Arquivo da categoria: Entrevistas

PGO, BrT-Oi, convergência, TV paga…

O Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) já começou a estudar o impacto concorrencial das mudanças regulatórias aprovadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Segundo o relator do processo de fusão Oi/Brasil Telecom, e presidente interino da instituição, Paulo Furquim, o estudo sobre o Plano Geral de Outorgas (PGO) e o Plano Geral de Atualização da Regulamentação das Telecomunicações (PGR) ficará pronto em seis meses e irá tratar de temas como o unbundling, separação contábil, e a eficácia desses instrumentos para a competição. Esse será o primeiro resultado do grupo de trabalho sobre Mercados Regulados, um dos grupos que fazem parte da nova estrutura da instituição.

Quanto à fusão da Oi com a Brasil Telecom, o Cade só irá decidir se irá tomar uma medida preventiva quando for publicado o Decreto Presidencial com o novo PGO.

Qual o objetivo da reformulação do Cade?
Os principais ativos do Cade são a sua reputação e o conhecimento das pessoas. Anteriormente, estávamos baseados na estrutura mimetizada dos tribunais, que é a organização em gabinetes. Notamos a necessidade de uma organização horizontal. Reformulamos o Cade de uma estrutura vertical de gabinete para uma estrutura matricial, com as pessoas se vinculando a grupos temáticos, que já estão funcionando há dois meses, e muito bem. Esses grupos vão também produzir trabalhos – os working papers – estudos que, num primeiro momento têm uma circulação interna, mas que também serão, em dado momento, divulgados externamente, no nosso site, sobre temas que o Plenário considere relevante.

Quais são os grupos formados?
São quatro. De Negociação e Termos de Compromisso de Cessação. Com ele, o Cade e os administrados de um modo geral, inclusive pessoas físicas que estejam sendo processadas pelo Cade ou que tenham um ato de concentração em análise, visam buscar uma medida negociada, ao invés de uma medida unilateral. Essa solução tem uma série de vantagens, pois assegura a nossa intervenção, mas a um custo menor e eficácia maior. O primeiro papel desse grupo será disciplinar a negociação, que antes era conduzida por cada conselheiro individualmente e idiossincraticamente. Será criado um comitê de negociação permanente, ao qual não se vinculem os conselheiros. Conselheiros vêm e vão, o que é considerado saudável. O comitê de negociação terá perpetuidade.
O segundo grupo é o de Relacionamento Internacional, que cuida de uma agenda intensíssima, extremamente absorvente. O outro grupo cuida de Métodos Quantitativos em Economia. É um instrumento quantitativo para medir qual é de fato o efeito de subir o preço de um produto, com a venda de outro semelhante. A União Européia tem grupos muito fortes nesta área. O Brasil, entre os países em desenvolvimento, é o que mais avançou. Para avançar mais, é preciso que o Cade permita que os gestores possam continuamente se dedicar a isso. Esse grupo vai produzir trabalhos de quais seriam os métodos quantitativos que podem ser utilizados para analisar uma fusão, as vantagens e as desvantagens de se usar esse ou aquele método. Dará segurança às empresas, antes de fazerem a fusão, de como elas serão avaliadas.
Por fim, o grupo de Mercados Regulados. Esse grupo vai cuidar dos segmentos de telecom, energia elétrica até o mercado de saúde. De um modo geral, todos os mercados que têm agências reguladoras.

Uma decisão do Cadê Sky/DirecTV versou sobre conteúdo audiovisual. Esse grupo também cuidaria disso?
O audiovisual faz parte do conjunto de elementos que se relaciona com telecom. Serviços como TV por assinatura, por exemplo, são muito dependentes de telecom. O grupo cuidará de todos os assuntos que são relevantes à concorrência. A discussão sobre se esse conteúdo é doméstico ou não, a princípio não é relacionado à concorrência, mas pode vir a ter implicações a concorrência e por isso é importante.
Embora vários conselheiros vejam uma política de proteção à produção doméstica nos mais variados setores como algo importante, não faz parte da atribuição legal do Cade. No caso Sky/DirecTV, havia uma preocupação com eventual abuso que poderia haver com a fusão, em determinado período de tempo, com relação aos provedores desses conteúdos. Por isso as empresas foram obrigadas a manter esses contratos.
É interessante esse mercado – nós o chamamos de mercado de dois lados – pois a renda de uma empresa de serviço de conteúdo vem tanto do lado do anunciante quanto daquele que adquire o serviço. Isso é importante e teve a ver com a decisão sobre a Sky/DirecTV porque, passar o programa significa gerar receita para a empresa de conteúdo. Embora fosse um contrato privado, e não um problema de concorrência, vimos que era interessante manter o sinal para os canais serem vistos porque, ao serem vistos, geravam receita no outro mercado. Essa complexidade é interessante.

Qual é a expectativa do Cade ao criar os grupos?
Todos eles, em seis meses, vão apresentar um conjunto de produtos concretos. Um deles, rotineiro, é a prestação de serviços pontuais solicitados pelos gabinetes. Eu sou o relator da fusão Oi/BrT. Se tenho alguma dúvida sobre um determinado ponto, faço uma pergunta para eles estudarem a resposta. Além disso, os grupos vão produzir documentos sobre questões gerais, que não são relativas a casos concretos. Nesse momento um dos grupos está estudando uma questão formulada pelo plenário do Cade: qual o impacto concorrencial de uma mudança regulatória do PGO e no PGR?
Conforme o conteúdo do documento produzido, que vai para o plenário, os conselheiros decidem quais informações do documento são de circulação pública ou não. Qualquer coisa que implique antecipação de uma decisão do conselho, não podemos tornar público. Nos próximos seis meses, essa é a atividade do grupo.

Quanto tempo para o grupo responder essa primeira pergunta?
São seis meses para apresentação da resposta. O contrato teve início na primeira semana de outubro. Isso não significa que o documento estará no site ao final desse prazo. A estimativa é de que ele se torne público em oito meses, depois de passar pelo crivo dos conselheiros.

O Cade vai adotar qualquer medida antecipatória quanto à fusão BrT-Oi?
O Cade não fez ainda qualquer pedido de cautelar e não chegou ao Cade, por parte de nenhum concorrente, pedido dessa natureza. A medida cautelar tem como pré-requisito que o tempo traz um prejuízo ao ambiente. Esperar até a decisão final pode gerar um custo que torna a decisão ineficaz. Se a decisão fosse instantânea, não existiriam esses problemas. Por isso, o periculum in mora.
Na análise de casos complexos, a decisão demora um ano. E nesse tempo, o mercado pode se alterar de tal forma que, até o Cade decidir, a decisão é ineficaz. Inês é morta.
Nesse caso concreto, não há esse risco no momento, porque a operação não pode ser feita por causa do PGO. Só existe o fundamento para uma medida desse tipo quando houver a mudança do PGO, e aí, sim, as empresas vão se fundir. Se o Cade entender que elas não podem se fundir, que elas têm que aguardar a decisão do Cade para realmente se fundir, a instituição pode entrar com uma medida cautelar. Neste momento, não posso traduzir absolutamente nenhuma intenção.

O Cade não tem que se manifestar antes da decisão?
O Cade foi notificado da operação porque duas empresas se comprometem a se fundir, mesmo que esse compromisso possa não se realizar por um evento de terceiros. Diferentes empresas tem trazido informações e o Cade tem buscado informação por conta própria. O Cade está estudando o assunto por uma questão de antecipação. Quando a mudança do PGO de fato ocorrer, nós já vamos conhecer muito bem a operação, e se for necessário uma medida imediata, que a gente já pode adotá-la.
A empresa também pode nos procurar para, temendo uma ação unilateral, antecipadamente fazer um acordo com o Cade. Ela corre o risco, se não fizer esse acordo, que, no dia seguinte da mudança do PGO, exista alguma medida cautelar bloqueando a operação.

O Cade precisa ser provocado para estabelecer uma medida cautelar?
Dois são os mecanismos principais para uma medida cautelar. O Cade, por conta própria, ou SDE [Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça] ou a Seae [Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda] – que são as entidades do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, que estão com o processo, podem pedir ao Cade a adoção da ação. Outro mecanismo são as empresas concorrentes ou consumidores ou qualquer entidade civil pode entrar com um pedido de cautelar, e o Cade é obrigado a dar uma resposta.
Uma ação desse tipo poderia acontecer agora. Muito provavelmente a Embratel, que já se manifestou como interessada nessa operação e participará de tudo, recebendo todos os documentos apresentados ao Cade, poderia pedir isso, mas não o fez até agora.
Se a Embratel entrar com uma medida cautelar, nós teremos que deliberar sobre ela, dando provimento ou não, esclarecendo os motivos da decisão. Normalmente, a justificativa para a cautelar precisa de duas condições: periculum in mora, o risco de não se decidir agora, e “fumaça do bom direito”, que quer dizer: ainda não se analisou a questão profundamente, mas pelas informações iniciais, ela é preocupante.

A Embratel apresentou algum documento sobre a fusão BrT-Oi?
A Embratel não apresentou estudos sobre a operação, mas a Telcomp [Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas] sim. De qualquer forma, as medidas antecipatórias no Cade se justificam somente depois da publicação do PGO.

No caso da BrT-Oi, o Cade vai analisar o impacto regulatório?
O cade vai analisar a operação. O estudo do grupo de trabalho de Mercados Regulados seria feito independentemente da fusão BrT-Oi. Se a operação vier a ser abortada por qualquer motivo, o grupo de trabalho continua o estudo.
É preciso ver a operação como um todo porque essa unificação pode afetar a análise de outros mercados. Na constituição do mercado relevante, por exemplo, uma coisa é banda larga, outra coisa ligação local. A princípio, são mercados relevantes distintos, mas o fato de haver uma concentração no mercado A pode afetar sua análise do mercado B, sobretudo quando essas empresas oferecem serviços conjuntos, em pacote.
Nós analisamos, em resumo, o efeito esperado de uma fusão. No primeiro momento, os efeitos sobre as condições de concorrências e , num segundo momento, dado os efeitos nas condições de concorrências, se houver efeitos negativos, se são superiores ao bem-estar do consumidor final.
Os efeitos negativos da concorrência podem ser eventualmente compensados, como prevê a nossa lei, se houver grandes ganhos de eficiência e que sejam específico da operação, quer dizer, não podem ser obtidos de outro modo, e que sejam transferidos ao consumidor final.
Nossa rotina de olhar os mercados separadamente ou não é um mecanismo de responder a essa grande questão: se o contrato fere a concorrência e prejudica o consumidor final. Normalmente a eficiência está relacionada a uma queda de custo, gera mais renda para a empresa? Ela poderia ser obtida de outra forma ou é específica da operação? Poderia ser gerada pela fusão de outras empresas, que não implicasse tantos prejuízos competitivos?
Esses ganhos têm que ser transferidos ao consumidor final. Obviamente, nós não conseguimos prever exatamente como esses ganhos serão repassados, mas precisamos que as condições estruturais do mercado sejam tais que é possível dizer que o consumidor final não será prejudicado e, melhor ainda, vai receber esses benefícios. Normalmente a gente usa alguns modelos para fazer esse tipo de predição.

O PGO não afeta apenas a Oi e BrT, mas permitiria, na teoria, a fusão da Telefônica com a Embratel…

O estudo do grupo temático não é relacionado a uma operação, é a resposta a uma pergunta geral: quais são os efeitos concorrenciais da mudança do PGO e do PGR. Unbundling, separação contábil, qual a eficácia desses instrumentos em termos de concorrência, de competição. Vamos estudar os temas que são regulatórios, mas que têm implicações concorrenciais. O PGO é um deles e o grupo vai estudar a implicação das mudanças regulatórios que estão se avizinhando e que são relevantes para o caso BrT-Oi, mas que são relevantes também para outros casos, que eventualmente venham a ocorrer.
O grupo temático é a construção de um conhecimento aprofundado sobre um setor que tem nos colocados desafios, não apenas por uma operação complicada, é o setor mesmo que se transformou em uma tal intensidade, que exige um novo conhecimento. E esse é o propósito do grupo.

Convergência, concentração de empresas, o que preocupa o Cade?
O tema da convergência é um belo exemplo. O mercado de telecomunicações tem passado por transformações muito grandes. Esse setor passa por mudanças tecnológicas muito profundas. Há mudança não só de empresas, mas também de mercados. Mercados que não existiam e passaram a existir. Definições, portanto, do que é o mercado, qual é a fronteira desse marcado, qual o grau de inter-relação, são questões novas, que nunca foram debatidas, não existe uma jurisprudência e por isso o Cade sentiu a necessidade de aprofundamento.
O documento sobre convergência feito pelo Cade é a síntese de das discussões realizadas nas audiências públicas, mas não é um documento vinculativo, ou seja, não significa que o Cade decidirá o caso, por exemplo, TVA/Telefônica, considerando que tudo é um mercado só. Ao contrário, das decisões do Cade, a melhor referência é a de plenário, e a última semelhante foi sobre o caso Oi/WayTV.

A decisão do Cade sobre a compra da Way TV pela Oi/Telemar mostrou aonde está a preocupação da instituição sobre concentração?
De um certo modo, sim. O Cade observou que a ausência das restrições estabelecidas poderia viesar a concorrência de modo anticompetitivo no mercado de banda larga.

Então, o Cade está preocupado com a competição no mercado de banda larga e não no de TV por assinatura?
Naquele caso, sim. As manifestações do Cade são sempre sobre casos específicos. Vai deixar de ser agora com os grupos temáticos produzindo documentos gerais, coisa que o Cade nunca fez. O Cade é um tribunal administrativo, ele funciona muito como judiciário.

Mas quando o Cade julga um caso, ele está indicando a tendência de suas preocupações.
Perfeito. A interpretação de cada caso por parte do Cade, pode servir para analisar outros casos. É a famosa jurisprudência. Começa-se a construir um modo de decidir. Mas é claro que em todo caso novo tem que se verificar se as condições são semelhantes. A preocupação do Cade é assegurar a concorrência nas novas plataformas. Se uma operação indica qualquer prejuízo à concorrência nas novas plataformas, então o Cade tomará as providências para assegurar a concorrência.

O caso TVA/Telefônica já chegou ao Cade?
Não está no Cade. Ele veio como uma medida antecipatória, uma cautelar que foi solicitada, salvo engano, pela Embratel, e o Cade decidiu que tinha fumaça, mas não tinha periculum in mora. Ou seja, era uma situação que poderia gerar uma restrição no futuro, mas não havia periculum in mora, e não foi determinada a cautelar.

A demora estaria relacionada com o fato de a Anatel não estar preparada para instruir os processos?
O tempo de análise da Anatel nos atos de concentração é muito variado. Pode ser muito rápido, pode ser extremamente longo. Não existe uma correlação entre esse tempo e a complexidade do caso. Já houve casos em que a duração foi muito longa, anos, porque a Anatel não tem o mesmo prazo legal que da SDE.

O processo administrativo do Clube dos 13, está há mais de 15 anos tramitando no Sistema de Defesa da Concorrência…
Há um aspecto jurídico para entender porque a instrução de processo administrativo é tão demorada. Nesse caso, ninguém comprou ninguém, ao contrário dos atos de concentração. Havia uma queixa de determinados agentes a respeito dos contratos de aquisição dos direitos relativos ao campeonato brasileiro de futebol. O processo administrativo tem que seguir o rito da ampla defesa e do contraditório. Todos têm que ser notificados de tudo o que ocorre, de todos os documentos que entram, que precisam passar por todos os advogados para que possam contestar ou aprovar. A SDE tem que fazer oitivas de testemunhas e tomar uma decisão se mantém aquela prova ou não. Assim vai, o processo é muito longo.
Acho que, de um modo geral, existe um trade-off entre tempo e a qualidade técnica de uma decisão. A nossa função não é ter a melhor qualidade possível se isso isso significar que o processo vá demorar cinco, oito, dez anos. É melhor termos uma qualidade técnica que seja até certo ponto sacrificada, mas que seja mais rápida. Essa é uma posição do Cade, tanto que é muito raro um caso demorar aqui dentro.

No setor de telecom, o Cade é acionado, na maioria das vezes, nos atos de concentração. Vocês pretendem atuar nas questões de conduta desse setor?
O projeto de lei que tramita no Congresso Nacional torna o Cade com mais capacidade para intervir tanto nos atos de concentração quanto em conduta e eu, em particular, considero muito importante os atos de concentração. Em telecomunicações, nós atuamos nas duas áreas. Houve um caso que em que a decisão ficou empatada por três a três e, por voto de qualidade, a empresa não foi condenada. A empresa era a Vivo, num caso que se originou no Rio Grande do Sul. Os conselheiros do Cade se dividiram, porque era uma análise que dava margem a uma interpretação complexa.
Cartel é uma prática mais simples de identificação. Mas diferentes estratégicas, como fechamento de mercados e discriminação de preço são discussões muito mais complexas. O Cade, prefere, assim, fazer os acordos prévios, os TCCs, para implementar a decisão mais rapidamente.
Aconteceu no caso Net por causa do SporTV. As empresas não Net entraram com uma representação contra a Globosat, que se recusava vender o canal SporTV, e ficou configurado que, de fato, ela vendia em pacotes os canais Globosat para Net. E, ao invés de se enfrentar um processo longo, com passagem no Judiciário, preferimos o acordo, pois percebemos que, de fato, os canais estavam com grande dificuldade de sobreviver, e, até sair a solução do judiciário, poderia não haver mais empresas. Pelo acordo, a Globo se comprometeu vender o canal nas mesmas condições que vendia para a Net. E isso está acontecendo, tanto que a TVA transmite o SporTV.
Já o caso Sky/DirecTV resultou em uma série de restrições, e argumentou-se recentemente se havia descumprimento dessas restrições. O caso está na seção de acompanhamento das decisões do Cade. Até o momento, não se configurou o descumprimento. A retirada do canal MTV do line up é uma questão contratual. Quando acabou o contrato, a MTV propôs um aumento e a Sky disse que não aceitava. A restrição do Cade não obrigava a Sky/DirecTV a passar a MTV a qualquer preço, mas sim manter as mesmas condições. Se a MTV mantivesse o preço, a Sky seria obrigada a passar o canal.

A imprensa pode servir a interesses cívicos?

Silvio Waisbord é um dos convidados do 6º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. Professor na School of Media and Public Affairs da George Washington University, Waisbord é autor de "Watchdog Journalism in South AmericaI" e de diversos artigos que tratam de jornalismo e sociedade civil. Nesta entrevista exclusiva, o pesquisador, que edita o periódico "International Journal of Press/Politics", fala de suas expectativas para o congresso da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Jornalismo (SBPJor) e sobre as relações entre imprensa e poder.

Qual a sua expectativa com relação ao encontro anual da SBPJor? O senhor já conhecia a associação e as pesquisas desenvolvidas no Brasil?
Sim, conheço a SBPJOR e suas atividades. Minha expectativa é participar do encontro para me familiarizar com o trabalho de meus colegas no Brasil e conversar sobre possibilidades de colaboração futura. O Brasil tem una tradição forte de investigação no jornalismo, distribuída em vários pontos do país e com interesses amplos.

A sua palestra no nosso encontro anual será sobre sociedade civil e jornalismo. Na sua opinião, as pesquisas em nosso campo têm sido capazes de compreender esta relação tão complexa? Por quê?
Creio que esta relação se compreende em parte. Por um lado, há bastantes trabalhos no Brasil e na América Latina sobre o vínculo da imprensa com o mercado e o Estado. Porém, não se há posto ênfase suficiente sobre a pergunta como a sociedade civil e a imprensa se vinculam atualmente. Há trabalhos sobre imprensa comunitária e alternativa, mas não necessariamente vistas de uma perspectiva que pretende compreender se é possível que a grande imprensa reforce sua relação com diferentes grupos da sociedade civil. Isso é importante porque, apesar de freqüentemente se entender a imprensa como uma instituição supostamente ancorada na sociedade civil, em nossos países suas origens estão firmemente vinculadas à luta pelo poder no Estado e sua posterior consolidação no mercado. Se a imprensa contribui para o aprimoramento democrático, deve ser uma instituição que permita expressar e vincular a sociedade civil entre si e com os espaços para a tomada de decisão e de políticas, que é o Estado. As inovações tecnológicas das últimas décadas fazem mais importante essa pergunta ao colocar em questão se a grande imprensa cumpre com expectativas de catalizar/promover discussões amplas sobre uma variedade de temas que competem aos cidadãos, ou se, pelo contrário, privilegia seus laços com o estado e o mercado. Em resumo, a pergunta é se a imprensa, uma instituição que tipicamente privilegia seus laços com o Estado e o mercado pode, ao mesmo tempo, servir a interesses cívicos? Minha exposição é sobre este dilema e quero sugerir formas de abordar esta pergunta.

Na América Latina temos vivido um momento bastante peculiar no que tange às relações entre o jornalismo e o poder e, em muitos países, a posição dos políticos frente à imprensa tem sido duramente criticada – como na Argentina e na Venezuela, por exemplo. Como o senhor avalia esta situação? Quais suas conseqüências? Os pesquisadores do campo estão atentos a este fenômeno?
O que vemos a partir de governos neoconservadores ou populistas é a continuação de uma abordagem tradicional na região, de ver a imprensa como apêndice do Estado, como porta-voz oficial, e não como canal de expressão cidadã. Pensamos que haja poucos países na região que mudaram leis fundamentais aprovadas em épocas ditatoriais. Isso se justifica tanto por uma ótica política como por uma lógica a partir dos meios que privilegia, para apoiar ou opor-se, as políticas oficiais. O Estado segue sendo foco de atenção por razões econômicas que pouco têm que ver com objetivos democráticos. Existe uma cumplicidade entre os políticos e as grandes empresas na maior parte dos países. Por outro lado, seria surpreendente esperar que aqueles que ascendem ao poder pensem de outra maneira que não seja uma forma maniqueísta sobre o papel dos meios (de apoio ou de oposição). A mudança somente pode acontecer se existir interesse por parte da sociedade civil de mudar a forma à qual o Estado e os meios se vinculam. Felizmente, existe muito interesse entre os acadêmicos em estudar este tema, que segue sendo vigente e importante para compreender a comunicação política na região. Não estou seguro se os paradigmas que utilizamos seguem sendo úteis para entender este cenário parecido com o passado, mas oferece novidades dada a complexidade e diversidade do que é a cena midiática hoje em dia.

Alguns líderes como Hugo Chávez, por exemplo, costumam criticar duramente a imprensa. Por outro lado, temos, de um modo geral, uma cobertura bastante incompleta dos temas inerentes à América Latina, tanto em jornais locais quanto nos estrangeiros. O público está atento a isto? E a questão da credibilidade do jornalismo, em momentos como estes, como o senhor avalia?
Os líderes em geral criticam a imprensa. Têm pele fina demais para sustentar as críticas, além do tom ou intenção que estas tenham. Criticam o que os desagrada, apesar de ter apoio unânime do resto dos meios. A cultura vigente política de lideranças verticais e a critica da imprensa (ou de outras fontes) não se levam pela mão. Em geral, creio que o público busque da imprensa, dos meios menos do que dizem comumente os teóricos sobre a democracia. Não se espera que a imprensa seja somente ou principalmente uma fonte ou um canal para permitir funcionarmos melhor como cidadãos na democracia, sendo que também se utiliza para outros fins (entretenimento, sociabilidade, sentido de ordem cotidiano, empatia social). Porém, é importante indicar a crescente consciência sobre o papel dos meios na vida política, a crítica popular aos meios, que coincidem com o auge dos meios na vida cotidiana na região. Isso se demonstra em observatórios cívicos, a ativa participação de leitores em sites de internet, atos públicos contra os meios, a seletividade dos movimentos sociais e outros grupos de cidadãos mobilizados para aproximar-se dos meios, e outros exemplos. Isso sugere uma maior atenção ao que ocorre com os meios, o que não necessariamente faz com que os meios sejam mais críveis. É difícil generalizar sobre a credibilidade dos meios, já que, na minha opinião, a fragmentação política/ideológica como assim também a fragmentação de meios que perseguem diversos fins, fazem difícil generalizar se a cidadania "crê" ou "não crê" nos meios. Há credibilidade segmentada em meios que encaixam/fortalecem interesses e visões particulares.

Sindicatos contra a BrT-Oi

Desde que foi anunciada, em abril deste ano, a venda da operadora Brasil Telecom para a Oi, o negócio (R$ 5,8 bilhões) vem sendo questionado publicamente. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) – pressionada pelo Ministério das Comunicações, pressionado pelas próprias operadoras envolvidas – tem trabalhado para modificar o texto do Plano Geral de Outorgas (PGO) – impeditivo legal para que se consume a transação bilionária. Precisa aprovar alteração da regra que proíbe uma concessionária de telefonia fixa adquirir exploradora do mesmo serviço em outra região. Esbarrando na ilegalidade, as duas grandes telefônicas somente poderão concretizar o negócio após as normas alteradas.

No Rio Grande do Sul, o Ministério Público, acolhendo representação do Sindicato dos Telefônicos – Sinttel/RS (veja o documento aqui), abriu inquérito civil público para investigar as condições do negócio – BrT-Oi. Um movimento encabeçado pela Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel) vem reunindo os sindicatos nos estados para que entrem com representações semelhantes às do RS.Em seis estados e o DF, os sindicatos de telefônicos já entraram com a representação: RS, PB, Acre, Pará, MG e RN. Nesta semana devem entrar GO, TO, MS e MA, que já confirmaram. Com pequenas adaptações, o texto básico é o apresentado pelo Sinttel/RS.

A partir de Porto Alegre, onde está o Sinttel/RS, o presidente da entidade, Flávio Silveira Rodrigues, conversou com o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), especialmente para o e-Fórum, sobre o ponto de vista dos trabalhadores do setor. A categoria, de acordo com Flávio, é pouco ouvida nos processos que envolvem alterações na legislação e mesmo sobre o negócio, propriamente. Além disso, garante o dirigente sindical, as atividades dos telefônicos têm sido precarizadas desde a privatização do setor, há 10 anos, fato que resulta em reflexos negativos na prestação dos serviços. Leia a seguir a síntese da entrevista de Flávio.

Por que os telefônicos questionam a venda da Brasil Telecom para a Oi?
Porque está claro que esse negócio é a coroação do processo de privatização iniciado há 10 anos. Participamos (em julho passado) da audiência pública da Anatel para discutir a mudança do PGO (Plano Geral de Outorgas). Quando resolveram mudar o PGO no afogadilho, de forma rápida, bruta, percebemos o que estava envolvido por trás dessa operação. Inclusive com os resultados da operação Satiagraha, vimos que havia um grande processo de acomodação, com benefícios para grupos privados. Seria como uma fórmula mágica para acomodar os grandes capitais – Brasil Telecom, Citibank, Opportunity (o mágico dos lobbies políticos), Itália Telecom, que teve grandes conflitos e até apareceu na operação ligada diretamente ao banqueiro Daniel Dantas. Tudo isso deixou claro o desfecho de um processo de privatização que naquela audiência publica estava fazendo 10 anos. Então, isso estava se acomodando. Aqueles que ganharam (com a privatização) estariam ganhando de novo. Como estudiosos da privatização que somos, percebemos todas as manipulações do Fernando Henrique (Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do País) e do Britto (Antônio Britto, ex-governador do Estado do RS), onde o Opportunity foi um dos agentes. Só isso já seria um motivo para o cidadão brasileiro ser contra essa operação (fusão da BrT e Oi). E já há vários cidadãos se colocando contra essa operação, porque ela cheira mal.

Com o negócio entre as duas operadoras, que conseqüências são previstas para os trabalhadores do setor?
Para os trabalhadores, o que se avizinha com essa operação da BrT-Oi é que muita gente vai ser demitida. E a partir do PGO mudado, pode haver outras fusões que vão gerar mais um monte de demissões. Haverá um processo de afunilamento que poderá gerar mais terceirização e precarização na qualidade de serviço. Mesmo se essa fosse apenas uma visão corporativa, já teríamos o dever de discutir isso. Certamente que essa incerteza nas relações de trabalho gera uma correspondente precarização da prestação do serviço, que ainda é público, é uma concessão. E isso já está provocando que o setor de telecomunicações seja campeão do Procon. Ao pagar cada vez menos, (o setor) vai perdendo em qualificação do profissional, que não é treinado para as novas tecnologias. Isso vai estourar no usuário. Nós (telefônicos do Sinttel/RS) achamos injusto que essa mudança na legislação – encomendada pelo setor privado, por interesses escusos – seja feita sem garantias maiores. Por exemplo, a garantia de que a nossa política tarifária não seja a mais selvagem do planeta; que esse modelo de privatização do Fernando Henrique e a forma como o Lula está levando, que gera esse serviço ruim, campeão de reclamações e muito caro não seja o modelo das telecomunicações no Brasil.

E a universalização dos serviços, após a privatização?
Há a ilusão de tu teres um telefone, pilotar o telefone. Sabemos hoje, pelas estatísticas do setor, que há mais telefones devolvidos por falta de pagamento do que novas instalações. Tudo isso se soma a um quadro de responsabilidade geral das operadoras, que não querem investir em uma rede telefônica que se torna rapidamente obsoleta com as mudanças tecnológicas. Isso está gerando, por falta de manutenção, a deteriorização total das redes. Um exemplo é aquele apagão da Telefônica em São Paulo, há meses atrás (leia aqui). Então, todas essas situações – a corrupção entranhada nessas transações, a relação trabalhista com risco de demissão em massa, o risco de precarização com conseqüências diretas na qualidade e no preço do serviço – tudo isso teria uma oportunidade, na mudança do PGO, de ser colocado com regras melhor discutidas. As estatísticas do Procon sobre satisfação do usuário são de que as telecomunicações sempre ocupam a pior posição. Os call centers ligados a essa estrutura, as lojas de atendimento fechadas para reduzir custos e reabertas de forma precária, a péssima qualidade de serviço – tudo isso torna a telefonia campeã em reclamações. Quanto às tarifas, um estudo realizado pelo ex-presidente do Sinttel/RS, Jurandir Teixeira Leite, mostra o absurdo que foi o aumento dos valores, da assinatura básica que não era para existir, mas por pressão das operadoras continua existindo. Na realidade, para boa parte da sociedade brasileira, a telefonia fixa ainda é inacessível, e a telefonia celular é aquele “pai de santo”, que só recebe (leia aqui o comparativo das tarifas). A banda larga ainda é uma dificuldade. A rede fixa atual vai chegar um ponto em que não vão ter condições para trafegar direito, vai começar a cair muito os padrões de qualidade.

O Sinttel tem uma proposta para o PGO?
Nós não temos uma proposta escrita. Penso que nós, telefônicos, não temos a pretensão de achar o que é melhor para a sociedade. Nossa intenção é bem clara nessa questão de criar um novo PGO: é que se aumentem as audiências públicas, que se faça uma discussão profunda sobre o assunto. Sabemos que isso é possível, de acordo com o plano original da Anatel de discutir uma proposta. Mas isso já está na iminência de ser desvirtuado, porque o Ministério das Comunicações, pela pressão das operadoras, já esta querendo ter outra solução para banda larga. Na realidade, foram feitas quatro audiências públicas (pela Anatel) com pouca participação da sociedade. As entidades de defesa do consumidor estão sendo pouco ouvidas nesse processo. O ministro das comunicações (Hélio Costa) vem pressionando para cumprir o prazo que a BrT-Oi estipulou para o governo. Isso é uma inversão total. É o governo trabalhando para o setor privado. Então, para mim, esse processo é todo viciado. Assim, se o que não podia ser mexido está sendo, então nós precisamos, assim como o Ministério Público coloca, discutir mais com a sociedade.

O secretário-geral da Fittel (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações), à qual o Sinttel é filiado, declarou esta semana que a federação é conceitualmente favorável a criação da BrT-Oi.
Nós participamos de uma discussão junto com o Moura (João de Moura Neto, secretário-geral da Fittel) sobre a necessidade das representações no Ministério Público. Sete sindicatos que já encaminharam representação, que julga que há coisas mal explicadas em relação ao processo (o negócio BrT-Oi), há focos de corrupção. Então, nós queremos um maior debate com a sociedade, como eu já falei, queremos uma maior participação para definir limites dessa nova operadora. O que o Moura falou é que, se esse debate acontecer, se as deficiências forem resolvidas, aí não há motivo para ser contra. Se a (nova) empresa vai ser melhor do que as estão operando por aí – falamos de um melhor tratamento para o usuário, para os empregados, refletido numa melhor qualidade de prestação de serviço – se tudo isso acontecer, então somos a favor. Mas, quando declaramos que, em tese, somos favoráveis, e sabemos que na prática isso não está acontecendo, vamos ser objetivos e claros: somos contra. Do jeito como está a BrT-Oi, nós somos contra. Senão, o Sinttel não estaria com essa representação. O problema é que o caminho do negócio é esse: as consultas públicas e as sugestões já terminaram. Nessa história as operadoras são mais ouvidas do que a sociedade. No final do processo, vai ser como a BrOi quer. A gente queria, por exemplo, a garantia (hoje não existe nenhuma), de que após o negócio ser feito, com o aval do governo federal, essa nova empresa não vai ser comprada pela Telefônica ou pela Telmec, por exemplo. Mas dizem que, da forma como está saindo o negócio, essa empresa já vai nascer endividada e será vendida. Agora, se recomeçarmos o processo de discutir com a sociedade, nós não somos contra nenhuma empresa por natureza – desde que ela traga alguma vantagem – e inclusive de mudar a legislação para adaptar sua a existência. Achamos inclusive que seria um fenômeno dentro do setor das telecomunicações, que viria para dar um salto de qualidade. Mas nós não estamos vendo nenhum sinal desse salto de qualidade. Na audiência em Porto Alegre estava o Procon, o Ministério Público, provedores de internet, empresários do setor. Vários se queixaram, com a Anatel presente, de que as operadoras, do tamanho que são hoje, dão a mínima importância até para os processos de reclamação junto à Anatel. E a agência reconhece sua fragilidade em conseguir fiscalizar, porque eles são muitos poderosos, têm recursos fazem pressão, inclusive com inserção na mídia. E aí, a reflexão pública feita em Porto Alegre foi de que, se eles crescerem mais, será pior ainda. Para mim, está claro que a posição da Fittel é contra a mudança do PGO da forma como está sendo feita. E contra a BrT-Oi da mesma forma.

O que esperar a partir do Ministério Público?
O fato de nós estarmos questionado essa situação, pelo menos faz com que os donos da empresas, Carlos Jereissati e Sérgio Andrade, e os outros que estão em volta – fundos de pensão, esse negócio todo – saiam de seus tronos e venham discutir com a sociedade, com o Ministério Público. Venham negociar algumas garantias sociais, porque até agora não há nenhuma. Se o nosso país fosse um pouco mais sério, esse negócio não aconteceria e os governos FHC e Lula seriam investigados em função disso. Então, o resultado principal que nós esperamos pode não acontecer. Mas, certamente, alguma coisa a mais virá com um debate democrático em relação a esses limites. Os próprios conselheiros da Anatel verão com melhores olhos algumas sugestões feitas durante a consulta pública (que ao todo teve mais de mil sugestões) não vão ficar olhando só o lado das operadoras, porque, infelizmente, a Anatel tem a mania de olhar mais o lado da operadora. Esse processo vai trazer melhorias pelo exercício da cidadania. E o Lula, quando for assinar a nova lei, vai estar preocupado de não fazer nenhuma coisa que pareça beneficiar as operadoras.

* Flávio Silveira Rodrigues é Presidente do Sinttel/RS pela terceira gestão. Técnico em telecomunicações, é formado em Administração de Empresas pela Universidade Federal do rio Grande do Sul (UFRGS).

Comunicação é melhor quando incomoda

[Título original: A comunicação tanto é melhor quanto mais gente incomoda]

Formado em Matemática e pós-graduado em Filosofia da Ciência, Cláudio Weber Abramo é conhecido pelo modo duro e contundente com que faz suas críticas. Por cerca de nove anos, trabalhou no jornalismo brasileiro, entre os quais os periódicos “Folha de S. Paulo” e “Gazeta Mercantil”. Há oito anos, ele integra a organização Transparência Brasil, criada com a motivação do combate à corrupção. Nesta entrevista, ele fala sobre a relação entre mídia e democracia.

Qual o papel da mídia no processo de amadurecimento da democracia de um país?
Um dos componentes fundamentais da democracia é a existência de meios de comunicação independentes do Estado. No entanto, a independência do veículo só é possível se há independência econômica. Se eles não têm recursos de receitas publicitárias e ainda assim conseguem se manter, esse dinheiro sai de algum lugar. E sai do Estado, da publicidade oficial. Isso ocorre não apenas em lugares distantes, acontece em São Paulo também. O Brasil tem entre 600 e 700 jornais diários, mas há poucos veículos de comunicação que são realmente independentes.

Os meios de comunicação de massa brasileiros, em especial a televisão, têm efetivamente contribuído para um avanço na participação política da população?
O rádio e a televisão são os meios de comunicação mais significativos que temos. Existe a questão da hegemonia, como é o caso da Rede Globo. Mas não vejo esse domínio como algo totalmente ruim. A Rede Globo é, certamente, um fator de civilização em grande parte do país. Devido à organização em rede, algumas notícias podem ser divulgadas em âmbito nacional. Um exemplo é o caso do escândalo recente no governo do Maranhão. Se dependesse das TVs locais, os maranhenses nunca saberiam o que aconteceu. Só souberam porque saiu no Jornal Nacional. A notícia teve de vir de fora. Ou seja, embora esse domínio da Rede Globo seja criticado por muitos, essa presença massiva é benéfica em certas circunstâncias. E as pessoas só podem aperfeiçoar sua opinião sobre o que acontece na sociedade se forem bem informadas.

Como o senhor avalia o horário político obrigatório nas redes de rádio e televisão?
O horário político obrigatório não esclarece e por uma razão óbvia: não há o contraditório. Há carência de informação para a escolha dos cargos de vereador e deputado. Essa informação chega muito mal ao eleitor. Eu não acredito que a televisão possa fazer alguma coisa para mudar isso. Vou morrer sem ver a televisão investir no contraditório. Porque o contraditório, no Brasil, é visto como algo feio. As eleições se resolvem pelo marketing e me parece que são decididas pelos marqueteiros. Só que o marketing eleitoral é, basicamente, mentiroso. Procura injetar uma mentira. E se a população vota sem discutir, votará mal.

De que forma a televisão pode inserir, em sua grade cotidiana, programas que contribuam para ampliar o debate democrático no país?
Não sei, vejo muito pouco a televisão hoje, só assisto besteira. Mas talvez investir em debates, notícias. E não achar que a discussão é feia. A comunicação tanto é melhor quanto mais gente incomoda. A tendência dos dirigentes de TV é evitar o controverso. Nunca vou assistir num canal aberto uma discussão sobre ateísmo, por exemplo. Queria ver. Chama um padre, um estudioso e um ateu. Não vai acontecer isso na televisão, porque há um enorme receio de perder público ao cobrir assuntos controversos. A mentalidade é muito tacanha, dominada pela publicidade. A atitude é de vender a informação, mas informação não deve ser vendida.

A Transparência Brasil recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo na categoria Melhor Contribuição à Imprensa, em 2007. É uma prova de que a imprensa ainda depende de ferramentas externas para avaliar os políticos?
A informação em estado bruto não serve para nada. Há um emissor, que no caso dos assuntos políticos, é o Estado. Para que a informação seja inteligível, alguém precisa processá-la. Os jornalistas precisam desses “intérpretes da notícia” e, muitas vezes, a própria mídia faz esse papel. O jornalismo brasileiro é meramente declaratório. Fulano diz isso e ciclano diz aquilo. Mas o que isso quer dizer? O jornalista tem dificuldade em entender a situação. E as faculdades não contribuem em nada para a formação desse profissional. Sem contar o agravante que temos em municípios menores, em que o jornalista acumula a função de assessor de imprensa de órgãos estatais. A ferramenta Excelências, criada pela Transparência Brasil [que reúne informações sobre a atuação dos políticos brasileiros], é usada por jornalistas, mas mesmo eles têm dificuldades em explorá-la além da superfície. Claro que os jornalistas são nosso público prioritário, porque a imprensa é multiplicadora, mas não se restringe a eles. Pensamos que é útil para o eleitor.

Google, nossas vidas e monopólio na web

[Título original: Google: nossas vidas como base para construção de um monopólio na web.]

Há quem diga que a web 2.0 está criando novos tipos de paradigmas na sociedade, uma vez que disponibiliza um tipo de autonomia e interação que antes era quase impensável. Um deles é a economia da gratuidade. Serviços que antigamente eram caros e tecnicamente difíceis de serem utilizados hoje estão sendo disponibilizados na internet sem gerar custo ao usuário e fazendo com que ele perca menos tempo e tenha mais qualidade em seu trabalho.

Quem está sabendo tirar partido desse novo cenário é a empresa Google. Para os mais entusiastas, os serviços parecem perfeitos, mas, quanto mais cresce o Google, maior fica também o monopólio que a empresa está construindo em torno dessas ofertas que disponibiliza. O que esperar? Segundo o professor da Universidade de São Paulo (USP), André Fleury, “o mercado financeiro reconhece que o monopólio que o Google está estabelecendo na web garante que, no futuro, a empresa poderá ser capaz de gerar receitas e barreiras para que novos participantes não sejam concorrentes diretos”.

Ele concedeu entrevista à IHU On-Line por telefone e falou sobre essa realidade que está surgindo e sobre o desenvolvimento da web 2.0 e o nascimento da web 3.0.

André Leme Fleury é graduado em Engenharia Mecânica de Produção, pela Universidade de São Paulo (USP). Realizou mestrado e doutorado em Engenharia de Produção na Universidade Federal de Santa Catarina e na USP, respectivamente. Na USP é, atualmente, professor e coordenador do projeto Cidade do Conhecimento. É autor de “Dinâmicas organizacionais em mercados eletrônicos” (São Paulo: Editora Atlas, 2001).

Confira a entrevista.

Já podemos falar em economia do gratuito em relação à internet? Como essa economia está se constituindo e que perspectivas podemos ter em relação ao seu desenvolvimento?
Sim, podemos falar sobre economia do gratuito, que está ainda nos seus passos embrionários. O que se quer dizer com “passos embrionários ou iniciais”? Se pegarmos o Google [1] como exemplo, veremos que ele vale 200 bilhões de dólares, mas fatura sete bilhões exatamente por causa dessa economia da gratuidade que está surgindo agora. Em outras palavras, o Google tem uma quantidade de informações hoje em dia extremamente elevada em seu poder. Essas informações estão concentradas no YouTube, no Google Maps, no Google Earth, no Orkut (onde ele conhece muito das pessoas), entre outros serviços. Ele disponibiliza esses recursos onde obtém uma série de informações que são extremamente valiosas. No entanto, ainda não está claro como ele vai gerar modelos comerciais em relação a esse patrimônio que dispõem. Então, a economia do gratuito está ligada, num primeiro momento, à questão dos novos modelos de negócio que surgirão ao longo do tempo.
A segunda questão está relacionada ao compartilhamento do conhecimento para um bem comum e que, ao mesmo tempo que beneficia um usuário, dá retornos para a empresa também. São duas dinâmicas diferentes: a primeira se refere ao futuro das apostas na bolsa de valores que viabiliza recursos para que as empresas possam desenvolver ainda mais seus serviços, como é o caso do Google, e a segunda está relacionada aos softwares com códigos abertos. Aqui na USP, já estamos trabalhando essa questão e nos perguntamos: como compartilhar conhecimento de tal maneira que os professores possam utilizar o material um do outro e assim prestar melhores serviços, gerar conhecimento e oferecer aos repositórios o resultado disso?

A web 2.0 é uma receita de inovação e integração para produção social realizada pelas empresas e instituições?
A web 2.0, tecnologicamente, não representa inovação alguma, ou seja, as ferramentas que caracterizam a web 2.0, seja blog, wiki [2], fóruns, são tecnologias que estão disponíveis há bastante tempo para a maioria das pessoas. O que realmente apresenta uma inovação é a forma de relacionamento. As empresas estão começando a despertar para essa coisa das interações e das redes sociais, mas existe ainda muito chão para elas construírem. Aqui na universidade, estamos trabalhando os conceitos de construção colaborativa de conhecimento, ou seja, como os alunos podem adquirir conhecimento necessário para desenvolver os seus trabalhos, analisar e resolver os problemas. A mudança de paradigma aí é bastante extensa porque muda o relacionamento professor-aluno. Antes, apenas o professor detinha o saber; hoje, os alunos buscam o conhecimento, disponibilizam e aplicam esse conhecimento, e o professor passa a ter uma postura de mediador de uma rede. Essa mudança é radical e requer muita maturidade.

O Google está criando cada vez mais plataformas para que possamos “empurrar nossa vida para dentro da web”. Estamos criando uma cultura da inteligência coletiva com isso?
Depende de como esse conhecimento será compartilhado. No momento em que transfiro uma planilha minha para o Google Docs, eu estou simplesmente mudando o meu canal de acesso. Não existe uma mudança significativa em relação ao compartilhamento de conhecimento. A inteligência coletiva só surge quando existe esse compartilhamento. Então seriam necessárias novas dinâmicas para trabalhar esses documentos de tal maneira que eles não sejam mais meus. Nesse sentido, eles passariam a incorporar e desenvolver novas possibilidades de captura, além de gerar uma nova forma de divulgação desse conhecimento.

Mas o que o Google ganha com essa totalidade de serviços gratuitos?
Nada. O retorno só vem da bolsa de valores que investe no potencial dos serviços oferecidos. Por exemplo, a coisa mais cara é armazenar mídias, documentos etc. O Google oferece esse espaço que não temos e de forma gratuita. Existem links patrocinados, mas que não revertem o valor investido. No entanto, o mercado financeiro reconhece que o monopólio que o Google está estabelecendo na web garante que, no futuro, a empresa poderá ser capaz de gerar receitas e barreiras para que novos participantes não sejam concorrentes diretos.

A web 2.0 parece incluir cada vez mais as pessoas, isso porque seus dispositivos geralmente são fáceis de usar e permitem que se façam coisas na internet que antes só eram possíveis através de softwares caros e que exigem conhecimento técnico. Como está se constituindo o conceito de web 2.0 a partir dessa noção de excluídos e incluídos digitalmente?
Eu separaria essa questão em duas. A primeira diz respeito aos softwares livres, que são tão bons ou melhores do que os softwares proprietários. Um exemplo é o moodle [3], que temos usado extensivamente em diversas iniciativas. É extremamente fácil baixá-lo, instalá-lo e configurá-lo. Esse software representa muito essa idéia da economia do gratuito, em outras palavras. Eu uso e me beneficio dele. A cada vez que ele é aprimorado, esse aperfeiçoamento é incorporado pela comunidade, caso ela ache isso apropriado. Essa cultura tende a se valorizar cada vez mais.
Em relação à exclusão e inclusão digital, a coisa é bem mais complexa. Eu não vejo uma relação direta entre a web 2.0 e a inclusão digital. Temos trabalhado muito o conceito de emancipação digital, que não é apenas a pessoa saber mexer nos recursos, mas ser capaz de gerar renda com esses recursos. Ainda há poucas iniciativas nesse sentido, pois requer uma série de outras iniciativas de educação para que essas pessoas possam usar essas ferramentas das melhores formas possíveis.

Como se configura hoje e como pode ainda ser melhor explorada a arquitetura da participação a partir do conceito de web 2.0?
Esse é o principal desafio para quem está trabalhando com esse tipo de plataforma atualmente. O caso mais clássico que temos são os trabalhos de conclusão de curso que orientamos aqui na USP. Os alunos são conduzidos para trabalhar numa plataforma que tem wiki, tem fórum e assim por diante. E isso tem funcionado muito bem, pois as empresas estão interessadas nesse tipo de desenvolvimento e as universidades estão municiando esse aluno com todo conhecimento necessário para resolver esse problema. A participação está funcionando porque todos os lados estão trabalhando. O problema se apresenta quando só um lado está inserido nesse contexto. Essa evolução está muito relacionada ao jogo do estímulo e resposta.

A web 2.0 põe fim ao ciclo de lançamentos de softwares?
Não. Os softwares estão relacionados à capacidade de inovação. Se se é capaz de inovar, o posicionamento no mercado estará muito bem. Os softwares que estão fadados a desaparecer são aqueles que pararam de inovar, o que dá tempo para a comunidade criar um software livre. Com o Office aconteceu isto quando o Open Office foi criado.

Como a nova geração da internet afeta a mídia?
Estamos assistindo à convergência. Temos aí uma mudança de geração, ou seja, as pessoas precisam estar evoluindo no sentido de as novas mídias substituírem as mídias antigas, mas até agora nada muito efetivo aconteceu ainda. As grandes empresas estão sendo impactadas, mas ainda não de uma forma expressiva pela web. Mas haverá uma consolidação das novas mídias, certamente.

E o que viria ser a web 3.0?
A web 3.0 tem dois significados. O primeiro é a web semântica, ou seja, os mecanismos de busca vão se transformar em agentes mais inteligentes capazes de trazer melhores respostas às perguntas formuladas. A segunda tendência diz respeito a capacidade de remunerar quem está gerando conteúdo e conhecimento. Quando o Google descobrir como ganhar dinheiro com o YouTube, nada mais justo do que ele passe uma parte do dinheiro que ganhou para quem postou o conteúdo. Mas é preciso ainda fazer uma grande reflexão acerca da web semântica e dos modelos de negócio.

Esse é o momento de as novas redes sociais ditarem as regras do mercado, da sociedade, das políticas etc.?
Sem dúvida alguma. Tanto isso incomoda que a campanha política foi proibida para além dos sites oficiais dos candidatos. Isso porque as pessoas ainda não compreendem como a web 2.0 pode ser utilizada para a questão da política e, por isso, se proíbe. Tal movimento prova exatamente a capacidade dessa nova forma de comunicação entre novos mecanismos de percepção e avaliação dos usuários. No caso da política, essa questão assusta e daí ser mais fácil proibir do que tentar gerenciar o novo movimento.

E como o senhor vê a questão da discussão acerca do controle em relação à internet?
Eu acho que ela é incontrolável. Ela nasceu na sua essência livre justamente para garantir a multiplicidade de fontes de informação. Proibições e ações judiciais atestam o quanto elas podem incomodar e o quanto ela é incontrolável. As corporações têm de se adaptar a elas e passar a jogar a partir dessa sociedade gerada a partir do novo conceito de web.

Notas:

[1] Google Inc. é o nome da empresa que criou e mantém o maior site de busca da internet, o Google Search. O serviço foi criado a partir de um projeto de doutorado dos então estudantes Larry Page e Sergey Brin da Universidade de Stanford em 1996.

[2] O termo wiki é utilizado para identificar um tipo específico de coleção de documentos em hipertexto ou o software colaborativo usado para criá-lo. O termo significa, em havaiano, “super rápido”.

[3] Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment – Moodle é um software livre, de apoio à aprendizagem, executado num ambiente virtual. A expressão designa ainda o Learning Management System (Sistema de gestão da aprendizagem) em trabalho colaborativo baseado nesse programa. Em linguagem coloquial, o verbo to moodle descreve o processo de navegar despretensiosamente por algo, enquanto fazem-se outras coisas ao mesmo tempo. O conceito foi criado em 2001 pelo educador e cientista computacional Martin Dougiamas. Voltado para programadores e acadêmicos da educação, constitui-se em um sistema de administração de atividades educacionais destinado à criação de comunidades on-line, em ambientes virtuais voltados para a aprendizagem colaborativa. Permite, de maneira simplificada, a um estudante ou a um professor integrar-se, estudando ou lecionando, num curso on-line à sua escolha.