empresa seja nacional, o gestor da rede, que é quem vai fazer a fiscalização da grade, seja nacional, talvez não possa ser de capital totalmente internacional, porque os interesses dele serão outros. O Brasil terá que considerar isso tudo. 


Mudando um pouco de assunto, existem muitos parlamentares, inclusive da CCTCI, que tem ligação direta ou indireta com empresas de radiodifusão. Ou são sócios, ou são donos, ou são parentes de proprietários. O artigo 54 da Constituição proíbe que parlamentares, detentores de cargos públicos, detenham concessões públicas. Como o sr. vê essa questão, principalmente dentro da CCTCI, e como evitar que interesses particulares prevaleçam sobre o debate público do interesse maior da democratização da comunicação?
Existe uma preocupação muito grande com isso, pois sempre passa a impressão que o Congresso descumpre a própria lei que faz. Já consultei os consultores da Casa, que por escrito me esclareceram de que não há ilegalidade em um parlamentar que detenha ações, ou mesmo seja proprietário de uma rádio ou de uma TV, se candidate para um cargo público. O que ele não pode é estar na gestão da empresa enquanto exerce o cargo de  parlamentar. Mas é evidente que, mesmo que de forma indireta, ele está lá, fazendo pressão, tendo ingerência na gestão daquele órgão. Então, é preciso esclarecer que não é ilegal, mas não quer dizer que não seja imoral, mas nesse caso não se pode fazer nada, pois são coisas dadas anteriormente. Mas o trabalho da subcomissão deve apontar propostas também para a questão…



Como por exemplo um deputado que vota na renovação da outorga da sua própria concessão…

Você tem razão, pois ele estaria fazendo a gestão sobre si mesmo. Nesse caso, ele não poderia votar. Isso está sendo estudado na comissão, mas é um detalhe, pois o problema não é o parlamentar ser proprietário e estar aqui votando ou defendendo. A questão é maior, de ingerência “de marketing”, que significa, na verdade, defender sua própria concessão. É isso que estamos analisando. O mais importante é evitar que, de forma indireta, esses políticos tenham uma participação na gestão desses meios de comunicação.


Justamente sobre essa questão da renovação das concessões, o sr. não acha que esse processo é estritamente técnico e que deveria haver também uma análise mais ampla do papel que a concessão tem cumprido na comunidade em termos de garantir a diversidade de opiniões, os espaços para produção local, enfim, aquilo que está colocado na Constituição? O sr. não acha que esse processo deveria ser qualificado no sentido de torná-lo mais político e não só técnico?

Não exatamente mais político, mas mais qualificado. Além de exigir o cumprimento das documentações e exigências da lei, é necessário haver uma análise da qualidade, de como realmente se exerce o papel previsto na Constituição por qualquer das concessões que são dadas, que é um processo muito mais difícil. O Brasil vinha passando por um processo de desconcentração dos meios de comunicação para que houvesse mais rádios e TVs comunitárias e educativas, mas em relação às comerciais acabou com essa análise mais criteriosa, de saber se o grupo estava preparado para aquela concessão, e transformou em uma negociação comercial: faz-se um leilão e aquele que tiver a melhor oferta, compra. Isso dá transparência ao processo, mas não garante que o resultado seja o melhor para aquela região. Estamos estudando um novo modelo para conseguir avançar, porque é claro que tem que ser avaliado o conteúdo e a qualidade do que se distribui. O Congresso não tem mecanismos para averiguar isso, é importante que exista algum órgão capacitado, que possa cumprir essa tarefa, através de um conselho social ou algo do gênero. 

Mas parece impossível trazer esta atribuição para a CCTCI, porque senão ela faria apenas isso…
E nem disso ela daria conta. 

Em sua exposição durante o Fórum de TVs Públicas, o sr. falou sobre as possíveis fontes de financiamento para o sistema público. Claramente em contraposição ao posicionamento apresentado pelo Ministério das Comunicações, o sr. se colocou a favor da taxação das concessões comerciais como forma de subsidiar um sistema de comunicação mais amplo no Brasil. O sr. reafirma essa posição?
Nós ainda não temos um estudo concreto sobre isso, o que nós temos certeza é que se queremos consolidar uma rede de TVs públicas, teremos que levantar os meios de financiamento, senão continuaremos tendo uma rede em apenas alguns pontos do Brasil, distante de se tornar universal. Sobre o debate no Fórum, a pergunta foi muito objetiva: se eu concordava que uma parte dos recursos oriundos das outorgas financiasse esse conceito de universalização e viabilizasse uma rede que tem menos recursos, a pública. Defendi que os recursos das outorgas, o dinheiro recolhido pelo governo não vá, em sua totalidade, para o caixa geral da União, para pagar dívidas e outros gastos. O sentido disso não está apenas em financiar a infra-estrutura, mas pegar parte dos recursos para financiar investimentos, pagar o custeio, e mesmo para formar a mão-de-obra necessária para entrar nesse mundo digital. Defendo, por isso, que parte desses recursos venha das rádios e TVs (comerciais). Esse é o modelo que eu acredito que funcione. Além disso, uma pequena taxa do comércio de equipamentos mais sofisticados, que atendem a um público de poder aquisitivo mais alto poderia financiar, inclusive, a pesquisa para que se possa ter mais produção de conteúdo nacional, equipamentos, treinamento de pessoal. É o mesmo conceito que pensamos para o Funttel, que é um fundo de pesquisas em telecomunicações onde uma parte dos recursos de alguns equipamentos garante a pesquisa na área. Se não soubermos desenvolver tecnologia e agregar valor a ela, ficaremos para trás.


Para finalizar, o que o sr. achou da transferência dos três projetos de Lei Geral que estavam na CCTCI com o deputado Jorge Bittar como relator, para a Comissão de Desenvolvimento Econômico?

Acho razoável que vários deputados queiram levar para as suas comissões esse debate, porque ele é muito amplo e tem impacto sobre o desenvolvimento econômico. No entanto, o grande problema é que esse tema já deveria ter tramitado no Congresso há algum tempo, mas o debate não foi feito. Hoje, se todas as comissões quiseram dar o seu parecer, levará muito tempo e não teremos novamente projeto algum. Há urgência nesse processo. É claro que os debates são importantes, mas temos que fechar um acordo de forma a construir uma comissão especial, onde se juntem todos e o debate aconteça. O que não podemos permitir é que se leve de uma comissão para outra num processo interminável, pois sabemos que há pessoas interessadas em que os projetos não andem.

 

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Cultura Digital

Entrevista publicada originalmente no portal Cultura e Mercado – www.culturaemercado.com.br

Por Carlos Minuano

O coordenador de políticas digitais do Ministério da Cultura, Cláudio Prado, é uma figura singular. No currículo, uma bagagem musical invejável: já foi produtor de bandas como Mutantes e Novos Baianos e dos festivais de Glastonbury, maior festival de rock do Reino Unido, e de Águas Claras, conhecido como o "Wojosdireitoacotock brasileiro". Quase sempre trajando roupas coloridas, define-se como hippie, reclama da burocracia que, em grande parte, serve à corrupção, e define seu papel dentro do Ministério como de agente da “contracultura”. Ele conta, sem esconder uma pitada de orgulho quixotesco, que faz parte do único governo que possui uma área para tratar exclusivamente dos avanços tecnológicos sob o prisma cultural. Entre as prioridades, acompanhar o avanço dos debates sobre o tema no Brasil e no mundo e avaliar o impacto do amplo espectro digital nas inúmeras esferas que ele atinge. 

Um amplo universo também conhecido como ciberespaço, que abrange temas como direito autoral, patentes, distribuição, software livre, entre outros diferentes elementos, todos pressionados a se adaptarem aos novos paradigmas impostos neste começo de século. “Tudo pede novos modelos de negócio, essa é uma discussão trazida pela convergência das tecnologias, mas que também traz a necessidade de unificar as agendas dos diferentes temas tocados pelo digital, que até então caminhavam isoladamente”, defende. Os obstáculos são vários, começam, segundo ele, nas próprias contradições da legislação brasileira. “Há um paradoxo na Constituição que opõe o direito do autor sobre sua produção intelectual e acesso ao conhecimento”. 

Pouco antes de embarcar para Brasília, onde participaria do 1º Fórum de TVs públicas, realizado entre 8 e 11 de maio, Cláudio Prado recebeu em seu apartamento em São Paulo, a reportagem do 100Canais (núcleo editorial do Cultura e Mercado) para esta entrevista exclusiva ao Cultura e Mercado. Entre ligações e preparativos para a viagem, falou cerca de uma hora sobre diversos assuntos – sobrou bordoada até para o músico Lobão, que desistiu dos processos que movia contra a gravadora Sony/BMG. Mas, apesar do tom ácido, mostrou-se um otimista visionário declarado: “A internet precipita uma revolução ética, ela foi criada por pessoas que não pensaram no próprio bolso, e sim no avanço da humanidade. Neste cenário, os verdadeiros piratas são as grandes gravadoras”. Leia, a seguir, trechos da entrevista.  

Há uma previsão de que o digital acabará com a música, tal qual a conhecemos hoje, você acredita nisso?
Cláudio Prado – O digital nos colocou em uma grande encruzilhada, dizem que ele traz prejuízos, que viabiliza a pirataria, eu discordo frontalmente. Quem afirma isso tem interesse que o modelo analógico continue. O digital sugere novos modelos de negócio. Não faz sentido transportar e distribuir CD em caminhão, quando isso poderia ser feito por meio de um clic. Seria o mesmo que impedir a criação do motor a vapor, porque danaria a vida do construtor de mastros e velas, alegando-se ser pirataria. A história não quer saber dos dramas que o avanço na tecnologia de navegação trouxe aos empresários que detinham modelos antigos, ela diz: dane-se! Se o mundo digital acabará com a música, no formato que a conhecemos hoje, fazer o quê? O problema é que as pessoas estão presas a velhas formas de ganhar dinheiro, isso vale, sobretudo, para os intermediários. O digital elimina os intermediários que não agregam valor. Não faz mais sentido, por exemplo, gravadoras no velho formato que conhecemos. Precisamos de novas intermediações que tornem as minorias possíveis. Em vez de apenas cinco gravadoras, monopolizando o mercado, podemos ter 500 mil selos com uma distribuição de música muito maior.  

Você vê algum sinal de mudança de postura por parte da grande indústria fonográfica?
Há uma catástrofe, que eles, obviamente, estão percebendo, mas eu não creio que possuam capacidade de olhar para um novo paradigma. Novas gravadoras que estão surgindo são mais interessantes. Veja o Lobão, por exemplo, que voltou a assinar com a Sony/BMG e anda dizendo que as gravadoras mudaram de mentalidade. Não me parece honesto o que está fazendo agora em relação ao discurso que manteve durante anos, em minha opinião, ele adapta seu discurso às necessidades, está querendo ganhar dinheiro pelo sistema velho, somente isso.  

Em relação ao movimento de software livre, você acredita na possibilidade de uma articulação de atores ligados ao Governo Federal para estratégias conjuntas?
Se não for uma ação centralizadora eu acho ótimo, porque o software livre é justamente o fruto de uma ação sem poder central, e um dos pilares de sustentação do novo paradigma do século 21. Isso graças a um maluco, Richard Stallman, que propôs uma coisa que ninguém acreditou, e que, em si, já é o resultado de uma revolução ética, a internet foi pensada para todo mundo e não para enriquecer ninguém. Mas claro que as articulações são necessárias, e mudanças também.  

Você esteve presente no 8º Fórum Internacional de Software Livre [Fisl 8.0] (leia aqui), que avanços você destacaria? Houve algum desdobramento importante no âmbito do MinC, por exemplo?
O Fórum de Porto Alegre é interessante, aborda questões relevantes, mas acho que o mundo do software livre corre um sério perigo de tornar-se uma coisa fundamentalista, fechada em si mesmo, olhando para o próprio umbigo, deixando de enxergar seu papel no mundo. Por exemplo, houve, neste evento, uma redução enorme nas discussões culturais e políticas, que são questões fundamentais. O software livre está sujeito a ficar restrito a um grupo de especialistas e, como tal, virar mais um ramo da ciência descontextualizado, que não tem consciência daquilo que está fazendo, quando é justamente a ferramenta necessária para que as pessoas tenham autonomia, liberdade, para inventar, produzir, trabalhar, partilhar novos caminhos e percepções, na direção de mudanças necessárias para o desenvolvimento do planeta.  

Com a prevalência do posicionamento do Ministério das Comunicações em relação à digitalização dos meios de comunicação, ainda há espaço para os argumentos do MinC, mais alinhados com a sociedade civil, serem contemplados?
Existe espaço total, o Fórum de TVs Públicas é uma amostra disso. Aliás, ele nasce de lacunas que surgiram no processo de criação da TV digital brasileira que omitiu varias questões em seus debates. Sou um dos representantes do MinC no comitê gestor da TV digital, lá discutimos exaustivamente que modelo de televisão queremos. Afinal, o que é uma TV pública digital? Ela não é uma conseqüência direta e natural da TV analógica, assim como o computador não foi conseqüência da máquina de escrever. Não podemos olhar para TV que existe no ar hoje como se ela fosse continuar a mesma, isso seria retrógrado, seria pensar de uma maneira absolutamente burra. No caso da TV pública, é preciso olhar para as possibilidades de interatividade de comunicação e de regulação da canalização de uma forma totalmente nova, usando as possibilidades que a tecnologia traz para aumentar e democratizar o acesso à informação estabelecendo um novo paradigma nas comunicações e no acesso. É necessário aproximar a televisão e a internet, buscando uma simbiose entre elas. Não há mais razão tecnológica para separar uma coisa da outra. A TV pública precisa ser conjugada com a internet.  

Foi criado um grupo pela ONU para trabalhar a questão da regulação da internet. Em que nível encontra-se essa discussão?
Hoje os governos correm para tentar a regulação da internet, invertendo o processo de uma maneira interessante. Antes as coisas existiam, eram reguladas e tornavam-se públicas, agora é o contrário. Mas não vão conseguir, não há como regular a internet. Na realidade, a regulação que precisa haver é a que garanta a liberdade, a autonomia e a neutralidade da rede em relação a governos e corporações. E por trás disso, sou a favor de uma política pública de banda larga, defendida, aliás, pelo MinC, que dê condições de acesso a todos. Outro ponto relevante é o seguinte: não é mais possível discutir o digital localmente, trata-se de uma questão transnacional, só será possível pensar a internet mundialmente, mas acho difícil que isso aconteça no âmbito da ONU, que, obviamente, não tem poderes para isso. É preciso criar uma instância com poderes efetivos, infelizmente isso ainda não me parece próximo.  

Qual sua opinião sobre o recente convênio entre a Fapesp e a Microsoft para desenvolvimento de TI?
Um convênio que prevê a obrigatoriedade de patente é uma burrada, retroage em relação àquilo que de mais precioso existe hoje, que é a possibilidade de democratizar acesso à informação. A Fapesp, em tese, deveria priorizar a democratização do conhecimento e não privilegiar aspectos privados de alguma empresa. Não sou contra ganhar dinheiro, mas há outros modelos de negócios que transcendem a idéia da patente, dos modelos fechados, e que partem de novos paradigmas. Temos que nos livrar dos velhos padrões, o século 20 foi um equívoco que deu em um beco sem saída. O século 21 é uma nova história, é o contrário do anterior, que apontava para o fim da vida e do planeta, que nos levou a um mundo que produz três vezes a quantidade de alimentos necessária para alimentar a todos e, no entanto, metade da população passa fome enquanto a outra é obesa. Hoje, a corrupção nos governos e nas corporações é uma constante, podemos praticamente definir o século 20 como um período de engano e mentira que não olhou para nada que não fosse dinheiro. Só poderia dar nisto: em ladrão, pirataria. Na minha concepção, no mundo da música, por exemplo, os piratas são as gravadoras, elas que é que ganham muito dinheiro. Não podemos ficar enroscados nessa idéia de que só a patente oferece garantias ao autor. No caso da medicina e no conhecimento tradicional indígena, sei que há patentes engavetadas de remédios que curam, porque outros que não curam ainda não foram pagos, isso é criminoso.

 

 

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