A luta das mulheres pela comunicação democrática

Rachel Moreno, do Observatório da Mulher, tem atuação destacada na defesa dos direitos da mulher. Recentemente, liderou a coleta de assinaturas para um pedido de direito de resposta às mulheres na televisão e participa ativamente de um movimento que tem pressionado às emissoras a reverem a forma como retratam as mulheres na tela. Nesta entrevista exclusiva ao Observatório do Direito à Comunicação, a ativista fala sobre a atuação do movimento feminista nas questões relacionadas à comunicação e sobre a representação distorcida da mulher na mídia.

 

 

Observatório do Direito à Comunicação – Há algumas semanas, o Observatório da Mulher liderou a coleta de assinaturas para solicitar, junto ao Ministério Público, um direito de resposta na TV. Quando o movimento percebeu a importância de discutir os temas relacionados à comunicação?
Rachel Moreno –  A questão da mulher é sempre transversal. Em qualquer ambiente, há um corte de gênero possível. E eu, como fiz parte do grupo TVer, não tinha como não ver o quanto a TV é discriminatória. Já fiz parte também do Fórum pela Ética na TV e da Campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania. Em ambos, a gente sempre tinha vontade de não tratar temas de maneira pontual e responder à reincidência de tratamentos pejorativos. Um acompanhamento mais sistemático da TV, por exemplo, nos permite ver que os movimentos sociais sempre são criminalizados pela grande mídia.  Em relação ao tema da mulher, de maneira mais pontual, os grupos feministas reagiram algumas vezes às propagandas que consideram depreciativas, em geral propagandas de cerveja e as que mercantilizam a mulher. No último Dia Internacional da Mulher, durante a preparação das manifestações que marcariam a data, colocamos a questão da representação que foi encampada por outras entidades. Aos poucos, fomos percebendo a importância de prestarmos mais atenção no direito a uma imagem fiel, no direito à comunicação, na importância de incidir no processo, fazendo controle social dos conteúdos e discutindo políticas, como as de concessão, por exemplo. Estas questões todas, daqui pra frente, estão em pauta entre as feministas envolvidas nesta luta.

Quando começaram a acontecer iniciativas como esta?
Esta foi a primeira ação que fizemos em conjunto. As demais foram pontuais ou conduzidas por duas ou três entidades. Estamos dialogando com as emissoras para discutir uma semana de direito de resposta patrocinada por elas e a instauração de uma mesa de diálogo permanente. De alguma forma, vamos discutir controle social. É o que parece fazer mais sentido na disputa pela forma que gostaríamos de ser retratadas. Estamos falando de mulher, mas programação infantil, por exemplo, nos diz muito respeito, assim como o debate sobre classificação indicativa. Lamentamos muito não termos conseguido ir ao debate sobre TV Pública, pois esta é uma questão central para nós na construção de uma comunicação mais democrática. Aliás, importante ressaltar que este debate sobre a TV Pública não deve substituir o debate sobre a programação na TV aberta. É importante que tenhamos os três sistemas – comercial, público e estatal – funcionando de forma complementar, e que o controle público e o interesse público sejam princípios de todos eles. 

Qual a importância de o movimento feminista discutir os temas relacionados à mídia e à representação das mulheres na cena pública?
Estamos mexendo com o aparelho ideológico do Estado. O controle acaba sendo gerado pela produção de imagens, valores, atitudes e modelos. E a TV produz e controla cabeças, corações, mentes e bolsos em todo mundo. Neste sentido, a TV acaba entrando definitivamente em todas as casas e em nossas vidas na construção da nossa subjetividade. A TV é a voz mais socialmente aceita a apresentar a imagem dos fatos e dos valores e isso nos preocupa. Este é um poder concedido à pessoas que o exercem com fins comerciais, sem parar pra pensar na responsabilidade social que este poder carrega. Não queremos mostrar simplesmente a nossa versão dos fatos, mas o mínimo que podemos esperar é que a TV retrate a diversidade da sociedade em todas as suas dimensões, e que todas as pessoas encontrem nela seu espaço, já que a comunicação é uma via de duas mãos. Não podemos só ler e assistir: a comunicação está inscrita entre os direitos humanos e todos devem ter o direito de participar.

Qual foi o resultado concreto da audiência realizada no Ministério Público e que conseqüências ele traz para a luta feminista?
A audiência foi sensacional. Teve gente que foi de curiosidade e saiu convencida de que aquilo era importante e fundamental. Estamos planejando uma programação de seminários e debates para estimular a discussão, porque quando esta proposta passar de direito de resposta pontual para uma possível mesa de diálogo, este controle tem que estar enraizado, capilarizado, potencializado e legitimado. Temos também entrevistas agendadas nos dias 23, 24 e 25 de maio com representantes das emissoras MTV, Globo, Bandeirantes e estamos dialogando com a Cultura que está em transição de diretoria. Está se abrindo um caminho com elas. Outro compromisso é um retorno da audiência marcado no Ministério Público para dizer se a questão foi resolvida a contento ou se achamos adequado partir para outro nível de ação. Mas se conseguirmos este enraizamento na sociedade e esta abertura por parte das emissoras se mantiver, avançaremos bastante. Queremos que esta ação se multiplique, que mais mulheres e outros segmentos se juntem a nós.

Que relação existe entre os direitos das mulheres e o direito à comunicação?
Para além da questão da representação, a mulher tem sido amplamente utilizada de forma enviesada, no sentido de que é mercantilizada e usada como chamariz para venda de produtos que muitas vezes não têm nada a ver com a mulher ou o feminino. É objeto de decoração, de escárnio, entre outras coisas. Quando afirmo que o direito à comunicação é um direito humano e que o respeito à pessoa humana também é um direito, aí esta a relação. É fundamental que tenhamos acesso, controle e discussão sobre esta imagem e sobre a participação da mulher na mídia. Se nós mulheres mudamos o mundo e começamos a acumular funções, e não temos direito de ver na TV a forma como vemos o mundo, que liberdade é essa? Isso passa pela necessidade de também produzirmos comunicação e desvendarmos, nesta produção, os problemas, conflitos, as dificuldades e contradições que vivemos na vida. Não somos brindes ou chamarizes, queremos uma representação fiel. Estamos fazendo historia e não conseguimos ver nosso pedaço da história.

Existe alguma relação entre a representação das mulheres na mídia e a representação das mulheres na política?
As mulheres são subrepresentadas em termos políticos também. Existem inclusive algumas iniciativas de afirmação e campanhas de cotas de mulheres na política. Na verdade, quando não se mexe na estrutura, no motivo pelo qual a mulher não tem participado, as coisas não mudam. Nos movimentos sociais e nas organizações, elas são maioria. Na disputa do poder institucional, são minoria. Isso não se dá somente por machismo ou por uma estrutura herdada, mas também porque temos jornada dupla, ganhamos menos, os recursos em partidos são distribuídos de forma que não nos privilegiam. Além disso, não somos educados midiaticamente para ver mulheres como lideranças. E aí começa o ciclo vicioso: quando vem um olhar da mídia sobre a mulher na política, descreve como se portou a candidata, como se vestiu a deputada, como se maquiou a ministra. Isso é o mais importante? Isso diminui a importância da atuação política da mulher.


Quais as consequências, para as mulheres, de uma mídia concentrada e pouco diversa e, nesse sentido, qual a importância de termos uma mídia mais democrática?
A visão que a sociedade tem de nós está limitada às definições de um número restrito de pessoas e que tendem a pensar da mesma forma. Por mais que haja diversos canais de TV, são os mesmos tipos de programas e com o mesmo conteúdo. O controle remoto não permite uma escolha de fato. Se queremos ter um retrato real da sociedade, e que a TV cumpra a vocação de janela pro mundo, é preciso que ela mostre o mundo tal qual ele é, com sua diversidade. E tudo isso vale não só para a TV, mas para toda mídia. Quando passamos em uma banca de jornal, temos uma idéia de como se vê a mulher e sobre o que se pensa que a mulher deseja: peito, bunda e cozinha. Vale pra impresso, rádio, TV e internet, mas sabemos que a TV ainda é o meio mais poderoso na formação das consciências.

 

 

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