Os desafios da convergência

Por Bráulio Ribeiro, especial para o Observatório do Direito à Comunicação.

 

O deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP) assumiu a presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara  dos Deputados nos primeiros meses do ano, quebrando uma tradição histórica da comissão: a de ter como presidente um radiodifusor ou aliado das emissoras comerciais de televisão. Atuando há mais 20 anos no setor de informática e telecomunicações, Semeghini está em  sua 3ª legislatura e, ao contrário de seus antecessores na presidência do órgão, parece disposto a estar na linha de frente do processo de construção de um novo marco regulatório para o campo das comunicações.

 

Em entrevista exclusiva concedida ao Observatório do Direito à Comunicação, o deputado discorre sobre os principais desafios da comissão, como a questão das concessões de rádio e TV, da inclusão digital e da própria lei geral de comunicações. E não tergiversa: é favorável à taxação das emissoras comerciais de radiodifusão. Confira os melhores trechos da entrevista. 


Observatório do Direito à Comunicação – O sr. assumiu este ano a presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia. Quais são os desafios e as pautas para a comissão em 2007?

Júlio Semeghini – Na área de comunicação, a questão principal é a revisão do conceito de convergência, sobretudo no que diz respeito ao conteúdo, nesse mundo integrado com telecomunicações, Internet e agora com as TVs e rádios digitais. O grande desafio é entender como será a convivência disso, assegurando os espaços de cada um, daqueles que já estão estruturados, mas permitindo que o avanço de novas oportunidades e parcerias dêem mais oportunidades para as pessoas no Brasil. Por exemplo, o impacto da introdução da TV digital está imediatamente fazendo com que se reveja toda a cadeia de comunicação de rádio e TV no Brasil. É necessário imaginar quais são as oportunidades, como criar o papel do operador de rede, como permitir e incentivar toda a geração de conteúdo nacional, sobretudo regional. Certamente teremos que definir o marco regulatório, mas não só isso: é preciso discutir com a sociedade o modelo que o Brasil quer e como isso será feito, e a partir disso como serão viabilizadas essas oportunidades, como serão constituídas as TVs públicas, como elas terão seus meios de financiamento, tanto o investimento para a digital como também para os novos produtos, da forma mais descentralizada possível. Por outro lado, é importante avançar em questões mais específicas, como a terceira geração de telefones celulares, porque o mercado e as indústrias estão ficando sem opção e, se não houver estrutura adequada, as empresas que se estabeleceram no Brasil podem desmontar parte do seu parque industrial e ir embora por falta do que produzir. É importante que seja definido também como faremos as licitações para o WiMax, para avançarmos na questão da banda larga. Agora, o mais importante é que o Brasil assegure a universalização dessas tecnologias. Não como foi feito no caso dos celulares, quando se permitiu seu avanço (hoje existem mais de 100 milhões de celulares no país) mas que fez com que 2.400 cidades ainda não tenham uma única torre; Ainda hoje existe uma série de comunidades rurais que precisam de um telefone.


E a questão da inclusão digital? O que fazer com o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações)?

Esse é outro ponto importante da pauta. Nós temos uma grande soma de recursos, mais de R$ 5 bilhões, e o governo sugere, entre outras coisas, que ele seja usado para as escolas, iniciativa que nós apoiamos. Mas em seguida diz que o dinheiro do Fust será usado para financiar a TV pública. Tudo agora depende do dinheiro do Fust e do Fistel, e eu acho que não deve ser assim. Quando se estrutura uma cadeia, é preciso gerar renda de quem a utiliza, e parte dessa renda tem que ser taxada. Então, como as telecomunicações irão se conectar com as TVs abertas e por assinatura ou com a rede de computadores, é claro que os recursos também terão que ser integrados, mas é muito importante que não percamos de vista o projeto de inclusão digital que existe no Brasil e que não está avançando. Avançamos em coisas pontuais, mas já há cinco anos este dinheiro está parado e, se você pensar bem, em cinco anos já passou uma geração pela escola pública que saiu sem ter contato com essas tecnologias. Portanto, o projeto de inclusão que cobramos é um projeto do tamanho do Brasil, que atenda a todas as escolas públicas, e outras coisas, como bibliotecas, os deficientes, as comunidades rurais, enfim, é necessário aplicar esses recursos num grande projeto de universalização.


E como ficará a questão das concessões?

Uma subcomissão já está fazendo o trabalho de avaliação dos procedimentos de concessões, outorgas e renovações de rádios e TVs. Queremos dar mais transparência e agilidade para que essas coisas fluam com menos interesses partidários ou locais, que o processo de escolha fique claro. É importante que aqueles que terão o direito de explorar os serviços tenham também a contrapartida da responsabilidade, e tenham representatividade nas comunidades. O que não podemos esquecer é que dentro do mundo da convergência, o que irá definir uma grande parte do modelo de negócios é a Lei de Comunicação Social Eletrônica. A pauta da comissão é extensa e é muito importante que o Brasil esteja atento para assegurar as coisas que sempre quisemos, como aumentar o número de rádios, melhorar a qualidade de canais e de programas, consolidar a mídia independente, incentivar a produção de conteúdos de forma localizada, fortalecer os canais universitários e comunitários que agora poderão se integrar com redes públicas mais amplas. Acredito que será um ano de muito debate e das primeiras tomadas de decisão. 

Na sua avaliação, quais os princípios que devem fazer parte de uma Lei Geral das Comunicações?
Ainda não temos claro todos os princípios, mas temos pontos importantes que devem ser tratados. Em uma lei de comunicação de massa, é preciso estabelecer formas de parcerias: como as entidades, através de seus canais, podem se associar com outras no mundo digital, permitindo uma conectividade mais ampla. Depois disso, é importante criar figuras que ainda não existem, como a que irá prover a estrutura: se haverá apenas uma grande rede e ela alugará o que for transmitido ou se construiremos uma rede independente, um gestor que permita que vários possam transmitir, criando algo que ainda não existe, que é a infra-estrutura que transporta esses conteúdos. Mas aí é importante que fique bem claro o papel de cada um, para que um não use a força de outro para fazer pressão.  


E a questão das TVs Públicas, não entra?

Essa é outra questão importante, pois sendo público, mais do que um conselho que dê transparência, é importante que exista uma forte participação da sociedade na definição de quem precisa ser ouvido, levantando as principais necessidades. Não adianta que esses conselhos fiquem às portas fechadas com especialistas definindo o que o Brasil tem que assistir. Nós esperamos que o conselho seja neutro, mas que tenha um canal de comunicação com a sociedade e traga esses anseios. É uma grande mudança para a democratização da mídia, mas é preciso também assegurar os recursos, para que o Brasil tenha uma mídia forte. O país já escolheu fortalecer os bancos e, depois, recuperar as indústrias. Agora é a vez da mídia, para que ela seja democrática, participativa e representativa dos anseios da sociedade.  


Como lidar com a entrada do capital estrangeiro em relação à proteção do conteúdo nacional?

Temos que discutir o que está sendo transmitido, assegurar a quantidade de conteúdo nacional, inclusive nos horários de maior valor, o horário nobre. Tudo isso tem que ser regulamentado para garantir não só a produção e o desenvolvimento, mas também a distribuição, as prioridades do conteúdo nacional. Em relação ao capital, só tem um jeito: é preciso definir o que o Brasil quer. Se na geração de conteúdo é necessário que a empresa seja nacional, o gestor da rede, que é quem vai fazer a fiscalização da grade, seja nacional, talvez não possa ser de capital totalmente internacional, porque os interesses dele serão outros. O Brasil terá que considerar isso tudo. 


Mudando um pouco de assunto, existem muitos parlamentares, inclusive da CCTCI, que tem ligação direta ou indireta com empresas de radiodifusão. Ou são sócios, ou são donos, ou são parentes de proprietários. O artigo 54 da Constituição proíbe que parlamentares, detentores de cargos públicos, detenham concessões públicas. Como o sr. vê essa questão, principalmente dentro da CCTCI, e como evitar que interesses particulares prevaleçam sobre o debate público do interesse maior da democratização da comunicação?
Existe uma preocupação muito grande com isso, pois sempre passa a impressão que o Congresso descumpre a própria lei que faz. Já consultei os consultores da Casa, que por escrito me esclareceram de que não há ilegalidade em um parlamentar que detenha ações, ou mesmo seja proprietário de uma rádio ou de uma TV, se candidate para um cargo público. O que ele não pode é estar na gestão da empresa enquanto exerce o cargo de  parlamentar. Mas é evidente que, mesmo que de forma indireta, ele está lá, fazendo pressão, tendo ingerência na gestão daquele órgão. Então, é preciso esclarecer que não é ilegal, mas não quer dizer que não seja imoral, mas nesse caso não se pode fazer nada, pois são coisas dadas anteriormente. Mas o trabalho da subcomissão deve apontar propostas também para a questão…



Como por exemplo um deputado que vota na renovação da outorga da sua própria concessão…

Você tem razão, pois ele estaria fazendo a gestão sobre si mesmo. Nesse caso, ele não poderia votar. Isso está sendo estudado na comissão, mas é um detalhe, pois o problema não é o parlamentar ser proprietário e estar aqui votando ou defendendo. A questão é maior, de ingerência “de marketing”, que significa, na verdade, defender sua própria concessão. É isso que estamos analisando. O mais importante é evitar que, de forma indireta, esses políticos tenham uma participação na gestão desses meios de comunicação.


Justamente sobre essa questão da renovação das concessões, o sr. não acha que esse processo é estritamente técnico e que deveria haver também uma análise mais ampla do papel que a concessão tem cumprido na comunidade em termos de garantir a diversidade de opiniões, os espaços para produção local, enfim, aquilo que está colocado na Constituição? O sr. não acha que esse processo deveria ser qualificado no sentido de torná-lo mais político e não só técnico?

Não exatamente mais político, mas mais qualificado. Além de exigir o cumprimento das documentações e exigências da lei, é necessário haver uma análise da qualidade, de como realmente se exerce o papel previsto na Constituição por qualquer das concessões que são dadas, que é um processo muito mais difícil. O Brasil vinha passando por um processo de desconcentração dos meios de comunicação para que houvesse mais rádios e TVs comunitárias e educativas, mas em relação às comerciais acabou com essa análise mais criteriosa, de saber se o grupo estava preparado para aquela concessão, e transformou em uma negociação comercial: faz-se um leilão e aquele que tiver a melhor oferta, compra. Isso dá transparência ao processo, mas não garante que o resultado seja o melhor para aquela região. Estamos estudando um novo modelo para conseguir avançar, porque é claro que tem que ser avaliado o conteúdo e a qualidade do que se distribui. O Congresso não tem mecanismos para averiguar isso, é importante que exista algum órgão capacitado, que possa cumprir essa tarefa, através de um conselho social ou algo do gênero. 

Mas parece impossível trazer esta atribuição para a CCTCI, porque senão ela faria apenas isso…
E nem disso ela daria conta. 

Em sua exposição durante o Fórum de TVs Públicas, o sr. falou sobre as possíveis fontes de financiamento para o sistema público. Claramente em contraposição ao posicionamento apresentado pelo Ministério das Comunicações, o sr. se colocou a favor da taxação das concessões comerciais como forma de subsidiar um sistema de comunicação mais amplo no Brasil. O sr. reafirma essa posição?
Nós ainda não temos um estudo concreto sobre isso, o que nós temos certeza é que se queremos consolidar uma rede de TVs públicas, teremos que levantar os meios de financiamento, senão continuaremos tendo uma rede em apenas alguns pontos do Brasil, distante de se tornar universal. Sobre o debate no Fórum, a pergunta foi muito objetiva: se eu concordava que uma parte dos recursos oriundos das outorgas financiasse esse conceito de universalização e viabilizasse uma rede que tem menos recursos, a pública. Defendi que os recursos das outorgas, o dinheiro recolhido pelo governo não vá, em sua totalidade, para o caixa geral da União, para pagar dívidas e outros gastos. O sentido disso não está apenas em financiar a infra-estrutura, mas pegar parte dos recursos para financiar investimentos, pagar o custeio, e mesmo para formar a mão-de-obra necessária para entrar nesse mundo digital. Defendo, por isso, que parte desses recursos venha das rádios e TVs (comerciais). Esse é o modelo que eu acredito que funcione. Além disso, uma pequena taxa do comércio de equipamentos mais sofisticados, que atendem a um público de poder aquisitivo mais alto poderia financiar, inclusive, a pesquisa para que se possa ter mais produção de conteúdo nacional, equipamentos, treinamento de pessoal. É o mesmo conceito que pensamos para o Funttel, que é um fundo de pesquisas em telecomunicações onde uma parte dos recursos de alguns equipamentos garante a pesquisa na área. Se não soubermos desenvolver tecnologia e agregar valor a ela, ficaremos para trás.


Para finalizar, o que o sr. achou da transferência dos três projetos de Lei Geral que estavam na CCTCI com o deputado Jorge Bittar como relator, para a Comissão de Desenvolvimento Econômico?

Acho razoável que vários deputados queiram levar para as suas comissões esse debate, porque ele é muito amplo e tem impacto sobre o desenvolvimento econômico. No entanto, o grande problema é que esse tema já deveria ter tramitado no Congresso há algum tempo, mas o debate não foi feito. Hoje, se todas as comissões quiseram dar o seu parecer, levará muito tempo e não teremos novamente projeto algum. Há urgência nesse processo. É claro que os debates são importantes, mas temos que fechar um acordo de forma a construir uma comissão especial, onde se juntem todos e o debate aconteça. O que não podemos permitir é que se leve de uma comissão para outra num processo interminável, pois sabemos que há pessoas interessadas em que os projetos não andem.

 

Active Image autorizada a publicação, desde que citada a fonte.

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *